Processo nº 1001018-23.2023.8.11.0108
ID: 311170359
Tribunal: TJMT
Órgão: Primeira Câmara Criminal
Classe: APELAçãO CRIMINAL
Nº Processo: 1001018-23.2023.8.11.0108
Data de Disponibilização:
30/06/2025
Advogados:
HINGRITTY BORGES MINGOTTI
OAB/MT XXXXXX
Desbloquear
MARCIO GOMES DE OLIVEIRA
OAB/MT XXXXXX
Desbloquear
PATRICIA GABRYELLE ALVES
OAB/MT XXXXXX
Desbloquear
SAMIRA BROLLO PINNA
OAB/RJ XXXXXX
Desbloquear
CLAUDIO BIRCK
OAB/MT XXXXXX
Desbloquear
LUCIANO AUGUSTO NEVES
OAB/MT XXXXXX
Desbloquear
ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO PRIMEIRA CÂMARA CRIMINAL Número Único: 1001018-23.2023.8.11.0108 Classe: APELAÇÃO CRIMINAL (417) Assunto: [Crimes do Sistema Nacional de Armas, De Lavagem ou Oc…
ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO PRIMEIRA CÂMARA CRIMINAL Número Único: 1001018-23.2023.8.11.0108 Classe: APELAÇÃO CRIMINAL (417) Assunto: [Crimes do Sistema Nacional de Armas, De Lavagem ou Ocultação de Bens, Direitos ou Valores, Promoção, constituição, financiamento ou integração de Organização Criminosa] Relator: Des(a). WESLEY SANCHEZ LACERDA Turma Julgadora: [DES(A). WESLEY SANCHEZ LACERDA, DES(A). ORLANDO DE ALMEIDA PERRI, DES(A). MARCOS MACHADO] Parte(s): [MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO - CNPJ: 14.921.092/0001-57 (APELADO), EDSONEY GONCALVES LAZZAROTTO - CPF: 052.193.151-70 (APELANTE), ANA CAROLINA BELLEZE SILVA - CPF: 266.695.678-47 (ADVOGADO), LINDOMAR SANTANA BARBOSA RODRIGUES - CPF: 016.181.271-60 (APELANTE), CLAUDIO BIRCK - CPF: 686.974.300-20 (ADVOGADO), SINALDO FERREIRA DA SILVA - CPF: 028.555.731-90 (APELANTE), LUCIANO AUGUSTO NEVES - CPF: 474.078.161-15 (ADVOGADO), TIAGO TELLES - CPF: 041.544.251-61 (APELANTE), PATRICIA GABRYELLE ALVES - CPF: 667.850.901-30 (ADVOGADO), ROBSON JUNIO JARDIM DOS SANTOS - CPF: 024.855.782-30 (APELANTE), SAMIRA BROLLO PINNA - CPF: 100.761.537-03 (ADVOGADO), MAX ALVARENGA DOS SANTOS - CPF: 055.403.321-64 (APELANTE), EDSONEY GONCALVES LAZZAROTTO - CPF: 052.193.151-70 (TERCEIRO INTERESSADO), ROBSON JUNIO JARDIM DOS SANTOS - CPF: 024.855.782-30 (TERCEIRO INTERESSADO), MAX ALVARENGA DOS SANTOS - CPF: 055.403.321-64 (TERCEIRO INTERESSADO), HINGRITTY BORGES MINGOTTI - CPF: 049.223.001-39 (ADVOGADO), SAMIRA BROLLO PINNA - CPF: 100.761.537-03 (ADVOGADO), MARCIO GOMES DE OLIVEIRA - CPF: 032.321.299-94 (ADVOGADO), MARCIO GOMES DE OLIVEIRA - CPF: 032.321.299-94 (ADVOGADO)] A C Ó R D Ã O Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a PRIMEIRA CÂMARA CRIMINAL do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência Des(a). WESLEY SANCHEZ LACERDA, por meio da Turma Julgadora, proferiu a seguinte decisão: POR UNANIMIDADE, DESPROVEU O RECURSO. E M E N T A DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. CRIMES DE ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO, LAVAGEM DE CAPITAIS MAJORADA, COMÉRCIO ILEGAL DE ARMAS. EXTORSÃO MAJORADA. MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS. CADEIA DE CUSTÓDIA INVIOLADA. RECURSOS DESPROVIDOS. I. Caso em exame 1. Apelações criminais interpostas contra sentença proferida pela 5ª Vara Criminal da Comarca de Sinop/MT que condenou os réus pela prática dos crimes de associação para o tráfico de drogas (art. 35, caput, da Lei n. 11.343/06), lavagem de dinheiro majorada (art. 1º, § 4º, da Lei n. 9.613/98), comércio ilegal de armas de fogo (art. 17, § 1º, da L. 10.826/03) e extorsão majorada (art. 158, § 1º, do CP) e um deles pela prática do crime de comércio ilegal de armas (art. 17, § 1º, da Lei n. 10.826/03). II. Questão em discussão 2. Há quatro questões em discussão: (i) se houve violação à cadeia de custódia dos dados extraídos de aparelhos celulares apreendidos; (ii) se os elementos colhidos durante as investigações são aptos a comprovar a materialidade e autoria dos delitos; (iii) se os réus mantinham vínculo estável voltado à prática do tráfico de drogas; (iv) se os elementos informativos foram suficientes para caracterizar os delitos de lavagem de capitais, extorsão e comércio ilegal de armas. III. Razões de decidir 3. As alegações de quebra da cadeia de custódia não foram comprovadas, sendo genéricas e desprovidas de fundamento técnico ou indício de adulteração probatória. 4. A prova produzida — laudos técnicos, relatórios de investigação, depoimentos policiais e registros obtidos por meio da ferramenta Cellebrite — confirma a participação ativa dos apelantes nas condutas criminosas. 5. Restou demonstrada a associação estável e funcional entre os réus, com divisão de tarefas e atuação coordenada no tráfico de entorpecentes, conduta típica do art. 35, caput, da Lei n. 11.343/06. 6. O conjunto probatório também evidencia a lavagem de capitais por meio de movimentações bancárias e uso de terceiros, extorsões mediante “taxas de segurança” cobradas de comerciantes, e tratativas concretas sobre aquisição e venda de armamentos, o que configura os tipos penais imputados. IV. Dispositivo e tese 7. Recursos de apelação desprovidos. Tese de julgamento: "1. A violação à cadeia de custódia exige demonstração concreta de adulteração da prova ou prejuízo à defesa, não se presumindo a partir de meras alegações genéricas. 2. A condenação penal pode se fundamentar em elementos informativos colhidos em sede policial, corroborados em juízo por prova técnica e testemunhal idônea. 3. A associação criminosa voltada ao tráfico exige demonstração de vínculo estável e divisão de tarefas, ainda que não haja prática reiterada do tráfico." Dispositivos relevantes citados: art. 35, caput, da Lei n. 11.343/06, art. 1º, § 4º, da Lei n. 9.613/98, art. 17, § 1º, da L. 10.826/03, art. 158, § 1º, do CP, art. 158-A do CPP, caput, §§ 1º, 2º e 3º, art. 386 do CPP. Jurisprudência relevante citada: STJ, AgRg no AREsp n. 2.695.839/RS, AgRg no AREsp n. 2.601.359/SP, AgRg no AgRg no HC n. 618.899/SC, AgRg no AREsp n. 2.857.832/RN, HC n. 976.975/SP Jurisprudência em Teses, Edição 166, de 26 de março de 2021, Informativo 494; TJMT, AP n. 0008788-36.2019.8.11.0040, AP n. 1000373-46.2023.8.11.0092, AP n. 1017594-79.2023.8.11.0015, AP. n. 0000423-22.2016.8.11.0032, AP n. 0046811-79.2018.8.11.0042 Enunciados Orientativos n. 5 e 8; TJRJ, AP n. 0034818-28 .2009.8.19.0205. Lição Doutrinária: Lima, Renato Brasileiro, Manual de Legislação Criminal Especial Comentada, Volume Único, 4ª Edição, Editora JusPODIVM, páginas 467, 768 e 1009; Greco, Rogério, Código Penal Comentado - 12ª Ed. - Ed. Impetus - páginas 602/603. ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA Gabinete 2 - Primeira Câmara Criminal Gabinete 2 - Primeira Câmara Criminal APELAÇÃO CRIMINAL (417) 1001018-23.2023.8.11.0108 APELANTE: LINDOMAR SANTANA BARBOSA RODRIGUES, SINALDO FERREIRA DA SILVA, TIAGO TELLES, ROBSON JUNIO JARDIM DOS SANTOS APELADO: MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO R E L A T Ó R I O Trata-se de apelações criminais interpostas por TIAGO TELLES, LINDOMAR SANTANA BARBOSA RODRIGUES, SINALDO FERREIRA DA SILVA e ROBSON JUNIO JARDIM DOS SANTOS contra sentença proferida pelo Juízo da 5ª Vara Criminal da Comarca de Sinop, na respectiva ação penal, que condenou o primeiro à pena de 24 anos, 11 meses e 13 dias de reclusão, a ser cumprida em regime fechado, bem como a pagamento de 1.005 dias-multa, pela prática dos crimes tipificados no art. 35, caput, da Lei n. 11.343/06, no art. 1º, § 4º, da Lei n. 9.613/98, no art. 17, § 1º, da Lei n. 10.826/03 e no art. 158, § 1º, do CP, em concurso material, o segundo à pena de 18 anos e 04 meses de reclusão, a ser cumprida em regime fechado, bem como ao pagamento de 736 dias-multa, pela prática dos crimes tipificados no art. 35, caput, da Lei n. 11.343/06, no art. 1º, § 4º, da Lei n. 9.613/98, no art. 17, § 1º, da Lei n. 10.826/03 e no art. 158, § 1º, do CP, em concurso material, o terceiro à pena de 6 anos de reclusão, a ser cumprida em regime semiaberto, e ao pagamento de 10 dias-multa, pelo cometimento do crime descrito art. 17, § 1º, da Lei n. 10.826/03, o quarto à pena de 24 anos, 11 meses e 13 dias de reclusão, a ser cumprida em regime fechado, e ao pagamento de 1.005 dias-multa, pela prática dos delitos previstos no art. 1º, § 4º, da Lei n. 9.613/98, no art. 17, § 1º, da Lei n. 10.826/2003, no art. 35, caput, da Lei n. 11.343/2006 e no art. 158, § 1º, do CP (ID. 246961463). O apelante TIAGO TELLES sustenta que: 1) durante diligência de busca realizada na Penitenciária Central do Estado, foram apreendidos diversos aparelhos celulares na cela em que se encontrava, juntamente com outros doze reeducandos, sem que tenha havido individualização da posse dos referidos telefones; 2) os diálogos interceptados, atribuídos ao interlocutor identificado como “Wesley”, não podem ser a ele imputados; (3) a condenação foi fundamentada exclusivamente nas interceptações telefônicas, ausentes elementos probatórios de corroboração; 4) os diálogos interceptados revelam apenas a intenção de aquisição de armamento, sem que tenha havido concretização de comércio ilegal de arma de fogo; 5) inexiste vítima de extorsão identificada ou ouvida nos autos; 6) não há prova de movimentação financeira em seu nome ou por intermédio de terceiros a ele relacionados, apta a indicar a prática do delito de lavagem de capitais; e (7) não restou demonstrado vínculo estável ou atuação conjunta com terceiros voltada ao tráfico ilícito de entorpecentes. Requer o provimento do recurso para que seja absolvido (ID. 246961481). O apelante LINDOMAR SANTANA BARBOSA RODRIGUES alega que: 1) passou a realizar depósitos em contas indicadas por terceiro, vindo apenas depois a tomar conhecimento de que se tratava de integrantes de facção criminosa, não tendo, à época, consciência da prática do crime de lavagem de capitais; 2) não restou configurado o delito de extorsão, porquanto não há nos autos vítimas que tenham sido submetidas a constrangimento mediante violência ou grave ameaça; 3) a arma de fogo encontrada em seu poder teria sido recebida como garantia de pagamento de empréstimo por ele concedido; 4) não existe prova segura dos crimes de lavagem de dinheiro e associação para o tráfico, pois sua relação com “(...) outros réus teve início em transações comerciais, ou seja, (...) foi procurado, via contato telefônico pelo réu Robson, que inicialmente solicitou serviços de empréstimos (...)”. Pede o provimento do recurso para que seja absolvido dos delitos pelos quais foi condenado (ID. 246961486). O apelante SINALDO FERREIRA DA SILVA aduz que não há prova suficiente para condenação pela prática do crime de comércio ilegal de arma de fogo. Requer o provimento do recurso para que seja absolvido (ID. 259339656). O apelante ROBSON JUNIO JARDIM DOS SANTOS suscita a preliminar de quebra da cadeia de custódia da extração dos dados telefônicos (Relatório de Investigação Policial n. 2023.13.10100 C – sic). No mérito, sustenta que: 1) em relação ao crime de comércio ilegal de armas de fogo, “o que fica evidenciado nas conversas é apenas a pretensão da compra de uma arma de fogo, não havendo a consumação do crime em tela, e sim apenas atos preparatórios”; 2) para configuração do crime de extorsão, “as vítimas teriam que ter se sentido constrangidas, o que neste caso não ocorreu, pois essas supostas vítimas não foram identificadas e as que foram ouvidas em juízo não relataram nenhum tipo de constrangimento”; 3) “os relatórios juntados no autos processuais não demonstram o vínculo duradouro e estável entre os denunciados, tão pouco descreve uma estrutura organizada com divisões de tarefas e lucros entre eles”; 4) não há prova suficiente do crime de lavagem de dinheiro. Pede o provimento do recurso para, preliminarmente, declarar a nulidade dos relatórios dos dados extraídos dos telefones apreendidos. No mérito, pleiteia a absolvição ou, subsidiariamente, a fixação da pena no mínimo legal (ID. 262133278). Nas contrarrazões, a PROMOTORIA DE JUSTIÇA CRIMINAL DE SINOP pugna pelo desprovimento dos recursos (IDs. 246961489, 262133278 e 264067751). A 9ª Procuradoria de Justiça, no mesmo sentido do órgão ministerial da origem, exarou parecer pela manutenção da sentença condenatória, apontando para o desprover recursal (ID. 272779850). É o Relatório. V O T O (PRELIMINAR de quebra da cadeia de custódia da extração dos dados telefônicos) EXMO. SR. DES. WESLEY SANCHEZ LACERDA (RELATOR) Egrégia Câmara Consoante relatado, o apelante Robson Junio Jardim dos Santos suscita, em sede preliminar, a quebra da cadeia de custódia na extração dos dados telefônicos, notadamente aqueles reproduzidos no Relatório de Investigação Policial n. 2023.13.10100-C. Como é cediço, a cadeia de custódia tem por escopo assegurar que o vestígio criminal, desde sua origem até sua apresentação em juízo, permaneça íntegra e isenta de contaminações, nos termos do art. 158-A do CPP, em seu caput e §§ 1º, 2º e 3º, os quais assim dispõem: “Art. 158-A. Considera-se cadeia de custódia o conjunto de todos os procedimentos utilizados para manter e documentar a história cronológica do vestígio coletado em locais ou em vítimas de crimes, para rastrear sua posse e manuseio a partir de seu reconhecimento até o descarte. § 1º O início da cadeia de custódia dá-se com a preservação do local de crime ou com procedimentos policiais ou periciais nos quais seja detectada a existência de vestígio. § 2º O agente público que reconhecer um elemento como de potencial interesse para a produção da prova pericial fica responsável por sua preservação. § 3º Vestígio é todo objeto ou material bruto, visível ou latente, constatado ou recolhido, que se relaciona à infração penal.” Segundo o c. STJ, para que se declare a nulidade das provas em razão da quebra da cadeia de custódia, é imprescindível a demonstração de que os elementos probatórios coletados foram adulterados, não se admitindo alegações genéricas ou meramente especulativas (STJ, AgRg no AREsp n. 2.695.839/RS, relator Ministro Antonio Saldanha Palheiro, Sexta Turma, julgado em 1/4/2025). No caso em tela, em primeiro plano, o apelante ROBSON JUNIO JARDIM DOS SANTOS sustenta que “1) o código hash não fora apresentado para a devida verificação se continua intacto todo o conteúdo extraído; 2) não consta nos autos do processo os números dos lacres e deslacres dos invólucros que acondicionaram essas provas, tão pouco os próprios lacres; 3) os critérios utilizados na extração não foram demonstrados e juntados aos autos, tão pouco quem foi o responsável pela coleta, acondicionamento, transporte e processamento; 4) não foram juntados aos autos os atos formais de transferências da posse dessas provas desde sua apreensão, com informações referentes ao número de procedimento e unidade de polícia relacionada, local de origem, nome de quem transportou as provas, código de rastreamento, protocolo, assinatura e identificação de quem recebeu.”. Essas alegações trazidas acima pelo apelante ROBSON JUNIO JARDIM DOS SANTOS são genéricas e desprovidas de mínima demonstração fática da ocorrência de vício real ou concreto no tratamento dos dados telefônicos. Trata-se de conjecturas abstratas, calcadas na presunção de eventuais irregularidades formais, sem que haja qualquer indício minimamente plausível de que os dados telefônicos extraídos dos celulares apreendidos tenham sido contaminados, adulterados ou manipulados de modo a comprometer sua confiabilidade. Assim, as supostas irregularidades anteriormente mencionadas limitam-se a meras suposições genéricas quanto à confiabilidade dos dados extraídos dos aparelhos celulares apreendidos, não sendo possível reconhecer a quebra da cadeia de custódia com base exclusivamente nessas assertivas, desprovidas de qualquer elemento concreto que as corrobore (TJMT, AP n. 0008788-36.2019.8.11.0040, Des. Orlando de Almeida Perri, Primeira Câmara Criminal, julgado em 14/06/2024). Em segundo plano, aduz o apelante ROBSON JUNIO JARDIM DOS SANTOS - agora com um argumento aparentemente mais concreto - que teria havido uma suposta adulteração no Relatório de Investigação Policial n. 2023.13.10100 C, mais precisamente ao asseverar que: “a foto da página 105 não possui vinculação com nenhuma conversa posta no relatório, da mesma forma se observa na página 47 do dito relatório”, concluindo, então, que “isso demonstra claramente que houve uma adulteração na produção do relatório, o que compromete de sobremaneira o próprio.” Com a devida vênia, não há qualquer razoabilidade na circunstância levantada pelo apelante ROBSON JUNIO JARDIM DOS SANTOS, carecendo a insurgência de sustentação lógica, técnica ou jurídica minimamente robusta para infirmar a validade do relatório ou, ainda mais grave, para sustentar sua adulteração. Como se sabe, o Relatório de Investigação Policial constitui uma peça de natureza informativa, voltada à sistematização dos elementos extraídos durante a fase inquisitorial, sendo absolutamente natural, sobretudo em investigações que envolvem análise de dispositivos móveis, a existência de um número exponencial de arquivos, imagens, áudios e mensagens, cujo volume impede, material e operacionalmente, a transcrição integral de todo o conteúdo coletado. A autoridade policial, ao elaborar tais relatórios, realiza um recorte investigativo, selecionando fragmentos de informação que considera relevantes para demonstrar determinada linha de raciocínio investigativa. A construção lógica dos fatos depende de um esforço interpretativo da autoridade policial para reconstrução do enredo fático, muitas vezes disperso, desconexo e propositalmente fragmentado pelos próprios investigados. Por essa razão, a orientação jurisprudencial é no sentido de que se mostra “desnecessária a transcrição integral do conteúdo da quebra do sigilo das conversas privadas armazenadas em dispositivos telefônicos ou eletrônicos apreendidos” (AgRg no AREsp n. 2.601.359/SP, relator Ministro Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, julgado em 9/4/2025). Nesse contexto, como bem ressaltado pelo Juízo Singular, Dr. Anderson Clayton Dias Batista na sentença, o “(...) mero fato da foto com a mão feminina não constar de outros diálogos juntados ao relatório não quer dizer que o indício tenha sido “forjado” pela polícia, mas meramente retirado de um contexto para dar sentido a outro, uma vez que o relatório constitui, correndo o risco de soar repetitivo, um “resumo” dos principais indícios apurados. (...)”. Em outras palavras, o simples fato de a fotografia, que exibe uma mão feminina sinalizando o símbolo da organização criminosa denominada Comando Vermelho, não estar diretamente vinculada, no relatório, a uma conversa específica ou imediatamente adjacente, não autoriza a presunção de falsificação ou má-fé por parte da autoridade policial, mas sim que a imagem foi recortada de outro contexto e inserida no relatório como parte de um esforço analítico para explicitar a negociação e aquisição da arma de fogo pela referida facção criminosa. Veja-se: Frise-se, ainda, que o órgão ministerial de origem, em suas alegações finais, esclareceu que a extração dos dados dos telefones celulares apreendidos foi realizada por meio da ferramenta Cellebrite, a qual gerou, no momento da coleta, um código hash - cadeia digital única do conteúdo original - não havendo qualquer indício de alteração, por menor que seja, o que reforça a integridade do material original armazenado em CD/DVD/HD. Vejamos: Anote-se que as imagens acima, conforme o Promotor de Justiça, Dr. Marlon Pereira Rodrigues, referem-se à extração de dados do celular apreendido do corréu Tiago Telles, mas que “realizou o mesmo procedimento com outras extrações e obteve o mesmo resultado: os arquivos estão INTACTOS”. Apesar da clareza do argumento acusatório - inclusive comprovado nos autos por meio de imagens -, e da oportunidade processual conferida para manifestação sobre o ponto, o apelante ROBSON JUNIO JARDIM DOS SANTOS não impugnou de forma concreta, em nenhum momento, seja em suas alegações finais, seja nas razões recursais, as afirmações ministeriais relativas ao procedimento técnico adotado, tampouco requereu a realização de perícia. Ressalte-se que que os dados extraídos dos celulares apreendidos estiveram disponíveis às partes (acusação e defesa) ao longo de toda a instrução processual, e, mesmo assim, o apelante ROBSON JUNIO JARDIM DOS SANTOS optou por não adotar qualquer providência para aferir sua fidedignidade, limitando-se a levantar dúvidas genéricas, especulativas e tardias sobre a integralidade dos arquivos. Para o caso, aplicável o seguinte precedente desta e. Câmara: “A alegação de quebra da cadeia de custódia exige demonstração concreta de adulteração da prova ou prejuízo à defesa, não sendo suficiente a ausência de elementos formais quando preservada a integridade dos dados” (AP n. 1000373-46.2023.8.11.0092, Relator Des. Orlando de Almeida Perri, Primeira Câmara Criminal, julgado em 27/05/2025). Ante o exposto, diante da ausência de qualquer prova técnica que evidencie adulteração ou irregularidade grave, e considerando a confiabilidade do método de extração utilizado, bem como o apelante ROBSON JUNIO JARDIM DOS SANTOS não ter impugnado de forma concreta as alegações ministeriais quanto à confiabilidade do procedimento técnico adotado, tampouco ter requerido a realização de perícia no momento oportuno, PRELIMINAR REJEITADA quanto à nulidade por suposta quebra da cadeia de custódia. É como voto. V O T O (MÉRITO) EXMO. SR. DES. WESLEY SANCHEZ LACERDA (RELATOR) Egrégia Câmara Preenchidos os requisitos de admissibilidade, conheço dos recursos. Narra a denúncia que: “(...) FATO 1: artigo 35 da Lei n. 11.343/06 – Associação para o Tráfico de Drogas: Em período não identificado nos autos, mas certo que no ano de 2022 perdurando até julho de 2023, no município de Tapurah/MT, os denunciados LINDOMAR SANTANA BARBOSA RODRIGUES, MAX ALVARENGA DOS SANTOS, ROBSON JUNIO JARDIM DOS SANTOS e TIAGO TELLES, com vontade livre e ciente da ilicitude e reprovabilidade de suas condutas, se associaram de forma estável e permanente, com divisão de tarefas, para a prática de tráfico de drogas. (...) FATO 02: art. 1º, § 4º da Lei n. 9.613/98 – Lavagem de Capitais Segundo apurou-se, no ano de 2022 perdurando até julho de 2023, no município de Tapurah/MT, os denunciados EDSONEY GONÇALVES LAZZAROTTO, LINDOMAR SANTANA BARBOSA RODRIGUES e ROBSON JUNIO JARDIM DOS SANTOS e TIAGO TELLES ocultaram ou dissimularam a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de infrações penais. (...) FATO 03: art. 158, § 1º da Lei n. 2.848/40 – Extorsão Consta, ainda, que em data não especificada nos autos, mas certo que no ano de 2022 perdurando até julho de 2023, no município de Tapurah/MT, os denunciados LINDOMAR SANTANA BARBOSA RODRIGUES, ROBSON JUNIO JARDIM DOS SANTOS e TIAGO TELLES, conscientes da ilicitude e reprovabilidade de suas condutas, mediante grave ameaça e com intuito de obter indevida vantagem econômica, constrangeram comerciantes locais, a efetuar pagamento da quantia de R$100,00 (cem reais), mensalmente, referente a “taxa de segurança”. (...) FATO 04: art. 17, §1º da Lei n. 10.826/98 – Comércio Ilegal de Arma de Fogo Ainda, em data não especificada nos autos, mas certo que no ano de 2022 perdurando até julho de 2023, no município de Tapurah/MT, os denunciados LINDOMAR SANTANA BARBOSA RODRIGUES, ROBSON JUNIO JARDIM DOS SANTOS, SINALDO FERREIRA DA SILVA e TIAGO TELLES, com consciência e vontade, adquiriram e venderam, em proveito próprio ou alheio, arma de fogo, acessórios e munições, sem autorização e em desacordo com as determinações legais e regulamentares. (...)” Ante o exposto, o Ministério Público denuncia: a) Edsoney Gonçalves Lazzarotto, pela prática da conduta capitulada no art. 1º, § 4º, da Lei n. 9.613/98; b) Lindomar Santana Barbosa Rodrigues, pela prática das condutas capituladas no art. 1º, § 4º, da Lei n. 9.613/98; art. 17, §1º, da Lei n. 10.826/03; art. 35 da Lei nº 11.343/06 e art. 158, §1º, da Lei n. 2.848/40, em concurso material (art. 69 do CP); c) Max Alvarenga dos Santos, pela prática da conduta capitulada no art. 35 da Lei nº 11.343/06; d) Robson Junio Jardim dos Santos, pela prática das condutas capituladas no art. 1º, §4º, da Lei n. 9.613/98; art. 17, §1º, da Lei n. 10.826/03; art. 35 da Lei nº 11.343/06 e art. 158, §1º, da Lei n. 2.848/40, em concurso material (art. 69 do CP); e) Tiago Telles, pela prática das condutas capituladas no art. 1º, §4º, da Lei n. 9.613/98; art. 17, §1º, da Lei n. 10.826/03; art. 35 da Lei nº 11.343/06 e art. 158, §1º, da Lei n. 2.848/40 e art. 158, §1º, da Lei n. 2.848/40, em concurso material (art. 69 do CP) e; f) Sinaldo Ferreira da Silva, pela prática das condutas capituladas no art. 17, §1º, da Lei n. 10.826/03. (...)” Após regular instrução processual, sobreveio sentença que, julgando parcialmente procedente os pedidos formulados na exordial acusatória, condenou: “a) LINDOMAR SANTANA BARBOSA RODRIGUES (...) como incurso nas disposições dos artigos 1º, §4º, da Lei n. 9.613/1998; artigo 17, §1º, da Lei n. 10.826/2003; artigo 35 da Lei n. 11.343/2006 e artigo 158, §1º, da Lei n. 2.848/1940, em concurso material (...); b) MAX ALVARENGA DOS SANTOS (...) como incurso nas disposições do art. 35 da Lei nº 11.343/2006 (...); c) ROBSON JUNIOR JARDIM DOS SANTOS (...) como incurso nas disposições dos artigos 1º, §4º, da Lei n. 9.613/1998; artigo 17, §1º, da Lei n. 10.826/2003; artigo 35 da Lei n. 11.343/2006 e artigo 158, §1º, da Lei n. 2.848/1940 (...); d) TIAGO TELLES (...) como incurso nas disposições dos artigos 1º, §4º, da Lei n. 9.613/1998; artigo 17, §1º, da Lei n. 10.826/2003; artigo 35 da Lei n. 11.343/2006 e artigo 158, §1º, da Lei n. 2.848/1940, em concurso material (...), e) SINALDO FERREIRA DA SILVA (...) como incurso nas penas do art. 17, §1º, da Lei n. 10.826/2003 (...)”. Inconformados, somente ROBSON JUNIO JARDIM DOS SANTOS, TIAGO TELLES, SINALDO FERREIRA DA SILVA e LINDOMAR SANTANA BARBOSA RODRIGUES interpuseram recursos de apelação, todos requerendo a absolvição dos delitos pelos quais foram condenados. Subsidiariamente, apenas ROBSON JUNIO JARDIM DOS SANTOS pugnou pela fixação da pena no mínimo legal. Antes da análise do mérito dos recursos, faz-se necessária uma breve contextualização dos fatos, conforme bem delineado na sentença, verbis: “(...) na data de 18 de agosto de 2022, foi deflagrada a “Operação Dissidência”, ocasião em que foram apreendidos os aparelhos celulares utilizados pelo denunciado Robson Junior Jardim dos Santos, ante os indícios de envolvimento em diversos delitos nesta urbe. Posteriormente, a Polícia Civil deu cumprimento ao mandado de busca e apreensão, no bojo do Inquérito Policial n. 144/2022, em desfavor do denunciado Tiago Telles. Já na data de 11 de julho de 2023, foi cumprido mandado de busca e apreensão n. 1000747-14.2023.8.11.0108 nas residências dos denunciados Edsoney Gonçalves Lazzarotto, Lindomar Santana Barbosa Rodrigues e Sinaldo Ferreira da Silva. Em análise dos dados armazenados nos aparelhos celulares apreendidos, ficou evidenciado que o denunciado Tiago Telles, mesmo custodiado no estabelecimento prisional de Cuiabá/MT, coordenava, por meio de aparelhos celulares, um grupo criminoso voltado para o cometimento de delitos, com foco no abastecimento de “boca de fumo” nos municípios de Itanhangá/MT e Tapurah/MT. Em mensagens trocadas entre os denunciados Robson e Max, é possível obter imagens da pesagem dos entorpecentes, utilizando-se de balança de precisão pertencente ao acusado Lindomar (ID n. 125509771 – fls. 13/14). Posteriormente, o denunciado Robson pede ajuda de Lindomar para guardar “mercadorias”, frisando que deveria ser local de difícil acesso, pois temia por operações policiais (ID n. 125509771 – fls. 15/19). Em certo trecho, o denunciado Robson profere os seguintes dizeres “vida de traficante não é fofa não” (ID n. 125509771 – fl. 24). Adiante, consoante Relatório de Investigações Policial n. 2023.13.10100 D (ID n. 125508403), o denunciado Lindomar era o responsável por receber os valores referente a venda dos entorpecentes. Os valores eram entregues ao denunciado Lindomar, em espécie, para não levantar suspeitas. O investigado Lindomar, por sua vez, depositava o valor e, posteriormente, realizava transferências por meio da conta corrente da esposa ou de Edsoney, para conta bancária informada pelo acusado Robson, a qual foi identificada como sendo de Pedro Henrique Lima de Jesus. Consta, ainda, que o denunciado Lindomar realizava transferências para o acusado Tiago, conforme costa em trecho do relatório policial (ID n. 125508403 – fl. 128/129). Impende salientar que a facção criminosa possui um padrão de remessa de recursos do tráfico de drogas, ou seja, os recursos são encaminhados por meio de transferências bancárias a pessoas ligadas aos faccionados acautelados no sistema prisional. Consta ainda da denúncia que, conforme Relatório de Investigações Policial n. 2023.13.101001 B (ID n. 125509772), o denunciado Lindomar era conhecido na cidade por ser comerciante, desta forma, aproveitava-se da sua proximidade com a população, para induzi-los a pagar uma “taxa de segurança” ao Comando Vermelho, no valor de R$100,00 (cem reais) por mês, aduzindo que se contribuíssem evitariam “problemas”. Pelo conteúdo dos trechos dos diálogos entre os denunciados Robson e Lindomar, vê-se que Lindomar era utilizado como “ponte” entre a organização criminosa e a população. Por fim, com base no Relatório de Investigações Policial n. 2023.13.10100 C, a Polícia Civil identificou diálogos entre os denunciados Robson e Tiago, em que Robson oferece munições a Tiago e, em seguida, diz “Lindomar quer me vender” (ID n. 125508422 – fl. 19). Consta, ainda, diálogos entre os denunciados Robson e Lindomar, na ocasião, Lindomar afirma que o investigado Sinaldo possuía armas de fogo para venda (ID n. 125508402 – fl. 24/25).” Cumpre ainda destacar que, não obstante a alegação constante das razões recursais do apelante TIAGO TELLES - no sentido de que, durante diligência realizada na Penitenciária Central do Estado, foram apreendidos diversos aparelhos celulares em cela ocupada por doze reeducandos, sem a devida individualização da posse, e de que os diálogos atribuídos ao interlocutor identificado como “Wesley” não poderiam ser a ele imputados - é inequívoco que um dos aparelhos apreendidos pertencia ao referido apelante, qual seja: Tal conclusão decorre, sobretudo, da existência de fotografia enviada pelo próprio TIAGO TELLES, onde se encontrava preso, no referido celular apreendido na sua posse, o que comprova, de forma indene de dúvidas, sua vinculação direta com o dispositivo. Senão vejamos: No mais, esclarece-se, neste voto, que o apelante ROBSON JUNIOR JARDIM DOS SANTOS é conhecido pelos apelidos “Sicredi”, “Redbull”, “Red”, “Veinhão”, entre outros. Por sua vez, o apelante TIAGO TELLES é identificado pelos vulgos “Dark”, “Mizuno”, “Sintonia”, “Gaúcho”, “Bernardo”, “Bernardo Marques” e “Wesley Martins”, entre outros. Feitos tais registros, os pedidos de absolvição serão analisados de forma conjunta, com o intuito de evitar repetição desnecessária. Não obstante as razões deduzidas pelos apelantes, tenho que a materialidade e a autoria delitivas estão evidenciadas pelos Boletins de Ocorrência n. 2023.191996, n. 2023.192130 e n. 2023.192189; pelo Termo de Apreensão n. 2023.16.315863; pelos Relatórios de Busca e Apreensão n. 2023.13.57427 e n. 2023.13.57356; pelo Auto Circunstanciado de Busca e Apreensão; pelos Relatórios de Investigação Policial n. 2023.13.10100-A, n. 2023.13.10100-B, n. 2023.13.10100-C e n. 2023.13.10100-D, bem como pelas oitivas realizadas ao longo de ambas as fases da persecução penal. DO CRIME DE ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO DE DROGAS – ART. 35, CAPUT, DA LEI N. 11.343/06 Os apelantes LINDOMAR SANTANA BARBOSA RODRIGUES, ROBSON JUNIO JARDIM DOS SANTOS e TIAGO TELLES sustentam a inexistência de provas suficientes para condenação por associação ao tráfico de drogas. O crime de associação ao tráfico está previsto no art. 35 da Lei n. 11.343/06, que assim dispõe: “Art. 35. Associarem-se duas ou mais pessoas para o fim de praticar, reiteradamente ou não, qualquer dos crimes previstos nos arts. 33, caput e § 1º, e 34 desta Lei: Pena - reclusão, de 3 (três) a 10 (dez) anos, e pagamento de 700 (setecentos) a 1.200 (mil e duzentos) dias-multa.” Nas palavras de Renato Brasileiro de Lima: “(...) por mais que o art. 35 da Lei de Drogas faça uso da expressão “reiteradamente ou não”, a tipificação desse crime depende da estabilidade ou da permanência (societas sceleris), características que o diferenciam de um concurso eventual de agentes (CP, art. 29) (...)” (Legislação Criminal Especial Comentada, Volume Único, 4ª Edição, Editora JusPODIVM, página 768). Nesse mesmo sentido é o entendimento da jurisprudência, inclusive deste e. Tribunal, o qual pode ser demonstrado por meio do Enunciado Orientativo n. 5 da Turma de Câmaras Criminais Reunidas, conforme se observa: “Para a configuração do crime de associação para o tráfico de drogas, impõe-se a comprovação inequívoca da estabilidade e perenidade do ânimo associativo, sendo prescindível, contudo, a efetiva prática da traficância.” No caso em apreço, durante a fase policial, os apelantes LINDOMAR SANTANA BARBOSA RODRIGUES e SINALDO FERREIRA DA SILVA optaram por permanecer em silêncio. Em juízo, os apelantes TIAGO TELLES e LINDOMAR SANTANA BARBOSA RODRIGUES negaram a autoria dos fatos, ao passo que o apelante ROBSON JUNIOR JARDIM DOS SANTOS permaneceu em silêncio. Não obstante, a investigação policial revelou que os apelantes Robson Junior Jardim dos Santos, também identificado pelos apelidos “Sicredi”, “Redbull”, “Red”, “Veinhão” e outros, e Tiago Telles, igualmente conhecido como “Dark”, “Mizuno”, “Sintonia”, “Gaúcho”, “Bernardo”, “Bernardo Marques”, “Wesley Martins”, entre outros, exerciam papel de liderança na organização criminosa denominada Comando Vermelho, com atuação nas cidades de Tapurah e região. A investigação também apontou que os apelantes ROBSON JUNIOR JARDIM DOS SANTOS e TIAGO TELLES, na condição de lideranças da referida facção criminosa em Tapurah, associaram-se, de forma estável e duradoura, entre o ano de 2022 e julho de 2023, ao apelante Lindomar Santana Barbosa Rodrigues e ao corréu Max Alvarenga dos Santos, com o propósito de praticar o tráfico de entorpecentes, mediante divisão de tarefas, conforme bem explicitado na sentença: Nesse sentido, destaca-se o teor dos depoimentos prestados pelos policiais civis responsáveis pelas investigações, a saber: Guilherme Pompeo Pimenta Negri (Delegado de Polícia Civil), Alex Rodrigues Alves Lima (Investigador de Polícia) e Luis Armando de Souza (Investigador de Polícia). Vejamos. O Delegado de Polícia Guilherme Pompeo Pimenta Negri, responsável pela condução do inquérito policial que apurou os fatos, relatou, em juízo, que a investigação teve origem na Operação Dissidência, realizada pela Polícia Civil de Sorriso em parceria com a Polícia Federal, após a apreensão do celular do apelante ROBSON JUNIOR JARDIM DOS SANTOS, com autorização judicial. A análise do aparelho revelou provas da prática de diversos crimes atribuídos ao apelante ROBSON JUNIOR JARDIM DOS SANTOS, também conhecido como “Sicredi”, e ao apelante TIAGO TELLES, ambos apontados como líderes do Comando Vermelho na região de Tapurah. Narrou que o apelante LINDOMAR SANTANA BARBOSA RODRIGUES, empresário na cidade de Tapurah, atuava como intermediário entre os líderes, os apelantes ROBSON JUNIOR JARDIM DOS SANTOS e TIAGO TELLES. Disse que o tráfico de drogas também era viabilizado por meio da associação entre os apelantes ROBSON JUNIOR JARDIM DOS SANTOS, TIAGO TELLES, LINDOMAR SANTANA BARBOSA RODRIGUES e o corréu Max. Aduziu que as investigações revelaram que o apelante LINDOMAR SANTANA BARBOSA RODRIGUES cedia seu salão de beleza para o recebimento dos entorpecentes, bem como dos valores provenientes da atividade ilícita, os quais eram mantidos em espécie no local e, posteriormente, transferidos para uma conta bancária indicada pelos apelantes ROBSON JUNIOR JARDIM DOS SANTOS e TIAGO TELLES, em nome de um indivíduo identificado como Pedro de Jesus, que veio a óbito em confronto policial ocorrido no município de Sorriso. Esclareceu, ainda, que o apelante ROBSON JUNIOR JARDIM DOS SANTOS era o principal responsável pela movimentação da referida conta, e que o corréu Max auxiliava o apelante LINDOMAR SANTANA BARBOSA RODRIGUES na pesagem dos entorpecentes, além de sugerir locais para o armazenamento da droga. O Investigador de Polícia, Alex Rodrigues Alves Lima, na fase judicial, informou que recorda da apreensão de um celular com o apelante TIAGO TELLES, conhecido como “Dark” e “Mizuno”, dentro do presídio, e que, por meio da análise dos dados extraídos do aparelho, foi possível identificar pessoas que o auxiliavam fora da prisão, como o apelante SINALDO FERREIRA DA SILVA, um funcionário do apelante LINDOMAR SANTANA BARBOSA RODRIGUES e o apelante ROBSON JUNIOR JARDIM DOS SANTOS. Esse apoio envolvia tanto o tráfico de drogas quanto o comércio ilegal de armas, realizadas por LINDOMAR SANTANA BARBOSA RODRIGUES em favor da facção ou por esta a terceiros. Informou que os apelantes ROBSON JUNIOR JARDIM DOS SANTOS e TIAGO TELLES já são amplamente conhecidos pelas autoridades policiais como lideranças no tráfico de entorpecentes na região de Tapurah, havendo, inclusive, outros processos criminais em trâmite contra ambos. Relatou que o corréu Max exercia a função de “gerente” do tráfico na cidade, sendo o responsável por recolher o dinheiro obtido nas chamadas “lojinhas” ou “bocas de fumo” e repassá-lo aos líderes da facção. O Investigador de Polícia, Luis Armando de Souza, declarou, em juízo, que a polícia recebeu material proveniente de outra unidade, no âmbito da Operação Dissidência, e ficou encarregada de analisar as conversas contidas nos arquivos, identificar eventuais crimes, os respectivos autores e suas condutas. Devido ao elevado volume de conteúdo, formou-se uma força-tarefa, dividindo-se as conversas em quatro partes. Disse que durante a análise, foram identificadas ações criminosas atribuídas aos apelantes ROBSON JUNIOR JARDIM DOS SANTOS, TIAGO TELLES, LINDOMAR SANTANA BARBOSA RODRIGUES e ao indivíduo de alcunha “Grego”, todos atuando de forma associada em práticas como tráfico de drogas, extorsão de comerciantes locais, comércio ilegal de armas, entre outras condutas delituosas. Verificou-se, ainda, que os apelantes ROBSON JUNIOR JARDIM DOS SANTOS e LINDOMAR SANTANA BARBOSA RODRIGUES discutiam assuntos relacionados à polícia, inclusive sugerindo locais para esconderijo de entorpecentes. Esclareceu que foi apurado que o apelante LINDOMAR SANTANA BARBOSA RODRIGUES recebia valores de origem ilícita, sendo identificado como responsável por disponibilizar seu salão de beleza para o recebimento do dinheiro oriundo do tráfico. Esclareceu que o apelante LINDOMAR SANTANA BARBOSA RODRIGUES estava recebendo valores de procedência duvidosa. Disse que os valores eram entregues por terceiros e repassados à facção por meio de contas bancárias em nome de Edsoney e de sua esposa, Michele, sendo os depósitos efetuados na conta de uma terceira pessoa já falecida. Informou que as mídias também revelaram uma gravação na qual o apelante ROBSON JUNIOR JARDIM DOS SANTOS questiona o corréu Max sobre a balança usada na pesagem de drogas, e este responde que seria do apelante LINDOMAR SANTANA BARBOSA RODRIGUES, o qual também fornecia o salão de cabelereiro para tal prática. Disse que ficou claro que os apelantes ROBSON JUNIOR JARDIM DOS SANTOS e TIAGO TELLES exerciam o comando das ações, dando ordens para os depósitos, enquanto o apelante LINDOMAR SANTANA BARBOSA RODRIGUES executava essas determinações, inclusive recebendo valores oriundos do tráfico e outros crimes. Esses depoimentos policiais, por si sós, evidenciam a existência de uma associação estável e permanente entre os apelantes LINDOMAR SANTANA BARBOSA RODRIGUES, ROBSON JUNIO JARDIM DOS SANTOS e TIAGO TELLES e o corréu Max Alvarenga dos Santos, voltada à prática reiterada de tráfico de drogas, com divisão de tarefas, hierarquia funcional e continuidade delitiva, conformando a estrutura própria do crime previsto no art. 35, caput, da Lei n. 11.343/06. Quanto à admissibilidade das declarações prestadas por policiais como meio de prova, cumpre destacar que este Tribunal aprovou o Enunciado Orientativo n. 8, o qual dispõe que: “Os depoimentos de policiais, desde que coerentes com os demais elementos probatórios, são aptos a fundamentar a condenação penal”. Ademais, inexiste qualquer elemento probatório que indique a intenção deliberada dos policiais em prejudicar os apelantes e o corréu, sendo tal alegação sustentada, unicamente, pelas declarações unilaterais do apelante TIAGO TELLES em juízo, desprovidas de qualquer respaldo probatório. Como se não bastasse, os depoimentos judiciais prestados pelos policiais encontram respaldo no conteúdo dos áudios, imagens, vídeos e conversas extraídos, mediante autorização judicial, do aparelho celular apreendido em poder do apelante ROBSON JUNIO JARDIM DOS SANTOS, conforme reproduzido no Relatório de Investigação Policial nº 2023.13.10100-A e no Relatório de Extração dos dados digitais – Cellebrite Reports, verbis: Ainda que o apelante TIAGO TELLES procure sustentar a inexistência, nos autos, de qualquer diálogo em que trate diretamente do tráfico de drogas, cumpre destacar que, conforme diálogo registrado nos autos, restou comprovado que os apelantes ROBSON JUNIO JARDIM DOS SANTOS, conhecido pelos apelidos “Sicredi”, “Redbull”, “Red”, “Veinhão”, entre outros, e TIAGO TELLES atuavam como "sintonias" do Comando Vermelho, ou seja, exerciam funções de liderança local na organização criminosa, na região de Tapurah/MT. Senão vejamos: Tal circunstância, inserida no contexto fático e documental da investigação, reforça de forma inequívoca a vinculação do apelante TIAGO TELLES à associação voltada ao tráfico, demonstrando que, mesmo recluso à época, ele continuava exercendo poder de decisão e influência sobre as práticas delitivas, em especial no tocante ao comércio de drogas controlado pela facção Comando Vermelho. O apelante TIAGO TELLES, na qualidade de “Sintonia” da facção do Comando Vermelho, não apenas sabia da prática do tráfico na região de Tapurah, como dela se beneficiava, organizava e exercia poder diretivo do bando criminoso, ainda que fisicamente recolhido ao sistema prisional, nos moldes da teoria do domínio do fato, desenvolvida por Claus Roxin. Aliás, é sabido que, no contexto da criminalidade organizada moderna, especialmente no que se refere ao tráfico de drogas, é público e notório que a organização criminosa denominada Comando Vermelho detém o controle territorial quase absoluto da traficância no Estado de Mato Grosso, tanto em áreas urbanas quanto no interior de unidades prisionais estaduais. Trata-se de uma estrutura verticalizada e organizada, que estabelece regras rígidas de funcionamento, controla a entrada e a circulação de entorpecentes, autoriza ou inibe a comercialização conforme seu interesse estratégico e, em determinados casos, atua diretamente no financiamento de traficantes, fornecendo capital para aquisição de drogas com posterior revenda sob supervisão da própria facção. Nesse cenário, a função de “Sintonia”, ocupada comprovadamente pelos apelantes TIAGO TELLES e ROBSON JUNIOR JARDIM DOS SANTOS na cidade de Tapurah/MT, não pode ser dissociada da estrutura da associação ao tráfico de drogas ali instalada. A função de “Sintonia”, como se sabe, trata-se de uma posição de comando local, com poderes para autorizar a venda de drogas, aplicar sanções, repassar ordens vindas da cúpula reclusa, arrecadar os valores decorrentes da atividade ilícita e manter o funcionamento da célula regional da facção. Assim, afirmar que os apelantes TIAGO TELLES e ROBSON JUNIOR JARDIM DOS SANTOS eram os “Sintonias” do Comando Vermelho em Tapurah/MT, como fazem os próprios interlocutores nos áudios e mensagens extraídas dos celulares apreendidos, é o mesmo que reconhecer que ambos integravam, em nível de liderança, a associação criminosa voltada ao tráfico naquela cidade. Não se trata aqui de presunção, mas de uma consequência lógica e jurídica da realidade fática: quem ocupa o topo da hierarquia da facção em uma localidade, em especial num território controlado por organização criminosa monopolista como o Comando Vermelho, está intrinsecamente ligado à estrutura associativa criminosa que sustenta o tráfico local. Diante disso, não há como dissociar o apelante TIAGO TELLES da associação ao tráfico de drogas enraizada em Tapurah, sendo irrelevante que a prática direta do tráfico não lhe tenha sido atribuída individualmente por meio das mensagens de celular extraídas. A posição que ocupa na estrutura faccionada torna sua responsabilidade penal inafastável. Portanto, estando configuradas a estabilidade e a permanência da associação, bem como definidas as funções dos apelantes TIAGO TELLES e ROBSON JUNIOR JARDIM DOS SANTOS, LINDOMAR SANTANA BARBOSA RODRIGUES e do corréu Max Alvarenga dos Santos (que não interpôs recurso), com estrutura hierárquica e divisão de tarefas - sobretudo com base nos depoimentos judiciais dos policiais civis e no relatório de investigação policial, que incluiu a transcrição de conversas, áudios, vídeos e fotografias obtidos mediante autorização judicial -, impõe-se a manutenção da condenação pelo crime de associação para o tráfico proferida na sentença recorrida. Nesse sentido: “(...) O conjunto probatório, especificamente os registros de conversas via whatsapp entre os apelantes corroboram os depoimentos prestados pelos policiais militares (na fase de investigação e na audiência de instrução e julgamento) embasando a condenação pela prática do crime de tráfico de drogas (art. 33, caput, da Lei n. 11.343/06) e associação para o tráfico (art. 35, caput, da Lei n. 11.343/06). (...)” (AP n. 1017594-79.2023.8.11.0015, Relator Des. Lídio Modesto da Silva Filho, Quarta Câmara Criminal, julgado em 06/06/2024). DO CRIME DE EXTORSÃO MAJORADA PELO CONCURSO DE PESSOAS E EMPREGO DE ARMA– ART. 158, § 1º, DO CP Os apelantes LINDOMAR SANTANA BARBOSA RODRIGUES, ROBSON JUNIO JARDIM DOS SANTOS e TIAGO TELLES pleiteiam a absolvição quanto ao delito de extorsão majorada, sustentando, em síntese, a inexistência de elementos mínimos da prática do referido crime. Alegam, para tanto, que não há vítima identificada ou qualificada que atribua ao apelante TIAGO TELLES a prática de extorsão; que todas as potenciais vítimas ouvidas negaram qualquer envolvimento do apelante LINDOMAR SANTANA BARBOSA RODRIGUES nos fatos – inclusive a única pessoa que confirmou pagamentos expressamente o excluiu da conduta –, e que, no tocante ao apelante ROBSON JUNIO JARDIM DOS SANTOS, ou as supostas vítimas não foram identificadas ou, se ouvidas em juízo, negaram ter sofrido qualquer constrangimento por parte deste. Sem razão, contudo. Nos termos do art. 158 do CP, comete o crime de extorsão aquele que constrange alguém, mediante violência ou grave ameaça, com o intuito de obter, para si ou para outrem, indevida vantagem econômica, a fazer, tolerar que se faça ou deixar de fazer alguma coisa. Sobre esse delito, Rogério Greco ensina que: "(...) O núcleo do tipo é o verbo constranger, que tem o significado de obrigar, coagir alguém a fazer, tolerar que se faça ou deixar de fazer alguma coisa. Esse constrangimento, da mesma forma que aquele previsto no art. 146 do Código Penal, deve ser exercido com o emprego de violência ou grave ameaça. Além disso, o agente, segundo o entendimento doutrinário predominante, deve atuar com uma finalidade especial, que transcende ao seu dolo, chamada de especial fim de agir, aqui entendida como o intuito de obter para si ou para outrem indevida vantagem econômica. Dessa forma, o agente deve constranger a vítima, impondo-lhe um comportamento - positivo ou negativo -, determinando que faça, tolere que se faça, ou mesmo deixe de fazer alguma coisa, a fim de que, com isso, consiga, para ele ou para outrem, indevida vantagem econômica, que deve ser entendida em um sentido mais amplo do que a coisa móvel alheia exigida no delito de roubo." (Código Penal Comentado - 12ª Ed. - Ed. Impetus - páginas 602/603). De acordo com a denúncia, entre o ano de 2022 e julho de 2023, no município de Tapurah/MT, os apelantes LINDOMAR SANTANA BARBOSA RODRIGUES, ROBSON JUNIO JARDIM DOS SANTOS e TIAGO TELLES, mediante grave ameaça e com intuito de obter indevida vantagem econômica, constrangeram comerciantes locais, a efetuar pagamento da quantia de R$100,00 (cem reais), mensalmente, referente a “taxa de segurança”. Na fase policial, a vítima Fernando Jesus de Barro confirmou o pagamento de “taxas de segurança” a integrantes do Comando Vermelho na Cidade de Tapurah, nos seguintes termos: “(...) é sócio proprietário do Bar Vegas e da Boate Casa Branca; QUE o Bar Tropical não existe mais; QUE afirma que por 06 (seis) vezes efetuou o pagamento da taxa de R$ 100,00 (cem reais) à facção 'comando vermelho'; QUE o primeiro pagamento ocorreu no mês de janeiro e o último no mês de junho, tudo neste ano; QUE dessa forma, afirma que pagou os seis meses deste ano, sendo os R$ 100,00 (cem reais) por mês; QUE afirma que não sabe quem lhe cobrou, mas que apenas lhe mandam mensagem dizendo que se trata de um projeto social e que se destina também à segurança do estabelecimento comercial do declarante; QUE a pessoa que faz a cobrança do valor, ainda diz que se o declarante efetuar o pagamento, nada lhe acontecerá, ou seja, que o seu estabelecimento estará "seguro" de roubos, furtos etc (...)”. Em complemento a suas declarações, a referida vítima apresentou ao delegado de polícia responsável pela apuração dos fatos registros eletrônicos, consistentes em capturas de tela (prints) de conversas mantidas com os criminosos, os quais corroboram de maneira inequívoca a veracidade de suas afirmações. Vejamos: Embora a referida vítima não tenha sido ouvida em juízo, os extratos de conversas apreendidos nos aparelhos celulares dos apelantes ROBSON JUNIO JARDIM DOS SANTOS e TIAGO TELLES, cuja cadeia de custódia foi devidamente resguardada, são reveladores: os diálogos reproduzidos no Relatório de Investigação Policial n. 2023.13.10100 B evidenciam, de forma clara e reiterada, a exigência de pagamentos, denominados “taxas de segurança”, sob o pretexto de garantir proteção a estabelecimentos comerciais na cidade de Tapurah, conforme bem exposto na sentença: Frisa-se que o conteúdo da conversa, reproduzido acima, possui caráter meramente exemplificativo, uma vez que o relatório de extração de dados contempla diversas outras conversas que demonstram a exigência reiterada de pagamentos, denominados “taxas de segurança”, sob o pretexto de oferecer proteção a estabelecimentos comerciais situados na cidade de Tapurah. Deixo, contudo, de juntar a íntegra dessas conversas aos autos, a fim de não alongar desnecessariamente o voto, que já se encontra suficientemente extenso. Além da prova digital, os depoimentos prestados em juízo pelos policiais civis responsáveis pela investigação confirmam que os apelantes ROBSON JUNIO JARDIM DOS SANTOS e TIAGO TELLES, na qualidade de líderes do Comando Vermelho no município de Tapurah, eram os responsáveis por arquitetar e ordenar a prática sistemática de extorsão. Por sua vez, o apelante LINDOMAR SANTANA BARBOSA RODRIGUES, embora não integrasse formalmente a facção, aderiu voluntariamente à empreitada criminosa, atuando como intermediário entre os comerciantes e a referida organização. Ora, a simples vinculação da cobrança da denominada “taxa de segurança” ao nome da temida facção criminosa supracitada já era suficiente para incutir temor e induzir à obediência os comerciantes locais. Diferentemente do que sustentam as razões recursais, um dos comerciantes foi, sim, identificado: trata-se de Fernando Jesus de Barro. Negar o caráter ameaçador dessa cobrança, ainda que externada com cordialidade, seria fechar os olhos à realidade concreta do crime organizado, incorrendo no que se poderia chamar de garantismo hiperbólico monocular, aquele que vê apenas os direitos dos réus, olvidando-se da vulnerabilidade das vítimas e da supremacia do interesse público na proteção da ordem e da paz social. Ademais, é perfeitamente compreensível, até esperável, que vítimas deixem de comparecer em juízo ou se recusem a colaborar com a instrução criminal em casos que envolvem facções armadas. Seria desarrazoado, senão temerário, exigir que vítimas assumam postura de enfrentamento direto contra organizações que dominam localidades inteiras com base no medo e na intimidação, sobretudo em cidades de pequeno porte, como no caso dos autos. Nesse contexto, tenho que a condenação por extorsão majorada também deve ser conservada, pois o conjunto probatório demonstra a empreitada criminosa com divisão de tarefas, com destaque para a função de liderança dos apelantes ROBSON JUNIO JARDIM DOS SANTOS e TIAGO TELLES, e a execução operacional atribuída ao apelante LINDOMAR SANTANA BARBOSA RODRIGUES, que mesmo sem uso explícito de grave ameaça e/ou violência, valia-se da intimidação coletiva irradiada pela facção. Em caso semelhante, embora envolvendo milícia - cuja estrutura, métodos de intimidação e fins econômicos se assemelham, em grande medida, aos das organizações criminosas - o e. Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro decidiu: “(...) A cobrança de valores aos moradores e comerciantes por integrantes de Milícias configura verdadeiro crime de extorsão, uma vez que tal pagamento não é facultativo e é feito sob a ameaça de imposição de mal grave a todos que estão subjugados pelo “poder paralelo”. O bem jurídico tutelado de maneira imediata na extorsão é o patrimônio em geral e não a propriedade stricto sensu. A razão da tutela penal é a de proteger, de um lado, a faculdade de cada um, de determinar-se livremente; e, de outro, o patrimônio. Na hipótese dos autos, ao contrário do que alega a defesa, a prova produzida é robusta e harmônica, embasando com convicção a prolação de um decreto condenatório, uma vez que confirma a prática pela acusado, dos crimes de extorsão majorados pelo concurso de agentes. (...)” (TJRJ, AP n. 0034818-28 .2009.8.19.0205, Relatora Desª Renata Machado Cotta). DO CRIME DE Comércio Ilegal de Arma de Fogo - art. 17, § 1º, da lei n. 10.826/03 Os apelantes TIAGO TELLES, Robson Junior Jardim dos Santos, LINDOMAR SANTANA BARBOSA RODRIGUES e SINALDO FERREIRA DA SILVA requerem a absolvição do delito de comércio ilegal de arma de fogo, cada um apresentando fundamentos específicos para afastar a responsabilidade penal. O apelante TIAGO TELLES sustenta não ter praticado comércio ilegal de arma de fogo, argumentando que as conversas se limitam à manifestação de intenção de adquirir armamento, o que, por si só, não configura compra efetiva nem caracteriza atividade comercial, sobretudo diante da inexistência de prova quanto à aquisição, posse ou qualquer movimentação concreta de armas por sua parte. O apelante LINDOMAR SANTANA BARBOSA RODRIGUES alega que, embora a investigação aponte tratar-se da venda de uma arma de fogo, a entrega do artefato teve como única finalidade garantir o pagamento do valor por ele emprestado, sendo certo que a dinâmica dos fatos, conforme descrita pelo réu, evidencia que o empréstimo foi concedido, a arma recebida como garantia e, posteriormente, o pagamento quitado. O apelante SINALDO FERREIRA DA SILVA aduz que não lhe foi atribuída nenhuma das condutas típicas previstas no art. 17 do Estatuto do Desarmamento, pois a acusação se baseia apenas na alegação não comprovada de que teria armas para vender, sem que ele tenha participado dos diálogos sobre a suposta comercialização, nem tenha havido apreensão de objetos ilícitos ou confirmação de seu vínculo com os armamentos. O apelante Robson Junior Jardim dos Santos alega que os relatórios policiais, ao apresentarem apenas partes isoladas das conversas, induziram o Ministério Público a erro de interpretação, e que, ainda que não houvesse alterações nesses relatórios, o que se extrai dos diálogos é apenas a intenção de adquirir uma arma de fogo, não havendo consumação do crime, mas tão somente atos preparatórios, motivo pelo qual inexistem provas claras do efetivo comércio de arma entre os denunciados. Como é sabido, o crime de comércio ilegal de arma de fogo previsto no caput, do art. 17 da Lei n. 10.826/03 consiste em “adquirir, alugar, receber, transportar, conduzir, ocultar, ter em depósito, desmontar, montar, remontar, adulterar, vender, expor à venda, ou de qualquer forma utilizar, em proveito próprio ou alheio, no exercício de atividade comercial ou industrial, arma de fogo, acessório ou munição, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar”. Ainda, o § 1º, do referido dispositivo legal, estabelece que “equipara-se à atividade comercial ou industrial, para efeito deste artigo, qualquer forma de prestação de serviços, fabricação ou comércio irregular ou clandestino, inclusive o exercido em residência.”. Acerca de tal delito, Renato Brasileiro de Lima, citando Guilherme de Souza Nucci, leciona: “(...) prevalece o entendimento de que não se trata de crime habitual. A habitualidade que se faz necessária diz respeito apenas ao exercício de atividade comercial ou industrial, não havendo qualquer referência à necessidade de reiteração de um dos 14 (catorze) núcleos do tipo penal. (...) Como observa Nucci, “a inserção no tipo penal da expressão no exercício referindo-se a comércio ou indústria, demonstra não ser viável enquadrar-se neste crime qualquer pessoa que, eventualmente, receba, venda ou compre uma arma de fogo. Afinal, exige-se a conduta habitual de exercitar o comércio (compra e venda ou locação) ou a indústria (fabricação, com montagem, desmontagem, etc) como condição. Quem pratica qualquer dos verbos desse tipo em atividade de comercial ou industrial de caráter eventual, deve ser inserido em outra figura desta Lei. Não se exige, no entanto, para a concretização do delito, a habitualidade das condutas descritas no art. 17, pois é um crime instantâneo ou permanente de habitualidade preexistente” (...)” (Manual de Legislação Criminal Especial - 13ª Ed. - Ed. JusPODIVM – página 467). No caso, apesar da irresignação manifestada pelos apelantes Tiago Telles, Robson Junior Jardim dos Santos, SINALDO FERREIRA DA SILVA e Lindomar Santana Barbosa Rodrigues, as provas constantes dos autos são suficientes para condenação. Ao analisar o conjunto probatório, constato que os apelantes TIAGO TELLES, ROBSON JUNIOR JARDIM DOS SANTOS, SINALDO FERREIRA DA SILVA e LINDOMAR SANTANA BARBOSA RODRIGUES adquiriram, venderam e expuseram à venda, ainda que de forma clandestina, em benefício próprio e da organização criminosa Comando Vermelho, munições e armas de fogo, em diferentes diálogos e ocasiões distintas, caracterizando a prática reiterada e habitual exigida pelo tipo penal previsto no art. 17, caput, e § 1º, da Lei n. 10.826/2003. Os autos revelam que os apelantes ROBSON JUNIO JARDIM DOS SANTOS, (“Sicredi”, “Redbull”, “Red”, “Veinhão”, entre outros) e TIAGO TELLES, que atuavam como "sintonias" do Comando Vermelho, isto é, exerciam funções de liderança local na organização criminosa, na região de Tapurah/MT, cooptaram os apelantes SINALDO FERREIRA DA SILVA e LINDOMAR SANTANA BARBOSA RODRIGUES, subordinando-os a seus comandos, para a prática do comércio ilegal de armas de fogo. Ainda, consta do Relatório de Investigação Policial n. 2023.13.10100-C a existência de diversos diálogos, realizados por meio de mensagens de texto e áudios — inclusive acompanhados do envio de fotografias de armas de fogo, munições e comprovantes de pagamentos bancários — entre os apelantes ROBSON JUNIO JARDIM DOS SANTOS, TIAGO TELLES e LINDOMAR SANTANA BARBOSA RODRIGUES, tratando do comércio ilegal de armamentos, notadamente em benefício da organização criminosa denominada Comando Vermelho. Veja-se alguns diálogos importantes, lembrando que os demais estão devidamente colacionados aos autos, notadamente no Relatório de Investigação Policial n. 2023.13.10100-C: Observa-se que, no diálogo transcrito abaixo, surge o nome do apelante SINALDO FERREIRA DA SILVA. O apelante LINDOMAR SANTANA BARBOSA RODRIGUES informa ao também apelante ROBSON JUNIO JARDIM DOS SANTOS que era Sinaldo quem lhe fornecia armas, tendo, inclusive, repassado o contato telefônico deste a Robson, sob a identificação de “Sinaldo Itanhangá”: Nesse diálogo abaixo deixa claro a aquisição de uma pistola para a organização Comando Vermelho, liderada, na região de Tapurah, repita-se, pelos apelantes TIAGO E ROBSON: Esse relatório de investigação policial supracitado, em que constam os diálogos principais das tratativas de comércio clandestino de armas de fogo e munições, foi devidamente ratificado pelo Delegado de Polícia Civil Guilherme Pompeo Pimenta Negri, bem como pelos Investigadores de Polícia Alex Rodrigues Alves Lima e Luis Armando de Souza, os quais, com base nos elementos colhidos durante a investigação policial, atribuíram aos apelantes TIAGO TELLES, Robson Junior Jardim dos Santos, LINDOMAR SANTANA BARBOSA RODRIGUES e SINALDO FERREIRA DA SILVA a prática do crime de comércio ilegal de arma de fogo. Não obstante o apelante TIAGO TELLES alegar que suas intervenções nas conversas se limitaram a manifestações de interesse em adquirir armamento, o que, por si só, não caracterizaria, segundo sua ótica, a efetiva prática do crime previsto no art. 17, § 1º, da Lei n. 10.826/03, é forçoso lembrar que ele, como exaustivamente demonstrado neste voto, não é um mero espectador dos fatos, tampouco um agente periférico. Trata-se de líder regional da facção Comando Vermelho no município de Tapurah, exercendo a função de sintonia, que na estrutura da organização representa posto hierárquico de comando, articulação estratégica e validação de condutas operacionais. É justamente nesse papel de liderança que suas falas, ainda que aparentemente sutis ou genéricas, ganham peso jurídico e funcional, pois não se trata de conversas despropositadas, mas de deliberações com potencial decisório dentro da dinâmica da facção. O conteúdo das conversas extraídas dos aparelhos apreendidos revela, com nitidez, que o apelante Tiago Telles participava das tratativas para aquisição de armamento, inclusive avaliando munições do tipo 9mm como adequadas para “explodir a cabeça de PCCU”, em alusão direta à rivalidade entre facções e à potencial utilização das armas para a prática de homicídios previamente arquitetados. Além disso, as investigações demonstraram que a compra, a venda e a exposição à veda de armas de fogo era uma atividade habitual e reiterada no seio da facção criminosa, especialmente conduzida por outro líder, o apelante ROBSON JUNIOR JARDIM DOS SANTOS, com quem o apelante TIAGO TELLES mantinha interlocução direta, fluida e permanente, inclusive para supervisionar ou influenciar negociações. Não se pode olvidar que, no âmbito da criminalidade organizada, a divisão de tarefas é regra estrutural. Assim, ainda que o apelante TIAGO TELLES não tenha realizado pessoalmente entregas ou manipulado fisicamente os armamentos, a sua adesão consciente, funcional e estratégica à dinâmica delitiva o insere na posição de coautor e, mais do que isso, na qualidade de liderança que fomenta e legitima o comércio ilícito de armamento em benefício da organização criminosa do Comando Vermelho, da qual integrava, na posição de liderança regional, à época dos fatos. Por sua vez, muito embora o apelante LINDOMAR SANTANA BARBOSA RODRIGUES tenha alegado que, apesar de a investigação indicar tratar-se da venda de uma arma de fogo, a entrega do artefato teve como única finalidade assegurar o pagamento do valor por ele emprestado, tal argumentação não encontra mínima sustentação nos elementos concretos dos autos, que revelam, ao revés, uma conduta reiterada, habitual e funcionalmente estruturada de comércio ilícito de armas e munições, da qual ele figura como agente ativo e intermediador constante. Não se trata de um episódio isolado que possa ser reinterpretado como empréstimo ou garantia: o que se verifica, com constância, são ofertas sequenciais de armas e munições, incluindo pistolas, revólveres, espingardas, submetralhadoras e até armamentos de uso restrito - alguns com valores definidos, e outros ainda acompanhados de transações financeiras efetivas, como a venda da pistola por R$ 11.000,00 reais ao apelante ROBSON JUNIOR JARDIM DOS SANTOS, liderança do Comando Vermelho na cidade de Tapurah, juntamente com o apelante TIAGO TELLES. Dessa forma, a tese sustentada pelo apelante ROBSON JUNIOR JARDIM DOS SANTOS, no sentido de que a entrega da arma teria ocorrido a título de caução de empréstimo, não se sustenta, diante do conjunto probatório constante dos autos, sendo frontalmente contrariada pela lógica do padrão de comportamento por ele demonstrado, conforme evidenciado pela robustez das provas. Em seu turno, o apelante SINALDO FERREIRA DA SILVA aduz que não lhe foi atribuída nenhuma das condutas típicas previstas no art. 17 do Estatuto do Desarmamento, pois a acusação se baseia apenas na alegação não comprovada de que teria armas para vender, sem que ele tenha participado dos diálogos sobre a suposta comercialização, nem tenha havido apreensão de objetos ilícitos ou confirmação de seu vínculo com os armamentos. Contudo, diversamente do alegado, verifica-se que em diligência de busca e apreensão em sua residência foram efetivamente apreendidas diversas armas de fogo, munições de calibres variados, dois celulares e uma algema, cuja origem lícita, salvo melhor juízo, não foi comprovada, tampouco justificada. Senão vejamos. O conjunto probatório revela que o apelante SINALDO FERREIRA DA SILVA foi identificado, nas conversas extraídas dos celulares dos apelantes ROBSON JUNIOR JARDIM DOS SANTOS e TIAGO TELLES, como fornecedor clandestino de armamentos, sendo seu contato telefônico compartilhado pelo apelante LINDOMAR SANTANA BARBOSA RODRIGUES como canal direto de aquisição de armas de forma clandestina. O número foi repassado sob a identificação de “Sinaldo de Itanhangá”, referência inequívoca à sua localização e à sua identidade - sendo certo que o prenome “Sinaldo”, além de incomum, aparece atrelado ao contexto fático dos autos que elimina, com segurança, a possibilidade de homonímia ou erro de identificação. A tentativa de dissociar-se dos fatos por ausência de diálogo direto ou intermediação explícita não convence, porquanto o seu papel era claramente o de supridor de armamentos, em ponto menos exposto da engrenagem criminosa, mas fundamental para seu funcionamento. Outrossim, os depoimentos prestados em juízo pelos policiais civis responsáveis pela investigação, que, com firmeza, segurança e coerência, identificaram o apelante SINALDO FERREIRA DA SILVA como indivíduo conhecido por comercializar armas de forma ilegal na cidade de Itanhangá, município próximo a Tapurah, corroboram as conclusões da acusação. Ademais, chama a atenção o fato de que algumas imagens que retratam armas de fogo foram “encaminhadas” por meio de aplicativos de mensagens, o que reforça a conclusão de que tais conteúdos, enviados pelo apelante LINDOMAR SANTANA BARBOSA RODRIGUES, foram inicialmente recebidos de seu contato, o apelante SINALDO FERREIRA DA SILVA e, posteriormente, repassados ao apelante ROBSON JUNIOR JARDIM DOS SANTOS. Veja-se: Na visão desta Relatoria, não se trata, portanto, de suposição ou rumor colhido em sede inquisitorial, mas de afirmações prestadas por agentes de segurança pública em juízo, sob o crivo do contraditório, que conheciam a rotina delitiva da região e a inserção do apelante SINALDO FERREIRA DA SILVA no circuito de comércio clandestino de armamentos. Tais depoimentos são prova judicial legítima, dotada de valor probatório quando amparada por outros elementos de corroboração que, no caso dos autos, encontra reforço em dois pilares probatórios adicionais: (1) a apreensão de armas e munições na residência do apelante SINALDO FERREIRA DA SILVA, sem comprovação de origem lícita; e (2) a identificação do vendedor de armas de fogo ilegais como ‘Sinaldo de Itanhangá’ nas comunicações entre os apelantes LINDOMAR SANTANA BARBOSA RODRIGUES e ROBSON JUNIOR JARDIM DOS SANTOS. Tais dados, juntos, vão além da presunção ou do indício isolado: formam um arcabouço probatório coeso, convergente e suficiente para sustentar a responsabilidade penal do apelante, em que pese a tentativa de descolar-se da responsabilização penal. Assim sendo, mantém-se a condenação dos apelantes SINALDO FERREIRA DA SILVA, ROBSON JUNIOR JARDIM DOS SANTOS, TIAGO TELLES e LINDOMAR SANTANA BARBOSA RODRIGUES pela prática do crime de comércio ilegal de armas de fogo. Em situação quase idêntica à dos autos, esta e. Câmara decidiu assim: “(...) A mera negativa do apelante quanto a propriedade dos objetos apreendidos [armas, munições e acessórios] dissociada de quaisquer elementos de convicção produzidos, não se apresenta “suficiente para enfraquecer os elementos de convicção reunidos pelos policiais” (TJMT, AP N.U 0002935-50.2013.8.11.0042; N.U 1001275-11.2021.8.11.0046). Os depoimentos dos agentes policiais, as informações obtidas através de interceptações telefônicas registradas no Relatório Técnico nº 023/2015/DM/DRCBA – 09/09/2015, a apreensão dos armamentos na residência do apelante, bem como as declarações da testemunha presencial, evidenciam a conduta de “ter em depósito” arma de fogo, acessório ou munição para exercício de atividade comercial (Lei 10.826/2003, art. 17). O crime de comércio ilegal de arma de fogo, acessório ou munição é delito de perigo abstrato, bastando para sua caracterização a prática de um dos núcleos do tipo penal, sendo prescindível a demonstração de lesão ou de perigo concreto ao bem jurídico tutelado (STJ – Jurisprudência em teses, Edição nº 108 – Precedentes: Julgados: AgRg no REsp 1692637/SC; AgRg no AREsp 810590/SC; AgRg no AREsp 8761/MG; HC 147866/MG). E mais: (TJMT, AP N.U 0003741-89.2015.8.11.0018).” (AP. n. 0000423-22.2016.8.11.0032, Relator Desembargador Marcos Machado, Julgado em 26/02/2024). DO CRIME DE LAVAGEM DE DINHEIRO MAJORADA - art. 1º, § 4º, da Lei n. 9.613/1998 Os apelantes LINDOMAR SANTANA BARBOSA RODRIGUES, TIAGO TELLES, ROBSON JUNIOR JARDIM DOS SANTOS pleiteiam a absolvição pelo crime de lavagem de dinheiro. Todavia, razão não lhes assiste. O delito de lavagem de dinheiro consiste em ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de infração penal (Lei n. 9.613/98, art. 1º). Sobre as três fases do crime de lavagem de dinheiro, Renato Brasileiro de Lima leciona: “(...) De acordo com o Grupo de Ação Financeira sobre Lavagem de Dinheiro (GAFI), o modelo ideal de lavagem de capitais envolve três etapas independentes, a saber: a) Colocação (placement): consiste na introdução do dinheiro ilícito no sistema financeiro, dificultando a identificação da procedência dos valores de modo a evitar qualquer ligação entre o agente e o resultado obtido com a prática do crime antecedente. Diversas técnicas são utilizadas nesta fase, tais como o fracionamento de grandes quantias em pequenos valores, que escapam do controle administrativo imposto às instituições financeiras (art. 10, II, c/c art. 11, Il, a, da Lei 9.613/98) - procedimento esse conhecido como smurfing, em alusão aos pequenos personagens da ficção na cor azul -,° utilização de estabelecimentos comerciais que usualmente trabalham com dinheiro em espécie, remessas ao exterior através de mulas, transferências eletrônicas para paraísos fiscais, troca por moeda estrangeira etc. A colocação é o estágio primário da lavagem e, portanto, o mais vulnerável a sua detecção, razão pela qual devem as autoridades centrar o foco dos maiores esforços de sua investigação nessa fase da lavagem;" b) Dissimulação ou mascaramento (laye-ring): nesta fase são realizados diversos negócios ou movimentações financeiras, a fim de impedir o rastreamento e encobrir a origem ilícita dos valores. De modo a dificultar a reconstrução da trilha do papel (paper trail) pelas autoridades estatais, os valores inseridos no mercado financeiro na etapa anterior são pulverizados através de operações e transações financeiras variadas e sucessivas, no Brasil e em outros países, muitos dos quais caracterizados como paraísos fiscais, que dificultam o rastreamento dos bens. São exemplos de dissimulação: transferências eletrônicas, envio do dinheiro já convertido em moeda estrangeira para o exterior via cabo; c) Integração (integration): com a aparência lícita, os bens são formalmente incorporados ao sistema econômico, geralmente por meio de investimentos no mercado mobiliário ou imobiliário, transações de importação/exportação com preços superfaturados (ou subfaturados), ou aquisição de bens em geral (v.g., obras de arte, ouro, joias, embarcações, veículos automotores). Em alguns casos, os recursos monetários, depois de lavados, são reinvestidos nas mesmas atividades delituosas das quais se originaram, perpetuando-se, assim, o ciclo vicioso. (...)” (Manual de Legislação Criminal Especial, 13ª edição, Editora jusPODIVM, página 1009). Ainda, acerca das etapas da lavagem de dinheiro, o c. STJ possui entendimento no sentido de que “o tipo penal do art. 1º da Lei n. 9.613/1998 é de ação múltipla ou plurinuclear, consumando-se com a prática de qualquer dos verbos mencionados na descrição típica e relacionando-se com qualquer das fases do branqueamento de capitais (ocultação, dissimulação, reintrodução), não exigindo a demonstração da ocorrência de todos os três passos do processo de branqueamento”. (Jurisprudência em Teses, Edição 166, de 26 de março de 2021). E mais: é importante destacar que, para a configuração do crime de lavagem de capitais, não se exige condenação prévia pelo delito antecedente, tampouco é necessária prova incontestável da prática desse delito. Esse entendimento está alinhado com o que dispõe o Informativo n. 494 do c. STJ, segundo o qual não é exigida comprovação plena do delito antecedente para a configuração da lavagem de dinheiro, sendo suficientes elementos indiciários consistentes que demonstrem sua possível ocorrência. No caso em análise, conforme apurado nos autos - especialmente pelos depoimentos prestados em juízo pelos policiais civis responsáveis pela investigação, bem como pelo Relatório de Investigação Policial n. 2023.13.10100 D -, os apelantes Tiago Telles e Robson Junior Jardim dos Santos, na condição de lideranças da facção criminosa Comando Vermelho na cidade de Tapurah, utilizaram-se da conta bancária de Pedro Henrique Lima de Jesus (falecido) para o recebimento de dinheiro proveniente da venda de entorpecentes em Tapurah e região. Ficou igualmente evidenciado que o apelante Lindomar Santana Barbosa Rodrigues permitia que seu estabelecimento comercial (barbearia/chaveiro) fosse utilizado como ponto de coleta dos valores provenientes do tráfico de drogas, os quais lhe eram entregues por membros e associados da facção criminosa denominada “Comando Vermelho”. Posteriormente, o apelante LINDOMAR SANTANA BARBOSA RODRIGUES realizava transferências desses recursos para a conta bancária de Pedro de Jesus, utilizando-se, para tanto, da conta em nome do seu funcionário e de sua esposa. Essa dinâmica delituosa ficou evidenciada no Relatório de Investigação Policial n. 2023.13.10100 D, como bem exposto na sentença: Anote-se que, no contexto da lavagem de capitais, foram movimentados R$ 104.860,00 (cento e quatro mil, oitocentos e sessenta reais) em um período inferior a dois meses, por meio de 15 (quinze) transações financeiras, nos seguintes valores: R$ 40.000,00; R$ 10.000,00; R$ 3.000,00 (três vezes); R$ 3.730,00; R$ 1.513,00; R$ 3.755,00; R$ 2.000,00; R$ 890,00; R$ 2.890,00; R$ 7.770,00; R$ 312,00 e R$ 20.000,00, valores incompatíveis com a renda do apelante LINDOMAR SANTANA BARBOSA RODRIGUES. Nesse cenário, verifico estar caracterizado o crime de lavagem de capitais, tendo em vista que os apelantes se utilizaram de contas bancárias de terceiros para realizar movimentações financeiras ilícitas, com o objetivo de ocultar ou dissimular a origem de valores provenientes, em especial, do tráfico de drogas vinculado à organização criminosa Comando Vermelho (AP n. 0046811-79.2018.8.11.0042, Relator Desembargador Marcos Regenold Fernandes, Segunda Câmara Criminal, julgado em 14/04/2025). No mais, apesar de o apelante LINDOMAR SANTANA BARBOSA RODRIGUES alegar que passou a realizar depósitos em contas indicadas por terceiros, vindo apenas posteriormente a tomar conhecimento de que os beneficiários seriam integrantes de facção criminosa, sustentando não ter, à época, consciência de que estaria praticando o crime de lavagem de capitais, não é isso que demonstra os autos, visto que há elementos probatórios suficientes, principalmente os diálogos extraídos dos celulares apreendidos, que comprovam que ele possuía consciência desde o início que estava se relacionando com lideranças do Comando Vermelho em Tapurah, isto é, com os apelantes TIAGO TELLES e ROBSON JUNIO JARDIM DOS SANTOS. A título exemplificativo, reproduzo abaixo diálogo do apelante LINDOMAR SANTANA BARBOSA RODRIGUES com o apelante Robson Junior Jardim dos Santos, vulgo Red: Assim, impõe-se a condenação dos apelantes Lindomar Santana Barbosa Rodrigues, Tiago Telles e Robson Júnior Jardim dos Santos, pelos crimes de lavagem de dinheiro, praticados no contexto de organização criminosa. Por fim, não obstante o pedido genérico do apelante ROBSON JÚNIOR JARDIM DOS SANTOS para fixação da pena no mínimo legal, não há qualquer erro na dosimetria da pena aplicada, uma vez que o mesmo é multirreincidente, circunstância que justifica plenamente a valoração negativa dos antecedentes na primeira fase da dosimetria e, na segunda fase, o reconhecimento da reincidência (STJ, AgRg no AgRg no HC n. 618.899/SC, relatora Ministra Laurita Vaz, Sexta Turma, julgado em 5/4/2022). Ademais, observa-se que o juízo sentenciante aplicou corretamente a fração de 1/6 para a valoração dos maus antecedentes na primeira fase e para a agravante da reincidência, parâmetro considerado adequado e proporcional pelo c. STJ (AgRg no AREsp n. 2.857.832/RN, Relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 20/5/2025; HC n. 976.975/SP, Relator Ministro Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, julgado em 14/5/2025). Por fim, na terceira fase, ao incidir causas de aumento de pena, nos crimes de lavagem de dinheiro (Lei n. 9.613/98, art. 1º, § 4º) e extorsão (CP, art. 158, § 1º), foi adotada a fração mínima de 1/3, não havendo, pois, qualquer ilegalidade ou excesso a ser corrigido. Ante o exposto, conhecidas as pretensões de reexame, RECURSOS DE APELAÇÃO DESPROVIDOS, em consonância com o parecer ministerial. É como voto. Data da sessão: Cuiabá-MT, 24/06/2025
Conteúdo completo bloqueado
Desbloquear