Processo nº 1000148-20.2021.8.11.0052
ID: 299614296
Tribunal: TJMT
Órgão: Quarta Câmara Criminal
Classe: APELAçãO CRIMINAL
Nº Processo: 1000148-20.2021.8.11.0052
Data de Disponibilização:
16/06/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
CARLOS HENRIQUE NASCIMENTO ARECO
OAB/MT XXXXXX
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ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO QUARTA CÂMARA CRIMINAL Número Único: 1000148-20.2021.8.11.0052 Classe: APELAÇÃO CRIMINAL (417) Assunto: [Furto] Relator: Des(a). LIDIO MODESTO DA SILVA FILHO Tu…
ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO QUARTA CÂMARA CRIMINAL Número Único: 1000148-20.2021.8.11.0052 Classe: APELAÇÃO CRIMINAL (417) Assunto: [Furto] Relator: Des(a). LIDIO MODESTO DA SILVA FILHO Turma Julgadora: [DES(A). LIDIO MODESTO DA SILVA FILHO, DES(A). HELIO NISHIYAMA, DES(A). JUVENAL PEREIRA DA SILVA] Parte(s): [MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO - CNPJ: 14.921.092/0001-57 (APELANTE), JOAO VITOR GUILHERME ALENCAR - CPF: 065.734.401-02 (APELADO), CARLOS HENRIQUE NASCIMENTO ARECO - CPF: 037.052.591-48 (ADVOGADO), GUSTAVO MIGUEL RODRIGUES DE ARRUDA - CPF: 038.972.551-03 (ASSISTENTE), DEIVID CALASSARA GALACIO - CPF: 033.488.281-80 (VÍTIMA)] A C Ó R D Ã O Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a QUARTA CÂMARA CRIMINAL do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência Des(a). JUVENAL PEREIRA DA SILVA, por meio da Turma Julgadora, proferiu a seguinte decisão: POR UNANIMIDADE NEGOU PROVIMENTO AO RECURSO, NOS TERMOS DO VOTO DO RELATOR. E M E N T A DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. FURTO MAJORADO. REPOUSO NOTURNO. ABSOLVIÇÃO EM PRIMEIRO GRAU POR FALTA DE PROVA DA AUTORIA. PRETENSÃO MINISTERIAL DE CONDENAÇÃO. CONFISSÃO EXTRAJUDICIAL ISOLADA. PROVAS INSUFICIENTES PARA JUÍZO CONDENATÓRIO. PRINCÍPIO IN DUBIO PRO REO. RECURSO DESPROVIDO. I. Caso em exame: Apelação Criminal interposta pelo Ministério Público do Estado de Mato Grosso contra sentença prolatada pela Vara Única da Comarca de Rio Branco (MT), que julgou improcedente a pretensão punitiva e absolveu o acusado da imputação pelo crime de furto majorado (repouso noturno) (art. 155, § 1º, do Código Penal), com fulcro no art. 386, inciso VII, do Código de Processo Penal, por ausência de provas suficientes acerca da autoria delitiva. II. Questão em discussão: A questão em discussão consiste em verificar se os elementos probatórios constantes dos autos são suficientes para ensejar a condenação do apelado pelo crime de furto majorado (repouso noturno), conforme pleiteia o Ministério Público. III. Razões de decidir: 1. A condenação criminal exige prova robusta e incontestável da autoria, sendo inadmissível a imposição de pena com base em meras presunções, suposições ou indícios isolados. 2. A confissão extrajudicial prestada na fase inquisitorial, por si só, sem elementos de corroboração colhidos sob o crivo do contraditório, não se revela suficiente para sustentar juízo condenatório. 3. Os depoimentos testemunhais indiretos, especialmente aqueles baseados em informações de terceiros não ouvidos em juízo, carecem da força probatória necessária para desconstituir a presunção de inocência. 4. A ausência de apreensão da res furtiva, de imagens, testemunhos presenciais ou outras provas autônomas a corroborar a acusação impede a formação de certeza quanto à autoria delitiva. 5. Diante da dúvida razoável sobre a participação do apelado na subtração do bem, deve prevalecer o princípio in dubio pro reo. IV. Dispositivo e Tese: Recurso desprovido. Tese de julgamento: “1. A confissão extrajudicial isolada, não confirmada em juízo nem amparada por provas autônomas colhidas sob contraditório, não autoriza a condenação criminal. 2. O testemunho indireto não possui aptidão, por si só, para firmar juízo de certeza quanto à autoria delitiva. 3. Na dúvida sobre a participação do acusado no crime, deve prevalecer o princípio in dubio pro reo”. Dispositivos relevantes citados: Art. 155, § 1º, do CP; art. 386, VII, e art. 155 do CPP. Jurisprudência relevante citada: STJ – AREsp n. 2.290.314/SE, Rel. Min. Ribeiro Dantas, Quinta Turma, j. em 23/5/2023, DJe 26/5/2023; TJMT – Ap. n. 0046547-96.2017.8.11.0042, Rel. Des. Pedro Sakamoto, Segunda Câmara Criminal, j. em 30/07/2024, DJE 05/08/2024; TJMT – Ap. n. 0012554-11.2019.8.11.0004. R E L A T Ó R I O EXMO. SR. DES. LÍDIO MODESTO DA SILVA FILHO Egrégia Câmara: Trata-se de Recurso de Apelação interposto pelo MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL contra sentença prolatada pelo Juízo da Vara Única da Comarca de Rio Branco (MT), que julgou improcedente a pretensão contida na denúncia, absolvendo o acusado JOÃO VITOR GUILHERME ALENCAR, da prática do crime disposto no art. 155, § 1º, do Código Penal, com fundamento no artigo 386, inciso VII, do Código de Processo Penal (Id. 282132417). Irresignado, o Ministério Público interpôs o presente recurso de apelação requerendo a reforma da decisão prolatada para condenar o apelado João Vitor Guilherme Alencar em relação ao crime previsto no art. 155, § 1° do CP, como medida necessária e suficiente à prevenção e reparação do crime (Id. 282132433). Em contrarrazões a defesa manifestou pelo desprovimento do presente recurso ministerial, para que seja mantida na íntegra a sentença absolutória (Id. 282132437). O parecer da Procuradoria-Geral de Justiça, em parecer de lavra do Procurador de Justiça Amarildo Cesar Fachone, manifestou-se pelo desprovimento do apelo ministerial, sendo mantida incólume a sentença objurgada, por seus próprios fundamentos (Id. 284785380). É o relatório. V O T O R E L A T O R EXMO. SR. DES. LÍDIO MODESTO DA SILVA FILHO Egrégia Câmara: Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso interposto e passo à análise do mérito. Para melhor compreensão da pretensão recursal, faz-se necessária a transcrição de parte do que consta na denúncia acerca dos fatos: (…). Consta dos inclusos autos do inquérito policial que, no dia 04 de junho de 2019, durante o período noturno (madrugada), na residência localizada na Rua José Silveira Tavares , Bairro Centro, Rio Branco/MT, o denunciado JOÃO VITOR GUILHERME ALENCAR, com consciência e vontade, subtraiu, para si ou para outrem, coisa alheia móvel, consistente em 01 (uma) motocicleta Honda CG 150 Titan KS, Placa JZQ 7545, ano/fab modelo 2004/2004, de cor preta, RENAVAM 00826955967, NIV 9c2kc08104R006944 avaliada em aproximadamente R$ 3.000,00 (três mil reais) da vítima Deivid Calassara Galacio. Ressai que aproximadamente às 10hs do dia seguinte, a vítima foi informada por um conhecido de que João Vitor Guilherme Alencar estaria com sua moto na cidade de Indiavaí/MT. Diante desta informação ligou para os policiais que iniciaram diligências e localizaram o suspeito de posse do veículo. Quando interrogado, confirmou a autoria delitiva e que já teria repassado a motocicleta para terceiros, não sabendo informar sua localização. A prova da materialidade do delito imputado ao denunciado encontra-se comprovada pelo Inquérito Policial, Relatório de Investigação, Auto de avaliação indireta, Termo de declarações da vítima, policiais que realizaram as diligências e do acusado. Os indícios de autoria são indiscutíveis diante da prova testemunhal e declaração do denunciado carreadas no caderno investigatório. Assim agindo, praticou o denunciado João Vitor Guilherme Alencar o delito previsto no art. 155, §1º, do Código Penal, razão pela qual requer que a presente seja recebida, registrada e autuada, para determinar sua citação, para responder à acusação em 10 (dez) dias (art. 396 do CPP), e em seguida, designar data para a realização de audiência de instrução e julgamento, com a oitiva das testemunhas do rol abaixo ofertado e seu interrogatório, até final condenação (art. 399 e s. do CPP) (Id. 282131863 – p. 34-35). Por esses fatos, João Vitor Guilherme Alencar foi denunciado prática do delito previsto no artigo art. 155, §1º, do Código Penal. Ao término da regular instrução criminal, o acusado foi absolvido, com fundamento no art. 386, inciso VII, do Código de Processo Penal, por entender não haver prova suficiente da autoria delitiva, nos seguintes termos: (...). Desse modo, no tocante à materialidade delitiva, observa-se que os autos contêm elementos probatórios oriundos do boletim de ocorrência (ID 49096694, pág. 5), dos depoimentos prestados pelas partes e testemunhas, bem como das declarações do próprio acusado (em sede policial), os quais, em conjunto, parecem corroborar a subtração da motocicleta. Contudo, a análise da autoria revela fragilidades probatórias relevantes, notadamente pelo fato de que as testemunhas fundamentaram seus depoimentos, em grande parte, no Boletim de Ocorrência realizado pela vítima, não havendo, nos autos, quaisquer evidências robustas que confirmem a participação do réu, como imagens de monitoramento, fotos ou até mesmo o depoimento do “amigo” mencionado pela vítima, cujo nome sequer foi revelado o que impossibilitou a realização de sua oitiva. Diante dessa lacuna na produção probatória, e considerando que a ausência de elementos concretos impede a formação de convicção segura acerca da autoria, subsiste dúvida razoável quanto à participação do acusado no delito. Conforme cediço, o nosso ordenamento jurídico-penal preceitua que para servir de sustentáculo de sentença penal condenatória, a prova há de ser completa, plena, inteira e induvidosa, não sendo possível, em matéria penal, condenar uma pessoa com base em indícios, possibilidades e probabilidades. A dúvida, portanto, enseja a absolvição, diante do princípio in dubio pro reo, porquanto presunções não autorizam uma condenação criminal. O princípio in dubio pro reo expressa a presunção da inocência, sendo um dos pilares do Direito Penal, e estando intimamente ligado ao princípio da legalidade, ou seja, no caso de dúvida, sempre se milita em favor do acusado. (...). Nessa linha de raciocínio, reza o art. 155, do CPP, que o juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas. A condenação exige prova robusta da autoria do fato delituoso, remanescendo dúvida neste aspecto, não há que se falar em condenação. Em verdade, na ponderação entre o direito de punir do Estado e o status libertatis do acusado, esse último deve prevalecer, pois o que interessa ao Estado é a condenação do culpado, mas, sobretudo a absolvição do inocente. Ante o exposto, JULGO IMPROCEDENTE o pedido formulado na denúncia e ABSOLVO o denunciado JOÃO VITOR GUILHERME ALENCAR, devidamente qualificada nos autos, nos termos do artigo 386, inciso VII, do Código de Processo Penal (Id. 282132417). O órgão ministerial interpôs recurso de apelação, pleiteando a condenação do apelado nos termos da denúncia, ao argumento de que tanto a materialidade quanto a autoria delitiva restaram suficientemente comprovada em relação ao apelado João Vitor Guilherme Alencar (Id. 282132433). Após detida análise dos autos, verifico que o pleito absolutório comporta acolhimento. No caso em apreço, verifica-se que a existência do fato narrado na denúncia ficou demonstrada pelo Boletim de Ocorrência n. 2019.167207 (Id. 282131856 – p. 11-12), Termos de Declaração n. 607/2019 (Ids. 282131856 – p.14-15), Termo de Qualificação, Vida Pregressa e Interrogatório n. 1022/2019 (Id. 282131856 – p. 16-18), Relatório de Investigação n. 185/2020 (Id. 282131856 – p. 19-20), Termo de Depoimento n. 383/2020 (Id. 282131856 – p. 21-22), Auto de Avaliação (Id. 282131856 - p.23-24) e Antecedentes Criminais (Id. 282131861 – p. 31-32). Em que pese a materialidade delitiva tenha ficado devidamente comprovada, conforme já bem demonstrando pelo Juízo sentenciante, o mesmo não se pode afirmar no que tange à autoria delitiva. Conforme consta dos autos, a vítima Deivid Calassara Galacio narrou em juízo que: (...). Certo dia, foi abastecer sua moto. Na época, a gasolina era mais em conta, então conseguiu encher o tanque. No posto de gasolina, percebeu que o réu também estava lá. Após o serviço, foi para casa. No dia seguinte, de madrugada, seu pai acordou para ir ao sítio tirar leite e percebeu a ausência da moto. A vítima sempre deixava a motocicleta nos fundos de casa. Seu pai foi até seu quarto, chamou-o e perguntou onde estava a moto. Ele respondeu que estava nos fundos, mas seu pai disse que não a encontrou. Levantou-se desesperado e foi verificar. Quando viu que a moto não estava mais lá, entrou em pânico. Logo, um amigo lhe enviou uma mensagem perguntando se ele havia emprestado a moto para o réu. Respondeu que não, pois não tinha conhecimento que o réu havia passado por lá. Na verdade, antes de chegar à sua casa, o réu já tinha passado em outra residência, onde uma pessoa relatou que ele cortou um pedaço de um cano de uma máquina de lavar. Afirma que provavelmente, o réu tinha intenção de retirar a gasolina da moto ou usá-la para outro fim. Depois de furtá-la, o suspeito passou em outra residência e pegou uma blusa de frio. Essa outra pessoa também foi vítima naquele mesmo dia. Mais tarde, surgiram informações de que o suspeito foi visto empinando a moto em outra cidade. Alguém que o reconheceu enviou a informação para seu amigo, que então questionou se havia emprestado a motocicleta para o réu. A vítima respondeu que não e pediu ao amigo que entrasse em contato com a pessoa que havia visto o réu, pedindo para chamar a polícia, pois a moto tinha sido roubada. Dirigiu-se à delegacia para registrar um boletim de ocorrência. Durante o depoimento, foi questionado sobre quem teria furtado sua motocicleta e se sabia o nome ou apelido do suspeito. Confirmou que já o havia visto no posto de gasolina no dia anterior ao furto e afirma que João Vitor que furtou sua moto. Explicou que o amigo é de Rio Branco e conhece muitas pessoas na região, pois trabalha com venda de motos e peças. A vítima afirma que conhecidos do seu amigo que residiam na cidade em que o réu se encontrava, viu e perguntou para o amigo da vítima, que perguntou para a vítima se haviam emprestado a moto para o réu, pois tinham visto a placa que pertencia a cidade de Rio Branco, além de conhecerem a vítima e pela fama do réu de praticar furto. A vítima relatou que seu último contato com o veículo foi no dia em que abasteceu, pois ia para Lambari Oeste fazer entregas da loja. Naquela madrugada, seu pai acordou entre quatro e cinco horas da manhã para ir ao sítio e notou que a moto havia desaparecido. Ele não lembrava exatamente o horário em que estacionou a moto no dia anterior, mas estimava que fosse entre sete e oito horas da noite. Afirma que o suspeito, mesmo após furtar sua moto, permaneceu solto e só foi preso depois de furtar outra residência, a vítima afirma que apenas seu pai percebeu a ausência da motocicleta, mas ninguém viu a subtração, pois, na época, não havia câmeras na região. Foi perguntado se ele havia entregado imagens do suspeito à polícia. Ele respondeu que acha que sim e que, nas imagens, o suspeito usava uma blusa de frio e com o capacete. Indagado se o amigo que informou sobre a localização da motocicleta foi ouvido pela polícia, respondeu que não sabia dizer. Explicou que, após furtar a moto, o réu sumiu da cidade por um tempo e só retornou depois. Por fim, descreveu que sempre deixava a motocicleta nos fundos de casa, trancada. O suspeito provavelmente quebrou ou forçou o guidão e fez uma ligação direta, já que a chave estava com ele e a moto estava desligada e trancada (trecho retirado da sentença – Id. 282132417). Os Policiais Militar Gustavo Miguel Rodrigues de Arruda e Civil Edilson Lucas Cândido, ao serem ouvidos em juízo, relataram que: (...). no dia da ocorrência, a vítima estava de serviço quando compareceu ao quartel de Rio Branco para registrar um boletim de ocorrência, informando que sua motocicleta havia sido furtada durante o período noturno e que já possuía informações de que sua motocicleta estava na cidade vizinha, possivelmente Reserva do Cabaçal, e que estava sendo utilizada por João Vitor, conhecido pelo apelido de "Bololô". O boletim de ocorrência foi registrado, e a equipe tentou entrar em contato com os policiais da cidade, porém, naquele momento, não foi possível localizar a motocicleta. Sobre o envolvimento do réu em outras ocorrências, o depoente confirmou que já havia atendido diversas ocorrências envolvendo João Vitor, especialmente relacionadas a furtos. Quando João Vitor residia na Casa da Criança, acumulou vários boletins de ocorrência, nos quais o depoente também esteve presente, muitos deles relacionados à mesma natureza criminosa. (PM Gustavo Miguel Rodrigues de Arruda - trecho retirado da sentença – Id. 282132417). (...). no dia 4 de junho de 2019, o senhor David registrou um boletim de ocorrência junto à Polícia Militar, informando que havia sido vítima de furto e, em tese, atribuía a autoria do delito ao senhor João Vitor. De acordo com a vítima, ele havia deixado sua motocicleta, uma Honda CG 150 de cor preta, estacionada na residência de seus pais, onde também reside. Após sair para a faculdade, no dia seguinte foi informado por um colega que reside na cidade de Indiavaí que, supostamente, teria visto João Vitor na posse da motocicleta. Foi então que a vítima percebeu que o furto havia ocorrido, afirmando de que João Vitor teria praticado o furto. Posteriormente, ao ser inquirido pela autoridade policial, João Vitor confirmou que de fato furtou o veículo e que o teria repassado a um cidadão residente na cidade de Porto Esperidião, mencionou que esse indivíduo teria adquirido a moto e lhe dado um destino desconhecido. Questionado sobre o histórico de João Vitor, o depoente afirmou que já havia atendido diversas ocorrências envolvendo o nome do suspeito, incluindo casos de furto e até estupro de vulnerável. Ao ser indagado sobre as circunstâncias do furto, relatou que, segundo João Vitor, ele passava pela rua onde a vítima reside, Rua José Silveira Tavares, quando percebeu a motocicleta estacionada na área ou em frente à residência. Na ocasião, decidiu furtá-la e, para isso, realizou uma ligação direta no veículo, seguindo para a cidade de Araputanga. Posteriormente, levou a moto para Porto Esperidião, onde a repassou a terceiros. (PC Edilson Lucas Cândido - trecho retirado da sentença – Id. 282132417). Em juízo, o acusado JOÃO VITOR GUILHERME ALENCAR, relatou que: (...). no ano de dois mil e dezenove, ele foi preso, não se recorda exatamente da data, o policial Edilson mencionou um roubo ocorrido na cidade de Rio Branco. Que roubaram a moto da vítima e perguntou se ele tinha envolvimento. O réu alega que não houve qualquer participação no crime e que no período em que o furto aconteceu, não estava em Rio Branco, mas, se encontrava em uma fazenda, mais precisamente na fazenda do Cabo Viana, já aposentado. Trabalhava lá naquela época. Ele possuía um celular e acessava o WhatsApp e através de um grupo da cidade de Rio Branco, viu uma foto da moto roubada e comentários sobre o crime, mas ninguém sabia quem havia cometido o crime. Alega que em tom de brincadeira, mencionaram no grupo que ele quem tinha cometido o furto, o que ele prontamente negou, dizendo que estava trabalhando na fazenda. Cerca de cinco a seis meses depois, ele deixou a fazenda e foi para a casa de uma tia em Quatro Marcos, onde permaneceu por três dias antes de viajar para Rio Branco, onde outra tia, chamada Márcia, morava. Chegou na cidade em uma segunda-feira, mas não se recorda com precisão da data. Na época, possuía uma motocicleta, que acabou sendo apreendida porque não tinha carteira de habilitação. Em determinado momento, enquanto circulava pela cidade de moto junto com um primo, encontrou a vítima em frente à praça central, que o abordou e questionou se ele tinha envolvimento no roubo de sua moto. Ele negou, explicando que só soube do caso pelo grupo de WhatsApp. Mais tarde, ao ser preso por outro roubo, o policial Edilson voltou a mencioná-lo, afirmando que ele estaria envolvido no roubo da moto. Na delegacia, Edilson insistiu nessa acusação. Ele permaneceu em silêncio, pois não havia provas contra ele. Em nenhum momento foi encontrado com a moto, e não havia filmagens ou qualquer outro indício concreto de sua participação no crime. Além disso, mencionou que o policial Edilson, aposentado da Polícia Civil de Rio Branco, era o responsável por lhe imputar essa acusação. (trecho retirado da sentença – Id. 282132417) (grifos meus). Verifica-se no caso dos autos que durante a instrução criminal, nenhuma das testemunhas ouvidas trouxe elementos a autorizar e concluir que o apelado João tenha sido a pessoa que cometeu o delito apontado. Nos delitos contra o patrimônio, a palavra da vítima assume especial relevância, mormente quando encontra amparo em outros elementos probatórios constantes dos autos. Todavia, na hipótese em exame, o ofendido não presenciou diretamente a prática criminosa, limitando-se a relatar informações repassadas por terceiros (amigos e conhecidos) que lhe afirmaram terem visto o acusado João realizando manobras perigosas com motocicleta, em município diverso daquele onde teria ocorrido o fato. Diante desse contexto, o ofendido não logrou reconhecer, de maneira segura e inequívoca, o réu João como sendo o agente responsável pela infração penal narrada. Cumpre salientar que embora o acusado tenha, em sede policial, inicialmente admitido a prática delitiva, em juízo retratou-se da confissão, negando a autoria do fato e atribuindo ao policial Edilson a responsabilidade por sua indevida vinculação aos eventos sob apuração. Some-se a isso o fato de que as diligências realizadas pelos policiais para a prisão do apelado João e eventual apreensão do bem furtado basearam-se exclusivamente nas suspeitas relatadas pela vítima, desprovidas de qualquer elemento objetivo que indicasse, de forma concreta, a posse da res furtiva ou qualquer vínculo direto do apelado com o fato delituoso. Ressalte-se, ademais, que a motocicleta não foi localizada em poder do acusado, o que enfraquece ainda mais a tese acusatória. Assim, inexiste nos autos prova autônoma e idônea capaz de corroborar a confissão extrajudicial anteriormente prestada, tampouco elementos que sustentem, com a segurança jurídica exigida, a imputação penal dirigida ao recorrente. Cumpre consignar que os depoimentos colhidos na fase investigativa atribuem a autoria delitiva com base exclusiva em informações indiretas — oriundas de terceiros não identificados formalmente nos autos, a exemplo de testemunhas oculares referidas por um amigo da vítima, o qual sequer foi arrolado ou submetido à oitiva —, tais elementos, por si sós, não se revestem da robustez necessária para amparar uma sentença penal condenatória, ante à ausência de prova judicializada idônea a embasar juízo de certeza quanto à autoria. Dessa forma, a prisão em flagrante do apelado não se deu com a apreensão de quaisquer bens pertencentes à vítima, circunstância que fragiliza ainda mais a tese acusatória. Ressalte-se que a imputação de posse da res furtiva decorre, exclusivamente, da narrativa da vítima, que afirmou ter sido informada por um amigo acerca de suposta visualização do apelado com a motocicleta subtraída. Entretanto, inexiste nos autos qualquer elemento probatório que corrobore tal afirmação de que houve o crime de furto em repouso noturno — como registros fotográficos, imagens ou mesmo a oitiva do referido amigo —, tampouco foi realizado reconhecimento formal, nos termos do art. 226 do Código de Processo Penal. Ainda que os agentes policiais tenham diligenciado no intuito de efetuar a prisão e localizar o bem, não houve a apreensão da motocicleta em posse do apelado, fato que compromete a consistência da imputação e impede a formação de um juízo condenatório seguro. Sabe-se que o testemunho indireto de pessoa que “ouviu dizer” sobre o delito (hearsay witness) pode ser utilizado pela autoridade judiciária quando confirmado pelas demais provas produzidas, o que no caso não ocorreu. Neste sentido: PROCESSUAL PENAL. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. HOMICÍDIO QUALIFICADO. REJEIÇÃO DE DENÚNCIA. FALTA DE JUSTA CAUSA. ART. 395, III, DO CPP. ELEMENTOS PROBATÓRIOS INSUFICIENTES. TESTEMUNHO INDIRETO (HEARSAY TESTIMONY). AGRAVO CONHECIDO PARA DAR PROVIMENTO AO RECURSO ESPECIAL. 1. A falta de justa causa para o exercício da ação penal decorre da ausência de elementos probatórios mínimos que respaldem a acusação, como é o caso do testemunho indireto (por ouvir dizer) . 2. A análise dos elementos circunstanciais e acidentais presentes nos autos revela a inexistência de indícios mínimos de autoria dos delitos imputados ao acusado. 3. O depoimento testemunhal indireto, por si só, não possui a capacidade necessária para sustentar uma acusação consistente, sendo imprescindível a presença de outros elementos probatórios substanciais. 4. A rejeição da denúncia é medida adequada diante da insuficiência de elementos probatórios que vinculem o acusado aos fatos alegados, em conformidade com o princípio constitucional da presunção de inocência. 5. Agravo conhecido para dar provimento ao recurso especial. (AREsp n. 2.290.314/SE, relator Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 23/5/2023, DJe de 26/5/2023)”. (grifos meus). Se os elementos probatórios obtidos durante a fase inquisitorial permanecerem isolados, como ocorre no presente caso, o Código de Processo Penal, em seu artigo 155, proíbe que o juiz forme sua convicção exclusivamente com base nos elementos informativos colhidos na investigação policial. Assim, os elementos colhidos em contraditório não foram capazes de demonstrar, com a necessária segurança, que o apelado João foi o autor do crime perpetrado contra a vítima. Não se pretende aqui retirar a credibilidade das investigações policiais ou do relato das testemunhas, nem afirmar que é impossível que o apelado tenha participado do evento. Todavia, não se pode ignorar a fragilidade das provas, de forma que o conjunto de elementos reunidos nos autos não se mostrou suficientemente seguro para sua condenação. Visando pacificar a matéria no âmbito deste Tribunal de Justiça, consta o Enunciado Orientativo n. 08, cuja redação dispõe justamente que os depoimentos de policiais, desde que harmônicos com as demais provas, são idôneos para sustentar a condenação criminal (TJMT, Incidente de Uniformização de Jurisprudência n. 101532/2015, DJE n. 9998, de 11/04/2017). Não podemos esquecer que, com igual e até maior importância, o princípio da presunção de inocência deve assistir ao acusado durante toda a persecução penal, iniciando-se no inquérito policial e finalizando no momento do trânsito em julgado sentença, decorrendo disso o in dubio pro reo, princípio que se emerge quando da análise das provas produzidas pelas partes. Sobre o assunto, nos ensina o professor Aury Lopes Junior: A presunção de inocência irradia sua eficácia em três dimensões, constituindo as seguintes normas: (...) No cumprimento de seu ônus probatório a acusação deverá utilizar apenas de provas lícitas e voltadas a demonstrar a culpa do imputado e a materialidade da infração, em todo os seus aspectos. (...) Mas não basta qualquer prova, é preciso que seja lícita, buscada, produzida e valorada dentro dos padrões constitucionais e legais. Nessa perspectiva, acrescentamos a garantia de ser julgado com base em provas e não meros atos de investigação ou elementos informativos do inquérito policial. (...) meras suspeitas, opiniões ou convicções dos julgados, formadas fora do processo (ou dos limites de legalidade probatória) ou na fase de investigação, não podem ser usadas pelo juiz na motivação da sentença, sob pena de violação da presunção de inocência como norma probatória. (in Direito Processual Penal. Aury Lopes Jr. 19. ed. – São Paulo: Editora SaraivaJur, 2022) (grifos meus). No mesmo sentido decidiu este Sodalício: APELAÇÃO CRIMINAL – TRÁFICO DE DROGAS – ABSOLVIÇÃO – IRRESIGNAÇÃO MINISTERIAL – CONDENAÇÃO – IMPROCEDÊNCIA – DÚVIDA RAZOÁVEL SOBRE A PROPRIEDADE DO ENTORPECENTE APREENDIDO – IN DUBIO PRO REO – RECURSO DESPROVIDO. Sopesados os elementos de convicção produzidos e persistindo dúvida razoável sobre a propriedade do entorpecente apreendido e do envolvimento do apelado no tráfico de drogas imputado, impõe-se manter a sua absolvição, por insuficiência de provas (CPP, art. 386, VII). (N.U 0046547-96.2017.8.11.0042, CÂMARAS ISOLADAS CRIMINAIS, PEDRO SAKAMOTO, Segunda Câmara Criminal, Julgado em 30/07/2024, Publicado no DJE 05/08/2024) (grifos meus). APELAÇÕES CRIMINAIS – PECULATO-FURTO (CPPM, ART. 303, § 2º) – SENTENÇA ABSOLUTÓRIA – RECURSO MINISTERIAL – SUFICIÊNCIA DE PROVAS – PEDIDO DE CONDENAÇÃO – ADOÇÃO PER RELATIONEM DO PARECER DO MINISTÉRIO PÚBLICO – NARRATIVA DA VÍTIMA CORROBORADA POR DEPOIMENTOS DE TESTEMUNHAS – INSUFICIÊNCIA PROBATÓRIA – JULGADO DO TJMT – RECURSO DEFENSIVO – ESTAR PROVADA A INEXISTÊNCIA DO FATO OU NÃO HAVER PROVA DA SUA EXISTÊNCIA – PLEITO DE ALTERAÇÃO DO FUNDAMENTO DA SENTENÇA – DÚVIDA SOBRE O DOLO ESPECÍFICO – ALTERAÇÃO DO FUNDAMENTO DA SENTENÇA ABSOLUTÓRIA NÃO JUSTIFICÁVEL – ARESTO DO TJMT – RECURSOS DESPROVIDOS. “O conjunto probatório é insuficiente para condená-lo, uma vez que em nenhum momento restou comprovado, inequivocadamente, o elemento subjetivo do tipo penal (dolo específico de subtração), circunstância essa indispensável para a configuração do delito peculato furto [...]” (Parecer da 29ª Procuradoria de Justiça Criminal). “Quando os elementos de provas constantes nos autos não permitem concluir, com toda a certeza, as materialidades e a autorias dos delitos [...] impõe-se absolver o agente, em homenagem ao princípio in dubio pro reo” (TJMT, Ap. nº 0012554-11.2019.8.11.0004). “APELAÇÃO CRIMINAL [...] INSUFICIÊNCIA PROBATÓRIA – ELEMENTO SUBJETIVO DO TIPO NÃO VERIFICADO – DOLO DIRETO E ESPECÍFICO NÃO DEMONSTRADO – PRINCÍPIO IN DUBIO PRO REO [...] Ausentes provas seguras e suficientes acerca da presença do elemento subjetivo indispensável à caracterização do delito [...] a absolvição é medida que se impõe (TJMT, Ap. nº 0004126-11.2017.8.11.0004). Recursos desprovidos. (N.U 0037006-05.2018.8.11.0042, CÂMARAS ISOLADAS CRIMINAIS, MARCOS MACHADO, Primeira Câmara Criminal, Julgado em 30/07/2024, Publicado no DJE 05/08/2024) (grifos meus). APELAÇÃO CRIMINAL – ROUBO QUALIFICADO (ART. 157, § 2º-A, I, DO CP) – CONDENAÇÃO – IRRESIGNAÇÃO DEFENSIVA – ABSOLVIÇÃO –– DEMAIS PEDIDOS PREJUDICADOS IN DUBIO PRO REO – PROCEDÊNCIA – FRAGILIDADE DAS PROVAS AMEALHADAS AOS AUTOS – RECURSO PROVIDO – CONSONÂNCIA COM O PARECER. No sistema processual penal pátrio, atento à Constituição Federal que especifica os direitos e garantias individuais dos cidadãos, vigora o axioma jurídico in dubio pro reo, de modo, que só é possível a prolação de um édito condenatório quando houver nos autos prova da materialidade e autoria da conduta delitiva imputada ao réu que não contenham qualquer dúvida, por mínima que seja. - Havendo dúvida razoável acerca da participação do apelante na prática delitiva que lhe foi imputada na sentença, deve ser ele absolvido com base no art. 386, VII do CPP; - Provido o pleito absolutório resta prejudicado o exame do pedido de retificação do cálculo dosimétrico do crime contra o patrimônio. (N.U 1000212-73.2023.8.11.0015, CÂMARAS ISOLADAS CRIMINAIS, RONDON BASSIL DOWER FILHO, Terceira Câmara Criminal, Julgado em 31/07/2024, Publicado no DJE 02/08/2024)” (grifos meus). No contexto da prova produzida no processo, é essencial frisar que a condenação no âmbito penal exige um grau de certeza que só pode ser alcançado por meio de um conjunto de provas consistentes e harmônicas. Diante do exposto, e considerando a fragilidade das provas apresentadas pela acusação, entendo que a sentença prolatada pelo juízo a quo deve ser mantida, prevalecendo o princípio in dubio pro reo em situações como a presente, onde restam dúvidas razoáveis sobre a autoria do crime. Em casos como este, não é possível atribuir à prova indiciária o peso suficiente para sustentar uma condenação, especialmente quando ela se apoia em elementos frágeis, como o reconhecimento informal e desconexo da vítima. É sabido que para embasar um veredicto de natureza penal, é preciso a confirmação induvidosa quanto à configuração dos elementos do tipo, obtida mediante prova colhida com observância ao princípio constitucional do devido processo legal em sede judicial, situação, essa, que, efetivamente, não ocorreu no caso destes autos, eis que a prova produzida durante a persecução penal não transmite segurança quanto à concorrência do apelado para a prática do crime em apuração. Nesse ponto, impõe-se relembrar que a condenação apenas pode ser decretada quando os elementos probatórios produzidos se apresentarem com um grau de elevada segurança e confiabilidade, que enraízem no juízo motivos para crer que seu conteúdo é verdadeiro, ou ao menos com uma probabilidade de tal ordem que se permita dizer, acima de qualquer dúvida, a ocorrência do fato criminoso e do autor dele. Assim, em que pesem as alegações do órgão ministerial, concluo que a fundamentação acima mencionada desaconselha a formação de juízo condenatório na hipótese e impõe a manutenção da absolvição do acusado quanto ao crime articulado na denúncia. Ante o exposto, em consonância com o parecer, NEGO PROVIMENTO ao recurso ministerial interposto, mantendo incólume a sentença absolutória. É como voto. Data da sessão: Cuiabá-MT, 10/06/2025
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