Carlos Alberto Macedo De Oliveira e outros x Seara Alimentos Ltda
ID: 317434149
Tribunal: TRT24
Órgão: 1ª Vara do Trabalho de Dourados
Classe: AçãO TRABALHISTA - RITO ORDINáRIO
Nº Processo: 0026298-35.2024.5.24.0021
Data de Disponibilização:
07/07/2025
Polo Passivo:
Advogados:
MAYRA RIBEIRO GOMES
OAB/MS XXXXXX
Desbloquear
CLERISTON YOSHIZAKI
OAB/MS XXXXXX
Desbloquear
RICARDO FERREIRA DA SILVA
OAB/SP XXXXXX
Desbloquear
PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA DO TRABALHO TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 24ª REGIÃO 1ª VARA DO TRABALHO DE DOURADOS ATOrd 0026298-35.2024.5.24.0021 AUTOR: SILVANEA SALES DE SOUZA RÉU: SEARA ALIMEN…
PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA DO TRABALHO TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 24ª REGIÃO 1ª VARA DO TRABALHO DE DOURADOS ATOrd 0026298-35.2024.5.24.0021 AUTOR: SILVANEA SALES DE SOUZA RÉU: SEARA ALIMENTOS LTDA INTIMAÇÃO Fica V. Sa. intimado para tomar ciência da Sentença ID 27e713b proferida nos autos, cujo dispositivo consta a seguir: Autos n. 26298-35/2024_1VT_Ddos Unidade Jurisdicional 1ª Vara do Trabalho de Dourados Juiz do Trabalho Carlos Roberto Cunha Natureza da lide Reclamação Trabalhista Reclamante SILVANEA SALES DE SOUZA Reclamada SEARA ALIMENTOS Data do julgamento 04 de julho de 2025 SENTENÇA 1. Relatório: Esta ação trabalhista, entre as partes acima identificadas, veicula pedidos de haveres salariais e indenizatórios, consoante detalhada denúncia lançada na petição inicial, acompanhada de documentos. Em resposta, a empresa reclamada ofereceu negativa aos pedidos e juntou documentos. A contestação e os documentos passaram pelo crivo do contraditório, impugnados pela reclamante, em reforço aos pontos favoráveis à sua pretensão. A instrução processual foi encerrada após depoimento pessoal da reclamante, oitiva de testemunhas, juntada de documentação suplementar por determinação do juiz da causa e produção de prova médico-pericial, exauridas as tentativas de solução consensual do litígio. A seguir, foi aberta a fase decisória, que ora se materializa; é o relatório. 2. Fundamentação: 2.1. Prescrição quinquenal incidente. Controvérsia a respeito da aplicabilidade da Lei n. 14.010/2020 às relações de trabalho: as partes controverteram a respeito da data incidente da prescrição quinquenal, ante o dissenso estabelecido quanto a aplicabilidade ou não da Lei n. 14.010/2020 às relações jurídico-processuais trabalhistas (cf. petição inicial x defesa x impugnação à contestação e aos documentos). Como uma das medidas tomadas no período da pandemia do coronavírus (Covid-19), a lei n. 14.010/2020 instituiu regime jurídico emergencial e transitório das relações de direito privado, aí compreendidas as relações trabalhistas – e, dentre as suas disposições, está a suspensão dos prazos dos prazos prescricionais, da data de publicação da lei (12.06.2020) até 30.10.2020, o que soma 140 (cento e quarenta) dias (cf. art. 3º c/c art. 21, ambos da Lei n. 14.010/2020). Sob o prisma jurídico, a aplicabilidade do referido regime emergencial e transitório às relações trabalhistas foi confirmada pela jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho, conforme espelham os seguintes precedentes: "RECURSO DE REVISTA. VIGÊNCIA DAS LEIS Nº 13.015/2014 E 13.467/2017. PRESCRIÇÃO QUINQUENAL. SUSPENSÃO. PANDEMIA COVID-19. LEI Nº 14.010/2020. APLICABILIDADE DO ART. 3º À JUSTIÇA DO TRABALHO. TRANSCENDÊNCIA NÃO RECONHECIDA. Discute-se, no caso, a configuração da suspensão da prescrição quinquenal, tendo em vista a edição da Lei nº 14.010/2020, que suspendeu os prazos prescricionais de 12/06/2020 até 30/10/2020, em face da pandemia de Covid-19. No caso em análise, o Tribunal Regional manteve a decisão de primeiro grau que declarou haver a suspensão da prescrição quinquenal no período de vigência da referida lei, porquanto a ação em apreço ajuizada em 21/06/2021, definiu-se, considerando os 140 (cento e quarenta) dias de suspensão da prescrição, como marco temporal da prescrição incidente no presente caso a data de 01/02/2016, em observância do artigo 3º da Lei nº 14.010/2020. Considerando que essa lei se aplica às relações jurídicas de direito privado, nelas inseridas as relações de trabalho, não se vislumbra ofensa ao dispositivo constitucional apontado. Recurso de revista não conhecido " (TST - RR-0020473-07.2021.5.04.0334, 3ª Turma, Relator Ministro Alberto Bastos Balazeiro, DEJT 18/12/2023). "AGRAVO INTERNO EM AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA. INTERPOSIÇÃO NA VIGÊNCIA DA LEI N.º 13.467/2017. SUSPENSÃO DOS PRAZOS PRESCRICIONAIS PREVISTOS NA LEI 14.010/2020. PANDEMIA COVID-19. Diante da função constitucional uniformizadora desta Corte, há de se reconhecer a transcendência política, nos termos do art. 896-A, § 1.º, II, da CLT. Acolhe-se o Agravo Interno da reclamante para reexaminar o Agravo de Instrumento, no tema. Agravo conhecido e provido, no aspecto. AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA. SUSPENSÃO DOS PRAZOS PRESCRICIONAIS PREVISTOS NA LEI 14.010/2020. PANDEMIA COVID-19. Demonstrada a possível violação do art. 3.º da Lei n.º 14.010/2020, dá-se provimento ao Agravo de Instrumento, determinando-se o regular seguimento do Recurso de Revista. Agravo de Instrumento conhecido e provido. RECURSO DE REVISTA. SUSPENSÃO DOS PRAZOS PRESCRICIONAIS PREVISTOS NA LEI 14.010/2020. PANDEMIA COVID-19. O artigo 3.º da Lei n.º 14.010/2020 estabeleceu a suspensão dos prazos prescricionais entre 12/6/2020 e 30/10/2020, em regime emergencial e transitório, ante as restrições afetas à locomoção e contato social, em virtude da pandemia do coronavirus (Covid-19). Não se pode inferir do referido dispositivo legal que não há contagem de prazos apenas para os processos em curso ou para as ações que deveriam ser ajuizadas no período compreendido entre 12/6/2020 e 30/10/2020, conforme o entendimento firmado pelo Regional. As disposições são genéricas acerca da suspensão dos "prazos prescricionais"; não há restrições ou exigências quanto a sua aplicabilidade, devendo, por esse motivo, ser considerada para a fixação do marco prescricional bienal, quinquenal e, inclusive, da intercorrente. Precedentes. Recurso de Revista conhecido e provido" (TST - RR-10011-11.2022.5.15.0023, 1ª Turma, Relator Ministro Luiz Jose Dezena da Silva, DEJT 19/04/2024). Dessarte, estão mortificados e sepultos pela inevitável passagem do tempo os pretendidos direitos anteriores a 11 de fevereiro de 2019, à esteira do art. 7º, inciso XXIX, da Constituição Federal c/c art. 11, da CLT c/c art. 3º, da Lei n. 14.010/2020. 2.2. Identidade de pedido em ação coletiva (intervalo do art. 253, da CLT). Opção pelo prosseguimento em ação autônoma de cumprimento de sentença. Prejudicialidade do pedido reformulado nesta ação individual: a reclamante é potencial beneficiária de sentença proferida em ação coletiva proposta pelo Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias de Alimentação e afins de Dourados e região (ACC 0025410-49.2013.5.24.0022_2VT_Ddos) e ajuizou cumprimento de sentença em busca da efetividade do direito ao intervalo do art. 253, da CLT, com manifesta opção pelo trâmite da pretensão nos autos (autos n. 0025356-03.2024.5.24.0021_Cumpr Sentença_1VT_Ddos). Logo, a opção preferencial para a busca da efetividade do direito ao intervalo do art. 253, da CLT, em processo ajuizado, cumprimento individual da sentença proferida na ação coletiva, atua como prejudicial para o mesmo pedido formulado nesta ação trabalhista (cf. defesa x última manifestação da reclamante em momento anterior a esta sentença). 2.3. Diferenças de horas extras. Compensação de horas. Invalidade: à toda evidência, o regime de compensação de horas incontroversamente adotado pela empresa reclamada é inválido, o que tornam devidas diferenças de horas extras à reclamante, em face da quitação parcial e seletiva ora constatada. Com efeito, houve a adoção de semana inglesa, assim compreendida a distribuição da jornada semanal de trabalho (44 horas) de segundas às sextas-feiras, pela abolição do trabalho aos sábados (cf. avaliação dos controles de ponto do período imprescrito, juntados às fls 347 e seguintes, dos autos em pdf). Nessa sistemática de compensação de horas que decorre da denominada semana inglesa, a reclamante deveria cumprir jornada de trabalho de 08h48 diárias, de segundas às sextas-feiras, totalizando 44 horas semanais, mas para além desse excesso já previsto, havia também a frequência na prestação de horas extras, o que invalida o ajuste. Desse modo, embora os recibos salariais indiquem a quitação de horas extras, essa é apenas uma fração do valor devido, apurado segundo uma compensação irregular que a empresa reclamada adotava (cf. recibos salariais x defesa). A propósito disso, a prorrogação habitual da jornada de trabalho, não raro em todos os dias da semana – a exemplo da semana de 04.10.2021 a 09.10.2021 – implicava em desrespeito, por extrapolação, da carga hora semanal de 44 (quarenta e quatro) horas, o que acarreta a invalidade do regime de compensação de horas, na forma do art. 59-B, da CLT. De acordo com a técnica legislativa, a interpretação do art. 59-B, caput, da CLT, se faz de forma conjugada com o parágrafo único, valendo transcrevê-los: Art. 59-B. O não atendimento das exigências legais para compensação de jornada, inclusive quando estabelecida mediante acordo tácito, não implica a repetição do pagamento das horas excedentes à jornada normal diária se não ultrapassada a duração máxima semanal, sendo devido apenas o respectivo adicional. Parágrafo único – A prestação de horas extras habituais não descaracteriza o acordo de compensação de jornada e o banco de horas. Logo, considerando que o parágrafo único é o complemento aditivo de sentido do caput do art. 59-B, a prestação de horas extras habituais não descaracteriza o regime de compensação de jornada, desde que “não ultrapassada a duração máxima semanal” de 44 (quarenta e quatro) horas (destaque, entre aspas, das palavras do legislador, com a conjugação entre o parágrafo único e o caput do dispositivo legal). Assim, considerando se tratar de hipótese de compensação irregular de horas, ante a prestação habitual de extraordinárias com extrapolação da duração máxima de 44 horas semanais, o caso é de invalidade do regime de compensação incontroversamente adotado, com o reconhecimento das diferenças correspondentes. Em consequência, a reclamante faz jus ao recebimento das diferenças de horas, assim consideradas aquelas que avançaram as oito horas diárias – ou jornada contratual mais benéfica – e 44 (quarenta e quatro) horas semanais, observado o critério mais vantajoso à reclamante, conforme resultar de recontagem e recálculo a partir dos controles de ponto, com acréscimo dos adicionais previstos nos acordos coletivos, adotando-se o divisor 220, adicional noturno (quando for o caso), hora noturna reduzida (quando for o caso) e, ante a habitualidade, repercussão em repousos remunerados e destes (he´s+rsr) em férias com adicional de 1/3, décimos terceiros salários e incidência nos depósitos mensais de FGTS (estes a serem alocados na conta bancária própria, tendo em vista que o contrato de trabalho segue vigente). Para os períodos em que for constatada falta de controles de ponto será considerado o horário de trabalho informado na petição inicial ou, então, a média mais favorável à reclamante; em caso de falta de recibos de salário, dentre os colacionados nos autos, as horas extras serão apuradas com base na maior remuneração. Serão excluídos os dias faltosos e os afastamentos para fins de licenças médicas, de acordo com os impressos de ponto que se firmaram válidos; em caso de omissão na marcação dos horários de trabalho, no início ou ao término da jornada de trabalho, será considerado o horário de trabalho indicado na petição inicial ou a média mais vantajosa à reclamante. Serão compensadas as horas extras pagas no curso da relação de emprego, de acordo com os recibos salariais (Orientação jurisprudencial 415, da SDI1/TST). 2.4. Pausas psicofisiológicas. Concessão irregular. Pagamento como extraordinárias: a reclamante trabalhou no setor de abate da linha produtiva industrial do frigorífico de suínos, incumbida dos serviços de evisceração das peças de carne suína que chegam ao ritmo da esteira mecânica, além de inspeção e carimbagem das carcaças suínas inspecionadas que se movimentam pela nória transportadora, entre outras atribuições (cf. petição inicial c/c ficha de registro de empregado c/c depoimentos colhidos e transcritos na ata de audiência c/c laudo pericial). Os serviços desempenhados compreendem-se no espectro delimitado pela Norma Regulamentadora do Ministério do Trabalho de “atividades exercidas diretamente no processo produtivo, ou seja, desde a recepção até a expedição, onde são exigidas repetitividade e/ou sobrecarga muscular estática ou dinâmica do pescoço, ombros, dorso e membros superiores e inferiores” (Norma Regulamentadora n. 36, publicada pela Portaria MTE n. 555/2013) e que asseguram aos trabalhadores as correspondentes pausas psicofisiológicas, distribuídas de acordo com o seguinte quadro: QUADRO 1 [do item 36.13.2, da NR-36] JORNADA DE TRABALHO Tempo de tolerância para aplicação da pausa TEMPO DE PAUSA até 6h até 6h20 20 MINUTOS até 7h20 até 7h40 45 MINUTOS até 8h48 até 9h10 60 MINUTOS A irregularidade na concessão de pausas foi corroborada pela reclamante, em seu depoimento pessoal, ao afirmar que havia uma previsão de usufruto de duas a três pausas por dia de labor, de 15 (quinze) minutos cada, mas nem sempre era possível, pois estava condicionada à produtividade do setor; se exigida a continuidade dos serviços, a fruição dos descansos era comprometida, conforme afirmou a reclamante: “havia oportunidades de previsão de pausas que o setor de abate continuava rodando; às vezes no setor de abate não era possível concluir (fazer) todas as pausas” (cf. ata de audiência, às fls 756, dos autos em pdf). A prova testemunhal flui no mesmo sentido. Segundo a testemunha Vitor Nunes Moreira, “não havia pausas, e sim uma parada para ir ao banheiro, uns dez minutos; tinham duas paradas de 10 (dez) minutos”. Por sua vez, a testemunha Rosa Pereira Felix ressaltou que, no período em que a reclamante estava prestando serviços, “havia pausas “mas não corretamente”, “voltava antes do tempo”, com redução de três minutos em cada pausa” (trechos extraídos dos depoimentos das testemunhas, às fls 757/758, dos autos em pdf). Embora não haja precisão exata na delimitação quantitativa do tempo, a prova testemunhal é convergente quanto a irregularidade dos descansos. Havia uma previsão de descanso total de 45 (quarenta e cinco) minutos, inferior aos 60 (sessenta) minutos devidos na jornada inglesa ou nos casos em que labor extraordinário avançava as 07h40 diárias, e nem mesmo esse tempo inferior era observado, condicionados os descansos que estavam às oscilações da produtividade: se a necessidade de produção assim o exigisse, os trabalhadores deveriam retornar antes de ultimado o tempo previsto de descanso para as suas funções. O caso, então, é de supressão do tempo devido de descanso, seja pela própria previsão deficitária, seja pela efetiva fruição irregular, retorno antes do fim do descanso, o que foi objeto de prova testemunhal harmônica e constitui fator determinante para o reconhecimento do direito. A concessão irregular de pausas, em duração inferior ao que prevê a norma regulamentar, é insuscetível de atuar como critério de compensação em fase de liquidação de sentença, pois em se tratando de norma de saúde, medicina e segurança do trabalho, que por critérios científicos estabelece os parâmetros quantitativos dos descansos, não há espaço para derrogação por ato unilateral do empregador ou mesmo por vontade das partes (avaliação do depoimento pessoal e prova testemunhal à luz da finalidade das pausas estabelecidas pela NR-36). Desse modo, se as pausas psicofisiológicas são computadas como trabalho efetivo (item 36.13.4, da NR-36) e não foram concedidas, a reclamante há de recebê-las, como horas extraordinárias, em idêntico tratamento conferido aos casos de sobrejornada, conforme delegação normativa feita pelo art. 200, da CLT. Dessarte, a reclamante faz jus às pausas psicofisiológicas suprimidas, em quantificação diária a ser apurada de acordo com a gradação estabelecida na norma regulamentar, tabela acima, observada a jornada de trabalho, dia a dia, conforme revelam os controles de ponto. As horas extras decorrentes da supressão das pausas psicofisiológicas serão apuradas a partir da remuneração, com a integração do adicional noturno (quando for o caso), contagem da hora noturna reduzida (quando for o caso), adicional de 50%, divisor 220 e, dada a habitualidade, repercutem em repousos remunerados e destes (he´s + rsr) em férias com adicional de 1/3, décimo terceiro salário e incidência nos depósitos mensais do FGTS (estes a serem alocados na conta bancária própria, haja vista que o contrato de trabalho segue vigente). 2.5. Contrato vigente. Parcelas de trato sucessivo reconhecidas. Direito às parcelas vencidas e vincendas: o contrato segue seu curso vigente, o que torna devidas à reclamante, além das parcelas vencidas, as parcelas vincendas, também (cf. nota informativa constante em ata de audiência, às fls 755, dos autos em pdf). As horas extras pela supressão de pausas, assim como horas extras típicas, são devidas pelos dias de efetivo labor, conforme se apurar pelos controles de ponto, e compreendem parcelas vencidas e vincendas, em caso de retorno ao trabalho, considerando que a relação de emprego se mantém vigente, embora suspensa. Motivo: as prestações periódicas consideram-se incluídas no pedido, independentemente de manifestação do autor e se o contrato de trabalho está em vigor, a lesão persistente há de ser corrigida, em sua plenitude (art. 323, do CPC c/c art. 892, da CLT). O reconhecimento do direito às parcelas vincendas, passíveis de vencerem mês a mês e se tornarem vencidas ao longo do trâmite do processo, encerra providência jurisdicional autorizada pelos dispositivos legais supra, e resulta em maior efetividade da tutela dos direitos trabalhistas; foge à razoabilidade admitir que a reclamante tenha que se socorrer periodicamente à Justiça do Trabalho, ajuizando repetida ação trabalhista, para reclamar parcelas que estão se tornando vencidas, decorrentes da idêntica situação jurídica que desencadeou a primeira ação (aplicação do princípio da razoabilidade e da efetividade da jurisdição). Além de apoio em lei, a jurisprudência também é assente quanto ao tema, autorização jurisdicional para a inclusão de parcelas vencidas e vincendas no título judicial, estando o contrato de trabalho em curso ou se trate de pensão mensal devida pelo empregador (cf. TST-E-ED-ED-AIRReRR-305900-33.2009.5.09.0022, Relator Ministro José Roberto Freire Pimenta, Subseção I Especializada em Dissídios Individuais, DEJT 17/2/2017). Destarte, a reclamante faz jus ao recebimento das parcelas vencidas e das vincendas, enquanto perdurar a vigência do contrato de trabalho, conforme se apurar em fase de liquidação de sentença, notadamente no caso de retorno ao serviço (encerramento do estágio de suspensão contratual). O deferimento de parcelas vincendas e vencidas no curso da ação trabalhista abre a possibilidade de juntada dos documentos necessários para a sua quantificação monetária, em fase de liquidação de sentença, o que será oportunizado mediante concessão de prazo preclusivo à empresa reclamada, futuramente, sendo desnecessária prévia fixação nesse momento processual. 2.6. Doença ocupacional reconhecida com lastro em prova pericial corroborante. Perda parcial e definitiva da capacidade laborativa. Responsabilidade civil do empregador pelos efeitos indenizatórios decorrentes: reparações de danos materiais e morais: a reclamante atuou como operária em linha produtiva industrial do frigorífico de suínos, em serviços pautados por movimentos repetitivos em condições ergonômicas adversas, com utilização dos braços no manuseio de faca e sempre de pé, foi alcançada por doença ocupacional que demandou afastamentos sucessivos do serviços e evoluiu para a consolidada perda parcial e definitiva da capacidade laborativa, o que atrai a responsabilidade civil do empregador pela reparação dos danos materiais e morais advenientes. A doença ocupacional que se alojou nos membros superiores da reclamante é evolutiva, surgiu em decorrência de serviços múltiplos na linha produtiva industrial do frigorífico de suínos, ao ritmo de movimentos repetitivos contínuos em condições ergonômicas adversas, e está comprovada por dupla prova médico-pericial, realizada nesta reclamação trabalhista e em ação previdenciária, também, além de ter havidos sucessivos afastamentos do serviço, até se consolidar em perda parcial e permanente da capacidade laborativa (cf. laudos periciais, dossiê previdenciário, prova testemunhal e controles de ponto). O histórico médico constante da ficha ambulatorial sinaliza que o surgimento da doença remonta aos idos de 2009, quando foi relatado quadro de dores no ombro esquerdo “tipo queimação” (sic), sujeito a piora durante a realização de momentos repetitivos, prejudicial ao desempenho das atividades laborais, portanto, o que foi inobservado, pois a prestação de serviços continuou em tais circunstâncias, mesmo após sucessivos afastamentos médicos, cada vez mais prolongados e respaldados pelas competentes perícias previdenciárias (intercâmbio entre a ficha ambulatorial da reclamante e o dossiê previdenciário, às fls 775 e seguintes e fls 801 e ss, dos autos em pdf). Os serviços repetitivos prestados ao longo de muitos anos, em longevo contrato de trabalho, desencadeou doença ocupacional evolutiva, nos ombros e membros superiores, com afetação do ombro esquerdo, agravamento e consolidação da lesão a ponto de culminar em perda parcial e permanente da capacidade laborativa, conforme revela a dupla prova médico-pericial convergente. Os laudos médico-periciais, firmados pela perícia realizada na ação previdenciária e perícia nesta reclamação trabalhista, revelam a estreita conexão entre a prestação de serviços repetitivos contínuos e em condições ergonômicas adversas com a doença surgida, de natureza ocupacional. Para tanto foram considerados relevantes os seguintes elementos: a)- constância das atividades, demarcada por “esforço físico e rotina intensa”, sem alternância de movimentos capaz de provocar alívio nas partes do corpo mais demandadas; b)- risco ergonômico inerente à função de operário da linha produtiva de frigorífico; c)- ausência de fatores extralaborais comprovados capazes de provocar o adoecimento; d)- falta de adoção de medidas preventivas capazes de debelar o adoecimento e progressão da doença; e)- recuperação dos sintomas com o afastamento do serviço conjugado com adoção de medidas terapêuticas (cf. laudo pericial, às fls 152/153 e fls 964/965, dos autos em pdf). Apesar do relato de melhora com a conjugação do repouso, medicação e fisioterapia, o laudo pericial apontou que o quadro no ombro esquerdo é de “clara dificuldade de movimentação total e de realização de esforço e de força de resistência”, situação consolidada, sem “perspectiva de melhora”, atrelada ao adoecimento em função dos movimentos repetitivos realizados durante a rotina das atribuições funcionais no setor de abate do frigorífico reclamado (cf. fls 965, dos autos). Aliado a isso, se a reclamante foi admitida para integrar o enorme contingente de operários que atuam na linha produtiva industrial do frigorífico de suínos é porque, ao tempo da contratação, gozava de bom estado de saúde, sem apresentar restrições para o trabalho repetitivo (como hoje apresenta), a medida em que a empresa-reclamada durante o recrutamento exige e realiza exame médico admissional presumidamente rigoroso, com inspeção dos membros superiores, ombros e demais sinais do corpo do pretendente à vaga de emprego – até porque é para essa finalidade que o exame admissional é feito. Associado ao nexo de causalidade está o risco com grande força motriz, decorrente dos serviços pela sua própria desenvoltura e rotina, estando presente, pois, alto grau de risco da atividade, maior do que o normal, surgida a doença associada emerge a responsabilidade objetiva do empregador pela reparação dos danos causados (teoria do risco). Como se apreende do cadastro público do CNAE (Classificação Nacional de Atividades Econômicas) constante do CNPJ da empresa reclamada, o seu código de descrição é o 10.12-1-03, frigorífico de abate de suínos, considerada de risco grave (grau 3), nos termos do anexo V do Decreto n. 3048/99, Regulamento da Previdência Social, e inobstante as subnotificações – na maioria dos casos há ampla resistência em reconhecer a doença ocupacional pelo empregador e emitir o CAT, assim como pelo próprio INSS – evidenciada a doença ocupacional daí decorre a responsabilidade objetiva pela reparação dos danos materiais e morais. A prestação de múltiplos serviços repetitivos e em condições ergonômicas adversas na linha produtiva de evisceração do setor de abates em frigorífico de suínos implica em risco acentuado ao desenvolvimento de doença ocupacional e por decorrer de risco inerente à atividade, à luz do Tema 932, do STF, tem incidência a responsabilidade objetiva do empregador, independentemente de culpa (parágrafo único do art. 927, do Código Civil). O Tema 932, do STF, diz o seguinte: Tema 932 (RE/STF). Possibilidade de responsabilização objetiva do empregador por danos decorrentes de acidentes de trabalho. “O artigo 927, parágrafo único, do Código Civil é compatível com o artigo 7º, XXVIII, da Constituição Federal, sendo constitucional a responsabilização objetiva do empregador por danos decorrentes de acidentes de trabalho, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida, por sua natureza, apresentar exposição habitual a risco especial, com potencialidade lesiva e implicar ao trabalhador ônus maior do que aos demais membros da coletividade", nos termos do voto do Ministro Alexandre de Moraes (Relator), vencido o Ministro Marco Aurélio. Ausente, por motivo de licença médica, o Ministro Celso de Mello. Presidência do Ministro Dias Toffoli. Plenário, 12.03.2020. (STF – Relator Min Alexandre de Moraes – Tribunal pleno – STF – Data publicação: 26.06.2020. Situação: trânsito em julgado). Sucessivamente, está presente, no caso concreto, a concorrência culposa do empregador (responsabilidade subjetiva), em face da insuficiência das medidas preventivas ao surgimento da doença (art. 7º, inciso XXII c/c art. 225, da CF c/c art. 157, da CLT c/c art. 186, do Código Civil). A conduta culposa do empregador reside, especialmente, no seguinte: a)- Falta de exibição do PCMSO (Programa de Controle Médico de Saúde Ocupacional) e do PPRA (Programa de Prevenção de Riscos Ambientais), o que denota insuficiência do cumprimento de normas de segurança e medicina do trabalho, notadamente ante a falta de transparência, pois foi instada pelo juiz a fazê-lo e quedou-se inerte (cf. ata de audiência, às fls 759, dos autos em pdf c/c NR 7, NR 9 e NR 17, da Portaria n. 3.214/78); b)- Prestação de serviços que compreenderam movimentos repetitivos contínuos repetitivos em condições ergonômicas adversas, em regime de sobrejornada habitual, via regime de compensação irregular de horas, conforme reconhecido nesta sentença (agravante da concorrência culposa); c)- Permanência da reclamante em sucessivos anos do contrato de trabalho em posturas inadequadas, sempre de pé, sem a adoção de medidas preventivas capazes de debelar o adoecimento, que foi fustigado pela exposição contínua aos riscos ergonômicos, em abstenção do empregador ao dever geral de cautela; d)- Responsabilidade social do empregador (falta) ao tornar o trabalho inseguro e propício ao desenvolvimento da doença ocupacional, sem a adoção de medidas preventivas ao risco de desenvolvimento ou agravamento de doenças (falta de medidas preventivas ao risco do surgimento e desenvolvimento de doença ocupacional, art. 7º, inciso XXII, da CF). Assim, constatada a ocorrência do dano em atividade de risco e, em perspectiva jurídica sucessiva, concorrência culposa, além do nexo de causalidade confirmado por dupla prova médico-pericial entre a doença e o trabalho, a responsabilidade civil do empregador pelos danos materiais e morais é desaguada em dimensão que o caso comporta (art. 7º, incisos XXII e XXVIII, parte final, c/c art. 5º, incisos V e X, ambos da Constituição Federal c/c art. 157, da CLT c/c art. 19, §§ 1º e 3º, da Lei 8.213/91 art. 186 c/c art. 927 c/c arts. 949/951, do Código Civil). O empregador foi responsável pela manutenção da reclamante em posto de trabalho cujas atividades são marcadas por movimentos repetitivos rápidos e condições antiergonômicas, fatores determinantes para a eclosão da doença ocupacional que culminaram na perda parcial e definitiva da capacidade laborativa, decorrendo daí responsabilidade civil correlata com a extensão do dano. A reclamante é trabalhadora braçal, inabilitada em plena idade ativa para serviços compatíveis com sua qualificação, com reduzidas perspectivas de recolocação no mercado profissional ou mesmo de promoções funcionais no atual emprego, mesmo porque, conforme ambos os laudos médico-periciais, é contraindicado o retorno às atividades de operária na linha produtiva industrial do frigorífico (cf. fls 150/151, fls 965 e fls 968, dos autos em pdf). O dano permanente alojado sobre o organismo da trabalhadora acarreta, pois, prejuízo à empregabilidade, por certo relegando-a para serviços periféricos informais, em geral de baixa remuneração e à margem da proteção social. Embora a inabilitação seja parcial, essa circunstância não retira o direito à indenização, atuando como fator de redução, em similaridade com o benefício de auxílio acidente, pois o acidentado que sofre perda parcial da capacidade laborativa recebe benefício previdenciário proporcional, sem prejuízo do retorno ao trabalho e recebimento do salário do seu empregador (art. 86, da Lei 8.213/91). Logo, considerando a perda parcial e definitiva da capacidade para o trabalho, a indenização dos danos materiais, sob a forma de pensão mensal, em parcela única, é devida, observando-se o percentual de 25% estipulado pelo médico perito, porém ante a condição de trabalhador braçal e com restrições à empregabilidade futura, fixada em 50% do valor da última remuneração (R$-2.151,73 x 50%), com os acréscimos dos reajustes previstos em convenção coletiva, até a data da sentença, tantos quantos forem os meses até os contados 80 anos de idade, com o cômputo do décimo terceiro salário (cf. pedido c/c recibo salarial, às fls 512, dos autos em pdf c/c parágrafo único do art. 950, do Código Civil). A fixação de percentual inferior ao que é devido pelo Seguro Social, para situações de auxílio acidente, menos do que 50% do salário, implica tratar de maneira desigual os aleijões e as perdas parciais da capacidade laborativa dos trabalhadores, em face de acidentes e doenças ocupacionais, para as quais o empregador concorreu, em desvalor à dignidade humana. Revelaria desproporcionalidade a adoção de um percentual de 25% sobre o salário extremamente defasado, para fins de reparação do dano para uma trabalhadora braçal que se tornou incapacitada, em face dos serviços repetitivos e contínuos ao ritmo de esteira mecânica, com o contributo comprovado da concorrência culposa do empregador, inclusive, de acordo com os fundamentos desta sentença. Sobre as parcelas vincendas do valor resultante do cálculo em parcela única incidirá fator redutor (deságio) no percentual de 20%, ora reputado razoável e proporcional a preservar a equivalência entre a lesão e a reparação sem importar em enriquecimento indevido, em consonância com o patamar arbitrado pela jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho (nesse sentido, confira-se: RRAg-102084-49.2017.5.01.0481, 5ª Turma, Relator Ministro Douglas Alencar Rodrigues, DEJT 30/06/2023). A reclamante também faz jus ao recebimento dos lucros cessantes, relativos ao período de afastamento correlacionado com a doença ocupacional ora reconhecida, sob a tutela de benefício previdenciário, de 18 de abril de 2023 a 26 de junho de 2025 (cf. fls 959, dos autos em pdf). Por falta de comprovação, indevido o pedido de ressarcimento de despesas médicas. Os danos morais decorrentes da doença ocupacional surgida pela concorrência culposa do empregador se presumem pela própria ilicitude da conduta, sendo dispensável a efetiva comprovação de abalo psicológico, dor, sofrimento ou mesmo a perda da capacidade laborativa (dano in re ipsa, cf. jurisprudência do TST, a exemplo do seguinte julgado: RR-24036-51.2020.5.24.0022, 6ª Turma, Ministra Relatora: Kátia Magalhães Arruda, Data de Publicação: 13/05/2022). A quantificação dos danos morais há de observar o sofrimento experimentado pela vítima, dor e sofrimento, como também a reiteração de conduta empresarial, ante o reconhecido número de adoecidos em sua linha produtiva industrial que vêm à Justiça do Trabalho, o que denota abstenção do dever geral de cautela, insuficiência de medidas preventivas ao risco de surgimento de doenças ocupacionais, fomentada, inclusive, pelo sobrelabor como agravante. Assim, considerando o gigantesco porte da empresa transnacional de alimentos, com filiais espalhadas para além dos mares e geograficamente presente noutros continentes, como forma de compensação, lenitivo ao sofrimento experimentado, além de atender ao caráter pedagógico, é fixada indenização por danos morais no equivalente a R$-20.000,00 (reais). A relação de emprego é de trato sucessivo e se o trabalhador está doente e houve perda temporária da capacidade laborativa, com possibilidade de retorno ao posto de trabalho, persiste a possibilidade de recidiva (o que não se espera), de modo que a dosimetria da indenização estabelecida compreende dano experimentado e prospectivo até o quadrante temporal estabelecido na sentença, sem prejuízo de eventual reavaliação futura, quanto ao dano, inclusive períodos relativos a novos afastamentos que tenham ocorrido e que possam, se for o caso, acarretar lucros cessantes, assim como elevação da perda da capacidade laborativa e danos morais. A reparação de danos materiais e morais advenientes de doença ocupacional tem natureza jurídica indenizatória e não constitui fato gerador para a incidência de contribuições previdenciárias e de imposto de renda. A atualização monetária das parcelas vencidas incidirá a partir do ajuizamento da ação até o efetivo pagamento, pelo índice do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia (SELIC), que já compreende os juros de mora (súmula 439, do TST adequada à decisão do STF nas ADC´S 58 e 59). 2.7. Doença ocupacional assimilável com acidente de trabalho. Emissão da Comunicação de Acidente de Trabalho (CAT): como consequência jurídica imediata do acidente de trabalho reconhecido, emerge a obrigação legal de emitir a Comunicação de Acidente de Trabalho (CAT), competindo ao empregador fazê-lo, independentemente da perda da capacidade laborativa (art. 20 c/c art. 22, ambos da Lei 8.213/91). A importância da emissão da CAT é de ordem individual e coletiva, como se apreende do texto que segue: POR QUE É IMPORTANTE NOTIFICAR UM ACIDENTE OU UMA DOENÇA DO TRABALHO? Do ponto de vista individual: - Se houver afastamento pelo INSS, ou seja, maior que 15 dias, o trabalhador terá direito a um ano de estabilidade no emprego, após a alta da perícia médica do INSS. Durante o período de afastamento a empresa deverá continuar recolhendo FGTS. Se o afastamento não for caracterizado como acidente de trabalho, não há direito à estabilidade e ao FGTS. - Se não houver afastamento imediato ou, se o afastamento for inferior a 15 dias, o registro da CAT é uma garantia para o trabalhador de que o acidente ocorreu. Isso é importante nos casos de haver um problema tardio devido ao acidente. Do ponto de vista coletivo: apenas através do conhecimento de um problema é que podemos evitá-lo. O registro dos acidentes e doenças do trabalho permite à vigilância em saúde monitorar quais são as empresas que estão causando mais acidentes e doenças relacionadas ao trabalho, desencadeando ações para que os riscos à saúde dos trabalhadores sejam eliminados. (fonte: Centro de Referência Regional em Saúde do Trbalhador. Orientação sobre a Cominicação de Acidente de trabalho (CAT) https://saude.campinas.sp.gov.br/cerest/ANEXO1_ORIENTACAO_CAT_OUT.17.pdf). A emissão da CAT destina-se, portanto, à proteção individual e ao atendimento das Normas de Saúde, Segurança e Medicina do Trabalho, nos termos do art. 336, do Decreto n. 3048/1999, que Regulamenta a Lei n. 8.213/91. Observada a subsunção da norma ao caso concreto, a emissão da CAT deverá ser feita, observando-se como data do acidente de trabalho o dia da realização da prova médico-pericial, obrigação de fazer a ser cumprida pela empresa reclamada no prazo de 10 (dez) dias contados da intimação para a finalidade, sob pena de multa diária, R$-500,00 (reais), reversível à reclamante (aplicação dos arts. 23, da Lei n. 8.213/91 c/c arts. 497 e 536, ambos do CPC). 2.8. Danos morais fundados na restrição imposta pelo empregador ao uso do banheiro. Prática abusiva sistematizada revelada pelo conjunto probatório: de acordo com a narrativa denúncia, a reclamante passou por uma cirurgia no joelho esquerdo e, como uma consequência adversa, adquiriu uma trombose “decorrente da formação de coágulos em lugares em que não houve sangramento”. Para tratar dessa “complicação” (sic), foi-lhe receitado remédio cujo uso tem como um dos efeitos colaterais o fluxo mais intensificado durante os períodos menstruais, entretanto, viu-se ofendida, em seus direitos de personalidade, ante a restrição imposta pelo empregador ao uso do banheiro, causa determinante para o pedido de reparação de danos morais (cf. petição inicial, às fls 41/45, dos autos em pdf). Em resposta, a empresa reclamada afirmou que não praticou a restrição ao uso do banheiro, mas apenas havia a necessidade de aviso ao superior hierárquico, o que objetivava organizar a produção, sem possuir caráter constrangedor, estando respaldado no poder diretivo, sem excessos, em prejuízo à caracterização dos requisitos da responsabilidade civil (cf. contestação, às fls 268/270, dos autos em pdf). Em depoimento pessoal, a reclamante confirmou a exposição feita quanto a limitação do uso do banheiro: “(...) se a “linha tivesse rodando” não podia sair para ir no banheiro; (...) às vezes a depoente sinalizava pedindo para ir ao banheiro, mas não tinha ninguém para colocar a depoente no lugar...” (cf. depoimento pessoa, em ata de audiência, às fls 756, dos autos em pdf). A prova testemunhal é corroborante, como se capta dos depoimentos das duas testemunhas ouvidas: “(...) não havia pausas, e sim uma parada para ir ao banheiro, uns dez minutos; tinham duas paradas de 10 (dez) minutos; foram essas paradas se “estiver apertado”, sai e vai ao banheiro, mas o chefe chama a atenção; se não estiver “apertado” tem que esperar o momento da parada; explicou que para ir ao banheiro era preciso que alguém ficasse no lugar e falou, também, que não tinha ninguém para substituir na linha.” (cf. testemunha Vitor Nunes Moreira, depoimento transcrito às fls 757, dos autos em pdf). “(...) fora dos momentos de pausas para ir ao banheiro era preciso pedir, mas nem sempre quando é feito o pedido, “às vezes demora e às vezes não vem ninguém e então é preciso esperar o horário da pausa para ir ao banheiro” – respondeu; se saísse da linha para ir ao banheiro, estando “apertado”, era chamado a atenção, o “supervisor que está na organização” é quem chama a atenção (Por que você saiu? Não podia sair? – e afirmou, “eu sai, porque senão ia fazer xixi nas calças); explicou que era chamada a “atenção na frente dos amigos de trabalho e ficavam zombando” (cf. testemunha Rosa Pereira Felix, às fls 758, dos autos). Embora a última testemunha afirme não ter presenciado situação específica de ofensa direta à reclamante, o seu depoimento é recepcionado como prova indireta, cuja versão se harmoniza com o conteúdo geral da prova testemunhal, indicativa de uma prática abusiva do empregador, dirigida à coletividade dos trabalhadores e que efetivamente restringia o uso do banheiro, limitando-o a momentos específicos reservados às pausas psicofisiológicas – o que era potencialmente prejudicado, pois as pausas foram irregularmente concedidas (cf. tópico anterior, desta sentença). A conduta do empregador, reiterada pela prática sistematizada, traduz um padrão de comportamento abusivo que atinge generalizadamente os trabalhadores, entre eles a reclamante, máxime considerando se tratar de uma linha produtiva industrial com amplo contingente de empregados – o que é notório – e que sequer conta com sistema de substituição para aqueles que precisam se afastar para ir ao banheiro fazer as necessidades fisiológicas (cf. testemunha Vitor Nunes Moreira, trecho destacado acima). A restrição ao uso do banheiro, imputável à negligência do empregador, levava à incômoda situação de permanecer trabalhando, sem poder ir ao banheiro ou mesmo tardiamente ir e se o trabalhador ousasse desafiar esse padrão de comportamento abusivo, como, por exemplo, nos casos de maior necessidade, era alvo de constrangimento vexatório, zombarias e reprimendas, como revelou a prova testemunhal. No caso da autora, essa situação era agravada, pois comprovadamente se submeteu a cirurgia no joelho esquerdo e desenvolveu, como consequência, quadro de trombose, daí sendo presumível o tratamento com anticoagulantes e a verossímil associação com o aumento do fluxo menstrual, circunstância que, por sua natureza, impõe a necessidade de acesso mais frequente ao banheiro (cf. dossiê previdenciário, às fls 166, dos autos em pdf). A limitação imposta ao uso do banheiro implica em violação à honra do trabalhador, ofensiva à saúde, higiene e integridade física, pois dificulta a satisfação de suas necessidades biológicas básicas, expondo-o a riscos físicos e de ordem psíquica, tais como a possibilidade de desenvolver infecções urinárias e constrangimentos emocionais decorrentes do potencial ato de evacuação involuntária no ambiente de trabalho, diante de colegas e superiores hierárquicos. Ao contrário do sustentado em defesa, a conduta revelada extrapola o legítimo poder diretivo do empregador, pois impõe um controle humilhante e vexatório sobre a esfera íntima do laborista, violação de direito de personalidade que se traduz em dano moral in re ipsa. Nesse sentido colhe-se de recente julgado do Tribunal Superior do Trabalho, firmado com base na jurisprudência “atual, iterativa e notória” da SDI-1: "AGRAVO. AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. RESTRIÇÃO AO USO DO BANHEIRO. ATO ILÍCITO. OFENSA À HONRA SUBJETIVA. DANO IN RE IPSA . INDENIZAÇÃO DEVIDA. DECISÃO REGIONAL EM CONSONÂNCIA COM A JURISPRUDÊNCIA DA SBDI-1 DESTA CORTE. APLICAÇÃO DA SÚMULA Nº 333 DO TST. AUSÊNCIA DE TRANSCENDÊNCIA DA CAUSA. Não merece provimento o agravo que não desconstitui os fundamentos da decisão monocrática pela qual se negou provimento ao agravo de instrumento, uma vez que a decisão regional guarda sintonia com a atual, iterativa e notória jurisprudência da SBDI-1 do TST, consolidada no sentido de que a restrição ao uso do banheiro expõe indevidamente a privacidade do empregado e ofende a sua dignidade, de maneira a causar-lhe constrangimento, revelando abuso do poder diretivo do empregador e ensejando o pagamento de indenização por danos morais. Aplicação da Súmula nº 333 do TST. Agravo desprovido, em razão de não se vislumbrar a transcendência da causa a ensejar o processamento do recurso de revista, nos termos do artigo 896-A da CLT" (TST - AIRR-0000852-03.2021.5.20.0003, 3ª Turma, Relator Ministro Jose Roberto Freire Pimenta, DEJT 15/04/2025 – destaque não consta do original). Ademais, quanto ao fato de a restrição ser imposta à generalidade de trabalhadores, e não exclusivamente ao trabalhador da ação individual, o Tribunal Superior do Trabalho conta com precedente específico que reconhece a configuração do dano moral: (...) RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO PELA RECLAMANTE. RECURSO REGIDO PELA LEI 13.467/2017. RITO SUMARÍSSIMO. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. ASSÉDIO ORGANIZACIONAL COMPROVADO NOS AUTOS. RESTRIÇÃO AO USO DO BANHEIRO E COMPORTAMENTO IMPOLIDO E AMEAÇADOR DA SUPERIOR HIERÁRQUICA. IRRELEVÂNCIA DO DIRECIONAMENTO DOS INSULTOS A TODOS OS EMPREGADOS. RESTABELECIMENTO DA CONDENAÇÃO DEFERIDA EM SENTENÇA. VIOLAÇÃO CONFIGURADA. 1. O Tribunal Regional considerou indevida a indenização por danos morais deferida em sentença, por entender que os empregados devem ser instados a exercer seu direito de uso do banheiro com a devida parcimônia, tendo sempre em mente a finalidade de seu empregador: necessidade de resolução de demandas com a maior brevidade possível. Constou do acórdão que o comportamento impolido e ameaçador da superior hierárquica para com todos os funcionários da empresa não autoriza a reparação por danos morais, tendo em vista a inexistência de constrangimento individual quando todos foram alvo dos insultos. 2. Esta Corte Superior entende que a restrição e a fiscalização ao uso do banheiro configura abuso do poder diretivo do empregador e ofensa à dignidade e à privacidade do trabalhador, caracterizando dano moral passível de reparação. O mesmo ocorre diante de ofensa dirigida genericamente a todos os trabalhadores, pois, ao contrário do que constou do acórdão regional, cada indivíduo experimentou idêntica realidade: a de ser submetido a tratamento vexatório, “sobremaneira impolido e ameaçador”. Irrelevante, pois, a circunstância de não ser, a autora, “a destinatária exclusiva da atuação absolutamente indigna” do empregador, para que faça jus à correspondente indenização. 3. Precedentes. Recurso de revista conhecido e parcialmente provido" (TST - RR-1001132-06.2022.5.02.0008, 2ª Turma, Relatora Ministra Delaide Alves Miranda Arantes, DEJT 28/04/2025 – destaques não constam do original). Dessarte, considerando o gigantismo econômico do ofensor, o grau de intensidade da culpa (agravado pelos atos de constrangimento, zombaria e reprimenda comprovados), o efeito pedagógico e punitivo, para compensar os danos sofridos e evitar situações futuras, é fixada reparação de danos morais no valor de R$-10.000,00 (reais), compatível, também, com a jurisprudência do TST em casos da espécie. A reparação de danos morais tem natureza jurídica indenizatória e não constitui fato gerador para a incidência de contribuições previdenciárias e de imposto de renda. 2.9. Contribuições previdenciárias incidentes sobre os créditos trabalhistas: as contribuições previdenciárias incidentes sobre créditos trabalhistas constituídos por decisões judiciais estão sujeitas a legislação específica, excluída a hipótese de benefício fiscal, sob pena de gerar uma situação desigual entre os devedores, em ofensa aos dispositivos regentes (art. 114, VIII, da CF c/c art. 876, da CLT c/c art. 33, § 5º e art. 43, da Lei 8.212/91 c/c art. 276, §6º, do Decreto 3.048/99) – a apuração, portanto, é feita mês a mês, e não sobre a receita bruta. Incidirão, portanto, sobre as parcelas remuneratórias da condenação e a responsabilidade é das partes, sob pena de execução, sem espaço para elisão ou exclusão do fato gerador a partir do invocado fundamento da incidência da alíquota sobre a receita bruta, benefício fiscal aplicável apenas durante a vigência dos contratos de trabalho em curso. 2.10. Critério de atualização monetária e juros de mora aplicável aos créditos trabalhistas: o Supremo Tribunal Federal deliberou em sede de ações declaratórias de constitucionalidade (ADCs 58 e 59) e ações diretas de inconstitucionalidade (ADIs 5867 e 6021) que é inconstitucional a incidência da TR (Taxa Referencial) para a correção monetária dos débitos trabalhistas e estabeleceu o seguinte: a)- A atualização monetária será, a partir do vencimento de cada parcela (período pré-judicial), pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo Especial (IPCA-E); b)- A partir do ajuizamento da ação até o efetivo pagamento da obrigação, a atualização monetária e os juros de mora serão, juntos, fixados pelo índice do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia (SELIC), de acordo com artigo 406, do Código Civil. O indexador SELIC já compreende os juros, portanto, anota-se para não pairar dúvidas, pois esta é a decisão do STF sobre o tema. 2.11. Assistência judiciária: a declaração de carência econômica firmada pela reclamante abre presunção de verossimilhança de insuficiência de recursos para demandar na Justiça do Trabalho, sem prejuízo da subsistência própria e familiar (incidência da orientação jurisprudencial vertida da súmula 463, do TST). Desse modo, a reclamante faz jus aos benefícios da assistência judiciária gratuita (art. 5º, LXXIV, da CF). 2.12. Honorários periciais: a empresa reclamada é sucumbente no objeto da prova médico-pericial e responde pelos honorários periciais. Observado o tempo necessário e a qualidade do trabalho desenvolvido, são fixados honorários periciais em favor do médico perito, Carlos Alberto Macedo de Oliveira, no valor de R$-2.625,00 (reais). 2.13. Honorários advocatícios: são devidos honorários advocatícios, percentual de 15% sobre o valor da condenação, em favor do advogado da reclamante, diante do êxito obtido na pretensão, sendo inexigível em desfavor da autora por ter sucumbido em parte ínfima e por se tratar de beneficiária da gratuidade processual (art. 791-A, da CLT c/c art. 86, do CPC c/c decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal na ADI 5766). 2.14. Prequestionamento de temas decididos pela via de embargos de declaração: os embargos de declaração estão reservados para os casos de necessidade de complementação e integração da sentença, contaminada de omissão, obscuridade ou contradição, constituindo-se via inadequada para provocar o reexame de temas decididos, sobre os quais há explícito pronunciamento (art. 1.022, do CPC). Desse modo, é desnecessário o manejo de embargos de declaração com a finalidade de prequestionamento de temas, sujeitando o oponente à multa, pois em caso de eventual interposição de recurso ordinário toda a matéria é devolvida ao tribunal (arts. 1.013 e 1.026, §2º, do CPC c/c Orientação Jurisprudencial 118 da SDI-I/TST). 3. Conclusão: POSTO ISSO, acolhe-se, em parte, a pretensão formulada por SILVANEA SALES DE SOUZA em sede de ação trabalhista movida em desfavor de SEARA ALIMENTOS, condenando-a a pagar àquela, no prazo de 8 (oito) dias, importância correspondente às parcelas constantes da fundamentação, ora integrantes desta decisão, para todos os efeitos legais. Pagará, também, honorários advocatícios, percentual de 15% sobre o valor da condenação, revertidos ao advogado da reclamante, nos termos da fundamentação. Responderá, ainda, pelos honorários periciais fixados em favor do médico perito, nos termos da fundamentação. As parcelas, objeto da condenação, serão apuradas por simples cálculos aritméticos, em fase preliminar, preparatória à execução (art. 879, da CLT). Juros e correção monetária, nos termos da fundamentação. Contribuições previdenciárias, nos termos da fundamentação. Deverá, também, fazer a emissão da Comunicação de Acidente de Trabalho (CAT) ao tempo devido, sob a cominação estabelecida. Após o trânsito em julgado, caso mantida a condenação quanto a doença ocupacional, a Secretaria da Vara do Trabalho deverá expedir ofício à Procuradoria Federal com envio de cópia da sentença e acórdão, este se houver, através de e-mail ao endereço pfms.regressivas@agu.gov.br, conforme a Recomendação Conjunta GP.CGJT n. 2/2011, “a fim de subsidiar eventual ajuizamento de Ação Regressiva, nos termos do art. 120 da Lei nº 8.213/91”. Custas processuais, R$-1.200,00 (reais), calculadas sobre R$-60.000,00 (reais), valor provisório atribuído à condenação, às expensas da empresa-reclamada, a serem recolhidas no prazo legal, sob pena de execução (art. 789, da CLT). Intimem-se as partes, noticiando-lhes a publicação desta sentença. CARLOS ROBERTO CUNHA Juiz do Trabalho Titular
Intimado(s) / Citado(s)
- SILVANEA SALES DE SOUZA
Conteúdo completo bloqueado
Desbloquear