Marli Pallin Bragatti x Marli Pallin Bragatti
ID: 259137197
Tribunal: TJMT
Órgão: Segunda Câmara de Direito Público e Coletivo
Classe: APELAçãO CíVEL
Nº Processo: 1001580-42.2021.8.11.0095
Data de Disponibilização:
23/04/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
MIKAELA GUIDA MASCARENHAS
OAB/PI XXXXXX
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RODRIGO XAVIER DA SILVA
OAB/DF XXXXXX
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LUIS FELIPE DINIZ BEZERRA
OAB/DF XXXXXX
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ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO SEGUNDA CÂMARA DE DIREITO PÚBLICO E COLETIVO NÚMERO ÚNICO: 1001580-42.2021.8.11.0095 CLASSE: APELAÇÃO CÍVEL (198) ASSUNTO: [DANO AMBIENTAL, EFEITOS, DANO AMBIEN…
ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO SEGUNDA CÂMARA DE DIREITO PÚBLICO E COLETIVO NÚMERO ÚNICO: 1001580-42.2021.8.11.0095 CLASSE: APELAÇÃO CÍVEL (198) ASSUNTO: [DANO AMBIENTAL, EFEITOS, DANO AMBIENTAL, INTERESSES OU DIREITOS DIFUSOS] RELATORA: EXMA. SRA. DESA. MARIA APARECIDA FERREIRA FAGO TURMA JULGADORA: [EXMA. SRA. DESA. MARIA APARECIDA FERREIRA FAGO, EXMO. SR. DES. MARIO ROBERTO KONO DE OLIVEIRA, EXMO. SR. DR. AGAMENON ALCANTARA MORENO JUNIOR] PARTE(S): [MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO - CNPJ: 14.921.092/0001-57 (APELANTE), MARLI PALLIN BRAGATTI - CPF: 298.926.271-72 (APELADO), RODRIGO XAVIER DA SILVA - CPF: 994.284.071-00 (ADVOGADO), LUIS FELIPE DINIZ BEZERRA - CPF: 728.101.811-87 (ADVOGADO), MIKAELA GUIDA MASCARENHAS - CPF: 038.067.163-82 (ADVOGADO), MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO - CNPJ: 14.921.092/0001-57 (APELADO), LUIS FELIPE DINIZ BEZERRA - CPF: 728.101.811-87 (ADVOGADO), MARLI PALLIN BRAGATTI - CPF: 298.926.271-72 (APELANTE), MIKAELA GUIDA MASCARENHAS - CPF: 038.067.163-82 (ADVOGADO), RODRIGO XAVIER DA SILVA - CPF: 994.284.071-00 (ADVOGADO), MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO - CNPJ: 14.921.092/0001-57 (CUSTOS LEGIS)] A C Ó R D Ã O Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a SEGUNDA CÂMARA DE DIREITO PÚBLICO E COLETIVO do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência Des(a). MARIO ROBERTO KONO DE OLIVEIRA, por meio da Turma Julgadora, proferiu a seguinte decisão: A UNANIMIDADE PROVERAM PARCIALMENTE O RECURSO DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO. PARTICIPARAM DO JULGAMENTO A EXCELENTÍSSIMA SENHORA DESEMBARGADORA RELATORA MARIA APARECIDA FERREIRA FAGO, 1º VOGAL EXMO. SR. DES. AGAMENON ALCÂNTARA MORENO JÚNIOR E 2º VOGAL EXMO. SR. DES. MÁRIO ROBERTO KONO DE OLIVEIRA. E M E N T A DIREITO AMBIENTAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. SUPRESSÃO IRREGULAR DE VEGETAÇÃO NATIVA. OBRIGATORIEDADE DE RECUPERAÇÃO AMBIENTAL E INDENIZAÇÃO PECUNIÁRIA. POSSIBILIDADE DE CUMULAÇÃO DE SANÇÕES. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. I. Caso em exame Trata-se de recursos de apelação interpostos por Marli Pallin Bragatti e pelo Ministério Público do Estado de Mato Grosso em face de sentença que julgou parcialmente procedente a ação civil pública por dano ambiental, condenando a parte requerida ao pagamento de indenização pecuniária no valor de R$ 18.294,00 (dezoito mil e duzentos e noventa e quatro reais), a ser revertido ao Fundo Municipal do Meio Ambiente. O recurso interposto por Marli Pallin Bragatti não foi conhecido em momento anterior, em razão da ausência de pressuposto essencial à sua admissibilidade II. Questão em discussão A controvérsia cinge-se à obrigatoriedade de recuperação ambiental da área degradada e à possibilidade de cumulação entre a obrigação de fazer e a indenização pecuniária por dano ambiental. III. Razões de decidir A responsabilidade civil por danos ambientais possui natureza objetiva, nos termos do artigo 225, § 3º, da Constituição Federal e do artigo 14, § 1º, da Lei nº 6.938/1981, sendo suficiente a demonstração do dano e do nexo de causalidade para a imposição da obrigação de reparação. Restando demonstrada a relação de causalidade entre a conduta ilícita – consistente na supressão irregular de vegetação nativa – e o dano ambiental, impõe-se à parte recorrida a obrigação de fazer, correspondente à recomposição da área degradada, além do dever de indenizar, mediante pagamento a ser apurado em fase de liquidação de sentença, proporcionalmente à extensão do dano constatado. A jurisprudência consolidada do Superior Tribunal de Justiça admite a cumulação das sanções administrativas, civis e penais decorrentes de infrações ambientais, em observância ao princípio da independência das instâncias, assegurando a efetividade da tutela ambiental e a integral reparação do meio ambiente degradado. IV. Dispositivo e tese Recurso parcialmente provido para impor à recorrida a obrigação de fazer consistente na recuperação ambiental da área degradada, bem como ao pagamento de indenização material a ser apurada na fase de liquidação de sentença. Tese de julgamento: "A responsabilidade por dano ambiental é objetiva, permitindo a cumulação da obrigação de recuperação ambiental com a indenização pecuniária pelos danos remanescentes." Dispositivos relevantes citados: CF/1988, art. 225; Lei n.º 6.938/1981, art. 14, § 1º. Jurisprudência relevante citada: STJ, REsp 1.198.727/MG, Rel. Min. Herman Benjamin, Segunda Turma, j. 14.08.2012. R E L A T O R IO EXMA. SRA. DESA. MARIA APARECIDA FERREIRA FAGO (RELATORA): Egrégia Câmara, Trata-se de RECURSOS DE APELAÇÃO, interpostos por MARLI PALLIN BRAGATTI e, também, pelo MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO contra a sentença proferida pelo Excelentíssimo Dr. Tibério de Lucena Batista, juiz de direito, que, na “AÇÃO CIVIL PÚBLICA COM PEDIDO DE ANTECIPAÇÃO DE TUTELA” n.º 1001580-42.2021.8.11.0095, cujo trâmite ocorre na Vara Única de Paranaíta, MT, julgou parcialmente procedente os pedidos dispostos na inicial, nos seguintes termos (ID. 206367155): “Vistos. Trata-se de ação civil pública com pedido de antecipação de tutela ajuizada pelo Ministério Público do Estado de Mato Grosso em desfavor de Marli Pallin Bragatti, ambos devidamente qualificados nos autos. Alega, em síntese que, a SEMA lavrou no dia 23/04/2021 auto de infração nº 21043892 e termo de embargo/interdição nº 21044553 na Fazenda Bragatti IV localizada neste município, ante a ocorrência de desmatamento ilegal, a corte raso, 22,17 hectares de vegetação nativa, em área objeto especial de preservação sem prévia autorização do órgão ambiental competente. A parte autora requereu, liminarmente, dentre várias medidas, a imediata suspensão das atividades econômicas promovidas em 22,17 ha desmatados ilegal da Fazenda Bragatti. No mérito, pugnou pela condenação do requerida, em reparar o dano ambiental no importe de R$ 114.644,17 (cento e catorze mil, seiscentos e quarenta e quatro reais e dezessete centavos) e dano moral coletivo, que serão destinados ao Fundo Municipal ou Estadual do Meio Ambiente, e ainda averbação da sentença na matrícula do imóvel, tudo com a procedência do pedido. Com a inicial vieram vários documentos. Com o recebimento da inicial (ID. 71495242), foi indeferido o pedido liminar, determinando a adesão do requerido ao Cadastro Ambiental Rural – CAR e, consequentemente, para que ele providenciasse a Licença Ambiental Única – LAU da propriedade rural – “Fazenda Bragatti IV”. A parte autora interpôs recurso de agravo de instrumento (ID. 71829860). A requerida ao ID. 111665277 requereu prazo para apresentar o plano de recuperação de áreas degradas (PRAD), com a suspensão da presente ação e que fosse oficiado a Secretaria do Estado do Meio Ambiente do Estado de Mato Grosso para o imediato desbloqueio do Cadastro de Pessoa Física da requerida, ante o pagamento da multa arbitrada pelo órgão estatal. Ao ID. 118763453 foi determinado a Secretaria da Vara para certificar quanto ao julgamento do recurso de agravo de instrumento, bem como a intimação da parte autora para manifestar nos autos no prazo de 15 (quinze) dias. Certidão informando que o recurso de agravo de instrumento está pendente de julgamento (ID. 118943986). A parte ré requereu, em suma, a declaração do cumprimento integral de todos os requisitos solicitados (ID. 118943986). Manifestação do autor pugnando pelo julgamento antecipado da lide, reiterando os termos da inicial (ID. 119513531). Certidão de intempestividade da contestação ao ID. 119927909. A requerida reiterou os termos da manifestação anterior ao ID. 119901081. Vieram-me os autos conclusos. É o relato do necessário. Fundamento. Decido. De início, registro que embora a parte requerida tenha apresentado contestação, verifico que é intempestiva (ID. 119927909), razão pela qual DECRETO a sua revelia e passo ao julgamento antecipado do feito, nos termos do artigo 355, inciso II, do CPC. Quanto ao pedido da parte requerida para oficiar a Secretaria de Estado de Meio Ambiente do Estado de Mato Grosso para o desbloqueio do Cadastro de Pessoa Física em razão do pagamento da multa arbitrada pelo órgão estatal, não será analisado neste feito, devendo ser discutido em via própria, uma vez que o meio ambiente é tutelado simultaneamente nas esferas civil, administrativa e criminal, pois tais instâncias são independentes, conforme a inteligência do art. 225, §3º, da Constituição Federal. Ademais, em relação ao pedido da ré para apresentar o plano de recuperação de áreas degradadas (PRAD) e eventual suspensão do presente feito, não assiste razão a parte. Isso porque, não verifico motivos para tanto, uma vez que a parte autora requereu em sede liminar o referido pedido, sendo indeferido pelo magistrado, ocasião em que foi mantida a decisão no recurso de agravo de instrumento, em análise liminar, até o julgamento do presente agravo, asseverando que a imposição imediata de elaboração do PRADA ostentava natureza inteiramente satisfativa, de modo que o acolhimento da medida atrelava a própria discussão sobre a presença ou não dos elementos conformadores da responsabilidade civil ambiental (conduta, dano e nexo causal), sendo, irreversível. De outro lado, segundo o Ministro Hernam Benjamin, o dano ambiental é alteração, deterioração ou destruição, parcial ou total, de quaisquer dos recursos naturais, afetando adversamente o homem e/ou a natureza (Responsabilidade Civil pelo dano ambiental. Revista de Direito Ambiental, São Paulo: Revista dos Tribunais, ano 3, n. 9, p. 48). No caso dos autos, consta prova da fiscalização ambiental realizada pelo SEMA, por meio do auto de infração nº 21043892, e termo de embargo/interdição nº 21044553, que consiste em destruir através de desmatamento a corte raso 22,17 hectares de vegetação nativa em área objeto de especial preservação, sem autorização do órgão ambiental competente. No âmbito civil, ora tratado na presente demanda, impõe-se ao causador do dano a obrigação de ressarcir o prejuízo causado por sua conduta, reparando o dano causado ao meio ambiente, nos termos do que disciplina o art. 14, § 1º, da Lei nº 6.938/81. Art. 14. Sem prejuízo das penalidades definidas pela legislação federal, estadual e municipal, o não cumprimento das medidas necessárias á preservação ou correção dos inconvenientes e danos causados pela degradação da qualidade ambiental sujeitará os transgressores: (...) §1º Sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o poluidor obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade. O ministério Público da União e dos Estados terá legitimidade para propor ação de responsabilidade civil e criminal, por danos causados ao meio ambiente. Sabe-se, portanto, que a responsabilidade civil quanto aos danos ambientais, é objetiva. Constatado, pois, o nexo causal entre a ação e/ou a omissão do causador do dano ambiental, surge objetivamente, o dever de promover a reparação dos eventuais danos causados ao meio ambiente, sem prejuízo das demais penas cabíveis. O Superior Tribunal de Justiça asseverou que “a Lei de política Nacional do Meio Ambiente (Lei 6.938/81) adotou a sistemática da responsabilidade civil objetiva (art. 14, §1º) e foi integralmente recepcionada pela ordem jurídica atual, de sorte que irrelevante e impertinente a discussão da conduta do agente (culpa ou dolo) para atribuição do dever de indenizar. A adoção pela lei da responsabilidade civil objetiva significou apreciável avanço no combate á devastação do meio ambiente, uma vez que, sob esse sistema, não se leva em conta, subjetivamente, a conduta do causador do dano, mas a ocorrência do resultado prejudicial ao homem e ao meio ambiente. Assim sendo, para que se observe a obrigatoriedade da reparação do dano é suficiente, apenas, que se demonstre o nexo causal entre a lesão infligida ao meio ambiente e ação ou omissão do responsável pelo dano. O art. 4º, VII, da Lei n. 6.938/81 prevê expressamente o dever do poluidor ou predador de recuperar e/ou indenizar os danos causados ao meio ambiente ou aos terceiros afetados por sua atividade, como dito, independentemente da existência de culpa, consoante se infere do art. 14, § 1º, da citada lei” (REsp 578.767/RS, Relator Ministro Luiz Fux, j. 5-8-2004, DJ, 20-9-2004). Assim, pelos documentos aportados ao feito restou comprovado o ilícito ambiental, tornando-se imperiosa a responsabilização da parte requerida pelos danos praticados ao meio ambiente. No que tange ao valor da reparação do dano ambiental a parte autora sugeriu o valor de R$ 114.644,17 (cento e catorze mil, seiscentos e quarenta e quatro reais e dezessete centavos). Em análise aos autos, verifico que o arbitramento de tal valor a título de reparação iria ultrapassar o valor total da área rural, de modo que é desproporcional, não sendo admitido no ordenamento tal medida. Assim, arbitro o valor de R$ 18.294,00 (dezoito mil e duzentos e noventa e quatro reais) a título de reparação ao dano ambiental. Valor este, que entendo razoável e proporcional, levando em consideração o valor venal do imóvel em mato era R$ 1.996,92 (um mil, novecentos e noventa e seis reais e noventa e dois centavos) por alqueire (2.42 hectare) no ano de 2021, conforme VTN – Valor da Terra Nua 2021 deste Município, consulta realizada, nesta data, junto ao sitio da Prefeitura da Comarca de Paranaíta/MT, a saber: https://www.paranaita.mt.gov.br/Publicacoes/Vtn/. E como foi desmatado uma área de 22,17 hectares, pego este valor e multiplico por R$ 825,17 (oitocentos e vinte e cinco reais e dezessete centavos), valor este que fiz a conversão do valor venal do imóvel por hectare, totalizando R$ 18.294,00 (dezoito mil e duzentos e noventa e quatro reais), a título de reparação o dano ambiental. Ademais, é oportuno mencionar que a parte ré já responde na esfera administrativa, ocasião em que foi multado pelo referido ilícito ambiental. Já em relação ao dano moral coletivo, a responsabilidade civil no direito tem por escopo a satisfação de grupos indeterminados de pessoas que dependem das condições naturais para uma vida qualitativa. O dano moral coletivo segundo o doutrinado Yussef Said Cahali: “Assim, pode-se afirmar que o dano moral é a injusta lesão da esfera moral de uma dada comunidade, ou seja, é a violação antijurídica de um determinado círculo de valores coletivos. Quando se fala em dano moral coletivo, está-se fazendo menção de fato de que o patrimônio valorativo de uma certa comunidade (maior ou menor), idealmente considerado, foi agredido de maneira absolutamente injustificável do ponto de vista jurídico: quer isso dizer, em última instância, que se feriu a própria cultura, em seu aspecto imaterial”. (in, Dano Moral, 4ª ed. ver., atual. e ampl., São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011, p. 308). Nessa senda, para configuração do dano moral coletivo, necessário se faz a demonstração do sofrimento, da angústia, do desgosto, da infelicidade de uma coletividade ou de um grupo social, em decorrência de um dano ao patrimônio ambiental. Assim, embora a parte requerida é revel, seus efeitos não conduzem a uma presunção absoluta de veracidade dos fatos narrados pela parte autora, permitindo ao julgador, para formar o seu convencimento, pela análise das alegações formuladas pelas partes em confronto com as provas constantes nos autos, de modo que os elementos constantes nos autos não houve a comprovação de que tenha efetivamente ocorrido. A propósito, a respeito do tema em debate, esta e. Corte já decidiu: APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO CIVIL PÚBLICA – REPARAÇÃO DE DANO AMBIENTAL – DESMATAMENTO ILEGAL – INFRAÇÃO AMBIENTAL CONFIGURADA – PRETENSÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL COLETIVO - AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DA RAZOÁVEL SIGNIFICÂNCIA E GRAVIDADE PARA A COLETIVIDADE DA INFRAÇÃO AMBIENTAL OBJETO DA DEMANDA –DANO MORAL COLETIVO NÃO CONFIGURADO – PREQUESTIONAMENTO EXPLÍCITO - DESNECESSIDADE - RECURSO DESPROVIDO. Para que seja configurado o dano moral coletivo em matéria ambiental se mostra necessário que o fato transgressor seja de razoável significância e gravidade para a coletividade, não visualizado na espécie. Entende-se como prequestionada a matéria que foi objeto de análise e decisão na sentença recorrida, sendo despicienda a referência expressa a dispositivo de lei federal (prequestionamento explícito), bastando que a questão jurídica tenha sido efetivamente decidida (prequestionamento implícito). (N.U 1001419-87.2017.8.11.0025, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PÚBLICO, MARIO ROBERTO KONO DE OLIVEIRA, Segunda Câmara de Direito Público e Coletivo, Julgado em 22/03/2022, Publicado no DJE 30/03/2022). “APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO CIVIL PÚBLICA – AMBIENTAL – DEPÓSITO IRREGULAR DE MADEIRA – CONDENAÇÃO DO POLUIDOR NA ESFERA ADMINISTRATIVA –– INSURGÊNCIA CONTRA A CONDENAÇÃO NA ESFERA CIVIL – POSSIBILIDADE LEGAL DE CUMULAÇÃO – AUTONOMIA DAS INSTÂNCIAS – NECESSIDADE DE ANÁLISE PONTUAL DE CADA CASO – NÃO CONFIGURAÇÃO DO DANO MORAL COLETIVO – RECURSO PROVIDO. [...] Em questão ambiental, para a condenação na reparação extrapatrimonial, o julgador deve concluir que a agressão foi significativa; que o fato que agrediu o patrimônio coletivo foi de tal intensidade e extensão que implique na sensação de repulsa coletiva a ato intolerável”. (N.U 0006415-88.2011.8.11.0015, JOSÉ ZUQUIM NOGUEIRA, SEGUNDA CÂMARA DE DIREITO PÚBLICO E COLETIVO, Julgado em 02/07/2019, Publicado no DJE 22/07/2019). Portanto, ante a ausência de comprovação de que o dano tenha efetivamente atingido valores coletivos, não há que se falar em indenização. Por fim, quanto ao pedido de averbação da presente sentença na matrícula do imóvel, não se verificam motivos para a averbação. Além de não existir previsão para tanto na Lei de Registros Públicos (Lei nº 6.015/73), a natureza da obrigação de reparar o dano ambiental é propter rem, razão pela qual adere a propriedade e transfere-se aos futuros proprietários independentemente de atos registrais. DISPOSITIVO: Ante o exposto, com fundamento no artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil, CONFIRMO A LIMINAR DEFERIDA e JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE o pedido para: a) CONDENAR o requerido a reparação do dano ambiental em pecúnia, no valor de R$ 18.294,00 (dezoito mil e duzentos e noventa e quatro reais) em favor do Fundo Municipal do Meio Ambiente, a ser corrigido monetariamente pelo INPC e acrescidos de juros moratórios de 1% (um por cento) ao mês, desde a sentença; b) julgo improcedente o pedido de indenização por dano moral coletivo, bem como o pedido de averbação da presente na matrícula do imóvel rural. CONDENO a parte requerida ao pagamento das custas e despesas processuais. Inexistente a condenação do pagamento dos honorários advocatícios. Sem prejuízo, determino que a Secretaria da Vara informe, com urgência, nos autos do recurso de agravo de instrumento o julgamento da presente demanda. Ciência ao Ministério Público. Transitada em julgado a sentença, devidamente certificado, arquive-se, mediante as baixas e cautelas de estilo, observando-se as normas da CNGC-MT. Publique-se. Registre-se. Intime-se. Cumpra-se”. Em suas razões recursais, a parte apelante, qual seja, Marli Pallin Bragatti, alega, em síntese, que, a seu ver, a supratranscrita sentença não merece prosperar, sob o fundamento de que a penalidade pecuniária aplicada na esfera administrativa já foi devidamente quitada. Sustenta que a imposição de nova sanção pecuniária no âmbito judicial configuraria bis in idem, em afronta ao princípio constitucional que veda a dupla penalização pelo mesmo fato infracional. À vista disso, pleiteia o deferimento dos benefícios da justiça gratuita, bem como o provimento do recurso, para reformar a sentença recorrida, com a consequente declaração de improcedência da condenação imposta a título de reparação por dano ambiental, arbitrada no valor de R$ 18.294,00 (dezoito mil e duzentos e noventa e quatro reais). Por outro lado, o Ministério Público do Estado de Mato Grosso, requer, em suma, a reforma parcial da sentença com o objetivo de compelir a parte promovida a adotar medidas adequadas à recuperação integral da área ambientalmente degradada, em conformidade com o princípio da reparação integral do dano ambiental. Além disso, pugna pela majoração do valor fixado a título de indenização compensatória pelos danos ambientais, de modo a refletir de forma mais adequada a gravidade da infração cometida e assegurar o caráter pedagógico da sanção. Por fim, postula a condenação da parte promovida ao pagamento de indenização por danos morais coletivos, em razão do prejuízo causado ao equilíbrio ecológico e aos interesses difusos da coletividade. As contrarrazões foram apresentadas pelo ente municipal (ID. 206367161), por via das quais pugna pelo não provimento do recurso interposto pela parte adversa. Posteriormente, conforme consta do ID. 210428152, a parte apelante, Marli Pallin Bragatti, foi intimada a comprovar, no prazo de 5 (cinco) dias, a alegada hipossuficiência econômica, mediante a apresentação de documentos indispensáveis para a instrução do pleito de gratuidade da justiça. Entretanto, o prazo transcorreu in albis, sem qualquer manifestação ou apresentação de documentação por parte da recorrente, evidenciando sua inércia em cumprir a determinação judicial. Diante da ausência de comprovação da situação econômica alegada, o pedido de gratuidade da justiça foi indeferido, determinando-se o recolhimento do preparo recursal, sob pena de reconhecimento da deserção, nos termos do art. 1.007, do Código de Processo Civil. O prazo, novamente, decorreu sem manifestação por parte da recorrente (ID 212734183), razão pela qual o recurso interposto por Marli Pallin Bragatti deixou de ser conhecido, em razão da ausência de pressuposto indispensável à sua admissibilidade, qual seja, o regular recolhimento do preparo. Por sua vez, a d. Procuradoria-Geral de Justiça, em parecer, no ID. 249764193, opinou pelo provimento, tão somente, do recurso interposto pelo Ministério Público. É o relatório. V O T O EXMA. SRA. DESA. MARIA APARECIDA FERREIRA FAGO (RELATORA): Egrégia Câmara: Conforme relatado, trata-se de RECURSOS DE APELAÇÃO, interpostos por MARLI PALLIN BRAGATTI e, também, pelo MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO contra a sentença proferida pelo Excelentíssimo Dr. Tibério de Lucena Batista, juiz de direito, que, na “AÇÃO CIVIL PÚBLICA COM PEDIDO DE ANTECIPAÇÃO DE TUTELA” n.º 1001580-42.2021.8.11.0095, cujo trâmite ocorre na Vara Única de Paranaíta, MT, julgou parcialmente procedente os pedidos dispostos na inicial (ID. 206367155). Extrai-se dos autos que a parte promovente, MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO, ingressou, em 25.11.2021, com a presente ação civil pública, em face de MARLI PALLIN BRAGATTI, em razão de suposto ilícito ambiental, consubstanciado no Relatório Técnico n.º 305/GPFCD/CFFL/SUF/SEMA/20021, que identificou, nos termos do Auto de Infração n.º 21043892/2021, a supressão irregular de vegetação nativa, mediante desmatamento a corte raso, abrangendo uma área de 22,17 hectares em zona de especial preservação, sem a devida autorização dos órgãos ambientais competentes. No ID. 206364521, o juízo de primeiro grau, ao receber a petição inicial, deferiu parcialmente a tutela de urgência pleiteada, determinando que a requerida procedesse à adesão ao Cadastro Ambiental Rural (CAR) e, em sequência, à obtenção da Licença Ambiental Única (LAU) referente à propriedade rural identificada como "Fazenda Bragatti IV". Na sequência, a parte promovida apresentou requerimento postulando a abertura de prazo para a elaboração e apresentação do Plano de Recuperação de Áreas Degradadas (PRAD), com eventual suspensão do trâmite processual até sua conclusão. Além disso, solicitou a designação de audiência de conciliação, com vistas a solucionar eventuais dúvidas relativas ao Plano de Recuperação de Áreas Degradadas (PRAD), bem como pleiteou a expedição de ofício à Secretaria de Estado de Meio Ambiente do Mato Grosso (SEMA/MT) para o imediato desbloqueio de seu Cadastro de Pessoa Física, sob o argumento de que a multa administrativa aplicada já havia sido integralmente quitada. Instado a se manifestar, o Ministério Público pugnou pelo indeferimento dos pedidos da parte promovida, reiterou integralmente os argumentos expendidos na petição inicial e requereu o julgamento antecipado da lide, com fundamento no art. 355, inciso I, do Código de Processo Civil. Subsequentemente, a parte promovida informou o cumprimento de todas as obrigações impostas na decisão liminar, defendendo, assim, a necessidade de prolação de sentença para resolução do mérito da controvérsia. Sobreveio, então, a sentença ora fustigada (ID. 216800275), na qual o juízo a quo julgou parcialmente procedentes os pedidos formulados na inicial, para condenar a parte requerida à reparação do dano ambiental, mediante pagamento em pecúnia, fixado no montante de R$ 18.294,00 (dezoito mil, duzentos e noventa e quatro reais), a ser destinado ao Fundo Municipal do Meio Ambiente. Inconformadas, as partes interpuseram os presentes recursos, conforme mencionado anteriormente. Com essas considerações, passo à análise das insurgências recursais. Inicialmente, conforme já mencionado, o recurso interposto pela parte apelante, Marli Pallin Bragatti, não foi conhecido, em razão da ausência de pressuposto indispensável à sua admissibilidade, qual seja, o regular recolhimento do preparo recursal. Diante disso, passo a examinar as razões recursais apresentadas pelo Ministério Público do Estado de Mato Grosso. Preliminarmente, como cediço, na sistemática processual, incumbe ao recorrente o ônus de impugnar especificamente a decisão objeto do inconformismo, de modo a expor os fundamentos de fato e de direito que lastreiam sua pretensão, em virtude do princípio da dialeticidade, nos termos do artigo 1.010, III, do Código de Processo Civil, in verbis: “Art. 1.010. A apelação, interposta por petição dirigida ao juízo de primeiro grau, conterá: I - os nomes e a qualificação das partes; II - a exposição do fato e do direito; III - as razões do pedido de reforma ou de decretação de nulidade; IV - o pedido de nova decisão. § 1º O apelado será intimado para apresentar contrarrazões no prazo de 15 (quinze) dias. § 2º Se o apelado interpuser apelação adesiva, o juiz intimará o apelante para apresentar contrarrazões. § 3º Após as formalidades previstas nos §§ 1º e 2º, os autos serão remetidos ao tribunal pelo juiz, independentemente de juízo de admissibilidade.”. Na hipótese, nota-se que a parte apelante não cumpriu o referido ônus e, embora o recurso de apelação devolva para o Tribunal toda a matéria objeto da controvérsia, o efeito devolutivo encontra limite nas razões expostas pelo recorrente, em homenagem ao princípio da dialeticidade, que, como mencionado, rege a interposição dos recursos. Observa-se que a parte apelante não expõe de forma clara e coesa, os fundamentos de fato do pedido (causa de pedir próxima) ou os fundamentos jurídicos (causa de pedir remota), concernentes ao pleito de suspensão das atividades econômicas, imposição de embargo judicial sobre a área degradada e averbação do feito na matrícula do imóvel, bem como a adoção de medidas preventivas. Com efeito, para que seja viabilizada a análise das teses invocadas em sede recursal, faz-se indispensável a impugnação específica dos termos da sentença, bem como a apresentação de fundamentação idônea que sustente os pedidos formulados. Assim, verifica-se falta de correlação entre parte do apelo e a sentença que visa a reformar, na medida em que a não satisfação do encargo atinge requisito extrínseco de admissibilidade recursal, e torna o recurso inadmissível em parte. A propósito, é o entendimento do Superior Tribunal de Justiça: “(...) Com efeito, à luz do princípio da dialeticidade, constitui ônus do Recorrente expor, de forma clara e precisa, a motivação ou as razões de fato e de direito de seu inconformismo, impugnando os fundamentos da decisão recorrida, de forma a amparar a pretensão recursal deduzida, requisito essencial à delimitação da matéria impugnada e consequente predeterminação da extensão e profundidade do efeito devolutivo do recurso interposto, bem como à possibilidade do exercício efetivo do contraditório.” (Superior Tribunal de Justiça. Agravo em recurso especial nº 1.640.907 - PR (2019/0376641-7. Decisão monocrática, Ministra Regina Helena, 06/02/2020)”. Desse modo, por ausência de dialeticidade nas razões recursais, não conheço do recurso no tocante aos itens 1,2,3,5 e 8. Em dando seguimento ao feito, como se sabe, a Constituição da República Federativa do Brasil, nos artigos 225 e seguintes, ao dispor acerca da tutela do meio ambiente, assegura a todos o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, essencial à sadia qualidade de vida. Confira-se: “Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”. Por sua vez, o artigo 14, da Lei Federal n.º 6.938/1981 prevê as penalidades a serem aplicadas, sem prejuízo daquelas previstas na legislação estadual e municipal. “Art 14 - Sem prejuízo das penalidades definidas pela legislação federal, estadual e municipal, o não cumprimento das medidas necessárias à preservação ou correção dos inconvenientes e danos causados pela degradação da qualidade ambiental sujeitará os transgressores: I - à multa simples ou diária, nos valores correspondentes, no mínimo, a 10 (dez) e, no máximo, a 1.000 (mil) Obrigações Reajustáveis do Tesouro Nacional - ORTNs, agravada em casos de reincidência específica, conforme dispuser o regulamento, vedada a sua cobrança pela União se já tiver sido aplicada pelo Estado, Distrito Federal, Territórios ou pelos Municípios. II - à perda ou restrição de incentivos e benefícios fiscais concedidos pelo Poder Público; III - à perda ou suspensão de participação em linhas de financiamento em estabelecimentos oficiais de crédito; IV - à suspensão de sua atividade. § 1º - Sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o poluidor obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade. O Ministério Público da União e dos Estados terá legitimidade para propor ação de responsabilidade civil e criminal, por danos causados ao meio ambiente. § 2º - No caso de omissão da autoridade estadual ou municipal, caberá ao Secretário do Meio Ambiente a aplicação das penalidades pecuniárias previstas neste artigo. § 3º - Nos casos previstos nos incisos II e III deste artigo, o ato declaratório da perda, restrição ou suspensão será atribuição da autoridade administrativa ou financeira que concedeu os benefícios, incentivos ou financiamento, cumprindo resolução do CONAMA. § 4º (REVOGADO) § 5o A execução das garantias exigidas do poluidor não impede a aplicação das obrigações de indenização e reparação de danos previstas no § 1o deste artigo”. Tem-se, portanto, que o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado é inerente a todos os seres humanos, sendo entendido como bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, além de reconhecido como um direito fundamental de 3ª geração, encontrando-se entre os direitos de solidariedade. O desmatamento, sem autorização do órgão ambiental competente, enquadra-se em infração ambiental, cuja responsabilização pode ser arbitrada pelo órgão administrativo e judicial, esferas independentes entre si, que acarretam responsabilidades administrativas, civis ou penais. Destarte, o próprio princípio da responsabilidade objetiva, presente no sistema jurídico-ambiental, determina que aquele que causa o dano deve responder nas três esferas. Consoante jurisprudência do STJ, a responsabilidade civil pelo dano ambiental é de natureza objetiva, solidária e ilimitada, sendo regida pelos princípios poluidor-pagador, da reparação in integrum, da prioridade da reparação in natura e do favor debilis, este último a legitimar uma série de técnicas de facilitação do acesso à justiça, entre as quais se inclui a inversão do ônus da prova em favor da vítima ambiental. Nesse sentido: “APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO CIVIL PÚBLICA – UTILIZAÇÃO DE FOGO EM ÁREA AGROPASTORIL SEM AUTORIZAÇÃO DO ÓRGÃO AMBIENTAL COMPETENTE – DANO AMBIENTAL – CARACTERIZAÇÃO – RESPONSABILIDADE OBJETIVA – INTELIGÊNCIA DO ART. 225, § 3º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL – INSURGÊNCIA QUANTO ÀS COORDENADAS INDICADAS NO AUTO DE INFRAÇÃO – AFIRMAÇÃO DE QUE NÃO CORRESPONDEM À SUA PROPRIEDADE – MATÉRIA NÃO DISCUTIDA NO JUÍZO SINGULAR – OCORRÊNCIA DA PRECLUSÃO – IMPOSSIBILIDADE DE DISCUSSÃO NO RECURSO – PRETENDIDO RECONHECIMENTO DA PERDA DO OBJETO EM RAZÃO DA CELEBRAÇÃO DE TERMO DE AJUSTAMENTO DE CONDUTA – REALIZAÇÃO DE CADASTRO AMBIENTAL RURAL (CAR) E APRESENTAÇÃO DE PLANO DE RECUPERAÇÃO DE ÁREA DEGRADADA (PRAD) – BIS IN IDEM – NÃO CARACTERIZAÇÃO – INDEPENDÊNCIA DOS PODERES QUANTO À RESPONSABILIZAÇÃO – ALEGADA NULIDADE DO AUTO DE INFRAÇÃO POR INOBSERVÂNCIA DO ART. 10 DO DECRETO Nº 70.235/1972 – NORMA QUE NÃO SE APLICA AO CASO – SENTENÇA MANTIDA – RECURSO DESPROVIDO. 1. Consoante a jurisprudência do STJ, a responsabilidade civil pelo dano ambiental, qualquer que seja a qualificação jurídica do degradador, público ou privado, é de natureza objetiva, solidária e ilimitada, sendo regida pelos princípios poluidor-pagador, da reparação in integrum, da prioridade da reparação in natura e do favor debilis, este último a legitimar uma série de técnicas de facilitação do acesso à justiça, entre as quais se inclui a inversão do ônus da prova em favor da vítima ambiental. (STJ, REsp 1.454.281/MG, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, DJe de 09/09/2016). 2. Opera-se a preclusão da matéria de defesa que deveria ter sido apresentada na contestação, fato que impossibilita ao Tribunal apreciá-la, no Recurso de Apelação. 3. O fato de ter sido firmado Termo de Ajustamento de Conduta não afasta o provimento jurisdicional já instaurado, pois a sentença apenas deixaria de subsistir se houvesse pedido de desistência do Autor da ação ou se o acordo das respectivas partes envolvidas fosse homologado em juízo, o que não é o caso. 4. A elaboração de Termo de Ajustamento de Conduta também não implica em bis in idem, porque o ilícito ambiental admite tríplice responsabilização [esferas penal, administrativa e cível], a teor do que prevê o art. 225, § 3º, da Constituição Federal. 5. Além de não existir previsão legal acerca da obrigatoriedade de que a lavratura do auto de infração ambiental se dê no local dos fatos, é cediço que a apuração de infrações administrativas por condutas e atividades lesivas ao meio ambiente lavradas pelo IBAMA se regulam por meio da Lei nº 9.605/1998, do Decreto nº 6.514/2008 e da Instrução Normativa IBAMA nº 10, de 7/12/2012, não se aplicando as disposições do Decreto nº 70.235/1972, que dispõe acerca do processo administrativo fiscal. (TJ-MT - APL: 00025736120108110007 MT, Relator: HELENA MARIA BEZERRA RAMOS, Data de Julgamento: 05/11/2018, PRIMEIRA CÂMARA DE DIREITO PÚBLICO E COLETIVO, Data de Publicação: 28/11/2018)”. Ressalta-se, por oportuno, que o Superior Tribunal de Justiça firmou o entendimento de que a responsabilidade civil por dano ambiental é fundada na teoria do risco integral, não sendo admitidas causas excludentes de responsabilidade, exigindo somente a ocorrência de resultado prejudicial ao ambiente, decorrente da ação ou omissão do responsável. Importante consignar que a ação civil pública por dano ambiental pode ter dois desfechos distintos: indenização em dinheiro (condenatória pecuniária) ou obrigação de fazer ou não fazer (condenatória mandamental), sendo, contudo, perfeitamente, passível de cumulação. Logo, considerando que os documentos já mencionados anteriormente confirmam os danos ambientais ocorridos e, principalmente, em razão da ausência de impugnação específica por parte da requerida quanto à ocorrência dos fatos ou à veracidade da autuação, impõe-se, de forma objetiva, o dever de promover a recuperação da área degradada, bem como a indenização pelos eventuais danos remanescentes. Por oportuno, cumpre anotar que o ato administrativo goza de presunção relativa de veracidade, que somente pode ser ilidida com prova em contrário e, na hipótese, a parte recorrente não obteve êxito em comprovar que não houve lesão ambiental em sua propriedade. Ademais, em se tratando de dano ambiental, a responsabilidade é objetiva, ou seja, não requer culpa ou dolo, bastando a constatação do dano e do nexo de causalidade, nos temos do art. 14, §1º, da Lei n.º 6.938/81, em consonância com o art. 225, §3º, da Magna Carta. Dessa maneira, uma vez devidamente demonstrado o nexo de causalidade entre a conduta ilícita consubstanciada no desmatamento e o dano ambiental dela resultante, impõe-se a obrigação de reparação integral do prejuízo ambiental, nos termos da responsabilidade civil objetiva prevista no ordenamento jurídico pátrio. Além disso, revela-se igualmente cabível a condenação ao pagamento de indenização pecuniária, haja vista que a possibilidade técnica de recomposição in natura, ainda que viável, não se revela suficiente, por si só, para restaurar plenamente todas as dimensões da degradação ambiental ocasionada. Tal medida encontra fundamento nos princípios da prevenção, do poluidor-pagador e da reparação integral do dano, os quais orientam a tutela ambiental e garantem a efetiva responsabilização do infrator. A propósito, o Superior Tribunal de Justiça firmou entendimento consolidado sobre a possibilidade de cumulação da obrigação de reparação ambiental com indenização pecuniária, conforme se extrai da seguinte ementa jurisprudencial: “ADMINISTRATIVO. AMBIENTAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DESMATAMENTO DE VEGETAÇÃO NATIVA (CERRADO) SEM AUTORIZAÇÃO DA AUTORIDADE AMBIENTAL. DANOS CAUSADOS À BIOTA. INTERPRETAÇÃO DOS ARTS. 4º, VII, E 14, § 1º, DA LEI 6.938/1981, E DO ART. 3º DA LEI 7.347/85. PRINCÍPIOS DA REPARAÇÃO INTEGRAL, DO POLUIDOR-PAGADOR E DO USUÁRIO-PAGADOR. POSSIBILIDADE DE CUMULAÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER (REPARAÇÃO DA ÁREA DEGRADADA) E DE PAGAR QUANTIA CERTA (INDENIZAÇÃO). REDUCTION AD PRISTINUM STATUM. DANO AMBIENTAL INTERMEDIÁRIO, RESIDUAL E MORAL COLETIVO. ART. 5º DA LEI DE INTRODUÇÃO AO CÓDIGO CIVIL. INTERPRETAÇÃO IN DUBIO PRO NATURA DA NORMA AMBIENTAL. 1. Cuidam os autos de ação civil pública proposta com o fito de obter responsabilização por danos ambientais causados pelo desmatamento de vegetação nativa (Cerrado). O juiz de primeiro grau e o Tribunal de Justiça de Minas Gerais consideraram provado o dano ambiental e condenaram o réu a repará-lo; porém, julgaram improcedente o pedido indenizatório pelo dano ecológico pretérito e residual. 2. A legislação de amparo dos sujeitos vulneráveis e dos interesses difusos e coletivos deve ser interpretada da maneira que lhes seja mais favorável e melhor possa viabilizar, no plano da eficácia, a prestação jurisdicional e a ratio essendi da norma. A hermenêutica jurídico-ambiental rege-se pelo princípio in dubio pro natura. 3. Ao responsabilizar-se civilmente o infrator ambiental, não se deve confundir prioridade da recuperação in natura do bem degradado com impossibilidade de cumulação simultânea dos deveres de repristinação natural (obrigação de fazer), compensação ambiental e indenização em dinheiro (obrigação de dar), e abstenção de uso e de nova lesão (obrigação de não fazer). 4. De acordo com a tradição do Direito brasileiro, imputar responsabilidade civil ao agente causador de degradação ambiental difere de fazê-lo administrativa ou penalmente. Logo, eventual absolvição no processo criminal ou perante a Administração Pública não influi, como regra, na responsabilização civil, tirantes as exceções em numerus clausus do sistema legal, como a inequívoca negativa do fato ilícito (não ocorrência de degradação ambiental, p. ex.) ou da autoria (direta ou indireta), nos termos do art. 935 do Código Civil. 5. Nas demandas ambientais, por força dos princípios do poluidor-pagador e da reparação in integrum, admite-se a condenação do réu, simultânea e agregadamente, em obrigação de fazer, não fazer e indenizar. Aí se encontra típica obrigação cumulativa ou conjuntiva. Assim, na interpretação dos arts. 4º, VII, e 14, § 1º, da Lei da Política Nacional do Meio Ambiente (Lei 6.938/81), e do art. 3º da Lei 7.347/85, a conjunção "ou" opera com valor aditivo, não introduz alternativa excludente. Essa posição jurisprudencial leva em conta que o dano ambiental é multifacetário (ética, temporal, ecológica e patrimonialmente falando, sensível ainda à diversidade do vasto universo de vítimas, que vão do indivíduo isolado à coletividade, às gerações futuras e aos próprios processos ecológicos em si mesmos considerados). 6. Se o bem ambiental lesado for imediata e completamente restaurado ao status quo ante (reductio ad pristinum statum, isto é, restabelecimento à condição original), não há falar, ordinariamente, em indenização. Contudo, a possibilidade técnica, no futuro (= prestação jurisdicional prospectiva), de restauração in natura nem sempre se mostra suficiente para reverter ou recompor integralmente, no terreno da responsabilidade civil, as várias dimensões do dano ambiental causado; por isso não exaure os deveres associados aos princípios do poluidor-pagador e da reparação in integrum. 7. A recusa de aplicação ou aplicação parcial dos princípios do poluidor-pagador e da reparação in integrum arrisca projetar, moral e socialmente, a nociva impressão de que o ilícito ambiental compensa. Daí a resposta administrativa e judicial não passar de aceitável e gerenciável "risco ou custo do negócio", acarretando o enfraquecimento do caráter dissuasório da proteção legal, verdadeiro estímulo para que outros, inspirados no exemplo de impunidade de fato, mesmo que não de direito, do infrator premiado, imitem ou repitam seu comportamento deletério. 8. A responsabilidade civil ambiental deve ser compreendida o mais amplamente possível, de modo que a condenação a recuperar a área prejudicada não exclua o dever de indenizar - juízos retrospectivo e prospectivo. 9. A cumulação de obrigação de fazer, não fazer e pagar não configura bis in idem, porquanto a indenização, em vez de considerar lesão específica já ecologicamente restaurada ou a ser restaurada, põe o foco em parcela do dano que, embora causada pelo mesmo comportamento pretérito do agente, apresenta efeitos deletérios de cunho futuro, irreparável ou intangível. 10. Essa degradação transitória, remanescente ou reflexa do meio ambiente inclui: a) o prejuízo ecológico que medeia, temporalmente, o instante da ação ou omissão danosa e o pleno restabelecimento ou recomposição da biota, vale dizer, o hiato passadiço de deterioração, total ou parcial, na fruição do bem de uso comum do povo (= dano interino ou intermediário), algo frequente na hipótese, p. ex., em que o comando judicial, restritivamente, se satisfaz com a exclusiva regeneração natural e a perder de vista da flora ilegalmente suprimida, b) a ruína ambiental que subsista ou perdure, não obstante todos os esforços de restauração (= dano residual ou permanente), e c) o dano moral coletivo. Também deve ser reembolsado ao patrimônio público e à coletividade o proveito econômico do agente com a atividade ou empreendimento degradador, a mais-valia ecológica ilícita que auferiu (p. ex., madeira ou minério retirados irregularmente da área degradada ou benefício com seu uso espúrio para fim agrossilvopastoril, turístico, comercial). 11. No âmbito específico da responsabilidade civil do agente por desmatamento ilegal, irrelevante se a vegetação nativa lesada integra, ou não, Área de Preservação Permanente, Reserva Legal ou Unidade de Conservação, porquanto, com o dever de reparar o dano causado, o que se salvaguarda não é a localização ou topografia do bem ambiental, mas a flora brasileira em si mesma, decorrência dos excepcionais e insubstituíveis serviços ecológicos que presta à vida planetária, em todos os seus matizes. 12. De acordo com o Código Florestal brasileiro (tanto o de 1965, como o atual, a Lei 12.651, de 25.5.2012) e a Lei da Política Nacional do Meio Ambiente (Lei 6.938/81), a flora nativa, no caso de supressão, encontra-se uniformemente protegida pela exigência de prévia e válida autorização do órgão ambiental competente, qualquer que seja o seu bioma, localização, tipologia ou estado de conservação (primária ou secundária). 13. A jurisprudência do STJ está firmada no sentido da viabilidade, no âmbito da Lei 7.347/85 e da Lei 6.938/81, de cumulação de obrigações de fazer, de não fazer e de indenizar ( REsp 1.145.083/MG, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe 4.9.2012; REsp 1.178.294/MG, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 10.9.2010; AgRg nos EDcl no Ag 1.156.486/PR, Rel. Ministro Arnaldo Esteves Lima, Primeira Turma, DJe 27.4.2011; REsp 1.120.117/AC, Rel. Ministra Eliana Calmon, Segunda Turma, DJe 19.11.2009; REsp 1.090.968/SP, Rel. Ministro Luiz Fux, Primeira Turma, DJe 3.8.2010; REsp 605.323/MG, Rel. Ministro José Delgado, Rel. p/ Acórdão Ministro Teori Albino Zavascki, Primeira Turma, DJ 17.10.2005; REsp 625.249/PR, Rel. Ministro Luiz Fux, Primeira Turma, DJ 31.8.2006, entre outros). 14. Recurso especial parcialmente provido para reconhecer a possibilidade, em tese, de cumulação de indenização pecuniária com as obrigações de fazer e não fazer voltadas à recomposição in natura do bem lesado, devolvendo-se os autos ao Tribunal de origem para que verifique se, na hipótese, há dano indenizável e fixe eventual quantum debeatur. (STJ - REsp: 1198727 MG 2010/0111349-9, Relator: Ministro HERMAN BENJAMIN, Data de Julgamento: 14/08/2012, T2 - SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJe 09/05/2013)”. (grifos nossos) Nesse contexto, este egrégio Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso tem adotado entendimento similar, reconhecendo a possibilidade de cumulação das obrigações de recomposição ambiental e indenização pecuniária: “APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO CIVIL PÚBLICA - PROCESSO ADMINISTRATIVO – DANOS AMBIENTAIS – DESMATAMENTO E QUEIMADA ILEGAL – MATA NATIVA – COMPROVAÇÃO – FISCALIZAÇÃO PELO IBAMA – PRELIMINARES DE CARÊNCIA DA AÇÃO POR FALTA DE INTERESSE DE AGIR E ILEGITIMIDADE PASSIVA- AFASTADAS – AUTO DE INFRAÇÃO QUE GOZA DE PRESUNÇÃO DE VERACIDADE - RESPONSABILIDADE AMBIENTAL OBJETIVA – DANO AMBIENTAL – CONFIGURAÇÃO -SENTENÇA MANTIDA – RECURSO DESPROVIDO. 1. As responsabilidades penal, administrativa e civil possuem características próprias e são regidas por sistemas jurídicos específicos, o que reforça o caráter de independência entre si, motivo pelo qual, não há que se falar em necessidade de esgotamento da via administrativa para interpor a devida Ação Civil. 2. As coordenadas informadas pelo Apelante na contestação, são os mesmos das discriminados no Auto de Infração, razão pela qual, o proprietária da Fazenda Sonho Dourado possui legitimidade para figurar no polo passivo da ação.. 3. Em se tratando de dano ambiental, a responsabilização do infrator pode-se dar, concomitantemente, nas esferas penal, administrativa e civil, que não se confundem (CRF, art. 225, § 3º). 4. A obrigação de recuperar a degradação ambiental abrange o titular da propriedade do imóvel, ainda que não seja de sua autoria o dano causado, face à natureza propter rem. Súmula nº 623 do Superior Tribunal de Justiça. 5. A responsabilidade civil pela degradação do meio ambiente independe de qualquer consideração subjetiva, a respeito do causador do dano, pois é regra assente que os danos causados ao meio ambiente acarretam responsabilidade objetiva, ou seja, sem análise de culpa por parte do agente. 6. O dano moral ambiental de interesse individual – ou dano moral reflexo ao dano ambiental - ocorre quando a degradação ambiental afeta a esfera extrapatrimonial de certo indivíduo de modo especial, provocando-lhe desgosto capaz de adentrar sua esfera jurídica e causar-lhe sofrimento, intranquilidade de espírito e angústia. 7. Ficando provado o dano material, mas não sendo possível verificar a sua extensão pelas provas do processo, a apuração desse valor deve ser feita em fase de liquidação de sentença. 8. Recurso conhecido e desprovido. (TJ-MT 00017515220108110046 MT, Relator: YALE SABO MENDES, Data de Julgamento: 06/10/2021, Primeira Câmara de Direito Público e Coletivo, Data de Publicação: 14/10/2021)”. (grifos nossos) “APELAÇÃO – AÇÃO CIVIL PÚBLICA – DANO AMBIENTAL – NULIDADE DA CITAÇÃO POR EDITAL – INOCORRÊNCIA – CERCEAMENTO DE DEFESA – NÃO CONFIGURAÇÃO – CUMULAÇÃO ENTRE AS OBRIGAÇÕES DE RECUPERAR A ÁREA DESMATADA E DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS – POSSIBILIDADE – INEXISTÊNCIA DE BIS IN IDEM – VALOR A SER APURAÇÃO EM LIQUIDAÇÃO DE SENTENÇA – DANO MORAL COLETIVO NÃO CONFIGURADO – RECURSO DO POLUIDOR NÃO PROVIDO – RECURSO MINISTERIAL PARCIALMENTE PROVIDO. Frustradas as tentativas de citação pessoal e encontrando-se o réu em local incerto e não sabido, não há falar em nulidade de sua citação por edital. Inexiste cerceamento de defesa diante do julgamento antecipado da lide se o julgador entendeu que o conjunto probatório constante dos autos era suficiente à formação do seu convencimento, notadamente diante da apresentação de cópia de processo administrativo atuado pelo IBAMA. A indenização pelos danos materiais decorrentes do dano ambiental é cabível de forma cumulativa à recomposição da área degradada, como compensação pecuniária pela perda ambiental até que ocorra sua efetiva restauração, sem que isso configure bis in idem, devendo o montante devido ser apurado em liquidação de sentença. Somente quando o dano ambiental ultrapassa o limite de tolerância e atinge valores coletivos, causando intranquilidade social ou alterações relevantes na ordem coletiva, é que restará configurado o dano moral coletivo, o que não ocorreu no caso. (N.U 0001013-70.2013.8.11.0107, , LUIZ CARLOS DA COSTA, SEGUNDA CÂMARA DE DIREITO PÚBLICO E COLETIVO, Julgado em 11/12/2019, Publicado no DJE 13/12/2019)”. (grifos nossos) Outrossim, em consonância com a jurisprudência pátria, a indenização pecuniária e a obrigação de fazer ou não fazer não configuram bis in idem, pois o Superior Tribunal de Justiça já decidiu que “a indenização não é para o dano especificamente já reparado, mas para os seus efeitos, especialmente a privação temporária da fruição do patrimônio comum a todos os indivíduos, até sua efetiva recomposição”. (REsp nº 1.180.078 - MG). No que tange à fixação do quantum indenizatório, destaca-se que a caracterização do dano moral difuso e/ou coletivo exige a demonstração de ofensa a valores fundamentais da coletividade, cuja lesão ocorra de forma grave, injusta e intolerável, comprometendo interesses juridicamente tutelados e ensejando a devida reparação. No presente caso, ainda que comprovada a prática do ilícito ambiental, não há nos autos evidências suficientes para demonstrar a ocorrência de lesão extrapatrimonial suportada pela coletividade, que resulte em sofrimento ou angústia com grau de intolerabilidade superior ao mero aborrecimento cotidiano. Dessa forma, a ausência de comprovação de um impacto relevante sobre valores fundamentais da sociedade impede o reconhecimento do dano moral coletivo indenizável. Diante dessas premissas, impõe-se a condenação da parte recorrida à obrigação de fazer, consistente na recomposição da área degradada, nos termos da Lei Complementar Estadual nº 592/2017 e do Decreto nº 1.491/2018, ambos do Estado de Mato Grosso, bem como ao pagamento de indenização pecuniária, a ser apurada na fase de liquidação de sentença, proporcionalmente à extensão do dano ambiental causado. Por derradeiro, destaco a relevância e a magnitude do direito protegido, que possui natureza transindividual e difusa, sendo que a degradação do meio ambiente gera reflexos que atingem a todos, na medida em que os priva de gozar dos direitos constitucionalmente protegidos, consistentes no meio ambiente equilibrado e na sadia qualidade de vida, a teor do que estabelece o art. 225, caput, CRFB. Ante o exposto, CONHEÇO, EM PARTE E DOU PARCIAL PROVIMENTO ao recurso do Ministério Público do Estado de Mato Grosso, para condenar a parte apelada em obrigação de fazer, bem como ao pagamento de indenização material, nos moldes estabelecidos. É como voto. V O T O EXMO. SR. DES. MARIO ROBERTO KONO DE OLIVEIRA (2º VOGAL): Peço vista dos autos para melhor análise da matéria. V O T O EXMO. SR. DR. AGAMENON ALCÂNTARA MORENO JÚNIOR (1º VOGAL- CONVOCADO): Aguardo o pedido de vista. SESSÃO DE 11 DE MARÇO DE 2025 (CONTINUAÇÃO DE JULGAMENTO): V O T O (VISTA) EXMO. SR. DES. MÁRIO ROBERTO KONO DE OLIVEIRA (2º VOGAL): Egrégia Câmara: A questão central em debate refere-se à possibilidade de cumulação da obrigação de fazer, consistente na recomposição da área degradada, com a obrigação de pagar indenização pecuniária pelos danos ambientais causados. A nobre Relatora propõe a manutenção da condenação da parte requerida em ambas as obrigações, sob o fundamento de que o dano ambiental deve ser reparado de forma integral, o que abarcaria tanto a recomposição ambiental quanto a indenização pecuniária. Da sentença proferida pelo juízo de primeiro grau, observa-se o seguinte posicionamento: “[...] pelos documentos aportados ao feito restou comprovado o ilícito ambiental, tornando-se imperiosa a responsabilização da parte requerida pelos danos praticados ao meio ambiente. No que tange ao valor da reparação do dano ambiental a parte autora sugeriu o valor de R$ 114.644,17 (cento e catorze mil, seiscentos e quarenta e quatro reais e dezessete centavos). Em análise aos autos, verifico que o arbitramento de tal valor a título de reparação iria ultrapassar o valor total da área rural, de modo que é desproporcional, não sendo admitido no ordenamento tal medida. Assim, arbitro o valor de R$ 18.294,00 (dezoito mil e duzentos e noventa e quatro reais) a título de reparação ao dano ambiental. Valor este, que entendo razoável e proporcional, levando em consideração o valor venal do imóvel em mato era R$ 1.996,92 (um mil, novecentos e noventa e seis reais e noventa e dois centavos) por alqueire (2.42 hectares) no ano de 2021, conforme VTN – Valor da Terra Nua 2021 deste Município, consulta realizada, nesta data, junto ao sitio da Prefeitura da Comarca de Paranaíta/MT, a saber: https://www.paranaita.mt.gov.br/Publicacoes/Vtn/. E como foi desmatado uma área de 22,17 hectares, pego este valor e multiplico por R$ 825,17 (oitocentos e vinte e cinco reais e dezessete centavos), valor este que fiz a conversão do valor venal do imóvel por hectare, totalizando R$ 18.294,00 (dezoito mil e duzentos e noventa e quatro reais), a título de reparação o dano ambiental. Ademais, é oportuno mencionar que a parte ré já responde na esfera administrativa, ocasião em que foi multado pelo referido ilícito ambiental.” Em suas razões recursais, o Ministério Público pugnou pela reforma da sentença, em apertada síntese, para fins de ‘compelir a apelada a adotar medidas tendentes à recuperação da área degradada, a indenizar o dano ambiental em valor maior do que o fixado em sentença, bem como a indenizar o dano moral coletivo que, ao contrário do pronunciamento de piso, é decorrente da degradação ambiental constatada nos presentes autos.’ Por oportuno, transcreve-se parte do voto exarado pela e. Relatora, para expor o posicionamento adotado ao presente caso: “[...] Importante consignar que a ação civil pública por dano ambiental pode ter dois desfechos distintos: indenização em dinheiro (condenatória pecuniária) ou obrigação de fazer ou não fazer (condenatória mandamental), sendo, contudo, perfeitamente, passível de cumulação. Logo, considerando que os documentos já mencionados anteriormente confirmam os danos ambientais ocorridos e, principalmente, em razão da ausência de impugnação específica por parte da requerida quanto à ocorrência dos fatos ou à veracidade da autuação, impõe-se, de forma objetiva, o dever de promover a recuperação da área degradada, bem como a indenização pelos eventuais danos remanescentes. [...] Dessa maneira, uma vez devidamente demonstrado o nexo de causalidade entre a conduta ilícita consubstanciada no desmatamento e o dano ambiental dela resultante, impõe-se a obrigação de reparação integral do prejuízo ambiental, nos termos da responsabilidade civil objetiva prevista no ordenamento jurídico pátrio. Além disso, revela-se igualmente cabível a condenação ao pagamento de indenização pecuniária, haja vista que a possibilidade técnica de recomposição in natura, ainda que viável, não se revela suficiente, por si só, para restaurar plenamente todas as dimensões da degradação ambiental ocasionada. Tal medida encontra fundamento nos princípios da prevenção, do poluidor-pagador e da reparação integral do dano, os quais orientam a tutela ambiental e garantem a efetiva responsabilização do infrator. [...] Outrossim, em consonância com a jurisprudência pátria, a indenização pecuniária e a obrigação de fazer ou não fazer não configuram bis in idem, pois o Superior Tribunal de Justiça já decidiu que “a indenização não é para o dano especificamente já reparado, mas para os seus efeitos, especialmente a privação temporária da fruição do patrimônio comum a todos os indivíduos, até sua efetiva recomposição”. (REsp nº 1.180.078 - MG). [...] Diante dessas premissas, impõe-se a condenação da parte recorrida à obrigação de fazer, consistente na recomposição da área degradada, nos termos da Lei Complementar Estadual nº 592/2017 e do Decreto nº 1.491/2018, ambos do Estado de Mato Grosso, bem como ao pagamento de indenização pecuniária, a ser apurada na fase de liquidação de sentença, proporcionalmente à extensão do dano ambiental causado. [...] Ante o exposto, CONHEÇO, EM PARTE E DOU PARCIAL PROVIMENTO ao recurso do Ministério Público do Estado de Mato Grosso, para condenar a parte apelada em obrigação de fazer, bem como ao pagamento de indenização material, nos moldes estabelecidos.” Com a devida vênia ao voto exarado pela e. Relatora, divirjo do entendimento adotado, notadamente porque, embora perfeitamente admissível a cumulação da obrigação reparatória do dano ambiental com a indenizatória, naqueles casos em que se afigura possível a reparação integral do ilícito ambiental, o c. Superior tribunal de Justiça tem o entendimento de que deve ser afastada a obrigação de natureza pecuniária. A propósito: “PROCESSO CIVIL E AMBIENTAL. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DANO AMBIENTAL. CONSTRUÇÃO EM ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE DE 100 METROS. CUMULAÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER E INDENIZAÇÃO PECUNIÁRIA. POSSIBILIDADE. NÃO OBRIGATORIEDADE. DESNECESSIDADE, NO CASO CONCRETO, RECONHECIDA PELO TRIBUNAL A QUO. CONCLUSÃO LASTREADA EM CIRCUNSTÂNCIAS FÁTICO-PROBATÓRIAS. REEXAME. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA N. 7/STJ. AGRAVO INTERNO NÃO PROVIDO. 1. O Superior Tribunal de Justiça, embora admita a possibilidade de cumulação de obrigações de fazer, de não fazer e de indenizar em decorrência de dano ambiental, tal como registra o enunciado de Súmula 629/STJ, também reconhece que tal acúmulo não é obrigatório e relaciona-se com a impossibilidade de recuperação total da área degradada. Precedentes. 2. No caso dos autos, embora tenha reconhecido a ocorrência do dano ambiental - construção em área de preservação permanente de 100 metros - o Tribunal a quo, analisando as circunstâncias fático-probatórias e as peculiaridades da causa, em que se determinou a demolição das construções nas áreas de várzea e de preservação permanente de 100 metros, a retirada de todo o entulho para local aprovado pelo órgão ambiental e a recuperação integral das áreas degradadas, com a recomposição da cobertura florestal, mediante plantio de racional e tecnicamente orientado de espécies nativas e endêmicas da região, bem como a apresentação de projeto técnico a ser aprovado pelo órgão ambiental competente, concluiu que o caso concreto não recomendava a indenização pecuniária, especialmente "considerando as várias obrigações a que foram os réus condenados, cujas despesas correrão sob suas responsabilidades" (fl . 943).3. A alteração da conclusão a que chegou o acórdão recorrido para acolher a tese de que, no caso concreto, seria de rigor a condenação à indenização pecuniária, demandaria, necessariamente, o reexame de matéria fático-probatória, tarefa insuscetível de ser realizada na via do recurso especial, consoante o disposto na Súmula n. 7/STJ .4. Agravo interno não provido. (STJ - AgInt no REsp: 2078222 SP 2023/0197737-5, Relator.: Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, Data de Julgamento: 21/05/2024, T2 - SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJe 27/05/2024)PROCESSUAL CIVIL E AMBIENTAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DANO AMBIENTAL. INDENIZAÇÃO PECUNIÁRIA CUMULADA COM OBRIGAÇÃO DE FAZER. EFETIVA REPARAÇÃO DA ÁREA DEGRADADA. SÚMULA N. 7/STJ. 1. Em ação civil pública ambiental, é admitida a possibilidade de condenação do réu à obrigação de fazer ou não fazer cumulada com a de indenizar. Tal orientação fundamenta-se na eventual possibilidade de que a restauração in natura não se mostre suficiente à recomposição integral do dano causado. 2. Na hipótese dos autos, impossível alterar o entendimento do Tribunal a quo, uma vez que lastreado em prova produzida. Incidência da Súmula n. 7/STJ.Agravo interno improvido. (STJ - AgInt no AREsp: 2143845 RS 2022/0169454-9, Relator.: HUMBERTO MARTINS, Data de Julgamento: 29/05/2023, T2 - SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJe 31/05/2023) A responsabilidade ambiental, conforme consolidado pelo Superior Tribunal de Justiça, deve priorizar a recuperação integral da área degradada como medida preferencial e principal de reparação do dano ambiental. A indenização pecuniária deve ser imposta somente quando a recuperação in natura não for integralmente possível ou for comprovada a existência de danos residuais irreparáveis, situação não visualizada na espécie. Com efeito, conquanto o juízo “a quo” tenha apresentado fundamentação demonstrando os cálculos realizados para estabelecer o quantum indenizatório, por outro lado, seguindo o entendimento do STJ mencionado alhures, deve ser determinada a recuperação integral da área degradada e, na sua impossibilidade, o réu será compelido ao pagamento de indenização pecuniária, cujo valor deve ser apurado em liquidação de sentença, momento oportuno e adequado para ser balizar o valor necessário para se restabelecer o status quo ante da área degradada. Ante o exposto, com a devida vênia ao entendimento esposado pela nobre relatora, divirjo de seu entendimento, de modo que DOU PROVIMENTO PARCIAL ao recurso interposto pelo Ministério Público do Estado de Mato Grosso, para determinar ao requerido que promova a recuperação da área degradada e, na sua impossibilidade, promova o pagamento pecuniário necessário ao restabelecimento do status quo ante da área, cujo valor deverá ser apurado em liquidação de sentença. É como voto. V O T O EXMO. SR. DR. AGAMENON ALCÂNTARA MORENO JÚNIOR (1º VOGAL- CONVOCADO): Peço vista dos autos para melhor análise da matéria. SESSÃO DO DIA 15 DE ABRIL DE 2025 (CONTINUAÇÃO DE JULGAMENTO): V O T O (VISTA) EXMO. SR. DR. AGAMENON ALCÂNTARA MORENO JÚNIOR (1º VOGAL- CONVOCADO): Egrégia Câmara: Após detida análise dos votos apresentados pela Relatora e pelo 2º Vogal, apresento meu voto-vista, acompanhando o entendimento da Relatora, porém com algumas considerações adicionais, que passo a expor. Antes de adentrar ao mérito do processo, penso que seja o caso de fazer um breve resumo da situação processual destes autos, a fim de clarear os pontos controvertidos. Na origem, foi ajuizada ação civil pública com pedido de tutela antecipada pelo Ministério Público em face da senhora Marli Pallin Bragatti, sob a alegação de que a SEMA lavrou no dia 23/04/2021 auto de infração nº 21043892 e termo de embargo/interdição nº 21044553 na Fazenda Bragatti IV localizada no Município de Paranaíta, ante a ocorrência de desmatamento ilegal, a corte raso, 22,17 hectares de vegetação nativa, em área objeto especial de preservação sem prévia autorização do órgão ambiental competente. Após a tramitação, a ação foi julgada parcialmente procedente para “CONDENAR o requerido a reparação do dano ambiental em pecúnia, no valor de R$ 18.294,00 (dezoito mil e duzentos e noventa e quatro reais) em favor do Fundo Municipal do Meio Ambiente, a ser corrigido monetariamente pelo INPC e acrescidos de juros moratórios de 1% (um por cento) ao mês, desde a sentença”. O pedido de dano moral coletivo foi julgado improcedente e não houve condenação em obrigação de fazer (reparação do dano) – Id. 206367155. Após o decisum, houve a interposição de Apelação por ambas as partes. O recurso da Sra. Marli foi julgado deserto em razão da ausência de preparo – Id. 231595683, estando a ser julgado, neste momento processual, tão somente o recurso manejado pelo Ministério Público, o qual possui os seguintes pedidos: Em face do exposto, fica requerido que Vossas Excelências, REEDITANDO MAIS UMA DE SUAS BRILHANTES ATUAÇÕES, CONHEÇAM o presente recurso de apelação, dando ainda PROVIMENTO, a fim de reformar a sentença aportada no ID 120494144, para condenar a apelada nas seguintes obrigações de fazer, de não fazer e de indenizar: 1) a imediata suspensão das atividades econômicas promovidas em 22,17 ha desmatados ilegal da “Fazenda Bragatti” com a subsequente retirada dos fatores de degradação e isolamento. Tal medida deverá ser prontamente comunicada à SEMA com o objetivo de incluir em seus sistemas de alertas o monitoramento quanto ao cumprimento do embargo; 2) Não explorar economicamente as áreas passíveis de uso desmatadas sem autorização do órgão ambiental após 22/07/2008, até que haja a validação das informações do Cadastro Ambiental Rural - CAR confirmando a inexistência de passivo de Reserva Legal, conforme previsto no art. 3°, § 2° do Decreto Estadual n° 262/2019; 3) Não realizar o uso produtivo das áreas irregularmente desmatadas após 22/07/2008, utilizando-as somente para a finalidade de recuperação ambiental; 4) Espacializar e recuperar a ARL degradada ou alterada, mediante apresentação e execução do Projeto de Recuperação de Áreas Degradadas ou Alteradas (PRADA) aprovado pelo órgão ambiental estadual, visando atingir os indicadores ambientais constantes nos arts. 73 a 77 do Decreto n° 1.491/2018, conforme se tratem de formações florestais, savânicas ou campestres; 4.1) Corrigir, complementar, zelar e cuidar dos indivíduos arbóreos, inclusive mediante a implementação de todos os ajustes, estudos complementares e retificações necessários para suplantar as impropriedades do Projeto de Recuperação de Áreas Degradadas ou Alteradas (PRADA), objetivando o atingimento dos indicadores ambientais constantes nos arts. 73 a 77 do Decreto n° 1.491/2018; 4.2) Incluir no Projeto de Recuperação Ambiental da Área Degradada e/ou Alterada a área de ARL decorrente de desmatamento realizado antes de 22/07/2008, na hipótese de existência de passivo ambiental; 5) Abster-se de promover novos desmatamentos não autorizados e manter todas as suas atividades poluidoras ou potencialmente poluidoras devidamente licenciadas; 6) ao pagamento da indenização pelos danos ambientais materiais, atualmente estimados em R$ 114.644,17 (cento e quatorze mil, seiscentos e quarenta e quatro reais e dezessete centavos) ressaltando-se que o montante da indenização reverterá em prol do Fundo Municipal ou Estadual do Meio Ambiente; 7) ao pagamento da indenização pelos danos ambientais extrapatrimoniais, a serem estimados, ressaltando-se que o montante da indenização reverterá em prol do Fundo Municipal ou Estadual do Meio Ambiente; 8) Averbação no bojo da matrícula a sentença condenatória, nos termos do art. 167, II, “12)” da Lei nº 6.015/1973 c.c. art. 109 do NCPC. A Relatora, em seu voto, defende, em síntese, que: a) não deve ser conhecido o recurso do Ministério Público quanto aos itens 1, 2, 3, 5 e 8, por ausência de dialeticidade; b) ser dado provimento parcial ao recurso manejado pelo Ministério Público, nos demais pontos, no sentido de impor à recorrida a obrigação de fazer consistente na recuperação da área degradada. Afirma ainda a possibilidade de cumulação da obrigação de fazer com a indenização pecuniária já fixada em 1º grau de jurisdição, sob o fundamento de que o dano ambiental deve ser reparado de forma integral. O 2º Vogal, por sua vez, ao inaugurar a divergência, argumenta que a indenização pecuniária deve ser imposta somente quando a recuperação in natura não for integralmente possível ou for comprovada a existência de danos residuais irreparáveis. Diante da divergência, pedi vistas destes autos e verifiquei que a questão central reside na obrigatoriedade (ou não) da recuperação da área degrada e à possibilidade de cumulação desta obrigação com a indenização pecuniária por dano ambiental já fixada. De início pontuo que estou de acordo com a Relatora (pelas razões ali expostas) no que diz respeito ao não conhecimento do recurso do Ministério Público quanto aos itens 1, 2, 3, 5 e 8, por ausência de dialeticidade. Quanto ao mérito dos demais itens, é bom repisar, que, no Juízo a quo houve tão somente condenação à reparação pecuniária do bem ambiental no valor de R$ 18.294,00 (dezoito mil e duzentos e noventa e quatro reais), ou seja, não houve condenação em obrigação de fazer (reparação do dano) – Id. 206367155. Neste ponto, entendo, com as devidas vênias ao julgador singular, que não andou bem a sua decisão, pois é sabido que em matéria ambiental, especialmente em se tratando de áreas protegidas, deve-se sempre privilegiar a restauração in natura. Sobre o tema, veja precedentes deste E. TJMT: DIREITO AMBIENTAL. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DESMATAMENTO ILEGAL EM ÁREA DE VEGETAÇÃO NATIVA DO BIOMA AMAZÔNIA. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. OBRIGAÇÃO PROPTER REM. REPARAÇÃO INTEGRAL. DANO MATERIAL E MORAL COLETIVO. PARCIAL PROVIMENTO. I. Caso em exame 1. Apelação interposta contra sentença que, em ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público do Estado de Mato Grosso, condenou o requerido por desmatamento ilegal de 8,83 hectares de vegetação nativa no bioma Amazônia, sem autorização do órgão ambiental competente, impondo: (i) reparação integral da área degradada; (ii) pagamento de indenização por danos materiais no valor de R$ 45.000,00, com base na multa administrativa aplicada pelo IBAMA; (iii) pagamento de indenização por danos morais coletivos, no valor de R$ 8.830,00; e (iv) abstenção de novas práticas lesivas ao meio ambiente. O apelante alegou ilegitimidade passiva, ausência de vínculo direto com o dano, e desproporcionalidade nos valores das indenizações, requerendo a reforma integral da sentença. II. Questão em discussão 2. Há três questões em discussão: (i) definir a legitimidade do apelante e sua responsabilidade pela obrigação de reparação ambiental; (ii) verificar se o valor fixado para a indenização por danos materiais respeita os princípios da razoabilidade e proporcionalidade; e (iii) avaliar a existência de fundamento jurídico para a condenação ao pagamento de indenização por danos morais coletivos. III. Razões de decidir 3. A responsabilidade ambiental é objetiva, com base no art. 14, § 1º, da Lei 6.938/1981, sendo irrelevante a comprovação de dolo ou culpa. A obrigação de reparação ambiental possui caráter propter rem, vinculando-se à propriedade ou posse, conforme o art. 2º, § 2º, da Lei 12.651/2012 e a Súmula 623 do STJ. 4. O nexo de causalidade foi comprovado, pois o apelante detinha a posse direta do imóvel à época da infração ambiental. Ainda que alegue posse temporária ou cessão da propriedade, a jurisprudência do STJ (Tema 1204) estabelece que a obrigação ambiental persiste, sendo possível, inclusive, sua conversão em perdas e danos na fase de execução, quando inviável a reparação específica. 5. Quanto à indenização por danos materiais, o valor fixado na sentença baseou-se exclusivamente na multa administrativa, desconsiderando a complexidade da reparação integral do dano ambiental, conforme os princípios da proporcionalidade e da reparação integral previstos no art. 944 do Código Civil. 6. Comprovado o dano material ambiental, mas não sendo possível determinar de imediato o valor para fins de reparação, admite-se que sua quantificação seja realizada em fase de liquidação de sentença, por arbitramento, considerando: i) a dimensão e a natureza da área degradada; ii) o marco inicial do dano; e iii) o marco final do dano, a depender da constatação da reparação da área degradada, seja por meio da restauração in natura, seja por compensação indenizatória do dano residual, caso a restauração não se revele viável. 7. O dano moral coletivo foi corretamente reconhecido, uma vez que o desmatamento de vegetação nativa no bioma Amazônia viola direitos difusos à preservação ambiental, causando grave prejuízo à coletividade. A jurisprudência do STJ admite a reparação desse tipo de dano sem necessidade de comprovação de sofrimento individual, bastando a lesão ao meio ambiente e aos bens de titularidade coletiva, impondo a fixação de indenização com caráter compensatório e pedagógico. IV. Dispositivo e tese 8. Recurso parcialmente provido Tese de julgamento: “1. A responsabilidade por danos ambientais é objetiva, com base no art. 14, § 1º, da Lei 6.938/1981, e possui caráter propter rem, vinculando-se à propriedade ou posse, nos termos do art. 2º, § 2º, da Lei 12.651/2012. 2. A fixação do valor da indenização por danos materiais deve observar os princípios da reparação integral e da proporcionalidade, sendo cabível sua apuração em liquidação de sentença, quando necessário. 3. O desmatamento ilegal de vegetação nativa em áreas protegidas enseja a reparação por danos morais coletivos, considerando o impacto ambiental e a violação de direitos difusos da coletividade.” __________ Dispositivos relevantes citados: CF/1988, art. 225, § 3º; Lei 6.938/1981, arts. 3º, IV, e 14, § 1º; Lei 7.347/1985, arts. 1º, 13 e 18; Lei 12.651/2012, art. 2º, § 2º; Código Civil, art. 944; CPC, art. 509, I. Jurisprudência relevante citada: STJ, REsp 1.953.359/SP, Rel. Min. Assusete Magalhães, j. 13.09.2023; STJ, REsp 1.989.778/MT, Relª. Minª. Assusete Magalhães, j. 19.09.2023; STJ, Tema 1204 (REsp 1.366.306/MG); STJ, REsp 1.058.222/SP, Rel. Min. Herman Benjamin, j. 03.09.2009; TJMT. N.U. 0000317-94.2009.8.11.0100, Rel. Des. Rodrigo Roberto Curvo, Primeira Câmara de Direito Público e Coletivo, j. 04.09.2024. (N.U 1001665-73.2023.8.11.0025, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PÚBLICO, RODRIGO ROBERTO CURVO, Primeira Câmara de Direito Público e Coletivo, Julgado em 12/02/2025, Publicado no DJE 17/02/2025) Assim, comungo do entendimento da Relatora, que em certa medida também é o entendimento do 2º Vogal, no sentido de que é necessária e primordial a condenação à reparação da área degradada. A responsabilidade civil ambiental, conforme consolidado pelo Superior Tribunal de Justiça, é de natureza objetiva, solidária e ilimitada, sendo regida pelos princípios do poluidor-pagador, da reparação in integrum e da prioridade da reparação in natura. A Constituição da República Federativa do Brasil, em seu artigo 225, assegura a todos o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, impondo ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. A supressão de vegetação em área de especial proteção ambiental, sem a devida autorização dos órgãos competentes, configura ilícito ambiental, ensejando a responsabilização nas esferas administrativa, civil e penal. A reparação do dano ambiental, portanto, deve buscar a restituição do bem lesado ao seu estado original, o que não é alcançado com a simples indenização pecuniária. Sabe-se ainda que a cumulação de sanções civis não configura bis in idem, porquanto a indenização não se destina a reparar o dano especificamente já reparado, mas sim os seus efeitos, especialmente a privação temporária da fruição do patrimônio comum a todos, até sua efetiva recomposição, ao passo que a recuperação da área degradada atende aos princípios ambientais, na medida em que possibilita o retorno ao status quo ante e a fruição do bem ambiental por toda a coletividade. Nesse sentido, o Superior Tribunal de Justiça possui jurisprudência consolidada no sentido da viabilidade de cumulação de obrigações de fazer, de não fazer e de indenizar em matéria ambiental. Veja-se trecho interessante de precedente que foi inclusive levantado pela Relatora: 9. A cumulação de obrigação de fazer, não fazer e pagar não configura bis in idem, porquanto a indenização, em vez de considerar lesão específica já ecologicamente restaurada ou a ser restaurada, põe o foco em parcela do dano que, embora causada pelo mesmo comportamento pretérito do agente, apresenta efeitos deletérios de cunho futuro, irreparável ou intangível. 10. Essa degradação transitória, remanescente ou reflexa do meio ambiente inclui: a) o prejuízo ecológico que medeia, temporalmente, o instante da ação ou omissão danosa e o pleno restabelecimento ou recomposição da biota, vale dizer, o hiato passadiço de deterioração, total ou parcial, na fruição do bem de uso comum do povo (= dano interino ou intermediário), algo frequente na hipótese, p. ex., em que o comando judicial, restritivamente, se satisfaz com a exclusiva regeneração natural e a perder de vista da flora ilegalmente suprimida, b) a ruína ambiental que subsista ou perdure, não obstante todos os esforços de restauração (= dano residual ou permanente), e c) o dano moral coletivo. Também deve ser reembolsado ao patrimônio público e à coletividade o proveito econômico do agente com a atividade ou empreendimento degradador, a mais-valia ecológica ilícita que auferiu (p. ex., madeira ou minério retirados irregularmente da área degradada ou benefício com seu uso espúrio para fim agrossilvopastoril, turístico, comercial). (STJ - REsp: 1198727 MG 2010/0111349-9, Relator: Ministro HERMAN BENJAMIN, Data de Julgamento: 14/08/2012, T2 - SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJe 09/05/2013). (grifos nossos) Não é demais lembrar todos os impactos negativos para a sociedade que são advindos dos desmates ilegais (especialmente em área de proteção ambiental). Veja-se informação que consta do sítio eletrônico do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima: O desmatamento e as queimadas, no entanto, geram impactos negativos para a sociedade e o meio ambiente. Essas atividades comprometem a biodiversidade, destroem habitats, afetam diretamente a qualidade de vida de milhões de brasileiros e agravam a escassez de recursos hídricos. Além disso, contribuem para a erosão do solo e para a perda de solos férteis. Em âmbito global, o desmatamento é responsável por uma significativa emissão de gases de efeito estufa, sendo uma das principais fontes de emissões do Brasil, com impactos diretos no clima global. (https://www.gov.br/mma/pt-br/assuntos/combate-ao-desmatamento-queimadas-e-ordenamento-ambiental-territorial#:~:text=O%20desmatamento%20e%20as%20queimadas,a%20escassez%20de%20recursos%20h%C3%ADdricos.) Assim, conforme já pontuado, as sanções civis que devem ser aplicadas ao caso, quais sejam, a obrigação de reparar o dano in natura e a indenização pecuniária possuem objetivos diversos. Ao passo que aquela almeja o retorno ao status quo ante¸ esta última, objetiva reparar os efeitos negativos da privação temporária da fruição do bem ambiental coletivo até que haja a sua recomposição. Isso, em meu sentir, só pode ser apurado em face de liquidação de sentença, conforme bem pontuou a senhora relatora. No que diz respeito ao dano moral coletivo, também estou de acordo com a relatora no sentido de não ser cabível ante a ausência de evidências suficientes para demonstrar a ocorrência de lesão extrapatrimonial suportada pela coletividade com impacto relevante sobre valores fundamentais da sociedade. Neste sentido há diversos precedentes desta Câmara. Veja-se: (...) 3. A configuração de danos morais coletivos requer a demonstração de ofensa grave e relevante aos valores fundamentais da coletividade. 4. O juízo de origem considerou que o Ministério Público não provou que o dano ultrapassou os limites da tolerabilidade ou causou intranquilidade social significativa, conforme exigido pela jurisprudência consolidada. 5. A responsabilidade ambiental objetiva não afasta a necessidade de comprovação concreta do impacto extrapatrimonial relevante para justificar a indenização por danos morais coletivos. IV. Dispositivo e tese 6. Recurso desprovido. Tese de julgamento: "A condenação por danos morais coletivos em matéria ambiental exige a comprovação de lesão relevante aos valores fundamentais da coletividade, o que não se verificou no caso concreto." (...) (N.U 0002135-79.2017.8.11.0107, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PÚBLICO, MARIO ROBERTO KONO DE OLIVEIRA, Segunda Câmara de Direito Público e Coletivo, Julgado em 04/03/2025, Publicado no DJE 18/03/2025) Como se vê, ante à ausência de comprovação de que o dano ultrapassou os limites da tolerabilidade ou causou intranquilidade social significativa, conforme exigido pela jurisprudência consolidada, não é o caso de condenação por danos morais coletivos. Diante de todo o exposto, com as devidas vênias à divergência, acompanho a Relatora, no sentido de dar parcial provimento ao recurso do Ministério Público do Estado de Mato Grosso, para condenar a parte apelada em obrigação de fazer, consistente na recomposição da área degradada, bem como ao pagamento de indenização material, a ser apurada em fase de liquidação de sentença, proporcionalmente à extensão do dano ambiental causado. É como voto. V O T O (RETIFICADO) EXMO. SR. DES. MÁRIO ROBERTO KONO DE OLIVEIRA (2º VOGAL): Recolho a minha divergência e fica unânime a conclusão do julgamento. Data da sessão: Cuiabá -MT, 15/04/2025
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