Processo nº 5136533-61.2021.8.09.0051
ID: 323877632
Tribunal: TJGO
Órgão: 4ª Câmara Cível
Classe: REQUERIMENTO DE REINTEGRAçãO DE POSSE
Nº Processo: 5136533-61.2021.8.09.0051
Data de Disponibilização:
14/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
MARCELO EURIPEDES FERREIRA BATISTA
OAB/GO XXXXXX
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GENEVAL PAULO SANTOS DE SOUZA
OAB/GO XXXXXX
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ALBERIZA RODRIGUES DA SILVA
OAB/GO XXXXXX
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PODER JUDICIÁRIO
Tribunal de Justiça do Estado de Goiás
Gabinete da Desembargadora Elizabeth Maria da Silva
APELAÇÃO CÍVEL Nº 5136533-61.2021.8.09.0051
COMARCA DE GOIÂNIA
4ª CÂMARA CÍVEL
APELA…
PODER JUDICIÁRIO
Tribunal de Justiça do Estado de Goiás
Gabinete da Desembargadora Elizabeth Maria da Silva
APELAÇÃO CÍVEL Nº 5136533-61.2021.8.09.0051
COMARCA DE GOIÂNIA
4ª CÂMARA CÍVEL
APELANTES : ANTÔNIO PEREIRA DE BRITO E OUTROS
APELADO : JOAQUIM PEREIRA JACÓ
RELATORA : Desembargadora ELIZABETH MARIA DA SILVA
VOTO
De início, rejeito a preliminar de não conhecimento do recurso por violação à regra da dialeticidade, porquanto as razões recursais apresentadas pela parte recorrente não se encontram dissociadas do decisum que se pretende reformar.
Ao contrário, atacam diretamente os fundamentos que o juízo de primeira instância utilizou para formar seu entendimento, demonstrando os motivos pelos quais acreditam haver equívoco no citado ato judicial em determinar a reintegração de posse ao recorrido, possibilitando à parte contrária e à Corte de Justiça a análise das questões recursais submetidas a julgamento.
Assim, presentes os requisitos de admissibilidade do recurso, dele conheço.
A controvérsia instaurada nos autos envolveu a discussão acerca da posse e da propriedade de imóvel situado na Rua Hugo de Carvalho Ramos, quadra A, lote 02-A, Vila Irany, nesta Capital, com área de 682,42 m², devidamente registrado na 2ª Circunscrição do Cartório de Registro de Imóveis.
De um lado, JOAQUIM PEREIRA JACÓ ajuizou ação de reintegração de posse, autuada sob o nº 5136533-61.2021.8.09.0051, afirmando que cedeu o imóvel a título de auxílio-moradia a ANTÔNIO PEREIRA DE BRITO durante a vigência do contrato de trabalho, sem transferência de domínio.
Alegou que, com o término do vínculo empregatício, a permanência dos ocupantes tornou-se injustificada e caracterizou esbulho possessório. Notificou extrajudicialmente os requeridos em 02/02/2021, concedendo prazo de 30 dias para desocupação voluntária, o que não se concretizou, motivo pelo qual pleiteou, liminarmente, a reintegração de posse.
De outro lado, ANTÔNIO PEREIRA DE BRITO e OUTROS propuseram ação de usucapião extraordinária (autos protocolados sob o nº 5460051-07.2021.8.09.0051), afirmando que exerciam posse sobre o imóvel desde 1975. Inicialmente, disseram que a ocupação resultou de vínculo empregatício mantido com JOAQUIM PEREIRA JACÓ, mas com a transferência da empresa para Aparecida de Goiânia/GO, em 1998, a posse passou a ser exercida de forma exclusiva, pois anteriormente era compartilhada com outros funcionários do frigorífico. Posteriormente, com a aposentadoria de ANTÔNIO PEREIRA DE BRITO, sustentam a conversão da detenção em posse ad usucapionem.
Informaram que, a partir de 1995, o imóvel também passou a ser moradia dos filhos de Antônio: ANDRÉIA PEREIRA DA SILVA e CLEUBER PEREIRA DA SILVA, com seus respectivos cônjuges HOZIEL DOMINGOS RODRIGUES e PATRÍCIA GERMANO DA SILVA, os quais realizaram benfeitorias, mantiveram a integridade do imóvel e adimpliram os tributos correspondentes.
Sustentaram que já haviam proposto anterior ação de usucapião, protocolada sob o nº 0253805-79.2012.8.09.0051, julgada improcedente, na qual foi utilizado como marco inicial para contagem do prazo aquisitivo a data de 29/09/2008.
Argumentaram que, da referida data até 02/02/2021, quando se deu a interrupção da prescrição aquisitiva pela notificação extrajudicial, decorreram 12 anos, 4 meses e 4 dias. Acrescentaram que, mesmo diante do cancelamento da aposentadoria por invalidez de ANTÔNIO PEREIRA DE BRITO, ocorrido em 23/05/2012, conforme processo administrativo do INSS, os requisitos legais da usucapião extraordinária, inclusive o lapso temporal exigido, teriam sido plenamente satisfeitos.
O juízo de origem, após análise das provas produzidas, concluiu que os autores da ação de usucapião não demonstraram a presença do animus domini, elemento subjetivo indispensável à caracterização da posse ad usucapionem, razão pela qual julgou improcedente o pedido de reconhecimento da usucapião extraordinária.
Constatou que a ocupação se deu por mera tolerância decorrente da relação laboral, caracterizando posse precária, nos termos do art. 1.208 do Código Civil. Embora a moradia tenha sido prolongada, o magistrado entendeu que a origem da posse e a falta de oposição explícita à titularidade do proprietário impediam o reconhecimento da usucapião.
No tocante à ação de reintegração de posse, o juiz concluiu que JOAQUIM PEREIRA JACÓ comprovou os requisitos do art. 561 do Código de Processo Civil. Reconheceu, ainda, a existência de comodato verbal e determinou a reintegração da posse em favor do autor.
Além disso, condenou os requeridos ao pagamento de aluguéis no valor correspondente a 1% do valor do imóvel, limitado a R$ 900,00 mensais, bem como das despesas relativas a água, energia elétrica e IPTU. Determinou, ainda, que eventuais danos causados ao imóvel fossem apurados em fase de liquidação de sentença.
Irresignados, os recorrentes arrazoaram que o apelado não comprovou a posse anterior, tampouco o esbulho ou a data da perda da posse, requisitos essenciais à procedência da reintegração de posse, nos termos do art. 561 do Código de Processo Civil.
Impugnaram a condenação ao pagamento de aluguéis, por considerarem incompatível com suas condições econômicas. Alegaram, ainda, que a cobrança é indevida, tendo em vista a função social desempenhada, as benfeitorias realizadas no imóvel e o uso prolongado do bem como residência familiar.
Adianto que a pretensão recursal não merece acolhimento, pelas razões que passo a expor.
A posse, segundo Caio Mário da Silva Pereira, significa “uma situação de fato, em que uma pessoa, que pode ou não ser a proprietária, exerce sobre uma coisa atos e poderes ostensivos, conservando-a e defendendo-a, exercitando sobre ela ingerência socioeconômica” (in Instituições de Direito Civil: Direitos Reais, 18ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 14).
Ensinam Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald que “a pretensão contida na ação de reintegração de posse é a reposição do possuidor à situação pregressa ao ato de exclusão da posse, recuperando o poder fático de ingerência socioeconômica sobre a coisa” (in Curso de Direito Civil, 8ª ed., Salvador: JusPodivm, 2012, p. 207/208).
É o que dispõe a norma positivada no artigo 1.210 do Código Civil:
Art. 1.210. O possuidor tem direito a ser mantido na posse em caso de turbação, restituído no de esbulho, e segurado de violência iminente, se tiver justo receio de ser molestado.
A tutela processual desse direito possessório é regida por procedimento especial, previsto nos artigos 561 e seguintes, todos do Código de Processo Civil:
Art. 561. Incumbe ao autor provar:
I. a sua posse;
II. a turbação ou o esbulho praticado pelo réu;
III. a data da turbação ou do esbulho;
IV. a continuação da posse, embora turbada, na ação de manutenção, ou a perda da posse, na ação de reintegração.
Art. 562. Estando a petição inicial devidamente instruída, o juiz deferirá, sem ouvir o réu, a expedição do mandado liminar de manutenção ou de reintegração, caso contrário, determinará que o autor justifique previamente o alegado, citando-se o réu para comparecer à audiência que for designada.
Parágrafo único. Contra as pessoas jurídicas de direito público não será deferida a manutenção ou a reintegração liminar sem prévia audiência dos respectivos representantes judiciais.
Art. 563. Considerada suficiente a justificação, o juiz fará logo expedir mandado de manutenção ou de reintegração.
Para fazer jus à tutela possessória vindicada, a norma processual exige que o autor comprove, desde logo, os seguintes aspectos da causa de pedir: a) o exercício de posse anterior; b) o esbulho/turbação praticado pelo réu; c) a data que o esbulho/turbação se consumou; e d) a manutenção ou a perda da posse.
No caso em análise, é incontroverso que o imóvel objeto da lide foi cedido ao recorrente ANTÔNIO PEREIRA DE BRITO, em 1975, em razão da existência de vínculo empregatício com o autor/apelado para prestação de serviços no frigorífico de sua propriedade.
Nesse contexto, a posse exercida pelos recorrentes não se mostra apta à aquisição da propriedade por usucapião, conforme decidido na sentença e nos autos anexados, uma vez que decorreu de relação obrigacional, configurando comodato verbal por tempo indeterminado, fato expressamente reconhecido em audiência e consignado na sentença recorrida.
Assim, a notificação extrajudicial para desocupação em 02/02/2021 e a permanência dos recorrentes caracterizam a precariedade da posse e configuram esbulho.
Durante a audiência de instrução e julgamento (evento nº 100), foram colhidos os depoimentos das testemunhas Lucelena Terêncio e Iolinda Ribeiro da Silva. A primeira declarou que o ANTÔNIO PEREIRA DE BRITO reside no imóvel há mais de trinta anos. Relatou que, além do autor, outras duas famílias, também empregadas da parte requerida, ocuparam o imóvel. Informou que ANTÔNIO PEREIRA DE BRITO trabalhava no frigorífico do requerido durante a semana e retornava à residência apenas aos finais de semana.
Por sua vez, a testemunha Iolinda Ribeiro da Silva esclareceu que trabalhou no frigorífico entre os anos de 1989 a 2017 e que morava no imóvel, juntamente a outras sete famílias. Afirmou que, mesmo após a transferência da sede do frigorífico para Aparecida de Goiânia, ANTÔNIO PEREIRA DE BRITO permaneceu trabalhando para o requerido, deslocando-se durante a semana e retornando para casa nos finais de semana. Destacou, ainda, que o requerido cedia a moradia apenas para fins laborais, exigindo a desocupação do imóvel em caso de demissão do funcionário.
Tais depoimentos corroboram a tese de que a posse exercida sobre o imóvel decorreu de mera tolerância, atrelada à relação de emprego, reforçando a ausência do animus domini necessário à configuração da usucapião.
A doutrina mais abalizada é pacífica ao afirmar que a posse derivada de uma relação obrigacional, na qual subsiste o dever de restituição da coisa ao legítimo proprietário ou possuidor, constitui obstáculo objetivo à formação do animus domini.
Não é por outro motivo que se afasta a possibilidade de aquisição da propriedade com fundamento em posse prolongada oriunda de relações locatícias, comodatárias ou usufrutuárias, nas quais prevalece o dever jurídico de restituição do bem.
Enquanto esse dever de restituir subsistir, não há como se reconhecer a existência de posse ad usucapionem, pois o ocupante limita-se ao exercício de um poder de fato sobre o bem (corpus), desprovido do elemento subjetivo necessário à aquisição da propriedade, qual seja, o animus domini.
Perfilha essa mesma linha hermenêutica, o escólio doutrinário do inesquecível civilista Orlando Gomes:
A posse que conduz à usucapião deve ser exercida com animus domini, mansa e pacificamente, contínua e publicamente. a) O animus domini precisa ser frisado para, de logo, afastar a possibilidade de usucapião dos fâmulos da posse. Em seguida, devem ser excluídos os que exercem temporariamente a posse direta, por força de obrigação, ou de direito, como dentre outros, o usufrutuário, o credor pignoratício e o locatário. Nenhum deles pode adquirir, por usucapião, a propriedade da coisa que possui em razão de usufruto, penhor ou locação. É que devido à causa da posse, impossível se torna possuírem como proprietário. (…) Se há obstáculo objetivo a que possua com esse animus não pode adquirir a propriedade por usucapião. (…) Por fim, é preciso que a intenção de possuir como dono exista desde o momento em que o prescribente se apossa do bem.
(in Direitos Reais. 8ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1983, p. 148, g.)
Alinha-se a essa corrente doutrinária, o percuciente magistério de Caio Mário da Silva Pereira:
A posse ad usucapionem é aquela que se exerce com a intenção de dono – cum animo domini. Este requisito psíquico de tal maneira se integra na posse, que adquire tônus de essencialidade. De início, afasta-se a mera detenção, pois, conforme visto acima não se confunde ela com a posse, uma vez que lhe falta a vontade de tê-la. E exclui, igualmente, toda posse que não se faça acompanhar da intenção de ter a coisa para si – animus rem sibi habendi, como por exemplo a posse direta do locatário, do usufrutuário, do credor pignoratício. (…). E é óbvio, pois aquele que possui com base num título que o obriga a restituir desfruta de uma situação incompatível com a aquisição da coisa para si mesmo. (in Instituições de Direito Civil: Direitos Reais. v. 4, 19ª ed. rev. atual. Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 140, g.)
Com esteio nesse sólido arcabouço doutrinário, onde houver o dever de restituir a coisa, não há, portanto, lugar para a existência de animus domini.
Cumpre assinalar que o animus domini é absolutamente incompatível com a natureza jurídica do comodato, uma vez que o comodatário tem plena ciência de que não é proprietário do bem e de que este pertence a outrem.
Assim, a posse direta exercida sobre o imóvel, fundada em relação obrigacional de comodato, não confere aos comodatários o direito de usucapir, ainda que permaneçam no imóvel por longos anos sem devolvê-lo, situação que, no caso, decorreu de mera tolerância do apelado.
Com efeito, a posse precária não recebe proteção do ordenamento jurídico, exatamente porque resulta do abuso de confiança daquele que, tendo o dever de restituir a coisa, se recusa a fazê-lo, passando a deter o bem de forma ilegítima.
Nesse diapasão, assiste razão ao juízo a quo ao concluir que o imóvel objeto do comodato destinava-se a acomodar os requeridos/apelantes enquanto vigente a relação jurídica. Assim, pleiteado o bem pelo proprietário, impõe-se a restituição da posse.
A propósito, confira os seguintes julgados do colendo Superior Tribunal de Justiça e desta egrégia Corte de Justiça em casos análogos:
AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. CONTRATO DE COMODATO VERBAL. COMPROVAÇÃO. USUCAPIÃO. IMPOSSIBILIDADE. REEXAME DE ACERVO FÁTICO-PROBATÓRIO E CLÁUSULAS CONTRATUAIS. SÚMULAS 5 E 7 DO STJ. AGRAVO NÃO PROVIDO. 1. A Corte de origem, analisando o acervo fático-probatório dos autos, concluiu que os bens ora pleiteados são de propriedade da agravada e foram objeto de contrato de comodato verbal firmado entre as partes. Concluiu, ainda, que, em decorrência da existência de tal contrato, não há que se falar em usucapião quanto aos referidos bens, pela inexistência de posse com animus domini. 2. A alteração das premissas fáticas adotadas pela Corte de origem demandaria a interpretação de cláusulas contratuais e o reexame de provas, o que é vedado pelas Súmulas 5 e 7 do Superior Tribunal de Justiça. 3. Agravo interno não provido.
(STJ, 4ª Turma, AgInt no AREsp 944.542/PR, Rel. Ministro Raul Araújo, julgado em 15/08/2017, DJe 29/08/2017, g.)
PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. REEXAME DE MATÉRIA PROBATÓRIA. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 7/STJ. AGRAVO NÃO PROVIDO. 1. O Tribunal de origem consigna que as provas dos autos demonstram a existência do contrato de comodato verbal a impedir o pretendido reconhecimento da ação de usucapião em favor do recorrente. Portanto, a reforma do aresto, neste aspecto, demanda reexame de provas, o que é vedado em recurso especial, ante o óbice da Súmula 7/STJ. 2. Agravo interno não provido.
(STJ, 4ª Turma, AgInt no AREsp 986.482/SP, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, julgado em 06/12/2016, DJe 14/12/2016, g.)
RECURSO ESPECIAL. USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIA. INSTÂNCIAS ORIGINÁRIAS QUE JULGARAM IMPROCEDENTE OS PEDIDOS. POSSE AD USUCAPIONEM E POSSE PRECÁRIA. TRANSMUDAÇÃO DA SUA NATUREZA. POSSIBILIDADE. NÃO OCORRÊNCIA NA ESPÉCIE. INEXISTÊNCIA DE ALTERAÇÃO FÁTICA SUBSTANCIAL ENTRE A AQUISIÇÃO DA POSSE E O SEU EXERCÍCIO. CONTRATO DE COMODATO. RECURSO ESPECIAL DESPROVIDO. Hipótese: A presente controvérsia consiste em aferir se, para fins de usucapião extraordinário, a posse originariamente precária pode transmudar-se a dar ensejo àquela exercida com animus domini. 1. Tanto sobre a égide do Código anterior, quanto do atual, os únicos requisitos exigidos para a aquisição da propriedade por usucapião extraordinário são a posse ad usucapionem e o prazo previsto em lei. 2. Para fins de aquisição da propriedade por usucapião admite-se tanto a acessão na posse, accessio possessionis, quanto a sucessão na posse, ou successio possessionis. 3. No caso dos autos, verifica-se que mesmo com a morte da primeira posseira, não houve alteração fática substancial a ponto de conduzir à transmudação da posse por ela exercida, já que durante todo o tempo a relação jurídica estabelecida entre as partes foi regida pelo comodato, primeiro verbal, depois escrito. Nas hipóteses em que a alteração fática autorizar, admite-se a transmudação da natureza da posse para fins de configuração de usucapião, todavia, tal não ocorreu na espécie, em que a posse originariamente adquirida em caráter precário, assim permaneceu durante todo o seu exercício. 4. Recurso especial não provido.
(STJ, 4ª Turma, REsp 1552548/MS, Rel. Ministro Marco Buzzi, julgado em 06/12/2016, DJe 14/12/2016, g.)
Apelação Cível. Ação de Reintegração de Posse. Usucapião como matéria de defesa. Requisitos não comprovados. Os atos de permissão ou de mera tolerância induzem posse precária, cujo vício não se convalesce pelo decurso do tempo, nem pela vontade unilateral do possuidor. Inteligência dos artigos 1.203 e 1.208, ambos do Código Civil. Contrato de comodato. Posse precária. Carência de Animus Domini. Esbulho Configurado. 1. A existência de contrato de comodato verbal, cuja natureza abarca o dever de restituir a coisa ao proprietário, constitui obstáculo objetivo à existência de animus domini, o que afasta, perenemente, a possibilidade do possuidor/comodatário adquirir a propriedade, por usucapião. 2. Nos contratos de comodato por prazo indeterminado, após externada a vontade do comodatário de restituir o imóvel, a permanência no bem consiste em posse injusta e configura esbulho, motivo pelo qual a pretensão de reintegração de posse, para proteger a posse do legítimo titular, deve ser acolhida. Apelação Cível conhecida e desprovida.
(TJGO, 10ª Câmara Cível, Apelação Cível nº 5447954-30.2020.8.09.0044, Rel. Juiz Clauber Costa Abreu, DJe de 20/03/2024)
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE. COMODATO VERBAL. POSSE PRECÁRIA. USUCAPIÃO AFASTADA. ESBULHO POSSESSÓRIO CONFIGURADO. REQUISITOS AUTORIZADORES DA REINTEGRAÇÃO DE POSSE. SUCUMBÊNCIA RECURSAL. I - Incumbe àquele que propõe demanda reintegratória comprovar a posse anterior e a perda dela, bem como o esbulho e sua delimitação, o que restou demonstrado nos autos, impondo a concessão da proteção possessória à autora/apelada. II - A precariedade da posse exercida mediante contrato de comodato verbal não induz a ocorrência da usucapião. III - Embora não haja contrato escrito, evidencia-se a existência do comodato verbal por tempo indeterminado, não havendo se falar em usucapião, mas apenas posse precária, que dá direito ao reembolso das benfeitorias. IV - Incabível compelir a apelada a amparar financeiramente o apelante, eis que tal responsabilidade deve ser atribuída aos filhos. V - Permanecendo o réu/apelante vencido neste grau recursal, majora-se a parte da verba honorária sucumbencial que lhe toca em R$ 500,00 (quinhentos reais), com fulcro no art. 85, § 11, do CPC, ressalvando, porém, a suspensão de sua exigibilidade, por ser ele beneficiário da gratuidade da justiça. APELAÇÃO CÍVEL CONHECIDA E DESPROVIDA. SENTENÇA MANTIDA.
(TJGO, 6ª Câmara Cível, Apelação Cível nº 5213586-11.2019.8.09.0174, Rel. Desa. Alice Teles de Oliveira, DJe de 10/04/2023, g.)
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE (IMÓVEL). COMODATO VERBAL. POSSE INDIRETA COMPROVADA. NOTIFICAÇÃO PARA DESOCUPAÇÃO. NÃO ATENDIMENTO. ESBULHO CARACTERIZADO. AUSÊNCIA DE ANIMUS DOMINI. REQUISITOS DA USUCAPIÃO NÃO DEMONSTRADOS. PEDIDOS DE RETENÇÃO E DE INDENIZAÇÃO PELAS BENFEITORIAS NÃO FORMULADOS NA CONTESTAÇÃO. NÃO CONHECIDOS. CONDENAÇÃO NOS ÔNUS DA SUCUMBÊNCIA. PARTE BENEFICIÁRIA DA ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA GRATUITA. SUSPENSÃO DA EXIGIBILIDADE. PEDIDO FEITO NAS CONTRARRAZÕES. IMPOSSIBILIDADE. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS RECURSAIS. DESCABIMENTO.(...) 2. A posse oriunda de contrato de comodato impede a caracterização de animus domini, não podendo o período de vigência do contrato ser computado para aferição de usucapião. 3. Os pedidos de retenção e de indenização pelas benfeitorias, não formulados na contestação, não devem ser apreciados nessa instância por se tratar de inovação recursal. (...) RECURSO CONHECIDO EM PARTE E PARCIALMENTE PROVIDO.
(TJGO, 4ª Câmara Cível, Apelação nº 0301983-70.2012.8.09.0112, Relª Desª Nelma Branco Ferreira Perilo, DJe de 07/03/2018, g.)
Sendo assim, restou demonstrado que o apelado preencheu os requisitos legais para a reintegração de posse, quais sejam: posse anterior, prática de esbulho, data do esbulho e perda da posse, nos termos do que exige o ordenamento jurídico.
Por outro lado, considerando que a transmutação da posse precária em posse ad usucapionem apenas se iniciaria com o término da relação laboral, o requisito temporal previsto no art. 1.238 do Código Civil não restou preenchido, conforme demonstrado nos autos anexados nº 5460051-07.2021.8.09.0051.
Isso porque, nos autos da reclamação trabalhista nº 0010182-26.2013.5.18.0014 se verifica que o pedido de demissão foi formulado em 28 de março de 2011, com projeção do aviso prévio indenizado até 27 de junho de 2011 (evento nº 9, p. 1.041/1.049).
Destaca-se, ainda, que a aposentadoria anteriormente concedida foi anulada pelo INSS, diante da ausência de invalidez, o que reforça a prevalência da data de 27/06/2011 como marco inicial para análise da posse ad usucapionem.
Por derradeiro, além da obrigação de restituição do bem, impõe-se o adimplemento do aluguel fixado até a data da efetiva devolução ao comodante. Isso porque o comodatário constituído em mora sujeita-se a dupla sanção, nos termos do art. 582, do Código Civil: além de por ela responder, pagará, até restituí-la, o aluguel da coisa que for arbitrado.
No caso dos autos, devidamente notificados, deixaram os apelantes de procederem com a desocupação voluntária do imóvel, motivo pelo qual devidos os alugueres à parte apelada.
Por oportuno, confira os seguintes julgados do egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo sobre o assunto:
APELAÇÃO CÍVEL. Ação de reintegração de posse. Sentença de procedência. Insurgência da requerida. Descabimento. PRELIMINARES. Nulidade da citação. Inocorrência. Comparecimento espontâneo da parte ré que supre a falta ou nulidade da citação (art. 239, §1º, CPC). Incorreção do valor atribuído à causa. Impossibilidade. Art. 292 que não estabelece critérios para o valor da causa em ações possessórias. Entendimento jurisprudencial no sentido de se utilizar como base o valor venal do imóvel. Ausência de provas do valor venal do imóvel, não havendo irrazoabilidade no valor atribuído à causa. Preliminares rejeitadas. MÉRITO. Comodato verbal por tempo indeterminado firmado entre mãe e filha. Requerida que, mesmo após citada, não procedeu com a desocupação voluntária do imóvel. Esbulho caracterizado. Atos de mera permissão ou tolerância que não induzem posse (art. 1208, CC). Cabimento da condenação ao pagamento de alugueres (art. 582, CC). Precedentes. Sentença mantida. Recurso não provido.
(TJSP, 24ª Câmara de Direito Privado, Apelação Cível nº 1004808-41.2023.8.26.0223, Relator Des. Pedro Paulo Maillet Preuss, Data de Registro: 20/03/2025, g.)
DIREITO CIVIL. AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE. COMODATO. ESBULHO. ALUGUEL. INDENIZAÇÃO POR BENFEITORIAS. PARCIAL PROVIMENTO DO RECURSO. (...) A permanência dos réus no imóvel, após notificação para desocupação, caracteriza esbulho. O valor de R$500,00 mensais a título de aluguel é considerado razoável e deve ser pago desde a citação, com undamento no art.582 do CC (...). Tese de julgamento: "1. A reintegração de posse é devida quando configurado o esbulho. 2. O comodante pode cobrar aluguel após a constituição em mora do comodatário. 3. O direito de retenção é garantido ao possuidor de boa-fé até a compensação dos créditos." (...).
(TJSP, 13ª Câmara de Direito Privado, Apelação Cível nº 1020547-68.2022.8.26.0068, Relatora Desa. Ana de Lourdes Coutinho Silva da Fonseca, Data de Registro: 08/01/2025, g.)
AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE. APELAÇÕES DO AUTOR E DOS RÉUS. Recurso dos réus: Indeferimento de produção de provas consideradas protelatórias. Arguição de nulidade formulada pelos réus. Não acolhimento. Juiz é o destinatário da prova e a ele cabe a verificação das medidas necessárias para a formação do seu livre convencimento. Decisão fundamentada, sem qualquer cerceamento. Alegação de simulação mediante coação. Impossibilidade de reexaminar nesta ação pretensões já apreciadas em outra demanda (ação declaratória de nulidade de negócio jurídico) e acobertadas pela coisa julgada. Possibilidade de arguição incidente da usucapião como matéria de defesa (Súmula nº 287 do E. STF). Existência de comodato verbal. A demonstração do comodato exclui o reconhecimento do exercício de posse com "animus domini", requisito basilar para configuração da usucapião extraordinária, e, por consequência, afasta a alegação da aquisição do domínio pela prescrição aquisitiva, pois ausentes os requisitos do art. 1.238 do Código Civil. Alegação de que foram feitas benfeitorias no imóvel, porém, sem qualquer descrição, indicação da data de realização e do respectivo valor, de forma a permitir a sua classificação como úteis, necessárias ou voluptuárias e o reconhecimento de direito à indenização. Inviabilidade da condenação da autora em indenizar por benfeitorias não descritas e não comprovadas. Recurso da autora: Não comprovação da existência de danos morais que não decorrem, por si só, da recusa dos réus em restituir a posse e da necessidade de ajuizamento de ação para a reintegração. Dever dos réus em promover o pagamento de aluguéis, como indenização pelos danos materiais consistentes na impossibilidade de fruição do imóvel e obtenção dos seus frutos, que não se confunde com danos de ordem moral. Diante da comprovação de comodato verbal e da resistência na devolução do imóvel quando solicitado pelo possuidor, caracterizando esbulho, são devidos aluguéis mensais, a partir da data de citação, com valor a ser apurado em liquidação de sentença. RECURSO da autora LITIS PARTICIPAÇÕES LTDA parcialmente provido. RECURSO dos réus ABEL AUGUSTO BATISTA DE ALMEIDA CRÓ JUNIOR e ELIZABETH DE MELO FARIA CRÓ não provido.
(TJSP, 11ª Câmara de Direito Privado, Apelação Cível nº 1014505-04.2017.8.26.0577; Relator Des. José Marcelo Tossi Silva, Data de Registro: 21/03/2025, g.)
Contudo, não havendo nos autos prova da estipulação do valor dos aluguéis pela fruição indevida do imóvel e considerando o longo período decorrido até a reivindicação da posse, bem como as reformas realizadas pelos recorrentes, revela-se irrazoável e precipitada a fixação do aluguel em 1% sobre o valor do bem, ainda que limitada ao montante de R$ 900,00.
A quantia devida deverá ser apurada na fase de cumprimento de sentença, tomando-se como termo inicial a data do recebimento da notificação extrajudicial. Para tanto, deverá ser realizada a avaliação atualizada do imóvel, ponderando-se as benfeitorias comprovadamente realizadas que excedam as despesas ordinárias necessárias ao uso e gozo do bem.
Tais critérios deverão ser considerados pelo juízo a quo, que poderá, ainda, estabelecer o parcelamento do débito de modo que não comprometa de forma significativa a condição financeira dos recorrentes.
AO TEOR DO EXPOSTO, CONHEÇO da apelação cível interposta e DOU-LHE PARCIAL PROVIMENTO, reformando a sentença apenas para determinar que a quantia e os parâmetros para o pagamento dos aluguéis pela fruição do imóvel sejam apurados na fase de liquidação de sentença, a partir da data do recebimento da notificação extrajudicial (02/02/2021), com a compensação das benfeitorias comprovadamente realizadas que excedam as despesas ordinárias necessárias ao uso e gozo do bem, mantidos os demais termos da sentença.
Não é aplicável o § 11 do artigo 85 do Código de Processo Civil.
É como voto.
Transitada em julgado a presente decisão, devolvam-se os autos ao juízo de origem, após baixa da minha relatoria no Sistema de Processo Judicial Digital.
Goiânia, datado e assinado digitalmente.
Desembargadora ELIZABETH MARIA DA SILVA
Relatora
9
APELAÇÃO CÍVEL Nº 5136533-61.2021.8.09.0051
COMARCA DE GOIÂNIA
4ª CÂMARA CÍVEL
APELANTES : ANTÔNIO PEREIRA DE BRITO E OUTROS
APELADO : JOAQUIM PEREIRA JACÓ
RELATORA : Desembargadora ELIZABETH MARIA DA SILVA
Ementa: DIREITO CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL EM AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE. COMODATO VERBAL. USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIA. CONHECIMENTO E DESPROVIMENTO PARCIAL. REINTEGRAÇÃO DE POSSE E CONDENAÇÃO AO PAGAMENTO DE ALUGUÉIS. FIXAÇÃO DO VALOR EM LIQUIDAÇÃO DE SENTENÇA.
I. CASO EM EXAME
1. Ação de reintegração de posse ajuizada por autor em face dos réus, relativa a imóvel localizado em Goiânia/GO, com pedido de reintegração e pagamento de aluguéis e encargos.
2. Sentença de parcial procedência na origem: deferida a reintegração de posse, condenação dos réus ao pagamento de aluguéis e encargos, fixados preliminarmente em R$ 900,00, bem como a indenização por eventuais danos.
3. Apelação cível interposta pelos réus buscando a improcedência do pedido de reintegração de posse e afastamento da condenação de aluguéis, alegando usucapião extraordinária e função social da posse.
4. Efeito suspensivo concedido em sede recursal.
5. Voto condutor que conheceu da apelação e deu-lhe parcial provimento apenas para remeter a fixação do valor dos aluguéis à fase de liquidação de sentença.
II. QUESTÕES EM DISCUSSÃO
6. Há duas questões em discussão: (i) saber se a posse exercida pelos apelantes permitiria o reconhecimento de usucapião extraordinária; (ii) saber se a fixação dos aluguéis deve ser revista quanto ao valor e à forma de apuração.
III. RAZÕES DE DECIDIR
7. A posse derivada de comodato verbal caracteriza posse precária, sendo incompatível com a aquisição da propriedade por usucapião extraordinária, ante a ausência do animus domini (art. 1.208 do Código Civil).
8. A doutrina majoritária, bem como o entendimento consolidado do Superior Tribunal de Justiça, afasta a possibilidade de usucapião quando a posse tem origem em relações de mera tolerância ou comodato.
9. Demonstrada a configuração de esbulho possessório e preenchidos os requisitos dos arts. 561 e seguintes do Código de Processo Civil, cabível a reintegração de posse.
10. Nos termos do art. 582 do Código Civil, a recusa do comodatário em devolver o bem impõe o pagamento de aluguel arbitrado judicialmente.
11. Diante da ausência de prova do valor do aluguel devido e do tempo decorrido da ocupação, determinou-se que o montante e os parâmetros de pagamento sejam apurados em fase de liquidação de sentença, com a devida consideração das benfeitorias comprovadas que excedam as despesas ordinárias necessárias ao uso e gozo do bem.
IV. DISPOSITIVO E TESE
12. Apelação cível conhecida e parcialmente provida para reformar a sentença apenas quanto à fixação dos aluguéis, remetendo sua apuração à fase de liquidação de sentença.
Tese de julgamento: 1. A posse precária decorrente de comodato verbal não gera animus domini e obsta a aquisição da propriedade por usucapião extraordinária. 2. A configuração do esbulho possessório autoriza a reintegração da posse e o pagamento de aluguéis pela fruição do imóvel, cuja fixação deve respeitar a razoabilidade e ser apurada em liquidação de sentença.
________
Dispositivos relevantes citados: Código Civil, arts. 1.208, 1.210 e 582; Código de Processo Civil, arts. 561, 562 e 563.
Jurisprudência relevante citada: STJ, AgInt no AREsp 944.542/PR, Rel. Min. Raul Araújo; STJ, AgInt no AREsp 986.482/SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão; STJ, REsp 1552548/MS, Rel. Min. Marco Buzzi; TJGO, Apelação Cível nº 5447954-30.2020.8.09.0044, Rel. Juiz Clauber Costa Abreu; TJGO, Apelação Cível nº 5213586-11.2019.8.09.0174, Rel. Desa. Alice Teles de Oliveira.
ACÓRDÃO
VISTOS, relatados e discutidos estes autos de APELAÇÃO CÍVEL Nº 5136533-61.2021.8.09.0051, figurando como apelantes ANTÔNIO PEREIRA DE BRITO e OUTROS e apelado JOAQUIM PEREIRA JACÓ.
A C O R D A M os integrantes da Quarta Turma Julgadora da Quarta Câmara Cível do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de Goiás, na sessão PRESENCIAL do dia 10 de julho de 2025, por unanimidade de votos, CONHECER DA APELAÇÃO CÍVEL E PARCIALMENTE PROVÊ-LA, nos termos do voto da Relatora.
O julgamento foi presidido pela Desembargadora Elizabeth Maria da Silva.
Presente o representante do Ministério Público.
Desembargadora ELIZABETH MARIA DA SILVA
Relatora
PODER JUDICIÁRIO
Tribunal de Justiça do Estado de Goiás
Gabinete da Desembargadora Elizabeth Maria da Silva
APELAÇÃO CÍVEL Nº 5136533-61.2021.8.09.0051
COMARCA DE GOIÂNIA
4ª CÂMARA CÍVEL
APELANTES : ANTÔNIO PEREIRA DE BRITO E OUTROS
APELADO : JOAQUIM PEREIRA JACÓ
RELATORA : Desembargadora ELIZABETH MARIA DA SILVA
Ementa: DIREITO CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL EM AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE. COMODATO VERBAL. USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIA. CONHECIMENTO E DESPROVIMENTO PARCIAL. REINTEGRAÇÃO DE POSSE E CONDENAÇÃO AO PAGAMENTO DE ALUGUÉIS. FIXAÇÃO DO VALOR EM LIQUIDAÇÃO DE SENTENÇA.
I. CASO EM EXAME
1. Ação de reintegração de posse ajuizada por autor em face dos réus, relativa a imóvel localizado em Goiânia/GO, com pedido de reintegração e pagamento de aluguéis e encargos.
2. Sentença de parcial procedência na origem: deferida a reintegração de posse, condenação dos réus ao pagamento de aluguéis e encargos, fixados preliminarmente em R$ 900,00, bem como a indenização por eventuais danos.
3. Apelação cível interposta pelos réus buscando a improcedência do pedido de reintegração de posse e afastamento da condenação de aluguéis, alegando usucapião extraordinária e função social da posse.
4. Efeito suspensivo concedido em sede recursal.
5. Voto condutor que conheceu da apelação e deu-lhe parcial provimento apenas para remeter a fixação do valor dos aluguéis à fase de liquidação de sentença.
II. QUESTÕES EM DISCUSSÃO
6. Há duas questões em discussão: (i) saber se a posse exercida pelos apelantes permitiria o reconhecimento de usucapião extraordinária; (ii) saber se a fixação dos aluguéis deve ser revista quanto ao valor e à forma de apuração.
III. RAZÕES DE DECIDIR
7. A posse derivada de comodato verbal caracteriza posse precária, sendo incompatível com a aquisição da propriedade por usucapião extraordinária, ante a ausência do animus domini (art. 1.208 do Código Civil).
8. A doutrina majoritária, bem como o entendimento consolidado do Superior Tribunal de Justiça, afasta a possibilidade de usucapião quando a posse tem origem em relações de mera tolerância ou comodato.
9. Demonstrada a configuração de esbulho possessório e preenchidos os requisitos dos arts. 561 e seguintes do Código de Processo Civil, cabível a reintegração de posse.
10. Nos termos do art. 582 do Código Civil, a recusa do comodatário em devolver o bem impõe o pagamento de aluguel arbitrado judicialmente.
11. Diante da ausência de prova do valor do aluguel devido e do tempo decorrido da ocupação, determinou-se que o montante e os parâmetros de pagamento sejam apurados em fase de liquidação de sentença, com a devida consideração das benfeitorias comprovadas que excedam as despesas ordinárias necessárias ao uso e gozo do bem.
IV. DISPOSITIVO E TESE
12. Apelação cível conhecida e parcialmente provida para reformar a sentença apenas quanto à fixação dos aluguéis, remetendo sua apuração à fase de liquidação de sentença.
Tese de julgamento: 1. A posse precária decorrente de comodato verbal não gera animus domini e obsta a aquisição da propriedade por usucapião extraordinária. 2. A configuração do esbulho possessório autoriza a reintegração da posse e o pagamento de aluguéis pela fruição do imóvel, cuja fixação deve respeitar a razoabilidade e ser apurada em liquidação de sentença.
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Dispositivos relevantes citados: Código Civil, arts. 1.208, 1.210 e 582; Código de Processo Civil, arts. 561, 562 e 563.
Jurisprudência relevante citada: STJ, AgInt no AREsp 944.542/PR, Rel. Min. Raul Araújo; STJ, AgInt no AREsp 986.482/SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão; STJ, REsp 1552548/MS, Rel. Min. Marco Buzzi; TJGO, Apelação Cível nº 5447954-30.2020.8.09.0044, Rel. Juiz Clauber Costa Abreu; TJGO, Apelação Cível nº 5213586-11.2019.8.09.0174, Rel. Desa. Alice Teles de Oliveira.
A C O R D A M os integrantes da Quarta Turma Julgadora da Quarta Câmara Cível do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de Goiás, na sessão PRESENCIAL do dia 10 de julho de 2025, por unanimidade de votos, CONHECER DA APELAÇÃO CÍVEL E PARCIALMENTE PROVÊ-LA, nos termos do voto da Relatora.
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