Processo nº 1000985-98.2020.8.11.0088
ID: 276476078
Tribunal: TJMT
Órgão: VARA ÚNICA DE ARIPUANÃ
Classe: AçãO PENAL - PROCEDIMENTO ORDINáRIO
Nº Processo: 1000985-98.2020.8.11.0088
Data de Disponibilização:
22/05/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
JACKELINE OLIVEIRA DA SILVA
OAB/MT XXXXXX
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PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DE MATO GROSSO COMARCA DE ARIPUANÃ VARA ÚNICA DE ARIPUANÃ RUA ANTONIO BUSANELLO, 792, TELEFONE: (66) 3565-2070, CIDADE ALTA, ARIPUANÃ - MT - CEP: 78325-000 EDITAL DE INTIMA…
PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DE MATO GROSSO COMARCA DE ARIPUANÃ VARA ÚNICA DE ARIPUANÃ RUA ANTONIO BUSANELLO, 792, TELEFONE: (66) 3565-2070, CIDADE ALTA, ARIPUANÃ - MT - CEP: 78325-000 EDITAL DE INTIMAÇÃO DE SENTENÇA CRIMINAL Prazo do Edital: 60 Dias EXPEDIDO POR DETERMINAÇÃO DO MM.(ª)JUIZ(A) DE DIREITO GUILHERME LEITE RORIZ PROCESSO n. 1000985-98.2020.8.11.0088 Valor da causa: 0,00 ESPÉCIE: [Decorrente de Violência Doméstica, Violência Doméstica Contra a Mulher]->AÇÃO PENAL - PROCEDIMENTO ORDINÁRIO (283) POLO ATIVO: Nome: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO Endereço: Rua Quatro, 0, RUA QUATRO, S/N, Centro Político e Administrativo, CUIABÁ - MT - CEP: 78049-921 POLO PASSIVO: Nome: DJALMA CORREIA DE MELO Endereço: TANCREDO NEVES, 112, QD 21 - LT 16, JARDIM PLANALTO, ARIPUANÃ - MT - CEP: 78325-000 INTIMANDO: DJALMA CORREIA DE MELO FINALIDADE: EFETUAR A INTIMAÇÃO DA PESSOA ACIMA QUALIFICADA, atualmente em local incerto e não sabido, do inteiro teor da sentença, prolatada nos autos acima mencionados, que segue abaixo transcrita, conforme despacho e documentos vinculados disponíveis no Portal de Serviços do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, cujas instruções de acesso seguem descritas no corpo deste documento. ADVERTÊNCIA: 1. O recurso será interposto no prazo legal de 5 (cinco) dias, contados do término do prazo fixado neste edital, por petição escrita, da qual constarão as razões e o pedido do recorrente. 2. É necessária a assistência de Advogado ou Defensor Público para interpor Recurso. SENTENÇA: SENTENÇA Trata-se de ação penal promovida pelo Ministério Público do Estado de Mato Grosso contra Djalma Correia de Melo, vulgo “Russo” imputando-lhe a prática do crime descrito no art. 129, §9º do Código Penal, com implicações da Lei nº 11.340/2006. Narra a denúncia que no dia 10 de novembro de 2017, por volta das 23h30min, em residência particular localizada nesta comarca, o denunciado, ciente da ilicitude e reprovabilidade de sua conduta, teria ofendido a integridade corporal da vítima Juraci de Nazaré, sua companheira, desferindo-lhe um soco na face, provocando-lhe a lesão descrita no mapa topográfico. Consta da peça vestibular que o denunciado e vítima conviviam maritalmente por aproximadamente 11 (onze) anos e, na data dos fatos, o casal teria iniciado uma discussão em razão de suposta infidelidade por parte do denunciado, oportunidade que Djalma teria pegado o aparelho telefônico para filmar a reação da vítima, o que fez com que ela não gostasse da atitude, momento em que iniciou-se o desentendimento entre o casal. Ato contínuo, foi informado ainda que, no momento que a vítima foi retirar o celular das mãos do réu com a intenção de interromper a gravação, o acusado teria desferido um soco em seu rosto, agressão essa que fez com que a vítima caísse ao solo. À vista disso, o órgão ministerial requereu a condenação do acusado às penas do art. 129, §9º do Código Penal, com as implicações da Lei nº 11.340/2006, bem como indenização por danos materiais e morais supostamente sofridos pela vítima. As folhas de antecedentes criminais encontram-se no documento de id. 53757117. O inquérito policial com seus termos e laudos encontra-se em ID 40195804. Recebida a denúncia (ID 57682905), o réu foi citado e apresentou resposta à acusação em ID 91237203, oportunidade em que requereu a absolvição sumária do acusado, ante a atipicidade da conduta delitiva e, caso não seja esse o entendimento deste Juízo, informou que deixará suas justificativas defensivas para as considerações finais. Contudo, esse juízo entendeu que não se trata de absolvição sumária, oportunidade em foi designada audiência de instrução e julgamento (ID 103597700), onde foram ouvidas as testemunhas e vítima, bem como houve o interrogatório do réu. Encerrada a instrução, o Ministério Público apresentou memorais ratificando os termos da denúncia, requerendo a procedência da inicial acusatória (id. 112580051). A defesa técnica, por sua vez, em sede memoriais, informou que o acusado agiu em legítima defesa para se defender das agressões provocadas pela vítima, oportunidade em que requereu a improcedência dos pedidos elencados na denúncia, com a consequente absolvição do acusado, com fundamento no art. 386, inciso VII do Código de Processo Penal. Após, vieram os autos conclusos para sentença. É o relatório, decido. Não há questões processuais pendentes ou preliminares a serem enfrentadas, pelo que passo à análise do mérito. A materialidade do fato restou comprovada por meio do boletim de ocorrência (id. 40195804) e laudo pericial que descreveu as lesões no corpo da vítima (id. 40195804). Quanto à autoria, tenho que essa também restou devidamente comprovada, conforme será demonstrado adiante. Em juízo, a vítima foi ouvida, oportunidade em que relatou: “(...) que se recorda dos fatos; que começaram a discutir por fatos que ela não tinha gostado e que haviam acontecido; que ele queria filmá-la e ela não queria deixar; que, então, ela deu um chute no celular dele, momento em que ele a acertou com um soco no olho; que essa foi a única agressão; que a convivência, na época, era crítica; que, agora, eles moram juntos em Cascavel; que, na época, o casal discutia muito, mas não haviam agressões físicas; que já houve outros casos de agressão; que eles vivem em união estável, mas não há nada formalizado; que vivem juntos; que a discussão começou porque Djalma estava com uma mancha de batom na boca; que acredita que o soco foi dado propositadamente; que a discussão ocorreu em razão de um suposto relacionamento que Djalma teria com Ciclei; que atualmente a convivência entre eles é boa; que compartilham a vida e considera-o uma boa pessoa; que, após a discussão, ele a deixou lá e saiu (...)”. Em seguida, foram ouvidos os informantes, que relataram: Ciclei Mariano dos Reis - “ (...) que ficou sabendo dos fatos; que se lembra de estar de dieta, porque tinha acabado de ser mãe; que Djalma chegou na casa dela para ver a filha comum deles, momento em que lhe deu um beijo na testa; que ele foi embora depois, não tendo acontecido nada entre eles; que não sabe dizer como era o relacionamento de Djalma com Juraci; que Djalma nunca foi agressivo com a depoente”. Claudinei de Nazaré - “ (...) que é sobrinho de Juraci; que não presenciou as agressões; que os dois chegaram em sua casa no final da tarde daquele dia; que houve uma discussão leve naquele dia; que não sabe o motivo da discussão; que eles foram passear na casa do depoente; que eles não moram próximos, então não tem conhecimento de como é a vida do casal; que não tem conhecimento de outras agressões envolvendo o casal.” Por fim, realizou-se o interrogatório do acusado, tendo ele se manifestado nos seguintes termos: “(...) que trabalha como operador de base de petróleo; que sua renda é de R$3.000,00; que tem um filho que mora com ele; que paga pensão para o que não mora com ele; que não se recorda muito bem dos fatos; que começaram a discutir, mas achou que fosse uma brincadeira; que quis filmar o nervosismo da companheira; que teve seu celular chutado; que, ao avançar para tentar pegar o celular, que havia caído no chão, acredita ter esbarrado na vítima; que a vítima caiu e sofreu um ferimento no olho; que não teve intenção de agredi-la; que, após a situação, a vida seguiu normalmente, ficando bem um com o outro; que vivem bem atualmente; que a vítima era muito ciumenta; que tentava levar os ciúmes na brincadeira.” A partir dos depoimentos colhidos em juízo, temos de um lado a palavra da vítima, que firma que foi agredida pelo acusado com um soco em seu olho que a fez cair ao solo; e do outro, há a palavra do acusado que informou não se recordar muito bem dos fatos, mas acredita que no dia do ocorrido, quis filmar o nervosismo da companheira, oportunidade em que teve o seu celular chutado por ela e ao avançar para tentar pegar o aparelho, acabou derrubando-a com um esbarrão. Como sabido, nos crimes que envolvem violência doméstica familiar contra a mulher, a palavra da vítima assume especial relevo, especialmente quando é reforçada por prova pericial. Sobre o tema, colaciono o entendimento do TJMT: RECURSO DE APELAÇÃO CRIMINAL – VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E/OU FAMILIAR CONTRA A MULHER – AMEAÇA – SENTENÇA CONDENATÓRIA – IRRESIGNAÇÃO DEFENSIVA – 1. OBJETIVADA ABSOLVIÇÃO DO CRIME DE AMEAÇA POR INSUFICIÊNCIA PROBATÓRIA OU, SUBSIDIARIAMENTE, POR ATIPICIDADE DA CONDUTA – AUSÊNCIA DO DOLO ESPECÍFICO DE INCUTIR TEMOR À VÍTIMA– IMPOSSIBILIDADE – MATERIALIDADE E AUTORIA DELITIVAS DEVIDAMENTE COMPROVADAS – RELEVÂNCIA DA PALAVRA DA VÍTIMA NAS INFRAÇÕES PENAIS PRATICADAS EM CONTEXTO DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA CONTRA A MULHER – AMEAÇAS SÉRIAS E IDÔNEAS – DOLO CONFIGURADO –– PARTICULARIDADES DO CASO CONCRETO – APELO DESPROVIDO. Nas infrações penais praticadas contra a mulher em contexto de violência doméstica e/ou familiar, a palavra da vítima assume especial importância. Não há falar em dúvida sobre a existência do crime ou do dolo na conduta do agente, diante da comprovação firme e segura da materialidade e da autoria delitiva e da intenção de repercutir medo na vítima; e se o relato dos fatos pela ofendida é seguro, harmônico e coerente, além de não desabonado ou contraposto por qualquer outro elemento probatório, deve, sem dúvida, prevalecer, sendo apto a demonstrar a materialidade e a autoria da infração penal imputada ao increpado. O testemunho do policial ouvido sob o crivo do contraditório judicial é suficiente para corroborar os elementos de prova, constituindo prova segura e idônea da existência material do crime e de sua autoria. Portanto, descabida a pretensão absolutória. Recurso desprovido. (N.U 0001844-79.2019.8.11.0052, CÂMARAS ISOLADAS CRIMINAIS, GILBERTO GIRALDELLI, Terceira Câmara Criminal, Julgado em 26/10/2022, Publicado no DJE 03/11/2022) – grifei. Nesta senda, estando devidamente comprovada a prática do delito, seja pelo laudo pericial (id. 40195804 – pág. 08/10), seja pelo depoimento da vítima, a condenação do denunciado nas iras legais é medida impositiva. Na espécie, a conduta foi de uma agressão que causou lesões leves, praticada contra a companheira, com quem convivia, o que atrai o tipo penal do art. 129, §9º, do Código de Processo Penal. Por ser intrínseco ao crime, não há que se falar na agravante do art. 61, “f”, do Código Penal, para não incorrer em bis in idem. Por outro lado, deixo de aplicar a atenuante da confissão, prevista no art. 65, inciso III, alínea “d”, do Código Penal, haja vista que o acuado informou não se recordar muito bem dos fatos e ainda, alegou que acredita apenas ter esbarrado na companheira quando foi pegar o seu aparelho celular, o que poderia ter provocado a sua queda. Ausentes outras circunstâncias de majoração ou diminuição da pena, bem como concurso de crimes. Presente a imputabilidade do autor e exauriente a prova necessária à condenação. Da indenização mínima: Dispõe o art. 387, inciso IV, do CPP, que o Juiz, ao proferir sentença, fixará valor mínimo para reparação dos danos causados pela infração, considerando os prejuízos sofridos pelo ofendido. No caso, há pedido expresso formulado pelo Ministério Público quanto à fixação de indenização mínima à vítima por dano moral e material. No que tange os danos morais, entendo estarem verificados no caso em tela. Como muito bem esposado pelo Superior Tribunal de Justiça, o dano moral pode ser definido como aquele que decorre de lesões a atributos da pessoa, enquanto ente ético e social que participa da vida em sociedade, estabelecendo relações intersubjetivas em uma ou mais comunidades. Em outras palavras, são lesões à parte afetiva e social da personalidade. O dano aqui reclamado tem natureza in re ipsa, conforme acertado entendimento pacificado pelo STJ no REsp 1.643.051-MS. No que se refere ao quantum debeatur, o art. 944 do Código Civil pondera que o valor da indenização medir-se-á pela extensão do dano, devendo ser fixado de forma razoável, levando-se em consideração o método bifásico proposto pelo Superior Tribunal de Justiça. Assim, cotejam-se os valores praticados em decisões sobre casos análogos (primeira fase – isonomia formal), com as peculiaridades do caso concreto (segunda fase – isonomia material). Por todos esses motivos, entendo adequado a fixação do montante de R$5.000,00 (cinco mil reais) para indenização pelos danos morais, que deverá ser atualizado monetariamente pela Tabela da Corregedoria deste Tribunal, desde a publicação desta decisão (Súmula 362 do STJ) e acrescido de juros mensais de 1% ao mês, desde o evento danoso (Súmula 54 do STJ). Trata-se de montante típico das indenizações cíveis e, por mais que o dano aqui verificado seja muito maior do que àquelas julgadas naquela esfera, é preciso levar em conta a necessidade de que a sentença esteja compreendida dentro de parâmetros que poderão ser futuramente cumpridos e não inadimplidos. Quanto ao pedido de indenização por dano material formulado pelo Parquet, verifico que não há nos autos documentos que comprovam que a vítima sofreu qualquer prejuízo material, razão pela qual deixo de condenar o réu quando ao pedido em questão. Ante o exposto, JULGO PROCEDENTE o pedido formulado na denúncia para condenar o réu Djalma Correia de Melo, vulgo “Russo”, à pena do crime previsto no art.129, §9º do Código Penal, com as implicações da Lei nº 11.340/2006, bem como ao pagamento de Danos Morais em favor da vítima Juraci de Nazaré, no valor mínimo de R$5.000,00 (cinco mil reais), que deverá ser atualizado monetariamente pela Tabela da Corregedoria deste Tribunal, desde a publicação desta decisão (Súmula 362 do STJ) e acrescido de juros mensais de 1% ao mês, desde o evento danoso (Súmula 54 do STJ), a ser executado por ação civil ex delito. Passo a dosar a pena nos termos do art. 68 do Código Penal. No tocante à culpabilidade, tem-se que a conduta do réu é reprovável, mas normal ao que compreende a espécie, pois inserida no próprio tipo, não podendo ser considerada desfavorável. O réu não ostenta maus antecedentes, que representam a avaliação de seu passado delitivo, pelo que não há razão na exasperação da pena. A conduta social, relação da parte ré com seu meio ambiente social, não foi explorada nos autos, pelo que deixo de considerá-la como situação de aumento. Quanto à personalidade, reservo-me no direito de, atentando contra a jurisprudência, firmar minha posição pessoal de que o vetor é inconstitucional e, por isso, não pode representar qualquer o aumento de pena. Em primeiro plano, não desconheço a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, no sentido de que é prescindível a realização de perícia para que seja feita a análise da personalidade do réu, pelo que cito: AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL. PENAL. FURTO QUALIFICADO. AFIRMAÇÃO DA INSTÂNCIA ORDINÁRIA DE QUE O VALOR DOS BENS SUBTRAÍDOS ULTRAPASSA UM SALÁRIO-MÍNIMO. IMPOSSIBILIDADE DE SE REVER O ENTENDIMENTO. SÚMULA 7/STJ. NEGATIVAÇÃO DA PERSONALIDADE. EXISTÊNCIA DE CONDENAÇÕES TRANSITADAS EM JULGADO. FUNDAMENTO VÁLIDO, POR SI SÓ, PARA MACULAR A CIRCUNSTÂNCIA. DECISÃO MANTIDA POR SEUS PRÓPRIOS FUNDAMENTOS. 1. Tendo as instâncias ordinárias, soberanas na análise das circunstâncias fáticas da causa, concluído que o valor dos bens subtraídos é superior ao valor do salário-mínimo vigente à época dos fatos, não cabe a esta Corte Superior rever tal entendimento, a teor da Súmula 7/STJ. 2. A pretensão dos agravantes não é a revaloração das provas, mas, sim, a análise do seu conteúdo, sendo correta a aplicação da Súmula 7/STJ. 3. Na Sexta Turma prevalece o entendimento de que bastam condenações transitadas em julgado para que seja considerada desfavorável a circunstância da personalidade, inexistindo o dever de aferir a personalidade do réu por meio de perícia psicossocial. 4. Agravo regimental improvido. (STJ - AgRg no REsp: 1711891 DF 2017/0309126-3, Relator: Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, Data de Julgamento: 22/05/2018, T6 - SEXTA TURMA, Data de Publicação: DJe 06/06/2018) Contudo, penso que a posição, no afã de instrumentalizar uma circunstância prevista no Código Penal, desafia os conceitos da ciência médica envolvida em sua análise, representando verdadeira abertura genérica para um agravamento da pena pelo mero sentimento pessoal do magistrado quanto ao fato e ao seu autor. A magnus opus da Medicina Legal brasileira é livro “Medicina Legal”, de Genival Veloso de França. De princípio, destaca-se que, em momento algum, a obra elabora sobre o termo “personalidade”, provavelmente em razão do que ei de expor aqui. Ela traz, por outro lado, um tópico sobre o “temperamento”, que seria o aspecto dinâmico-humoral da personalidade. Ou seja, implicitamente, ela reconhece que a personalidade é um conjunto de fatores dinâmicos e estáticos, que formam a unicidade de um determinado indivíduo. Diz ele: “[o temperamento] É também diferente da personalidade, a qual representa o conjunto psicológico da individualidade humana”. [FRANÇA, Genival Veloso de. Medicina Legal – 9ª Edição. Rio de Janeiro, Editora Guanabara Koogan: 2011, p. 485]. Esse resumo já demonstra o quão complexa é a questão de distinguir a personalidade de alguém, sendo muito pouco provável que o juiz consiga fazê-lo de forma apurada. Ademais, enquanto conjunto, ela representa a soma de fatores que não podem ser analisados em abstrato e, portanto, não constituem um vetor possível para penalização. Um exemplo é a “determinação”. A princípio, o sujeito obstinado é de grande valor. É a determinação que faz, por exemplo, que alguém consiga ser aprovado em um concurso público ou vencer uma prova atlética de primeiro escalão. Contudo, a determinação pode ser utilizada também negativamente, exempli gratia: “ele comandava o negócio de venda de entorpecentes com muita determinação”. Daí que, na verdade, os vetores da individualidade são neutros e podem se comportar de uma forma ou de outra a depender da circunstância que se apresente ao indivíduo. Isso não quer dizer, contudo, que sua personalidade é deturpada e sim que um traço dela foi utilizado de forma determinante para alguma empreitada criminosa. Apenas para trazer mais um exemplo a colorir a explanação, vamos tratar dos extrovertidos. Um apresentador de televisão ganha muito sendo uma pessoa expansiva, cativante; o mesmo acontece com o estelionatário. Contudo, nenhum deles deixa de ser extrovertido quando não estão apresentando o programa televisivo; ou quando não estão praticando golpes. Voltando à seara médica, o Tratado de Psiquiatria da Associação Brasileira de Psiquiatria explica que o diagnostico psiquiátrico é baseado em categorias definidas somente em critérios sindrômicos. Traduzindo ao jurista, é como se o diagnóstico fosse feito por silogismo. A grosso modo e APENAS a título de exemplo: Premissa maior: Os sintomas do autismo são a timidez, fotossensibilidade e a introspeção; Premissa menor: Pedro é tímido, fotossensível e introspectivo; Conclusão: Pedro é autista. O diagnóstico sindrômico é um agrupamento amplo de prováveis agentes patogênicos, envolvidos em um sintoma, em um único teste rápido que maximiza a chance de obter a resposta correta em um período clinicamente relevante. Atualmente a seara médica não formula mais acerca de “transtornos da personalidade” e sim “transtornos psiquiátricos”. Isso porque, como dito, a personalidade é um conjunto de vetores axiologicamente neutros em abstrato, que somente encontram aplicabilidade em um determinado caso concreto. Os transtornos da personalidade seriam espécie do gênero transtornos psiquiátricos e seriam diagnosticados da seguinte forma: a) por meio de “um padrão persistente de experiência interna e comportamento que se desvia acentuadamente das expectativas da cultura do indivíduo”, que se manifesta em uma das seguintes áreas: cognição; afetividade; funcionamento interpessoal; controle de impulsos; b) esse padrão é inflexível e abrange uma ampla faixa de situações pessoais e sociais; c) o padrão gera sofrimento clinicamente significativo e prejuízo ao funcionamento social do indivíduo; d) o padrão é estável e de longa duração; e) este padrão não é explicável como manifestação de outro transtorno; f) o padrão não decorre dos efeitos fisiológicos de uma substância. (in Tratado de Psiquiatria, NARDI, Antonio Egídio. SILVA, Antônio Geraldo. QUEVEDO, João. Porto Alegre: Artmed, 2022, p. 665) De fato, há muito mais por trás de cada um desses requisitos e o que apresento aqui é um resumo de uma obra técnica extremamente complexa. Assim, não é apenas dizer “Fulano sempre esteve envolvido com atividades criminosas e assim buscou ganhar a vida”. Não, a questão do diagnóstico é substancialmente mais profunda do que essa, sendo que relego meus argumentos ao livro mencionado. Concessa máxima vênia, não penso que um magistrado sem formação específica na área tenha a capacidade de elucubrar sobre todos esses vetores – além daqueles que apresentarei abaixo sobre o risco da violência – para concluir que uma ou outra pessoa apresenta efetivo transtorno de personalidade. Ademais, ter-se-ia que verificar se esse sujeito foi alguma vez diagnosticado e para ele foi indicado algum tratamento que refutou. Sem isso, a punição deixa de obedecer a critérios subjetivos e descamba no objetivismo completo, também numa lógica de aplicação silogista que não reflete o espírito da legislação. E, bem que se lembre, eu mesmo sou bastante positivista e estou aqui tecendo tais críticas por entender ser uma interpretação cientificamente descabida. Daí que é um erro dizer que alguém “tem” uma personalidade de algum valor, porque a personalidade é formada também pelos elementos dinâmicos. A indiferença para com o corpo aberto que o médico cirurgião tem é a mesma do sujeito que dá a 10ª facada em sua vítima. Contudo, a aplicação dessa postura é que importa ao comportamento social. O mesmo tratado de psiquiatria citado comenta sobre a confiabilidade e validade do diagnóstico psiquiátrico e aponta que, mesmo clinicamente, há, na maioria dos casos, bastante dificuldade em se afirmar uma determinada condição. Mesmo nos casos especificamente forenses, Nardi, Silva, Quevedo e outros explicam que pelo menos seis fatores são fundamentais para a análise do risco de violência: quanto às fases do ciclo vital; quanto à morfologia do crime; quanto à vida prisional; quanto às intercorrências psiquiátricas; quanto ao exame psíquico atual e quanto ao meio social/familiar. Em geral, o vetor personalidade é analisado pelos juízes – e assim é atualmente lido pelo Superior Tribunal de Justiça – apenas quanto à morfologia do crime e quanto ao meio social. Portanto, somente um critério e metade de outro são considerados para que haja um “diagnóstico” acerca de um vetor que, analisado literalmente, não poderia ser sequer valorado. Devemos lembrar que o Direito Penal não permite a analogia in malam partem e que a individualização da pena deve ser pautada por critérios objetivos, não sendo cabível ali comportar o grau de subjetivismo que o magistrado – inclusive eu – roga para si. Não se pode, buscando uma coisa, alterar a natureza de outra. Outrossim também não possível haver uma pena perpétua. Contudo, sendo a personalidade formada por fatores inatos, ela fará com que o indivíduo sempre revele – em maior ou menor escala – aqueles traços psíquicos. Além disso, muitos desses traços não são escolhidos pelo agente, sendo simplesmente revelados biologicamente, pelo que seria de todo inapropriado “culpabilizá-lo” por tais motivos. A obra citada revela, ainda: “Na sociedade, os psicopatas representam grupos com maiores taxas de crimes violentos, bem como reincidem mais rapidamente quando comparados ao grupo sem diagnóstico”. (in Tratado de Psiquiatria, NARDI, Antonio Egídio. SILVA, Antônio Geraldo. QUEVEDO, João. Porto Alegre: Artmed, 2022.) Sem dúvida foi aqui que o vetor mirou, passando longe de acertar. Vejamos: Psicopata é a designação atribuída a um indivíduo com um padrão comportamental e/ou traço de personalidade, caracterizada em parte por um comportamento antissocial, diminuição da capacidade de empatia/remorso e baixo controle comportamental ou, por outro, pela presença de uma atitude de dominância desmedida (DE ALMEIDA, Rosa M M; CABRAL, J C; NARVAES, R. «Behavioural, hormonal and neurobiological mechanisms of aggressive behaviour in human and nonhuman primates». Physiology & Behavior. doi:10.1016/j.physbeh.2015.02.053) A psicopatia é um conceito controverso, e diferentes grupos e associações têm proposto critérios diferenciados de diagnóstico. Seus aspectos mais característicos foram identificados primeiramente em prisioneiros e pacientes de manicômios judiciários, mas mais tarde se ampliou o escopo da avaliação para todos os tipos de população, uma vez que alguns traços de psicopatia podem ser encontrados em qualquer indivíduo. (Hauck Filho, Nelson; Teixeira, Marco Antônio Pereira; Dias, Ana Cristina Garcia. "Psicopatia: o construto e sua avaliação". In: Avaliação Psicológica, 2009). São critérios diagnósticos pelo DSM-IV-TR para transtorno de personalidade antissocial (F60.2/301.7): A. Um padrão pervasivo de desrespeito e violação aos direitos dos outros, que ocorre desde os 15 anos, como indicado por pelo menos três dos seguintes critérios: 1. Fracasso em conformar-se às normas sociais com relação a comportamentos legais, indicado pela execução repetida de atos que constituem motivo de detenção; 2. Impulsividade ou fracasso em fazer planos para o futuro; 3. Irritabilidade e agressividade, indicadas por repetidas lutas corporais ou agressões físicas; porém, paradoxalmente, têm fama e geralmente agem de forma bem-comportada. 4. Desrespeito irresponsável pela segurança própria ou alheia; 5. Irresponsabilidade consistente, indicada por um repetido fracasso em manter um comportamento laboral consistente ou honrar obrigações financeiras; 6. Ausência de remorso, indicada por indiferença ou racionalização por ter ferido, maltratado ou roubado outra pessoa. 7. Comportamento sexual exacerbado e inadequado, via de regra com vários parceiros, sem nenhuma ligação afetiva; 8. Agressividade contra animais domésticos; 9. Desrespeito e desprezo por ambientes familiares; B. O indivíduo tem no mínimo 18 anos de idade. C. Existem evidências de Transtorno de Conduta com início antes dos 15 anos de idade. D. A ocorrência do comportamento antissocial não se dá exclusivamente durante o curso de Esquizofrenia ou Episódio Maníaco. (American Psychiatric Association (APA). Psychiatric Diagnosis and the Diagnostic Statistical Manual of Mental Disorders (Fourth Edition – DSM-IV). Fact Sheet. 1997;1-4.) Na Classificação Internacional de Doenças, este transtorno é denominado por Transtorno de Personalidade Dissocial (Código: F60.2). Na população em geral, as taxas dos transtornos de personalidade podem variar de 0,5% a 3%, subindo para 45-66% entre presidiários. (Marcos Hirata Soares. Estudos sobre transtornos de personalidade Antissocial e Borderline. Acta Paul Enferm 2010;23(6):852-8) Tal qual o reconhecimento facial por fotografia ou com pessoas de cor de pele distintas no mesmo paredão, a personalidade é mais uma “máquina de fazer culpados” que deve ser abolida do processo penal brasileiro. Provém de uma estigmatização que vem dos tempos mais comezinhos da ciência psiquiátrica e que resultou em situações absurdas como a existência do “Hospital Colônia de Barbacena”, sobre o qual relata o livro “O Holocausto Brasileiro”, da escritora juiz-forana (como eu) Daniela Arbex. Por todo o exposto, tenho por adequada a declaração não receptividade parcial do art. 59 do Código Penal, para suprimir o vetor personalidade enquanto circunstância judicial, em razão de violação aos incisos XXXIX, XLVI, XLVII, alínea “b” e LIV e LVII, do art. 5º da Constituição Federal. Quanto à circunstância do crime, motivos e consequências, tenho que não há nada nos autos que permita qualquer negativação. Por fim, quanto ao comportamento da vítima, tenho que esse vetor em nada contribuiu para a prática do delito. Nesse aspecto, adotando o critério de dimensionar cada circunstância positiva e negativa tomando em conta o intervalo entre as penas máxima e mínima, fixo em 03 meses de detenção a pena-base. Na segunda fase, uma vez não verificadas causas agravantes e atenuantes, mantenho a pena no patamar anterior. No mais, diante da inexistência de causas de aumento ou diminuição, torno definitiva a pena fixada, isto é, em 03 meses de detenção. Ante a natureza da pena (restritiva de liberdade com menor grau de segregação) e o quantum da sanção, fixo, desde início, regime aberto para cumprimento de pena, nos termos do artigo 33, § 2º, "c", do Código Penal. Consigno que não há eventual detração na hipótese, uma vez que inexiste registro de que tenha o réu sido acautelado no início ou durante o trâmite processual. A natureza do delito impede a substituição da pena privativa de liberdade pela restritiva de direitos (art. 44, I, do Código de Processo Penal). Possível a concessão da suspensão condicional da pena, eis que o condenado não é reincidente e as circunstâncias judiciais autorizam o benefício. Assim, suspendo a condenação pelo prazo de 2 (dois) anos, durante o qual haverá a necessidade de se cumprir as seguintes obrigações, nos termos do art. 79 do Código Penal: a) comparecimento, no mínimo quinzenal, ao CREAS, para acompanhamento psicológico, devendo comprovar a frequência às consultas com a profissional nos autos da execução da medida alternativa; b) necessidade de quitação total do valor da condenação dos danos morais dentro do período destes dois anos, podendo haver pagamentos fracionados, mas desde que saldado o débito dentro deste prazo de 24 (vinte e quatro) meses, de tudo havendo comprovação nos autos. V – Disposições Finais: Proceda-se a intimação da sentença na forma do art. 392 do CPP, bem como cientifique-se o Ministério Público. Condeno o réu ao pagamento das custas e despesas processuais, na forma do art. 804 do CPP. Suspendo a exigibilidade da condenação, com fulcro no art. 98, §3º, Código de Processo Civil. Tendo havido a participação de procurador dativo, nos termos do item 1.12.4 do Provimento nº 09/2007-CGJ e tomando em conta a natureza da causa ou do ato processual fixo os honorários no valor de 3 URH, determinando a expedição de certidão, conforme do item 1.12.4.3 do Provimento nº 09/2007-Corregedoria-Geral de Justiça. Expeça-se a certidão de honorários, nos termos do que estabelece o Provimento CGJ, nº 39, de 16 de dezembro de 2020 - Código de Normas Gerais da Corregedoria-Geral da Justiça – CNGC. Comunique-se a ofendida, conforme art. 201, §2º, CPP. Transitado em julgado: a) oficie-se o TRE/MT, para fins do art. 15, IV, da CF; b) oficie-se o Instituto de Identificação e Estatística; c) expeça-se Guia de Execução Definitiva; d) lance o nome do réu no livro do rol dos culpados; e) intime-se o Ministério Público para acompanhar o cumprimento dos requisitos de suspensão da pena; f) baixem-se e arquivem-se definitivamente os autos, devendo as comprovações acerca da suspensão condicional da pena ocorrer em autos apartados, no sistema PJe, por não tratar-se de execução de pena. Publique-se. Registre-se. Intimem-se. Aripuanã, data do sistema. Raiane Santos Arteman Juíza Substituta E, para que chegue ao conhecimento de todos e que ninguém, no futuro, possa alegar ignorância, expediu-se o presente Edital que será afixado no lugar de costume e publicado na forma da Lei. Eu, ANALICE KOHLER DE ALMEIDA TEIXEIRA, digitei. ARIPUANÃ, 21 de maio de 2025. (Assinado Digitalmente) Gestor(a) Judiciário(a) Autorizado(a) pelo Provimento nº 56/2007-CGJ OBSERVAÇÕES: O processo está integralmente disponibilizado pelo Sistema PJe - Processo Judicial Eletrônico, no endereço https://pjeinstitucional.tjmt.jus.br, nos TERMOS DO ARTIGO 9.º DA LEI 11.419/2006. INSTRUÇÕES DE ACESSO: Para acessar as peças e atos judiciais vinculados a este documento, acesse o endereço: > https://m.tjmt.jus.br/home, pelo seu navegador de internet. No celular: com o aplicativo aberto, acesse o serviço “Leia aqui seu código” e dê permissão para o aplicativo acessar a câmera do seu celular.Com a câmera habilitada, aponte para o QRCODE. No computador: com o portal aberto, acesse o serviço “Leia aqui seu código”, clique na lupa localizada na parte superior direita e digite o “Código” localizado abaixo do QRCODE. Caso V. S.ª não consiga consultar os documentos via internet, deverá comparecer à Unidade Judiciária (endereço acima indicado) para ter acesso, bem como proceder o seu cadastramento ao sistema. ADVOGADO: 1) O advogado deverá proceder à habilitação em cada processo que pretenda atuar, exclusivamente através da funcionalidade “Solicitar Habilitação”, sob pena de não conhecimento dos atos praticados. (Art. 21 da Resolução nº 03/2018-TP). 2) Quando da resposta a este expediente, deve ser selecionada o ícone de resposta a que ela se refere, localizada na aba “Expedientes” no “Painel do Representante Processual”, sob pena de o sistema não vincular a petição de resposta à intimação, com o consequente lançamento de decurso de prazo. Para maiores informações, favor consultar o Manual do PJe para Advogados em https://pjeinstitucional.tjmt.jus.br/#!suporte.
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