Processo nº 1014853-03.2022.8.11.0015
ID: 291727568
Tribunal: TJMT
Órgão: 4ª VARA CRIMINAL DE SINOP
Classe: AçãO PENAL - PROCEDIMENTO ORDINáRIO
Nº Processo: 1014853-03.2022.8.11.0015
Data de Disponibilização:
06/06/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
LUCIA DE SOUZA
OAB/MT XXXXXX
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Estado de Mato Grosso Poder Judiciário Comarca de Sinop Juízo da 4ª Vara Criminal Ação Penal Pública nº 1014853-03.2022.8.11.0015 (PJe) Autor: Ministério Público do Estado de Mato Grosso. Ré: Naiara …
Estado de Mato Grosso Poder Judiciário Comarca de Sinop Juízo da 4ª Vara Criminal Ação Penal Pública nº 1014853-03.2022.8.11.0015 (PJe) Autor: Ministério Público do Estado de Mato Grosso. Ré: Naiara Matias Machado. O Ministério Público do Estado de Mato Grosso denunciou Naiara Matias Machado em 05.02.2024 (ID 140470691), imputando-lhe a prática dos crimes previstos no artigo 54, caput, da Lei nº 9.605/98, e artigo 243 da Lei nº 8.069/90 (ECA), fatos delituosos narrados nos seguintes termos: “FATO 01: Consta do incluso Inquérito Policial que no dia 16 de julho de 2022, por volta de 00h10, no estabelecimento comercial denominado “Tabacaria Império”, localizado na Avenida dos Ingás, bairro Jardim das Violetas, nesta cidade e comarca de Sinop/MT, a indiciada NAIARA MATIAS MACHADO causou poluição de qualquer natureza em níveis tais que resultem ou possam resultar em danos à saúde humana. FATO 02: Consta, ainda, nos autos do Inquérito Policial que, nas mesmas circunstâncias acima descritas, a indiciada NAIARA MATIAS MACHADO, com consciência e vontade, vendeu e/ou forneceu bebida alcoólica para as adolescentes Y. D. M. e S. L. D. C. B.. DA DESCRIÇÃO FÁTICA: São dos autos que após inúmeras denúncias de populares noticiando suposta prática de delitos (tráfico de drogas, fornecimento/venda de bebidas alcoólicas para menores de idade e poluição sonora) em estabelecimentos comerciais nesta urbe de Sinop, fora organizada uma operação envolvendo a Polícia Militar, a Guarda Municipal, o Corpo de Bombeiros e a Prefeitura Municipal visando averiguar os relatos. Durante a operação, a equipe da força-tarefa dirigiu-se até o estabelecimento comercial denominado “Tabacaria Império”, de propriedade de NAIARA MATIAS MACHADO, ora denunciada, alvo de inúmeros reclamações, e constatou, de pronto, barulho excessivo no local. Realizada a aferição por meio de decibelímetro (aparelho usado para medir pressão sonora), constatou-se que o equipamento registrou o valor de 85,8 decibéis. Consigna-se, nesse ponto, que os níveis de ruído verificados afrontam os critérios estabelecidos nas Resoluções CONAMA nº 01 e nº 02/1990 e nas Normas da ABNT 10.151 e 10.152, porquanto, para o local fiscalizado, considerado de área mista, predominantemente residencial, os níveis de ruídos permitidos eram definidos em 55 dB(A) no período diurno e 50 dB(a) durante o período noturno. Ao adentrarem no estabelecimento, os agentes de segurança presenciaram vários dos frequentadores se evadirem, fugindo da abordagem policial, sendo encontrado no chão do referido bar diversas porções de entorpecentes, do tipo maconha e cocaína. Ademais, os policiais flagraram muitos menores de idade ingerindo bebidas alcoólicas no estabelecimento, sendo abordadas duas adolescentes, Y. D. M. (14 anos na data dos fatos) e S. L. D. C. B. (13 anos na data dos fatos), que realizaram o etilômetro, sendo constatados os valores de 0,48mg/l e 0,42mg/l, demonstrando que fizeram uso de bebidas alcoólicas no local” [sic]. A acusada foi presa em flagrante delito em 16.7.2022, por volta das 00h10min (ID 93682464), e colocada em liberdade no mesmo dia, por volta 09h16min, mediante o recolhimento de fiança arbitrada pela autoridade policial no valor de R$ 1.200,00 (mil e duzentos reais), q.v. termo de fiança (ID 93682477), ordem de soltura (ID 93682478) e comprovante de recolhimento (ID 93682484). Recebida a denúncia (14.5.2024 – ID 155707859), a ré compareceu espontaneamente, apresentando resposta à acusação em 24.7.2024 (ID 163347202), assistida juridicamente pela advogada Lúcia de Souza, OAB-MT 20.024/O, não alegando preliminares e arrolando as mesmas testemunhas indicadas pelo Ministério Público. Realizada audiência em 24.4.2025 (ID 191775366), foram inquiridas as testemunhas PM Aguinelo Silvestre de Oliveira Júnior e PM Luis Guilherme Silva Costa, como também interrogada a acusada Naiara Matias Machado, oportunizando-se às partes, em seguida, o oferecimento de alegações finais orais. Na ocasião, o Ministério Público pugnou pela procedência parcial da denúncia, a fim de se condenar a acusada como incursa apenas no artigo 54 da Lei de Crimes Ambientais, e absolvendo-a quanto ao crime do artigo 243 do Estatuto da Criança e do Adolescente, por insuficiência probatória acerca da autoria delitiva. A defesa técnica, por sua vez, no que tange a imputação pelo artigo 54, caput, da Lei nº 9.605/98, postulou pela fixação da pena base no mínimo legal, bem como, pelo reconhecimento da atenuante da confissão espontânea, e em relação ao crime do artigo 243 da Lei nº 8.069/90 (ECA), acompanhou o entendimento ministerial, pugnando pela absolvição da acusada por insuficiência de provas. Vieram os autos conclusos para julgamento, em 08.5.2025. É a síntese necessária. Decido. Compulsando os autos, da leitura da denúncia, dos elementos informativos colhidos na investigação policial, e da análise das provas produzidas na instrução processual em contraditório judicial, constata-se que a pretensão acusatória deve ser julgada procedente em parte. No tocante ao crime tipificado no artigo 243 da Lei nº 8.069/90 (ECA), conforme já ressaltado pelo Ministério Público, não foram produzidas provas suficientes para a condenação. Segundo narra a denúncia “os policiais flagraram muitos menores de idade ingerindo bebidas alcoólicas no estabelecimento, sendo abordadas duas adolescentes, Y. D. M. (14 anos na data dos fatos) e S. L. D. C. B. (13 anos na data dos fatos), que realizaram o etilômetro, sendo constatados os valores de 0,48mg/l e 0,42mg/l, demonstrando que fizeram uso de bebidas alcoólicas no local” [sic – ID 140470691]. Não obstante, o artigo 243 da Lei nº 8.069/90 tipifica a conduta daquele que: “Art. 243. Vender, fornecer, servir, ministrar ou entregar, ainda que gratuitamente, de qualquer forma, a criança ou a adolescente, bebida alcoólica ou, sem justa causa, outros produtos cujos componentes possam causar dependência física ou psíquica: Pena - detenção de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa, se o fato não constitui crime mais grave.” Com efeito, embora comprovado que as adolescentes mencionadas realmente tenham ingerido bebida alcoólica, não há provas de que a acusada lhes tenha vendido, fornecido, servido, ministrado ou entregue qualquer bebida, onerosa ou gratuitamente. Ouvidas em delegacia (IDs 93682470 e 93682471), ambas sustentaram que saíram para comer e após, dirigiram-se ao local dos fatos – “Tabacaria Império”. Instantes depois, a polícia teria chegado e os demais frequentadores se dispersaram. Nenhuma delas, ou qualquer outro frequentador do estabelecimento foram ouvidos em Juízo. Aliás, sequer foram arroladas como testemunhas. Por outro lado, as testemunhas policiais militares arrolados na denúncia apenas confirmaram que, nas circunstâncias de tempo e local dos fatos, haviam vários menores de idade consumindo bebidas alcoólicas, contudo, não puderam confirmar, especificamente, que a acusada era responsável pelo fornecimento de bebida alcoólica. A acusada, por sua vez, negou ter fornecido bebida alcoólica para Y. D. M. e S. L. D. C. B., afirmando em Juízo que não vendia álcool para menores, entretanto, sustenta que seu estabelecimento era um ambiente “aberto”, e por isso, não era possível “fiscalizar” se outras pessoas, maiores de idade, adquiriam as bebidas e entregavam às menores. Assim, assiste razão ao Ministério Público, no tocante à insuficiência de provas para condenação pelo crime tipificado no artigo 243 da Lei nº 8.069/90. Entretanto, quanto ao crime tipificado no artigo 54, caput, da Lei nº 9.605/98, a materialidade restou satisfatoriamente demonstrada pelo Auto de Prisão em Flagrante delito, BOPM n° 2022.191425, Notificação da Secretaria de Finanças nº. 4040, Auto de Infração do Conselho Tutelar, e anexo fotográfico que o acompanha, demonstrando a aferição de pressão sonora realizada no estabelecimento comercial na data dos fatos, apontando valor acima de 85Dba, assim como depoimentos dos policiais militares Aguinelo Silvestre de Oliveira Júnior e Luis Guilherme Silva Costa, perante a autoridade policial e em juízo, e interrogatório da acusada Naiara Matias Machado, em contraditório judicial. Com relação à autoria delitiva, também restou incólume de dúvidas, pois a ré Naiara Matias Machado confessou em Juízo a prática do fato imputado, e na qualidade de sócia-proprietária, era responsável pelos atos da pessoa jurídica Império Hookah Tabacaria, não havendo dúvidas de que a poluição sonora foi ocasionada pelos aparelhos instalados no referido estabelecimento comercial naquela ocasião. No tocante à responsabilidade do sócio-proprietário da pessoa jurídica, na esteira do entendimento consolidado do c. STJ, “não sendo o caso de grande pessoa jurídica, onde variados agentes poderiam praticar a conduta criminosa em favor da empresa, mas sim de pessoa jurídica de pequeno porte, onde as decisões são unificadas no gestor e vem o crime da pessoa jurídica em seu favor, pode então admitir-se o nexo causal entre o resultado da conduta constatado pela atividade da empresa e a responsabilidade pessoal, por culpa subjetiva, de seu gestor” [AgRg no AREsp n. 1.527.212/DF, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 19.9.2019, DJe de 27.9.2019]. Segundo narrado no BOPM n° 2022.191425 (ID 93682464) “foi desencadeado operação integrada entre a polícia militar, prefeitura municipal de Sinop, guarda municipal, corpo de bombeiros militar, no intuito de fiscalizar estabelecimentos comerciais que vinham recebendo diversas denúncias de supostamente estar fornecendo bebidas alcoólicas, drogas, e estar cometendo supostos crimes de poluição sonora com som que cause perturbação do sossego além de causar prejuízo a saúde das pessoas; Que foi realizado operação em estabelecimentos comerciais, sendo que na abordagem a Tabacaria Império, foi constatado anteriormente através de aferição do decibelímetro o valor de 85,8 decibéis, valor este considerado pela organização mundial de saúde, prejudicial a saúde humana, podendo causar danos irreparáveis; Que na abordagem a este estabelecimento diversas pessoas saíram correndo ao visualizar as equipes policiais; Que na abordagem foi realizado buscas no local, sendo localizado 22 (vinte e duas) porções de substância análoga a cocaína e três porções de substância análoga a maconha ao solo do referido estabelecimento comercial, Que os frequentadores abandonaram ao avistar os policiais, não sendo possível individualizar a conduta de quem eram os usuários; Que no local foi constatado diversos menores de idade, sendo que as duas menores que seguem vinculadas neste boletim como vítimas, Sara e Yasmin, realizaram o teste de etilômetro, voluntariamente, constatando que haviam ingerido bebida alcóolica, conforme segue em anexo, sendo valores 0,48mg/l e 0,42mg/l respectivamente. Que o som estava em sua maior parte dentro de um veículo que não locomove, estando afixado no veículo, não sendo possível realizar a apreensão, porém anexado a foto de tal material utilizado para o crime de perturbação e poluição sonora, sendo pertencentes a proprietária do local, a suspeita Naiara; Que foi confeccionado notificação pela prefeitura e conselho tutelar (este anteriormente), conforme segue em anexo; Que o teste do decibelímetro realizado através da inteligência da PM, segue em anexo. Que não foi possível identificar os donos das drogas jogadas ao solo quando as equipes chegaram. Que não foi utilizado de algema na suspeita. Que acompanhou a suspeita na delegacia o advogado Roberto Luis de Oliveira, OAB 28.194. Foi apreendido na referida tabacaria bebida alcoólica, drogas ao solo e nas mesas, e som que seguem vinculados neste B.O.” [sic]. Na fase inquisitorial, os policiais militares ratificaram o teor do BOPM. Em Juízo, a testemunha PM Luis Guilherme Silva Costa relatou que a constatação dos fatos decorreu de uma operação realizada pela Polícia Militar. Refere que realizou a abordagem por um dos flancos do estabelecimento, visando a contenção de quem tentava evadir-se do local. Sustenta que inúmeras porções de drogas foram dispensadas no chão do bar, recordando, ainda, de que no meio do estabelecimento havia uma carcaça de fusca com equipamento de som acoplado. Indagado pelo Ministério Público sobre a intensidade do som, respondeu que não se recorda com clareza, no entanto, o local era conhecido por esse tipo de ocorrência – som alto, e pela ampla difusão de bebida alcoólica. Em Juízo, a testemunha PM Aguinelo Silvestre de Oliveira Júnior relatou que na época dos fatos, a polícia estava recebendo muitas reclamações sobre estabelecimentos que estariam praticando poluição sonora, e sendo frequentados por diversos menores de idade. Em função disso, foi realizada uma operação conjunta entre a Polícia Militar, a Prefeitura, o Conselho Tutelar e o Corpo de Bombeiros, e o estabelecimento da acusada – Império Tabacaria, era um dos alvos. Refere que aquele local já era conhecido pela Polícia Militar, em decorrência de prisões por entorpecentes e reclamações anteriores por som alto. Na ocasião dos fatos, o setor de inteligência realizou o monitoramento e a aferição com decibelímetro, sendo fotografado o resultado acima de 85Dba (f. 01 - ID 93682465). Diante do flagrante, foi realizada a incursão e a abordagem, oportunidade em que foram localizadas inúmeras porções de drogas descartadas no chão, e a presença de menores de idade no local. Informa, ainda, que havia um fusca com som acoplado, e o som era alto a ponto de ser ouvido a quadras de distância. Indagado pelo Ministério Público sobre o fusca com som, explicou que se tratava do carro de fato, cheio de equipamentos de som, mas, sem as rodas, fixado no centro do estabelecimento. Perante a autoridade policial, a ré permaneceu em silêncio, contudo, em Juízo, confessou a prática do crime de poluição sonora, negando, entretanto, o fornecimento de bebidas alcoólicas a menores de idade. Afirmou que seu estabelecimento era aberto, e por isso, não era possível fiscalizar se outras pessoas, maiores de idade, adquiriam as bebidas e entregavam aos menores que frequentavam. Conforme anexo fotográfico (fls. 01/02 – ID 93682465) a aferição realizada no estabelecimento, apresentou resultado acima de 85Dba , conforme imagens abaixo: A imagem fotográfica que instrui o presente feito demonstra que a aferição foi realizada do lado externo do ambiente, conforme determinado no item 5.2.1 da norma brasileira NBR nº 10.151 da ABNT. Ressalte-se que a NBR apenas estabelece critérios técnicos para aferição, recomendando afastamentos em distâncias aproximadas e não exatas, de modo que a impossibilidade de atender alguma destas recomendações, não acarreta a nulidade do procedimento. Nos termos do artigo 54 da Lei nº 9.605/98 constitui crime ambiental a conduta daquele que “causar poluição de qualquer natureza em níveis tais que resultem ou possam resultar em danos à saúde humana, ou que provoquem a mortandade de animais ou a destruição significativa da flora” [sic]. Cuida-se de norma penal em branco, havendo a necessidade de que se defina, através de norma extrapenal, a quantidade de decibéis aceitáveis à saúde humana. Para esta finalidade, foram editadas a Resolução do CONAMA nº 01/1990 e as NBR’s nº 10.151 e 10.152 da ABNT (normas editadas pela Associação Brasileira de Normas Técnicas no que tange à acústica – Níveis de ruído para conforto acústico e avaliação do ruído em áreas habitadas, visando o conforto da comunidade - Procedimento). Nos termos do item “II” da Resolução do CONAMA nº 01/1990 “São prejudiciais à saúde e ao sossego público, para os fins do item anterior os ruídos com níveis superiores aos considerados aceitáveis pela norma NBR 10.152 - Avaliação do Ruído em Áreas Habitadas visando o conforto da comunidade, da Associação Brasileira de Normas Técnicas – ABNT” [sic, g.n]. De acordo com a NBR 10.152, para a medição do ruído, são seguidas as disposições da NBR 10151 e demais normas da ABNT correspondentes. A NBR 10151, por sua vez, estabelece que os níveis de ruído considerados aceitáveis, no período noturno, em área mista predominantemente residencial é de até 50 decibéis e em área mista, com vocação comercial e administrativa, até 55 decibéis. Apesar do veto ao artigo 59 da Lei nº 9.605/98[1], que tipificava especificamente a conduta daquele que produzir sons, ruídos ou vibrações em desacordo com as prescrições legais ou regulamentares, ou desrespeito às normas sobre emissão e imissão de ruídos e vibrações resultantes de quaisquer atividades, prevendo pena de detenção, de três meses a um ano, e multa, doutrina e jurisprudência tem compreendido que na medida em que a poluição de que trata o artigo 54 pode ser “de qualquer natureza”, nela se insere também a poluição sonora, que pode caracterizar ilícito penal ambiental, quando ocorrer em níveis tais que resulte ou possa resultar em danos à saúde humana. Como é cediço, os efeitos nocivos da exposição do ser humano a ruídos excessivos vai além da degradação do sistema auditivo, influenciando na qualidade do sono e de todo o equilíbrio do organismo. Acerca da ação nociva dos ruídos sobre a saúde humana, cabe transcrever excerto da obra Direito Ambiental Brasileiro, de Paulo Afonso Leme Machado, publicada em 2004, págs. 617/618, in verbis: “Estudo publicado pela Organização Mundial de Saúde assinala como efeitos do ruído: perda da audição, interferência com a comunicação, dor, interferência no sono, efeitos clínicos sobre a saúde; efeitos sobre a execução de tarefas, incômodo, além de efeitos não específicos (...) Pessoas que foram submetidas a controle de eletroencefalogramas, eletrocardiogramas etc. mostraram efeitos nocivos do ruído durante o sono. O sono assegura a reparação da fadiga física e da fadiga mental ou nervosa do indivíduo. O sono é composto de várias etapas, cujas durações variam no curso da noite. Primeiramente, há uma preponderância dos estágios de sono lento ou profundo, assegurando-se principalmente a reparação física. Na segunda parte, onde o sono rápido ou paradoxal é maior, assegura-se a reparação nervosa. Nas fase paradoxais, o sono é relativamente leve e pode ser perturbado por ruídos fracos, o que irá impedir ou entravar a reparação do sistema nervoso. Como efeitos do ruído sobre a saúde em geral registram-se sintomas de grande fadiga, lassidão, fraqueza. O ritmo cardíaco acelera-se e a pressão arterial aumenta. Quanto ao sistema respiratório, pode-se registrar dispneia e impressão de asfixia. No concernente ao aparelho digestivo, as glândulas encarregadas de fabricar ou de regular os elementos químicos fundamentais para o equilíbrio humano são atingidas (como supra-renais, hipófise, etc.).” Apesar disso, o delito de poluição sonora constitui norma de perigo abstrato e natureza formal, que não exige resultado naturalístico, sendo suficiente a potencialidade de danos à saúde humana, prescindindo de prova do dano efetivo. A respeito do tema, a jurisprudência é consolidada no sentido de que a emissão de ruídos acima do permitido, por si só, é suficiente para configurar o crime tipificado no artigo 54 da Lei nº 9.605/98, conforme se vê dos seguintes precedentes: AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. INSURGÊNCIA DEFENSIVA. OFENSA AO PRINCÍPIO DA COLEGIALIDADE: INEXISTÊNCIA. CRIME AMBIENTAL. ART. 54 DA LEI 9.605/98 (POLUIÇÃO SONORA). TIPICIDADE DA CONDUTA. INÉPCIA DA DENÚNCIA NÃO DEMONSTRADA. PEDIDO DE TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL REJEITADO. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. (...) 3. Amolda-se ao tipo descrito no art. 54 da Lei 9.605/1998 a conduta de causar poluição sonora em níveis passíveis de causar dano à saúde humana, sobretudo se o volume dos ruídos emanados do bar, em desacordo com padrões e limites estabelecidos pela norma regulamentadora, foi atestado em laudo pericial expressamente indicado na denúncia e não juntado aos autos da presente impetração. 4. A jurisprudência desta Corte vem se orientando no sentido de que "a Lei de Crimes Ambientais deve ser interpretada à luz dos princípios do desenvolvimento sustentável e da prevenção, indicando o acerto da análise que a doutrina e a jurisprudência têm conferido à parte inicial do art. 54 da Lei n. 9.605/1998, de que a mera possibilidade de causar dano à saúde humana é idônea a configurar o crime de poluição, evidenciada sua natureza formal ou, ainda, de perigo abstrato." (RHC 62.119/SP, Rel. Ministro GURGEL DE FARIA, QUINTA TURMA, DJe 5/2/2016). Precedentes: AgRg no RMS n. 61.894/MS, relator Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 5/12/2019, DJe de 13/12/2019; AgRg no REsp 1.418.795/SC, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, Rel. p/ Acórdão Ministra REGINA HELENA COSTA, QUINTA TURMA, julgado em 18/06/2014, DJe 07/08/2014; RMS n. 63.657/MS, Rel. Min. REYNALDO SOARES DA FONSECA, DJe de 16/06/2021; REsp n. 1.666.435/BA, Rel. Min. ANTONIO SALDANHA PALHEIRO, DJe de 21/06/2019; RMS n. 34.165/AM, Rel. Min. ROGERIO SCHIETTI CRUZ, DJe de 1º/08/2016. 5. Não há como se dar guarida à alegação defensiva de que a peça acusatória não teria demonstrado que a infração ambiental foi cometida por decisão do representante legal ou contratual da empresa, se é de se presumir que os ruídos emanados do bar, supostamente em volume excessivo, não teriam ocorrido sem a prévia autorização do gestor da empresa. (...) 9. Agravo regimental desprovido. [STJ, AgRg no RMS n. 72.542/SC, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 30.10.2024, DJe de 05.11.2024] – g.n. PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. RECURSO ESPECIAL DA ACUSAÇÃO PROVIDO PARA AFASTAR A DESCLASSIFICAÇÃO PARA PERTURBAÇÃO. ART. 42 DO DECRETO-LEI N. 3.688/41. POLUIÇÃO SONORA. ART. 54, CAPUT, DA LEI N. 9.605/98. CRIME DE PERIGO ABSTRATO. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1. Conforme precedentes desta Corte, o delito do art. 54, caput, primeira parte, da Lei n. 9.605/98, é crime de perigo abstrato, prescindindo de prova pericial para constatação de poluição que possa resultar em danos à saúde humana. 1.1. No caso concreto, diante do comprovado desrespeito às regras de emissão sonora constatado pelas instâncias ordinárias em decorrência de levantamento de ruídos ambiental, indevida a desclassificação operada pelo Tribunal de Justiça com fundamento na falta de realização de prova técnica para comprovação do dano ou da probabilidade do dano à saúde dos moradores locais. 2. Agravo regimental desprovido. [STJ, AgRg no REsp n. 2.130.764/MG, relator Ministro Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, julgado em 16.9.2024, DJe de 18.9.2024] – g.n. RECURSO DE APELAÇÃO CRIMINAL – CRIME AMBIENTAL – SENTENÇA CONDENATÓRIA – ART. 54 DA LEI N. 9.605/98 – RECURSO MINISTERIAL – PRETENDIDA A CONDENAÇÃO DO APELADO – VIABILIDADE – POLUIÇÃO SONORA QUE SE ADÉQUA AO TIPO PENAL EM DISCUSSÃO – CONJUNTO PROBATÓRIO SUFICIENTE AMPARADO NO AUTO DE INFRAÇÃO E DEPOIMENTO DO AGENTE MUNICIPAL DE REGULAÇÃO E FISCALIZAÇÃO, QUE REALIZARAM SUA PRISÃO EM FLAGRANTE – CONFIRMAÇÃO EM JUÍZO – AUSÊNCIA DE PERÍCIA – PRESCINDIBILIDADE DA PROVA PERICIAL – PRECEDENTES DO STJ – RECURSO PROVIDO. 1. “O delito previsto na primeira parte do artigo 54 da Lei n. 9.605/1998 possui natureza formal, sendo suficiente a potencialidade de danos à saúde humana para configuração da conduta delitiva, não se exigindo, portanto, a realização de perícia”. (Superior Tribunal de Justiça, Embargos em Recurso Especial n. 1.417.279/SC, relatado pelo Ministro JOEL ILANPACIORNIK, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 11.04.2018, DJe 20.04.2018). 2. Comprovado de forma insofismável que o apelado estava com o som ligado emitindo ruídos acima do permitido, não se pode falar em prolação de édito absolutório, sendo válidos o depoimento prestado pelo agente municipal e a aferição realizada com equipamento certificado. 3. Recurso provido. [TJMT N.U 1038389-22.2021.8.11.0001, CÂMARAS ISOLADAS CRIMINAIS, JORGE LUIZ TADEU RODRIGUES, Segunda Câmara Criminal, Julgado em 14.5.2024, Publicado no DJE 17.5.2024] - g.n. Tem-se, portanto, devidamente caracterizada a materialidade e autoria da conduta criminosa, havendo conjunto probatório coerente, robusto e suficientemente apto a formar a convicção do Juízo, pela condenação da ré, nos termos da denúncia, pois evidenciado que a acusada Naiara Matias Machado era proprietária da pessoa jurídica ao tempo do fato, logo, responsável pelas atividades realizadas na empresa, em seu benefício. Cabe ressaltar que o fato não é isolado no histórico de vida pregressa da acusada. Conforme se extrai dos autos do IP 1016270-25.2021.8.11.0015, que tramitou perante a Primeira Vara Criminal de Sinop-MT, a ré foi denunciada pela suposta prática do crime previsto no artigo 243 da Lei nº 8.069/90, e após, firmou ANPP (ID 88920452 – daquele feito). Além disso, figura no polo passivo do Procedimento Especial da Lei Antitóxicos nº 1001521-32.2023.8.11.0015, que tramita perante a Quinta Vara Criminal de Sinop-MT, onde foi denunciada em 02.6.2023 pela suposta prática dos crimes tipificados no artigo 33, caput, da Lei nº 11.343/06 e artigo 54 da Lei nº 9.605/98. Embora tais registros criminais não configurem maus antecedentes ou reincidência, servem para demonstrar a renitência criminosa, enrobustecendo os elementos de convicção do Juízo, acerca da procedência da inicial acusatória. Por todo o exposto, julgo parcialmente procedente a denúncia e condeno Naiara Matias Machado como incursa no artigo 54, caput, da Lei nº 9.605/98. Não obstante, absolvo a ré Naiara Matias Machado da imputação correspondente ao artigo 243 da Lei nº 8.069/90, nos termos do artigo 386, VII, do CPP. Passo à dosimetria da pena. Na primeira fase, analisando as circunstâncias judiciais do artigo 59 do Código Penal, vê-se que com relação à culpabilidade, não excede à normal para o tipo. A ré não registra antecedentes criminais. No que diz respeito à conduta social e à personalidade, não existem nos autos elementos técnicos, do ponto de vista psicossocial, para que tais circunstâncias sejam consideradas desfavoráveis. Quanto aos motivos do crime, estão relacionados à atividade empresarial da acusada, não excedendo os próprios do tipo. Em relação às circunstâncias do crime, não excedem às normais para o tipo. No tocante às consequências do crime e comportamento da vítima, cuidando-se de norma de perigo abstrato, deixo de valorar nesse ponto, em razão da subjetividade da conduta. Diante disso, em observância às circunstâncias acima, que não demonstram resultado desfavorável à ré, fixo a pena base no mínimo legal, isto é, em 01 (um) ano de reclusão e 10 (dez) dias-multa, no valor unitário de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente à época dos fatos. Na segunda fase, embora presente a atenuante da confissão, a redução da pena abaixo do mínimo legal encontra óbice na Súmula 231 do STJ, cuja vigência foi recentemente ratificada pela Corte superior de Justiça [AgRg no REsp n. 2.163.428/PA, relator Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 30/10/2024, DJe de 6/11/2024]. Na terceira fase, não havendo causas de aumento ou diminuição de pena, devem se consolidar no patamar já fixado, isto é, em 01 (um) ano de reclusão e 10 (dez) dias-multa, no valor unitário de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente à época dos fatos. Em observância ao disposto no artigo 33, caput, § 2º, “c” do Código penal, o regime de cumprimento da pena deverá ser o inicial aberto. No que diz respeito ao disposto no art. 387, § 1º, do CPP, concedo à condenada o direito de apelar em liberdade. Com relação à substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, preenchidos os requisitos legais (CP 44), por se afigurar medida socialmente recomendável, substituo a pena privativa de liberdade por uma restritiva de direitos, consistente em prestação pecuniária no valor equivalente a 02 (dois) salários mínimos (R$ 3.036,00), em favor do Conselho Comunitário de Segurança Pública de Sinop (Conseg), entidade pública com destinação social, voltada ao aparelhamento das forças de segurança responsáveis pela preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio (art. 144 da CRFB/88). Transitada em julgado, expeça-se a guia de execução criminal definitiva remetendo-a ao cartório distribuidor para oportuna distribuição perante o Juízo da VEP local, promovendo-se as devidas comunicações nos termos do artigo 441 e 443 do CNGCGJ/MT. Em observância ao disposto no artigo 804 do CPP, condeno a ré ao pagamento das custas processuais, ressaltando que o valor da fiança (R$ 1.200,00 - ID 93682484), servirá ao pagamento das custas processuais, da prestação pecuniária e da multa, nos termos do artigo 336 do CPP. Segundo consta, os bens lícitos apreendidos já foram devidamente restituídos (q.v. Auto de entrega sob ID 93682485). Publique-se e intimem-se. Sinop/MT, datado e assinado digitalmente. Mario Augusto Machado Juiz de Direito RMP [1] https://www2.camara.leg.br/legin/fed/lei/1998/lei-9605-12-fevereiro-1998-365397-veto-19463-pl.html
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