Processo nº 5006857-70.2025.4.04.7107
ID: 291337098
Tribunal: TRF4
Órgão: 3ª Vara Federal de Caxias do Sul
Classe: MANDADO DE SEGURANçA CíVEL
Nº Processo: 5006857-70.2025.4.04.7107
Data de Disponibilização:
06/06/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
GUILHERME ARTEIRO PRETTO
OAB/RS XXXXXX
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MANDADO DE SEGURANÇA Nº 5006857-70.2025.4.04.7107/RS
IMPETRANTE
: TEDESCO ECOPARK EMPREENDIMENTOS LTDA
ADVOGADO(A)
: GUILHERME ARTEIRO PRETTO (OAB RS057810)
DESPACHO/DECISÃO
1.
Trata-se de mandado d…
MANDADO DE SEGURANÇA Nº 5006857-70.2025.4.04.7107/RS
IMPETRANTE
: TEDESCO ECOPARK EMPREENDIMENTOS LTDA
ADVOGADO(A)
: GUILHERME ARTEIRO PRETTO (OAB RS057810)
DESPACHO/DECISÃO
1.
Trata-se de mandado de segurança impetrado por TEDESCO ECOPARK EMPREENDIMENTOS LTDA em face do DELEGADO DA RECEITA FEDERAL em Caxias do Sul, objetivando, inclusive liminarmente, provimento jurisdicional
“para suspender os efeitos da Lei Federal n. 14.859/2024 (artigo 4º-A) e Ato Declaratório RFB nº 2/2025, mantendo a alíquota zero dos tributos federais (IRPJ/CSLL/PIS/Cofins) até 2027 para o Impetrante, beneficiário do PERSE (Lei Federal nº 14.148/2023)”
(pág. 11 da
inicial
).
2.
A concessão de medidas liminares em mandados de segurança está atrelada ao disposto no artigo 7º, III, da Lei nº 12.016/09, que possibilita seu deferimento em caso de concomitância da plausibilidade do direito invocado (fundamento relevante) e do risco de perecimento de tal direito face à urgência do pedido (
periculum in mora
). A regra legal, mais especificamente, estatui que o segundo requisito estará presente quando
“do ato impugnado puder resultar ineficácia da medida, caso seja finalmente deferida”
.
2.1
Em que pesem os argumentos inicialmente declinados, não restou comprovada a urgência do pedido no que se refere ao risco de perecimento do direito em questão, o qual não se confunde com a simples possibilidade de ocorrência de prejuízos financeiros narrada na inicial, estando ausente, portanto, um dos requisitos necessários à concessão da medida liminarmente pleiteada. A corroborar tal entendimento:
TRIBUTÁRIO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. MANDADO DE SEGURANÇA. LIMINAR. AUSÊNCIA DE RISCO. INDEFERIMENTO. 1.
A mera existência de prejuízo financeiro, decorrente da demora na análise do processo administrativo de ressarcimento, é insuficiente para caracterizar o perigo na demora exigido para a concessão da medida postulada
. 2. Ausente a necessária urgência para conceder a medida liminar, em razão da celeridade de tramitação do mandado de segurança, deve-se aguardar a regular instrução do feito, com observância dos princípios do contraditório e da ampla defesa. (TRF4, AG 5043278-21.2017.4.04.0000, PRIMEIRA TURMA, Relator ROGER RAUPP RIOS, juntado aos autos em 06/10/2017)
2.2
Dou por ausente, também, o
fumus boni iuris
. Reporto-me à análise feita pela MM. Juíza Federal, Dra. Soraia Tulio, no Mandado de Segurança Coletivo n. 5017998-19.2025.4.04.7000/PR:
A Lei nº 14.859/2024, de 22 de maio de 2024, promoveu mudanças importantes na Lei nº 14.148/2021, que instituiu o Programa de Recuperação do Setor de Eventos (Perse). As alterações incluem a restrição das atividades econômicas que podem se beneficiar da alíquota zero de tributos e a exigência de habilitação prévia junto à Receita Federal. A alíquota de 0% será válida por 60 meses para as atividades do setor de eventos, com a condição de que as empresas estejam em conformidade com o Cadastro de Prestadores de Serviços Turísticos (Cadastur).
Outra alteração introduzida pela nova lei é a diferenciação no tratamento fiscal das empresas tributadas pelo lucro real e lucro presumido. Para as empresas do lucro real, as alíquotas de IRPJ e CSLL serão reduzidas a zero até 31/12/2024, mas em 2025 e 2026, o benefício se limitará a PIS e Cofins. Além disso, o art. 4º-A estabelece um teto de R$ 15 bilhões para os incentivos fiscais, com o programa sendo extinto caso esse valor seja alcançado ou ao final de 2026.
Diante disso, a Impetrante sustenta que a Lei nº 14.859/24 impôs um teto de gasto tributário, que levaria ao encerramento do PERSE já em abril de 2025, violando o artigo 178 do Código Tributário Nacional, por se tratar de benefício fiscal concedido por prazo certo e sob condições específicas, o princípio da segurança jurídica, do qual decorrem os postulados da proteção da confiança legítima, da previsibilidade normativa e da moralidade administrativa, além de não observar os princípios da anterioridade anual e nonagesimal.
Contudo, não lhe assiste razão.
Não natureza de
isenção
onerosa
Nos termos do art. 178 do CTN, com redação conferida pela Lei Complementar nº 24/1975, “a isenção, salvo se concedida por prazo certo e em função de determinadas condições, pode ser revogada ou modificada por lei, a qualquer tempo, observado o disposto no inciso III do art. 104”. A substituição da conjunção “ou” pela conjunção “e”, operada pela referida lei complementar, revela inequívoca a exigência da simultaneidade dos requisitos ali elencados — ou seja, somente se a isenção for concedida por prazo certo e condicionada ao cumprimento de determinadas exigências, é que estará protegida contra revogação ou modificação legislativa.
No caso concreto, o benefício fiscal instituído pelo art. 4º da Lei nº 14.148/2021 — que prevê a aplicação de alíquota zero para IRPJ, CSLL, PIS e COFINS às empresas do setor de eventos — foi concedido de forma geral, por prazo determinado de até 60 meses, mas desacompanhado de qualquer contrapartida ou condição específica a ser cumprida pelo contribuinte.
Nesse sentido é a jurisprudência dos Tribunais Regionais Federais:
TRIBUTÁRIO. PROGRAMA EMERGENCIAL DE RETOMADA DO SETOR DE EVENTOS (PERSE). LEI 14.148/21. ATIVIDADE ECONÔMICA ESPECÍFICA. (...) II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO A controvérsia reside em definir se a revogação do benefício do PERSE para atividade econômica específica deve observar o preceito do art. 178 do CTN. IIII. RAZÕES DE DECIDIR A alíquota zero prevista na Lei 14.148/21 deve ser aplicada somente sobre os resultados e as receitas diretamente decorrentes das atividades do setor de eventos. O PERSE consubstancia desoneração legítima, fundada em razões sociais e econômicas, atreladas às dificuldades financeiras enfrentadas pelo setor do turismo no período da pandemia da COVID-19. Porém, haja vista não exigir contrapartidas, não constitui isenção onerosa, insuscetível de revogação a qualquer tempo por força do princípio da segurança jurídica e da interpretação a contrário sensu do art. 178 do Código Tributário Nacional. Aplica-selhe, portanto, a regra da revogabilidade a qualquer tempo das isenções, consagrada diretamente por este dispositivo do CTN. (...) (TRF4, ApRemNec 5054649-12.2023.4.04.7100, 1ª Turma, Relator para Acórdão ANDREI PITTEN VELLOSO , julgado em 26/02/2025).
AGRAVO INTERNO CONTRA DECISÃO MONOCRÁTICA– HIPÓTESE DE APLICAÇÃO DO ARTIGO 932 DO CPC – MANDADO DE SEGURANÇA – BENEFÍCIOS TRIBUTÁRIOS PREVISTOS NO PROGRAMA EMERGENCIAL DE RETOMADA DO SETOR DE EVENTOS - PERSE - LEI Nº 14.148/2021 - MP Nº 1.202/2023 - POSSIBILIDADE DE REVOGAÇÃO DOS BENEFÍCIOS FISCAIS - AGRAVO INTERNO IMPROVIDO. (...) 2. Dos termos da Lei nº 14.148/2021, extrai-se que, muito embora o benefício fiscal do PERSE tenha sido concedido por prazo determinado, não houve a imposição de condição onerosa ao contribuinte. 3. A condição onerosa mencionada pelo CTN, a qual ensejaria a irrevogabilidade do benefício, relaciona-se à contrapartida por parte contribuinte. Entretanto, a norma instituidora do PERSE previu como requisito para a obtenção da isenção o desempenho de determinadas atividades no setor de eventos, o que não se confunde com a imposição de ônus para as partes. 4. Observa-se da leitura dos termos da Medida Provisória impugnada a observância ao princípio da anterioridade. 5. Agravo interno improvido. (TRF 3ª Região, 6ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 5007142-41.2024.4.03.6100, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL MAIRAN GONCALVES MAIA JUNIOR, julgado em 06/03/2025, Intimação via sistema DATA: 12/03/2025).
A ausência de onerosidade e de condicionantes objetivas descaracteriza o benefício como isenção condicionada, na forma exigida pelo art. 178 do CTN. Não basta que o contribuinte desempenhe atividade econômica no setor de eventos ou mantenha cadastro junto ao órgão competente (como o CADASTUR) para que se configure a imposição de condição onerosa. Tais requisitos configuram apenas critérios de enquadramento, relacionados à hipótese de incidência da norma, não se equiparando às condições materiais ou estruturais que, nos termos da doutrina, justificariam o tratamento jurídico mais protetivo da norma isentiva.
No caso sob análise, o benefício de alíquota zero foi concedido sem imposição de ônus material ou funcional ao contribuinte, de forma que não se aplica a vedação do art. 178 do CTN nem a proteção do Enunciado da Súmula 544 do Supremo Tribunal Federal.
Demais disso, é forçoso reconhecer que a alíquota zero não se confunde, tecnicamente, com isenção. Embora ambas conduzam, no plano fático, à desoneração tributária, apresentam natureza jurídica distinta. A alíquota zero é elemento da própria estrutura da regra matriz de incidência tributária — opera-se pela ausência de fato gerador tributável —, ao passo que a isenção representa hipótese de exclusão do crédito tributário, que incide sobre fato gerador já ocorrido.
Assim, ainda que se pretendesse o enquadramento do benefício fiscal como isenção, a ausência de onerosidade impediria o reconhecimento de qualquer direito subjetivo à manutenção do benefício pelo prazo inicialmente previsto. Não se cuida, portanto, de "revogação de isenção onerosa", mas sim de recalibragem legítima de política fiscal, sobretudo diante da fixação de teto orçamentário estabelecido por norma superveniente.
Com efeito, se a Administração Pública detém a prerrogativa de revogar integralmente o benefício fiscal não oneroso, com maior razão pode reduzir-lhe o prazo ou submeter sua vigência a condições objetivas de limitação orçamentária, como fez ao estipular o encerramento do PERSE por esgotamento do teto financeiro previsto.
Por fim, invocar princípios como segurança jurídica, proteção da confiança legítima ou moralidade administrativa não conduz à conclusão diversa. A legislação tributária que concede benefícios fiscais, sobretudo os de caráter gracioso e geral, como o ora examinado, está sujeita à regra da interpretação estrita, nos termos do art. 111, II, do CTN. Sendo o benefício vinculado à política fiscal emergencial e temporária, sua extinção ou modulação temporal encontra amparo jurídico e constitucional.
Em suma, a alegação da contribuinte não encontra respaldo no art. 178 do CTN, tampouco na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, porquanto o benefício da alíquota zero concedido pelo art. 4º da Lei nº 14.148/2021 não preenche os requisitos cumulativos exigidos pela norma, razão pela qual sua revogação ou limitação, ainda que por meio de norma infralegal ou medida provisória, não caracteriza ofensa à legalidade, à segurança jurídica ou à proteção da confiança.
Violação a princípios constitucionais
Também não há cogitar de ofensa aos princípios da não surpresa, legalidade e justiça tributária.
No caso em questão, não houve violação aos princípios apontados pela Impetrante, pois as medidas em questão foram amplamente discutidas publicamente antes da promulgação da nova Lei, com a participação ativa do setor de eventos. Além disso, não existe direito adquirido a um regime jurídico fiscal específico.
O princípio da confiança também abrange o dever de lealdade e de boa-fé objetiva da Administração Pública, implicando a proibição do
venire contra factum proprium
(teoria dos atos próprios). Esse subprincípio, que envolve a
suppressio
(supressão de direito), visa vedar comportamentos contraditórios por parte da Administração Pública após a geração de expectativas legítimas no administrado, protegendo a confiança e a presunção de legitimidade dos atos administrativos.
No caso em análise, não há conduta contraditória, uma vez que, do ponto de vista do princípio da legalidade (art. 150, I, da CF), era plenamente viável a alteração dos critérios, pois não existe direito adquirido a um regime tributário, ou seja, à manutenção do benefício nas condições inicialmente estabelecidas. Não há, também, insegurança jurídica quando ocorre revogação ou alteração de prazo com base em dispositivo legal. Não se configura, tampouco, qualquer afronta ao princípio da boa-fé, uma vez que a repercussão patrimonial no contribuinte encontra respaldo tanto na Constituição quanto na legislação vigente.
Em situação similar, o e. TRF da 4ª Região, ao analisar pedido de antecipação de tutela recursal no agravo de instrumento nº 5007461-46.2024.4.04.0000/RS, sob a relatoria da Desembargadora Federal Luciane Amaral Corrêa Münch, indeferiu o pedido e reconheceu a inexistência de violação à segurança jurídica pela revogação do PERSE pela Medida Provisória 1.202/23, conforme exposto a seguir:
(...) Ocorre que, ao menos em juízo sumário, tenho que não se deve confundir os requisitos para adesão ao PERSE com contrapartidas, assim, o benefício fiscal de alíquota zero, pelo prazo de 60 meses, instituído pela Lei n.º 14.148/2021, não constitui isenção onerosa, insuscetível de revogação a qualquer tempo por força do princípio da segurança jurídica e da interpretação
a contrario sensu
do art. 178 do Código Tributário Nacional. Aplica-se-lhe, portanto, a regra da revogabilidade a qualquer tempo das isenções, (...)
No mesmo sentido:
Tampouco revela-se correta a interpretação conferida pela agravante ao benefício instituído pela Lei nº 14.148, de 2021, o qual consiste em fixar alíquotas zero - e não isenção - para o IRPJ, CSLL, COFINS e contribuição ao PIS, pelo prazo de sessenta meses, do que se extrai que a exclusão de atividades daquelas submetidas ao benefício não poderia logicamente implicar à alegada "revogação de isenção". Daí não se cogita de inobservância ao disposto no art. 178 do Código Tributário Nacional e à Súmula 544 do Supremo Tribunal Federal (STF). Confira-se, a seguir, julgado da Segunda Turma deste Tribunal que, fazendo as devidas distinções entre isenção e redução de alíquotas a zero, reconheceu por inaplicável o disposto no artigo 178 do Código Tributário Nacional em caso semelhante:
TRIBUTÁRIO. PIS. COFINS. LEI Nº 11.196/2005. "LEI DO BEM". PROGRAMA DE INCLUSÃO DIGITAL. PRODUTOS DE INFORMÁTICA. ALÍQUOTA ZERO. MP Nº 690/2015. AUMENTO ALÍQUOTA. LEGALIDADE. Não há confundir isenção fiscal com alíquota zero. Embora do ponto de vista prático gerem o mesmo resultado econômico, ou seja, o não recolhimento ou a não exigência da exação, do ponto de vista teórico-conceitual, são institutos jurídicos absolutamente distintos. A Medida Provisória 690/2015, convertida na Lei nº 13.241/2015, não revogou isenção concedida por prazo certo e sob determinadas condições. Diante das técnicas de desoneração possíveis, postas à disposição do ente tributante, o texto normativo empregou expressamente a técnica da "alíquota zero", com os efeitos jurídicos daí decorrentes, dentre os quais a possibilidade de aumento da alíquota, uma vez obedecidas as limitações constitucionais ao poder de tributar. No caso, o aumento da alíquota obedeceu a todos os critérios constitucionais exigidos, sendo, pois, inaplicável o disposto no artigo 178 do Código Tributário Nacional. (TRF4, AC 5059516-38.2015.404.7000, Segunda Turma, juntado aos autos em 28-09-2016). (TRF4, AG 5030096-55.2023.4.04.0000, SEGUNDA TURMA, Relator RÔMULO PIZZOLATTI, DJE 29/08/2023)
Dessa forma, se a revogação era possível, que dirá da redução do prazo (fim do programa) ou da instituição de um teto, pois quem pode o mais (revogar) pode o menos (reduzir o prazo do benefício).
Portanto, não há falar em ofensa aos princípios da não surpresa, legalidade, justiça tributária e os demais alegados na Inicial; é possível ao Poder Executivo alterar ou revogar o benefício, nos termos do artigo 178 do CTN e da Súmula 544 do STF, por não se tratar de isenção onerosa. Assim, está realizado o respectivo
distinguishing.
Obrigação legal de entregar relatórios bimestrais previstos no art. 4-A da Lei nº
14.148/21
, introduzido pela Lei nº 14.859/24
Durante o exercício de 2024, a Receita Federal do Brasil divulgou periodicamente relatórios sobre o Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos (PERSE), em estrito atendimento ao disposto no artigo 4º-A da Lei nº 14.148/2021. Esses relatórios forneceram informações detalhadas e suficientes para que os contribuintes acompanhassem a evolução dos gastos e da implementação do referido programa. Exemplos dessas publicações podem ser encontrados nos seguintes endereços eletrônicos oficiais:
Agosto/2024: https://www.gov.br/receitafederal/pt-br/assuntos/noticias/2024/agosto/contribuintes-declararam-ter-usufruido-mais-de-r-32-9-bilhoes-ate-junho
Novembro/2024: https://www.gov.br/receitafederal/pt-br/assuntos/noticias/2024/novembro/dirbi-contribuintes-declararam-ter-usufruido-mais-de-r-97-7-bilhoes-ate-agosto
Dezembro/2024: https://www.gov.br/receitafederal/pt-br/assuntos/noticias/2024/dezembro/dirbi-contribuintes-declararam-ter-usufruido-r-111-bilhoes-ate-setembro
Janeiro/2025: https://www.gov.br/receitafederal/pt-br/assuntos/noticias/2025/janeiro/receita-federal-divulga-relatorio-de-acompanhamento-do-programa-emergencial-de-retomada-do-setor-de-eventos-perse
Desde dezembro de 2024, esses relatórios já indicavam a proximidade de se atingir o limite máximo de gastos previsto na legislação, fixado em R$ 15 bilhões. Em estrita conformidade com o disposto no art. 4º-A da Lei nº 14.148/2021, alterado pela Lei nº 14.859/2024, o Poder Executivo Federal realizou audiência pública perante o Congresso Nacional no dia 12 de março de 2025. Na ocasião, foram apresentados os dados acumulados e as projeções indicativas de que o limite fiscal estabelecido seria atingido até o final do mês de março de 2025, fato que implicaria, conforme expressa disposição legal, na interrupção do benefício já a partir do mês subsequente.
Cumpre registrar que os dados utilizados pelo Executivo Federal decorreram diretamente das informações declaradas pelos próprios contribuintes na Declaração de Incentivos, Renúncias, Benefícios e Imunidades de Natureza Tributária (Dirbi), instituída pelo artigo 43 da Lei nº 14.973/2024. Para fins do cálculo do montante consumido, adotaram-se os critérios mais conservadores possíveis, sem aplicação de correção monetária ou inflacionária, observando-se rigorosamente os parâmetros definidos no próprio artigo 4º-A.
O relatório disponibilizado ao Congresso Nacional detalhou minuciosamente as reduções tributárias usufruídas pelas pessoas jurídicas habilitadas, especificando os valores por código CNAE, por forma de apuração da base de cálculo do IRPJ e destacando também os montantes que se encontram sub judice. Tal relatório, além de cumprir expressa exigência normativa, estruturou-se em tópicos claros e objetivos: renúncia fiscal agregada, por tributo, por agrupamento CNAE, por regime tributário, renúncia fiscal objeto de ações judiciais desfavoráveis à União, renúncia fiscal acumulada e modelo preditivo para uso futuro do benefício.
Comprovação efetiva do atingimento do teto de gastos tributários de R$ 15 bilhões
A alegação de ausência de comprovação efetiva do atingimento do limite de R$ 15 bilhões estipulado para o Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos – PERSE, sob o argumento de que se teria utilizado unicamente modelo preditivo, não encontra respaldo jurídico, tampouco se mostra idônea a infirmar a legitimidade da extinção do benefício fiscal com base nos parâmetros legalmente fixados.
Com efeito, o art. 4º-A da Lei nº 14.148/2021, com redação conferida pelo art. 1º da Lei nº 14.859/2024, instituiu, de forma expressa, um teto objetivo para o custo fiscal do benefício, limitado a R$ 15.000.000.000,00 (quinze bilhões de reais), com vigência até dezembro de 2026, valendo como marco extintivo o primeiro dos limites que se verificar – seja o valor, seja a data. A apuração do montante acumulado foi confiada à Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil, com previsão de sua demonstração em relatórios bimestrais, a serem submetidos à audiência pública no Congresso Nacional, conforme previsto na própria legislação.
A impugnação à metodologia de cálculo, com ênfase na suposta ausência de “comprovação efetiva” por basear-se em modelos de estimativa, carece de sustentação normativa. No ordenamento jurídico pátrio, é plenamente admitida, e frequentemente exigida, a utilização de instrumentos técnicos e atuariais, inclusive preditivos, para fins de análise e projeção de impacto fiscal, como se depreende dos arts. 14 e 16 da Lei de Responsabilidade Fiscal (LC 101/2000), bem como do art. 113 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, introduzido pela Emenda Constitucional nº 95/2016.
O que se impõe ao Poder Público, portanto, é a observância dos princípios da transparência e do planejamento orçamentário, não sendo exigível que se aguarde o lançamento e o recolhimento individualizado de todos os tributos para somente então se reconhecer o esgotamento do teto fiscal. A adoção de critérios técnicos de previsão e monitoramento contínuo das renúncias fiscais é medida de boa governança, que visa garantir a sustentabilidade das contas públicas e o respeito ao regime fiscal vigente.
Ademais, o legislador, no exercício legítimo de sua competência tributária, pode condicionar a fruição de benefícios fiscais a limites objetivos e temporais, como fez no presente caso, em consonância com os arts. 150, §6º, da Constituição Federal, 97, VI, do Código Tributário Nacional, e as diretrizes traçadas na Lei de Diretrizes Orçamentárias da União para 2024 (Lei nº 14.791/2023).
Princípios da anterioridade anual e nonagesimal
Alega a impetrante que o encerramento do Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos – PERSE, ocorrido em abril de 2025 em razão do atingimento do teto orçamentário previsto para o programa, teria violado o princípio da anterioridade tributária, ao ensejar o restabelecimento da carga tributária anteriormente desonerada.
Contudo, tal alegação não merece prosperar.
O princípio da anterioridade tributária, consagrado nos arts. 150, III, "b" e "c", da Constituição Federal, estabelece que a instituição ou majoração de tributos somente pode produzir efeitos no exercício financeiro seguinte àquele em que publicada a respectiva lei (anterioridade anual), bem como após decorridos noventa dias da referida publicação (anterioridade nonagesimal).
No julgamento do Tema 1383 da Repercussão Geral (RE 1.473.645), o Supremo Tribunal Federal assentou que esse princípio também se aplica às hipóteses de supressão ou redução de benefícios fiscais, sempre que tais medidas resultem em majoração indireta da carga tributária. A tese firmada foi clara ao reconhecer a necessidade de observância das anterioridades constitucionalmente previstas mesmo nos casos em que a elevação do ônus tributário decorra da cessação de incentivos fiscais anteriormente concedidos.
Na oportunidade, o Ministro Relator, Luís Roberto Barroso, salientou que "
o princípio da anterioridade configura verdadeira garantia individual, conferindo previsibilidade e estabilidade ao sistema tributário. A ratio dessa proteção constitucional reside na vedação à tributação surpresa, na preservação da segurança jurídica e na garantia da confiança legítima do contribuinte
".
Entretanto, no caso em exame, não há que se falar em frustração de expectativa legítima ou em violação ao princípio da anterioridade. A extinção antecipada do benefício fiscal ocorreu em estrita conformidade com o marco normativo previamente estabelecido pela Lei nº 14.859/2024, que desde sua publicação tornou público e transparente o risco de interrupção do programa em razão do atingimento do limite de R$ 15 bilhões.
Destaca-se, ademais, que os dados relativos à execução do PERSE foram amplamente divulgados pela Receita Federal do Brasil, por meio de relatórios periódicos e de canais de transparência ativa, como a plataforma de Dados Abertos e o sítio eletrônico oficial do órgão. Tal conduta institucional conferiu ampla previsibilidade à atuação estatal, afastando a alegação de surpresa por parte dos beneficiários.
Por fim, impende frisar que o exaurimento do limite orçamentário e consequente encerramento do benefício se deu após o decurso dos prazos previstos pelas cláusulas da anterioridade. A Lei nº 14.859/2024 foi publicada em 22 de maio de 2024 e, portanto, eventual restabelecimento da tributação só poderia ocorrer em conformidade com os marcos da anterioridade anual e nonagesimal. Não há nos autos qualquer demonstração de que a cobrança tenha sido exigida antes desses marcos constitucionais.
Dessa forma, somente se o encerramento do PERSE houvesse ocorrido antes de transcorrido o prazo de noventa dias contados da publicação da referida lei, ou ainda dentro do mesmo exercício financeiro de sua edição, haveria que se cogitar em ofensa ao princípio da anterioridade. Como tal circunstância não se verifica nos autos, inexiste ilegalidade ou inconstitucionalidade a ser reconhecida.
Desse modo, não se encontra configurado o
fumus boni juris
, o que obsta a análise do
periculum in mora
.
Ressalto que a impetrante tem a possibilidade de obter a suspensão da exigibilidade do crédito tributário, na forma do art. 151, II, do CTN, através do depósito judicial dos valores discutidos. O depósito é faculdade do contribuinte e, desde que seja integral, suspende a exigibilidade do crédito, bem como evita que o impetrante se sujeite à restituição ou compensação referentes ao tributo, e que a União necessite de eventual ação de cobrança de seu crédito em caso de denegação da segurança.
2.3
Destarte, INDEFIRO o pedido liminar.
3.
Intime-se a impetrante da presente decisão e para, no prazo de 15 dias:
(a)
atribuir à causa valor compatível com o pedido, o qual deve aproximar-se o máximo possível do benefício patrimonial pretendido com a demanda, não podendo ser fixado aleatoriamente, procedendo-se ao recolhimento das custas complementares, se for o caso. Em caso de manutenção do valor indicado (R$ 10.000,00), deverá explicitar o modo pelo qual alcançou tal cifra, considerando os termos anteriormente referidos;
(b)
acostar documento comprovando ser beneficiária do PERSE.
4.
Atendido ao determinado no item 3, prossiga-se:
Notifique-se a autoridade impetrada, preferencialmente por intimação eletrônica, para prestar as informações no decêndio legal.
Intime-se o representante judicial da pessoa jurídica interessada acerca da impetração para, querendo, ingressar no feito (art. 7º, II, Lei nº 12.016/2009).
Vindas as informações, ou transcorrido o prazo, intime-se o Ministério Público Federal para emissão de parecer, no prazo de 10 (dez) dias.
No retorno, registrem-se e retornem os autos conclusos para prolação da respectiva sentença.
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