Carlos Eduardo De Oliveira Bastos x Caixa Econômica Federal - Cef
ID: 312444961
Tribunal: TRF4
Órgão: 11ª Vara Federal de Curitiba
Classe: PROCEDIMENTO DO JUIZADO ESPECIAL CíVEL
Nº Processo: 5034115-22.2024.4.04.7000
Data de Disponibilização:
01/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
JEFERSON SILVA
OAB/PR XXXXXX
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MARCELO SOTOPIETRA
OAB/MG XXXXXX
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MARCELO SOTOPIETRA
OAB/SP XXXXXX
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PROCEDIMENTO DO JUIZADO ESPECIAL CÍVEL Nº 5034115-22.2024.4.04.7000/PR
AUTOR
: CARLOS EDUARDO DE OLIVEIRA BASTOS
ADVOGADO(A)
: JEFERSON SILVA (OAB PR049919)
RÉU
: CAIXA ECONÔMICA FEDERAL - CEF
DESPA…
PROCEDIMENTO DO JUIZADO ESPECIAL CÍVEL Nº 5034115-22.2024.4.04.7000/PR
AUTOR
: CARLOS EDUARDO DE OLIVEIRA BASTOS
ADVOGADO(A)
: JEFERSON SILVA (OAB PR049919)
RÉU
: CAIXA ECONÔMICA FEDERAL - CEF
DESPACHO/DECISÃO
I - RELATÓRIO
despacho saneador
.
Em 01 de agosto de 2024,
CARLOS EDUARDO DE OLIVEIRA BASTOS
deflagrou a presente demanda, sob rito dos juizados, em face da CAIXA ECONÔMICA FEDERAL - CEF, pretendendo a condenação da requerida à reparação de danos materiais e morais, que disse ter suportado em razão da alegada movimentação indevida da sua conta bancária.
O autor alegou, para tanto, ter sido vítima de fraudes, cometidas mediante a criação de diversas linhas de crédito e débitos, com o sudo dos dados do seu cartão, totalizando R$ 67.154,23. Sustentou que após os valores terem sido liberados, ele teria descoberto ter havido a criação de uma chave
PIX
, acessada por terceiros, de modo a viabilizar aludidas transferências. Apesar das tentativas de solução consensual com o banco, os valores não lhe teriam sido restituídos; reportou-se a extrato de evolução da conta.
A CEF apresentou contestação no movimento 10, alegando nãter praticado ato ilícito e enfatizando não poder ser responsabilizada pelos prejuízos noticiados pelo autor. Informa que em momento algum ela teria sido informada do alegado golpe, não teria havido contato por parte do cliente e nenhum processo de contestação teria sido deflagrado. Sustentou que, depois da análise técnica, teria sido constatado que o requerente contaria com diversos dispositivos autorizados para movimentação via internet desde 2011 e que os CDCs teriam sido efetuados a partir do dispositivo autorizado pelo correntista e com sua senha de transação. Os critérios técnicos de análise das transações financeiras eletrônicas estariam restritos às áreas de Segurança da CEF e ao Departamento da Polícia Federal por envolver sigilo e para resguardar o Sistema Bancário. Impugnou a alegação de ter havido dano moral.
O autor apresentou réplica no evento 16, repisando os argumentos esgrimidos na peça inicial. No evento 19, a parte autora requereu a inversão do ônus da prova, para que a requerida apresentasse documentação que comprove que os desvios, empréstimos e transferências de modo a comprovar a aludida vinculação dos descontos a aparelho e senha de uso pessoal dele.
Os autos vieram conclusos.
II - FUNDAMENTAÇÃO
Passo a sanear esta demanda. Para tanto, aprecio inicialmente as questões processuais; registro na sequência - COM COGNIÇÃO PRECÁRIA - alguns tópicos concernentes à questão de fundo. Examinarei ainda a distribuição do ônus da prova e promoverei o registro dos elementos de convicção veiculados nos autos.
2.1. Competência da Justiça Federal:
Declaro a competência da Justiça Federal para o caso, dado que o autor endereçou sua pretensão em face da CEF, empresa pública federal constituída por força do decreto-lei 759, de 12 de agosto de 1969. Logo, aplicam-se ao caso o art. 109, I, CF/1988 e o art 10 da lei. n. 5010/66.
2.2. Submissão do caso aos Juizados:
A competência dos Juizados Especiais Federais é absoluta, diante do previsto no art. 98, I, Constituição e art. 3 da lei n. 10.259, de 2001. Logo, em princípio, não pode ser ampliada ou reduzida, impondo sua apreciação de ofício pelo Poder Judiciário, conforme art. 64, CPC.
Não se submetem à "
competência do Juizado Especial Cível as causas: (...) para a anulação ou cancelamento de ato administrativo federal, salvo o de natureza previdenciária e o de lançamento fiscal
."
Convém ter em conta, todavia, que o processo é individualizado pela conjugação do trinômio partes, pedido e causa de pedir (art. 337, §2 CPC). Em decorrência do princípio da substanciação, a parte autora é obrigada a detalhar, na peça inicial, a sua pretensão, indicando o pedido e também a motivação do pedido. Note-se ainda que, como notório, apenas o dispositivo transita em julgado, conforme se infere do art. 504, I, CPC:
"Não fazem coisa julgada: I - os motivos, ainda que importantes para determinar o alcance da parte dispositiva da sentença."
Logo, como têm entendido os tribunais, os Juizados Especiais são competentes para apreciação de pretensões, nas quais a alegada nulidade do ato administrativo é invocada apenas como causa de pedir, e não como pedido:
"(....)
Por outro lado, não é o caso de aplicação da exceção prevista no art. 3º , § 1º , III , da Lei 10.259 , uma vez que a autora invocou a alegada nulidade da revisão administrativa apenas como causa de pedir, dado que a sua pretensão é efetivamente condenatória
. Desse modo, firma-se a competência absoluta dos Juizados Especiais Federais para o julgamento do feito, nos termos do artigo 98, I, da Constituição Federal."
(TRF-4 - RECURSO CÍVEL: 50446614920184047000 PR 5044661-49.2018.4.04.7000, Relator: GERSON LUIZ ROCHA, Data de Julgamento: 02/04/2020).
Ainda segundo a Turma Recursal,
"O valor da causa atribuído pela parte autora é inferior a 60 salários, o qual não foi impugnado, logo, não há o que discutir quanto a esse aspecto. Por outro lado, não é o caso de aplicação da exceção prevista no art. 3º, § 1º, III, da Lei 10.259, uma vez que "a autora invocou a alegada nulidade da revisão administrativa apenas como causa de pedir, dado que a sua pretensão é efetivamente condenatória". Desse modo, firma-se a competência absoluta dos Juizados Especiais Federais para o julgamento do feito, nos termos do artigo 98, I, da Constituição Federal. "
(TRF-4 - RECURSO CÍVEL: 50029127820204047001 PR 5002912-78.2020.4.04.7001, Relator: GERSON LUIZ ROCHA, 22/10/2020, PRIMEIRA TURMA RECURSAL DO PR)
Atente-se para os julgados que transcrevo abaixo:
PROCESSUAL CIVIL. CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA INSTAURADO ENTRE JUÍZO FEDERAL E JUIZADO ESPECIAL FEDERAL CÍVEL. COMPETÊNCIA DESTA E. CORTE. SÚMULA 428 DO STJ. AÇÃO INDIVIDUAL DE DISPENSA DE PAGAMENTO DE PEDÁGIO. INEXISTÊNCIA DE PEDIDO DE ANULAÇÃO DE ATO ADMINISTRATIVO. VALOR DA CAUSA INFERIOR A SESSENTA SALÁRIOS MÍNIMOS. COMPETÊNCIA DO JUIZADO ESPECIAL FEDERAL CÍVEL. PRECEDENTES DESTA 2ª SEÇÃO. CONFLITO PROCEDENTE. 1 - Nos termos da Súmula 428 do Superior Tribunal de Justiça, compete a esta E. Corte dirimir o presente conflito negativo de competência entre Juízo Federal e Juizado Especial Federal Cível. 2 - Busca a autora tão somente o reconhecimento de seu direito individual à dispensa do pagamento de pedágio na praça de arrecadação instalada no entroncamento das rodovias BR 153 e BR 369, localizada no município de Jacarezinho/PR, com fundamento na Portaria do Ministério dos Transportes nº 155/2004 bem como na sentença proferida nos autos da Ação Civil Pública nº 2006.70.13.002434-3. 3 -
A questão relativa à desconstituição de ato administrativo não faz parte do pedido do autor, que dela tratou apenas de forma incidental, como causa de pedir, de modo que, no caso dos autos, resta afastada a aplicação do art. 3º, § 1º, III, da Lei 10.259/01. Precedentes desta Segunda Seçã
o. 4 - Aplicável à hipótese em tela a regra geral prevista no caput do artigo 3º da Lei 10.259/2001, que estabelece a competência dos Juizados Especiais Federais em se tratando de causas com valor inferior a sessenta salários mínimos. 5 - Conflito procedente, para declarar a competência do Juizado Especial Federal Cível de Ourinhos/SP.Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Segunda Seção do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, julgar procedente o conflito, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
(CC - CONFLITO DE COMPETÊNCIA - 21150 0000310-88.2017.4.03.0000, DESEMBARGADORA FEDERAL MÔNICA NOBRE, TRF3 - SEGUNDA SEÇÃO, e-DJF3 Judicial 1 DATA:14/07/2017).
DIREITO PROCESSUAL CIVIL. CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. JUÍZO FEDERAL DE JUIZADO ESPECIAL E JUÍZO FEDERAL DE JUIZADO COMUM. AÇÃO ORDINÁRIA QUE VISA O RECONHECIMENTO DE DIREITO. MERA REVISÃO DO ATO ADMINISTRATIVO. INAPLICABILIDADE DO INCISO III DO §1º DO ARTIGO 3º DA LEI Nº 10.250/01. A
parte autora pleiteia a declaração de direito à percepção de determinada vantagem pecuniária, não havendo pedido imediato de anulação de qualquer ato administrativo, o qual só seria atingido via reflexa, razão pela qual não se aplica, na espécie, a regra que excepciona da competência dos Juizados Especiais Federais para causas valoradas até sessenta salários mínimos. Inaplicável ao caso a exceção prevista no inc. III do §1º do art. 3º da Lei nº 10.259/01
. (TRF4 5018358-17.2016.4.04.0000, SEGUNDA SEÇÃO, Relatora VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA, juntado aos autos em 22/12/2016).
CONFLITO DE COMPETÊNCIA. JUÍZO FEDERAL DE JUIZADO ESPECIAL E JUÍZO FEDERAL DE JUIZADO COMUM. COMPETÊNCIA DO STJ PARA APRECIAR O CONFLITO. JUIZADO ESPECIAL FEDERAL. COMPETÊNCIA. CRITÉRIOS. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. COMPETÊNCIA DO JUIZADO ESPECIAL EM FACE DO VALOR DA CAUSA. 1. A jurisprudência do STJ é no sentido de que juízo de juizado especial não está vinculado jurisdicionalmente ao tribunal com quem tem vínculo administrativo, razão pela qual o conflito entre ele e juízo comum caracteriza-se como conflito entre juízos não vinculados ao mesmo tribunal, o que determina a competência do STJ para dirimi-lo, nos termos do art. 105, I, d, da Constituição. Precedentes. 2. A Lei 10.259/01, que instituiu os Juizados Cíveis e Criminais no âmbito da Justiça Federal, estabeleceu que a competência desses Juizados têm natureza absoluta e que, em matéria cível, obedece como regra geral a do valor da causa: são da sua competência as causas com valor de até sessenta salários mínimos (art. 3º). 3. A essa regra foram estabelecidas exceções ditadas (a) pela natureza da demanda ou do pedido (critério material), (b) pelo tipo de procedimento (critério processual) e (c) pelos figurantes da relação processual (critério subjetivo). Entre as exceções fundadas no critério material está a das causas que dizem respeito a "anulação ou cancelamento de ato administrativo federal, salvo o de natureza previdenciária e o de lançamento fiscal". 4. No caso, a demanda tem valor da causa inferior a sessenta salários mínimos e visa a obter indenização por danos morais. A ilegitimidade dos atos administrativos constitui apenas fundamento do pedido, não seu objeto. 5. Conflito conhecido, declarando-se a competência do Juízo Federal da 7ª Vara do Juizado Especial Cível da Subseção Judiciária de São Luís -MA, o suscitante. (STJ, CC 75314/MA, 1ª Seção, Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, DJ 27/08/2007).
CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. EXCEÇÃO DO ART. 3º, § 1º, INC. III, DA LEI Nº 10.259/01 AFASTADA. JUIZADO ESPECIAL CÍVEL.
A pretensão formulada nesta ação não se enquadra em nenhuma das hipóteses arroladas no § 1º do art. 3º da Lei nº 10.259, visto não tratar a ação de anulação ou cancelamento de ato administrativo típico. O pedido envolve, apenas, reconhecimento de direito. Sendo o valor da causa inferior a 60 (sessenta) salários mínimos, cabe ao Juizado Especial Federal a competência para processar, conciliar e julgar as causas de competência da Justiça Federal. (TRF4, conflito de competência (Seção) Nº 5008065-61.2011.404.0000, 2ª Seção, Des. Federal VILSON DARÓS, POR UNANIMIDADE, em 08/09/11).
Assim, e atribuído à causa o valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), tem-se que competente para o processamento e julgamento da lide o Juizado Especial Federal
. Diante do exposto, nos termos do disposto no art. 120, § único, do CPC, conheço do presente conflito e declaro competente para o processamento e julgamento da lide o juízo suscitado (Juízo Substituto da 1ª Vara de Florianópolis). Publique-se. Comuniquem-se os juízos conflitantes e, com as formalidades de estilo, dê-se baixa na distribuição e arquivem-se os autos.
(TRF4 5013834-11.2015.404.0000, Segunda Seção, Relator Candido Alfredo Silva Leal Junior, 11/07/2015)
Assim, a presente causa submete-se ao rito e à alçada dos Juizados Especiais Federais, dado que o conteúdo econômico da pretensão do autor é inferior a 60 salários mínimos, definidos na lei 14.158/2021, atendendo ao art. 3º da lei n. 10.259, de 2001. A aventada nulidade do ato administrativo de averbação dos descontos mensais, no benefício previdenciário do autor, foi invocada apenas como causa de pedir, e não como pedido.
Atente-se ainda para a seguinte deliberação:
"Conforme a Jurisprudência consolidada no Superior Tribunal de Justiça, nem a complexidade da causa, nem a necessidade de produção de prova pericial afastam a competência dos Juizados Especiais Federais.
Ocorre que a competência dos Juizados Especiais Federais é absoluta para aquelas causas cujo valor seja inferior a 60 (sessenta) salários mínimos, ressalvadas as exceções previstas na Lei nº 10.259/2001. Como a complexidade da causa e a necessidade de prova pericial não estão entre as exceções arroladas na lei, descabe afastar a competência dos Juizados Especiais com base em quaisquer dessas duas causas
."
(TRF-4 - RECURSO CÍVEL: 50161052320214047100 RS 5016105-23.2021.4.04.7100, Relator: ANDREI PITTEN VELLOSO, Data de Julgamento: 16/12/2021, QUINTA TURMA RECURSAL DO RS)
Com efeito, eventual
complexidade da demanda
não afasta a competência dos Juizados Especiais:
"
A Lei 10.259/2001 estabelece a competência absoluta dos Juizados Especiais Federais para causas de valor até 60 salários mínimos, independentemente da complexidade
. 5. O critério de competência dos Juizados Especiais Federais é quantitativo, e o argumento da agravante quanto ao número de testemunhas não é capaz de afastar tal competência. 6. Agravo Interno não provido."
(STJ - AgInt no REsp: 2059305 AL 2023/0090671-3, Relator: Ministro HERMAN BENJAMIN, Data de Julgamento: 16/10/2023, T2 - 2 TURMA, Data de Publicação: DJe 18/12/2023)
Atente-se ainda para o seguinte acórdão do STJ:
PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO NO RECURSO ESPECIAL. COMPETÊNCIA DOS JUIZADOS ESPECIAIS DA FAZENDA PÚBLICA. VALOR DA CAUSA. PARCELAS VENCIDAS MAIS 12 (DOZE) PARCELAS VINCENDAS. ART. 2º, § 2º, DA LEI N. 12.153/2009. IRRELEVÂNCIA DE EVENTUAL DEMORA NA TRAMITAÇÃO DO FEITO. ART. 43 DO CPC. COMPLEXIDADE DA CAUSA NÃO AFASTA A COMPETÊNCIA DOS JUIZADOS. AGRAVO IMPROVIDO. 1. A competência dos Juizados Especiais da Fazenda Pública é definida pelo valor da causa, que não pode superar os 60 (sessenta) salários-mínimos, consoante o art. 2º da Lei n. 12.153/2009. 2. O valor da causa em que se veicule obrigações vincendas, por sua vez, é definido pela soma de 12 (doze) parcelas vincendas e de eventuais parcelas vencidas, conforme o § 2º do referido dispositivo. Precedentes. 3. A eventual demora na tramitação do processo não suplanta a observância à norma supramencionada, pois a competência é definida pelo momento do registro ou distribuição da petição inicial, sendo irrelevantes as modificações do estado de fato ocorridas posteriormente, consoante o art. 43 do CPC. 4. Se, no momento da propositura da demanda, o valor da causa não ultrapassa o teto legal e não está presente nenhuma hipótese prevista no art. 2º, § 1º, da Lei n. 12.153/2009, é do Juizado Especial da Fazenda Pública a competência para processar e julgar o feito. 5.
A complexidade da causa não é motivo suficiente para afastar a competência dos juizados especiais. Precedentes
. 6. Agravo interno a que se nega provimento. (AgInt no AREsp n. 1.711.911/SP, relator Ministro Og Fernandes, Segunda Turma, julgado em 12/4/2021, DJe de 16/4/2021.)
O conteúdo econômico da pretensão do autor é inferior a 60 salários mínimos, vigentes ao tempo do ingresso em Juízo, conforme
decreto 11.864, de 27 de dezembro de 2023
, o que atende ao art. 3,
caput,
da lei n. 10.259/2001. Ademais, cuida-se de
pedido condenatório
, não esbarrando nas exceções do art. 3º, §1º, lei n. 10.259, de 2001. RECONHEÇO, pois, a competência dos Juizados Especiais para a tramitação dessa demanda.
2.3. Competência da presente Subseção Judiciária:
Cuidando-se de pedido de reparação de danos, aplica-se ao caso o art. 53, IV, "a", CPC, apontando como competente o Juízo do local em que tenham sido praticados os atos apontados como causadores dos alegados danos. Por outro lado, anoto que o STF tem aplicado o art. 109,§2º, CF, também quando em causa pretensões endereçadas às autarquias federais.
CONSTITUCIONAL. COMPETÊNCIA. CAUSAS AJUIZADAS CONTRA A UNIÃO. ART. 109, § 2º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. CRITÉRIO DE FIXAÇÃO DO FORO COMPETENTE. APLICABILIDADE ÀS AUTARQUIAS FEDERAIS, INCLUSIVE AO CONSELHO ADMINISTRATIVO DE DEFESA ECONÔMICA - CADE. RECURSO CONHECIDO E IMPROVIDO. I - A faculdade atribuída ao autor quanto à escolha do foro competente entre os indicados no art. 109, § 2º, da Constituição Federal para julgar as ações propostas contra a União tem por escopo facilitar o acesso ao Poder Judiciário àqueles que se encontram afastados das sedes das autarquias. II –
Em situação semelhante à da União, as autarquias federais possuem representação em todo o território nacional. III - As autarquias federais gozam, de maneira geral, dos mesmos privilégios e vantagens processuais concedidos ao ente político a que pertencem. IV - A pretendida fixação do foro competente com base no art. 100, IV, a, do CPC nas ações propostas contra as autarquias federais resultaria na concessão de vantagem processual não estabelecida para a União, ente maior, que possui foro privilegiado limitado pelo referido dispositivo constitucional. V - A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal tem decidido pela incidência do disposto no art. 109, § 2º, da Constituição Federal às autarquias federais. Precedentes. VI - Recurso extraordinário conhecido e improvido
. (STF - RE: 627709 DF, Relator: Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Data de Julgamento: 20/08/2014, Tribunal Pleno, Data de Publicação: REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO)
Nesse mesmo sentido, convergem os julgados: RE 499.093-AgR-segundo/PR e AI 793.409/RS, rel. Min. Ricardo Lewandowski; RE 234.059/AL, Rel. Min. Menezes Direito; RE 484.235-AgR/MG, Rel. Min. Ellen Gracie; RE 488.704/RJ, RE 527.498/SC e RE 603.311/RS, Rel. Min. Marco Aurélio; RE 590.649/RJ, RE 474.691/SC e RE 491.331/SC, Rel. Min. Cármen Lúcia; RE 474.825/PR, Rel. Min. Dias Toffoli.
Com efeito,
"A competência absoluta dos Juizados Especiais, referida no art. 3º , § 3º , da Lei n. 10.259 /01 não constitui obstáculo à redistribuição para fins de equalização de acervo, desde que o encaminhamento ocorra para outra Vara com competência também vinculada ao sistema dos Juizados Especiais Federais. 5. A norma que afirma que "no foro onde estiver instalada Vara do Juizado Especial, a sua competência é absoluta" tem ligação histórica com a interpretação dada pela doutrina e pela jurisprudência à Lei nº 9.099 /95, no sentido de que "o ajuizamento da ação perante o juizado especial é uma opção do autor (art. 3 ., par.3., da Lei 9.099 /95)" ( REsp 151.703/RJ , Rel. Ministro RUY ROSADO DE AGUIAR, QUARTA TURMA, julgado em 24/03/1998, DJ 08/06/1998, p. 124). 6.
O ajuizamento obrigatório de causas de até 60 salários mínimos nos Juizados Especiais Federais empresta a essas ações uma competência absoluta para o próprio sistema dos Juizados Especiais, mas não torna essas ações infensas às medidas de equalização. Nada impede, portanto, a incidência do art. 109 , § 2º , da Constituição Federal , no sentido de que as causas intentadas contra a União poderão ser aforadas na seção judiciária em que for domiciliado o autor, naquela onde houver ocorrido o ato ou fato que deu origem à demanda ou onde esteja situada a coisa, ou, ainda, no Distrito Federal
."
(TRF-4 - CC: 50799694420214047000 PR 5079969-44.2021.4.04.7000, Relator: NICOLAU KONKEL JÚNIOR, Data de Julgamento: 24/02/2022, PRIMEIRA TURMA RECURSAL DO PR)
Por conseguinte,
considerando o alcance do art. 109, §2, CF, a tramitação desta causa perante esta Subseção Judiciária está em conformidade com a legislação
. Ademais, as partes não suscitaram exceção, na forma do art. 65, CPC e súmula 33, Superior Tribunal de Justiça.
2.4. Submissão do caso ao presente Juízo:
Dentre as unidades desta Subseção de Curitiba, o processo restou distribuído perante este Juízo Substituto da 11.VF, por conta de sorteio, o que atendeu à garantia do Juízo Natural - art. 5, LIII, Constituição.
2.5.
Eventual conexão processual:
O processualista Bruno Silveira Dantas enfatiza que
"com o início de vigência do CPC/2015, será considerado
prevento o juízo perante o qual houver ocorrido o registro ou a distribuição (conforme o caso) da primeira de uma série de demandas conexas, ainda que tal registro ou distribuição tenha ocorrido durante a vigência do CPC/1973
. Desde que a prevenção, ela própria, não se tenha consumado sob a égide do CPC/1973 (por um dos alternativos critérios previstos nos seus arts. 106 e 2019), incidirá de plano o disposto no art. 59 da codificação de 2015 definindo-se o juízo prevento para um conjunto de demandas conexas pela anterioridade dos registros ou das distribuições (conforme o caso) das mesmas. Os arts. 60 e 61 do CPC/2015, por sua vez, praticamente repetem os arts. 107 e 108 do CPC/1973, dispensando, por tal razão, maiores comentários a respeito nesta oportunidade."
(DANTAS, B. S.
in
WAMBIER, Teresa A. Alvim et al.
Breves comentários ao novo código de processo civil.
SP: RT, 2015, p. 229).
Convém term em conta a lição de Araken de Assis, sobre o tema:
"(...)
O art. 55, caput, definiu a conexão como a identidade de pedido ou de causa inspirado no propósito de erradicar as tergiversações constatadas na vigência do CPC de 1939. A proposição legislativa, excepcional no direito estrangeiro, porque prepondera a tendência de encarregar o órgão judicial de indicar os casos do fenômeno, consonante controvérsia haurida do direito comum, e feita em sentido oposto à do CPC de 1939, em todo caso revela-se incompleta e insuficiente. Não abrange a totalidade das hipóteses de conexão
. O art. 55, § 3.º (“… mesmo sem conexão entre eles”) alude à conexão em sentido estrito do art. 55, caput. Ao nosso ver, os vínculos que geram o risco da prolação de “decisões conflitantes ou contraditórias”, a teor do art. 55, § 3.º, inserem-se na rubrica da conexão em sentido amplo. Não há outro sítio adequado para situar o liame entre os objetos litigiosos
O art. 113 do NCPC, arrolando os casos em que se admite a demanda conjunta, ou litisconsórcio, demonstra que existem outros laços, mais tênues e distantes, que autorizam o processo cumulativo. E a outro juízo não se chega ao avaliar o nexo exigido pelo art. 343 na reconvenção, como ocorria no direito anterior. Retira-se, daí, segura conclusão
. As duas hipóteses descritas no art. 55, caput – identidade de causa ou identidade de pedido – constituem “uma, entre as várias em que ocorre a conexão”. Por isso, antes do CPC de 1939, descreveu-se a conexão como “laço envolvente, que se insinua por entre as relações jurídicas, ora prendendo-as de um modo indissolúvel, por forma a exigir uma única decisão; ora criando entre elas pontos de contato mais ou menos íntimo, que aconselham a reunião em um só processo, ainda quando possam ser decididas separadamente, sem maior dano, a não ser a lentidão e o gravame de maiores despesas”.
Exemplos de causas conexas, segundo a literalidade do art. 55, caput: (a) A reivindica o imóvel x perante B, e, paralelamente, C também reivindica o imóvel x, do mesmo réu, hipótese em que a identidade recai sobre o pedido (objeto) mediato; (b) o locatário A propõe consignatória dos aluguéis perante o locador B, o qual, de seu turno, propõe ação de despejo, fundada no inadimplemento dos aluguéis, perante o inquilino.
Para os efeitos da modificação da competência, as hipóteses contempladas no art. 55, caput – identidade de causa de pedir ou identidade de pedido –, então, ainda consideram-se exemplificativas. Um laço menos intenso já serve para reunir os processos. O objetivo da regra reside em evitar decisões conflitantes, “por isso a indagação sobre o objeto ou a causa de pedir, que o artigo por primeiro quer que seja comum, deve ser entendida em termos, não se exigindo a perfeita identidade, senão que haja um liame que os faça passíveis de decisão unificada”. Em outra oportunidade, reiterou-se que “não é necessário que se cuide de causas idênticas (quanto aos fundamentos e ao objeto {rectius: pedido})”, bastando “que as ações sejam análogas, semelhantes”, insistiu no “escopo da junção das demandas para um único julgamento é a mera possibilidade da superveniência de julgamentos discrepantes
”.
Por conseguinte, a jurisprudência, atendendo às finalidades da modificação da competência, em que a derrogação das regras gerais se justifica pela economia de atividade e pela erradicação do risco de julgamentos conflitantes, rejeita a exigência de identidade absoluta de causa ou de pedido, aceitando simples analogia entre as ações
. Porém, preocupa-se com o risco de julgamentos contraditórios, evento apurado caso a caso, mas verificado em todas as hipóteses do art. 113, inclusive na afinidade de ponto comum de direito ou de fato (inc. III). Ora, parece difícil visualizar semelhante risco no cúmulo simples de pedidos, em que há total autonomia das pretensões deduzidas, no mesmo processo, contra o réu. Por isso, o intuito de erradicar pronunciamentos conflitantes não oferece a única e constante justificativa para o processo cumulativo e, muito menos, a prorrogação da competência. Ao menos na conexão subjetiva, no caso da cumulação simples de pedidos, impera o princípio da economia processual. E, de toda sorte, as finalidades visadas no processo cumulativo, e na reunião de causas inicialmente autônomas, mostram-se estranhas à verdadeira causa desses fenômenos, que residiria no vínculo entre partes, causa e pedido." (ASSIS, Araken.
Processo civil brasileiro.
Volume I. São Paulo: RT, 2015, tópico 302)
Deve-se aferir, ademais, a eventual aplicação do art. 55, §1º, parte final, CPC/15:
"Os processos de ações conexas serão reunidos para decisão conjunta,
salvo se um deles já houver sido sentenciado
."
Semelhante é o conteúdo da mencionada súmula 235, STJ:
"
A conexão não determina a reunião dos processos, se um deles já foi julgado
."
No caso em análise, não diviso conexão desta demanda com algum outro processo versando sobre a cominação de multas em desfavor da parte autora, para eventual reunião de causas e solução conjunta. Não há indicativos, tampouco, de que a CEF tenha deflagrado algum processo para cobrança da cogitada dívida bancária.
2.6. Respeito à
coisa
julgada:
No que toca à delimitação do crédito do requerente,
convém ter em conta que a coisa julgada é uma garantia constitucional, nos termos do art. 5º, XXXVI, Constituição Federal/88:
"a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada."
"A sentença de mérito transitada em julgado só pode ser desconstituída mediante ajuizamento de específica ação autônoma de impugnação (ação rescisória) que
haja sido proposta na fluência do prazo decadencial previsto em lei
, pois, com o exaurimento de referido lapso temporal,
estar-se-á diante da coisa soberanamente julgada, insuscetível de ulterior modificação, ainda que o ato sentencial encontre fundamento em legislação que, em momento posterior, tenha sido declarada inconstitucional pelo STF, quer em sede de controle abstrato, quer no âmbito de fiscalização incidental de constitucionalidade
. A superveniência de decisão do STF, declaratória de inconstitucionalidade de diploma normativo utilizado como fundamento do título judicial questionado, ainda que impregnada de eficácia ex tunc - como sucede, ordinariamente, com os julgamentos proferidos em sede de fiscalização concentrada (RTJ 87/758 - RTJ 164/506-509 - RTJ 201/765) -, não se revela apta, só por si, a desconstituir a autoridade da coisa julgada, que traduz, em nosso sistema jurídico, limite insuperável à força retroativa resultante dos pronunciamentos que emanam, in abstracto, da Suprema Corte." (RE 592.912-AgR, rel. min. Celso de Mello, julgamento em 3-4-2012, Segunda Turma, DJE de 22-11-2012.)
Atente-se também para a lição de Humberto Theodoro Jr.:
"A coisa julgada é fenômeno próprio do processo de conhecimento, cuja sentença tende a fazer extinguir a incerteza provocada pela lide instalada entre as partes. Mas fazer cessar a incerteza jurídica não significa apenas fazer conhecer a solução cabível, mas impô-la, tornando-a obrigatória para todos os sujeitos do processo, inclusive o próprio juiz. Às vezes, o comando sentencial tem de ser executado por meio de realização coativa da prestação devida pelo vencido. Outras vezes, a declaração apenas é suficiente para eliminar o foco da desavença. Nem sempre, portanto, o processo civil está predisposto a providências executivas. Há acertamentos condenatórios, mas há também os não condenatórios, que se desenvolvem em torno de pretensões constitutivas ou apenas declaratórias.
Uma vez, porém, concluído o acertamento da controvérsia, seja por sentença de imposição de sanção, seja por sentença puramente declaratória, a coisa julgada se estabelece com a mesma função, ou seja, a certeza jurídica em torno da relação controvertida se implanta com plenitude, vinculando as partes e o juiz.
Essa situação jurídica cristalizada pela coisa julgada caracteriza-se por dois aspectos fundamentais: de um lado, vincula definitivamente as partes; de outro, impede, partes e juiz, de restabelecer a mesma controvérsia não só no processo encerrado, como em qualquer outro.
Admite-se, dessa maneira, uma
função negativa
e uma
função positiva
para a coisa julgada. Pela função negativa exaure ela a
ação exercida
, excluindo a possibilidade de sua
reproposição
. Pela função positiva, “impõe às partes obediência ao julgado como norma
indiscutível
de disciplina das relações extrajudiciais entre elas e obriga a autoridade judiciária a ajustar-se a ela, nos pronunciamento que a pressuponham e que a ela se devem coordenar
” (
apud
NEVES, Celso. Coisa Julgada Civil. São Paulo: RT, 1971, p. 383-383).
A coisa julgada, por sua força vinculativa e impeditiva, não permite que partes e juiz escapem da definitiva sujeição aos efeitos do acertamento consumado no processo de conhecimento. O resultado prático é caber a qualquer dos litigantes “a
exceptio rei iudicatae,
para excluir novo debate sobre a relação jurídica decidida” (
apud
NEVES, Celso. Op. Cit, p. 489), e ao juiz o poder de, até mesmo de ofício, extinguir o processo sem julgamento do mérito, sempre que encontrar configurada a ofensa à coisa julgada (ar. 267, V e § 3º).
Portanto, quando o art. 467 fala em
indiscutibilidade
e
imutabilidade
da sentença transitada em julgado refere-se a duas coisas distintas: a) pela
imutabilidade
, as partes estão proibidas de propor ação idêntica àquela em que se estabeleceu a coisa julgada; b) pela
indiscutibilidade
, o juiz é que em novo processo, no qual se tenha de tomar a situação jurídica definida anteriormente pela coisa julgada como razão de decidir, não poderá reexaminá-la ou rejulgá-la; terá de tomá-la simplesmente como
premissa
indiscutível. No primeiro caso atua a força
proibitiva
(ou negativa) da coisa julgada, e, no segundo, sua força
normativa
(ou positiva)
." (THEODORO JÚNIOR, Humberto.
Curso de Direito Processual Civil:
Teoria geral do direito processual civil e processo de conhecimento. Vol. I. Rio de Janeiro: Forense, 2014, p. 587-588).
Nesse mesmo sentido, leiam-se também os seguintes julgados: RE 444.816, rel. min. Marco Aurélio, julgamento em 29-5-2012, Primeira Turma, DJE de 27-8-2012; RE 594.350, rel. min. Celso de Mello, decisão monocrática, julgamento em 25-5-2010, DJE de 11-6-2010.
Segundo o conhecido art. 502, CPC/15,
"
Denomina-se coisa julgada material a autoridade que torna imutável e indiscutível a decisão de mérito não mais sujeita a recurso
.
" O art. 503, do mesmo código, preconiza que
"A decisão que julgar total ou parcialmente o mérito tem força de lei nos limites da questão principal expressamente decidida."
Merece ênfase, ademais, o art. 508, CPC:
"Transitada em julgado a decisão de mérito, considerar-se-ão deduzidas e repelidas todas as alegações e as defesas que a parte poderia opor tanto ao acolhimento quanto à rejeição do pedido."
Luiz Guilherme Marinoni e Daniel Mitidiero são precisos quando enfatizam que
"A coisa julgada pressuposto do discurso jurídico - constitui uma regra sobre o discurso. Não admite, nesse sentido, ponderação. Representa evidente agressão ao Estado Constitucional e ao próprio discurso jurídico a tentativa de relativizar a coisa julgada."
(MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel.
Código de processo cvil.
6. ed. rev. atual. São Paulo: RT, 2014, p. 449).
Desse modo, a sentença transitada em julgado não pode ser alterada ou desconsiderada pelo Juízo, conforme lógica do art. 508, CPC/15. Tal alteração apenas seria admissível em casos de negócio processual, avençado entre as partes, versando sobre pretensões disponíveis, conforme art. 190, CPC/15. Também seria cabível em hipótese de ação rescisória, interposta perante o Tribunal competente e com atenção ao prazo do art. 975, CPC/15; em caso de
querela nullitatis insanabilis
ou de declaração, pela Suprema Corte, da inconstitucionalidade de norma tomada como fundamento para prolação da sentença (art. 535, §4º, CPC).
Aludidas exceções não se aplicam ao caso vertente. De toda sorte, não diviso sinais de que esta demanda seja reiteração de alguma outra porventura já julgada, com sentença transitada em julgado
.
2.7. Eventual litispendência:
De alguma forma, o tema do
ne bis in idem
tem origem no âmbito do direito sancionador, dado que ninguém pode ser sancionado duplamente por uma mesma infração administrativa ou penal
. Essa vedação decorre da própria cláusula do devido processo, tanto na vertente substantiva quanto procedimental. Daí que ninguém pode responder a simultâneos processos administrativos versando sobre a mesma suspeita/imputação, tampouco podendo responder a distintos processo penais com lastro na mesma arguição.
Esse é o conteúdo da cláusula do
double jeopardy,
assegurada pela 5ª e pela 14ª Emendas da Constituição dos EUA (aplicadas aos Estados-membros a partir do caso
Benton v. Maryland - 1969,
Suprema Corte). No âmbito da
Civil Law
isso se traduz na cláusula do
ne bis in idem,
assegurado expressamente pelo art. 8º do Pacto de San José da Costa Rica e em inúmeros outros tratados internacionais. No caso alemão, essa vedação está expressa no art. 103 da Lei Fundamental (
Doppelverwertungsverbot -
proibição de dupla valoração do mesmo fato:
"
Ninguém pode ser punido mais de uma vez pelo mesmo fato, com base no direito penal comum
",
em tradução livre).
Apesar de se tratar de garantia antiga - há quem alegue que o
ne bis in idem
teria origem sob o governo de Henrique II, na Inglaterra (por volta de 1100 D.C, conforme RUDSTEIN, David S.
Double
jeopardy:
a reference guide to the United States Constitution. Westport: Praeger, 2004, p. 4-8), há várias discussões a respeito do seu alcance. Anote-se, por exemplo, que García de Enterría sustentava que o
ne bis in idem
impediria a cumulação de sanções penais e administrativas diante de uma mesma imputação, por força da redação do art. 25 da Constituição da Espanha (veja-se AISA, Estrella Escuchuri.
Teoría del concurso de leyes y de delitos:
bases para una revisión crítica. Granada: Comares, 2004, p. 123). Mas, essa opinião não ganhou maiores adeptos.
O fato é que o
bis in idem
ocorre quando alguém é sancionado mais de uma vez pela mesma imputação. Daí que deve se tratar da mesma conduta e também da punição ao mesmo título, dado que é cabível - no território nacional - que alguém responda a uma sanção pela infração tributária e também responda por eventual crime previsto na lei 8.137/1990. Em outras palavras, um determinado comportamento pode configurar, a um só tempo, infração a cláusulas contratuais - dando ensejo à aplicação de cláusulas penais -; ilícito administrativo; ilícito tributário e ilícito penal, contanto que haja efetiva diferença entre os escopos sancionatórios de cada uma dessas imputações.
No caso, não diviso sinais de litispendência, o que pressupõe - conforme
art. 337, §2, CPC/15
- identidade de partes, de pedido e de causa de pedir. No presente processo, a aludida exceção não foi suscitada pelas partes e não constato o cogitado
bis in idem
, no que tange ao exame de ofício.
Aludido requisito de identidade de partes nas demandas é esmaecido, e fato, quando em causa processos coletivos, na medida em que o(a) autor(a) pode então deduzir pretensão em nome de coletividades.
Quando em causa ações coletivas
, o que não é a hipótese em exame, é salutar ter em conta
"que a aferição da litispendência na tutela coletiva deve ser regida não pela análise de quem formalmente se apresenta como autor das diversas demandas, mas, sim, pela qualificação jurídica de tal legitimação. Vale dizer, indagando-se a que título estão as diferentes entidades autoras em juízo, deduzindo idênticas pretensões de tutela de direitos meta-individuais (mesmos pedidos e causas de pedir), quando, então, será possível afirmar serem idênticas as demandas coletivas.
Deste modo, em virtude da especialidade do modelo processual coletivo, e, notadamete da qualificação da legitimação ativa empregaada, revela-se equivocada a afirmação de inexistência de litispendência entre ações coletivas através das quais sejam deduzidas idênticas pretensões, pelo tão-só fato de terem sido propostas por entidades diferentes
."
(VENTURI, Elton.
Processo civil coletivo:
a tutela jurisdicional dos direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos no Brasil. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 331).
No caso em exame, não há sinais de litispendência.
2.8. Eventual suspensão do processo:
Não diviso a presença dos requisitos que ensejariam eventual suspensão do processo, nesta etapa da causa, por conta de alguma questão prejudicial - art. 313, Código de Processo Civil/15: "
Suspende-se o processo: (...) V -
quando a sentença de mérito: a) depender do julgamento de outra causa ou da declaração de existência ou de inexistência de relação jurídica que constitua o objeto principal de outro processo pendente
; b) tiver de ser proferida somente após a verificação de determinado fato ou a produção de certa prova, requisitada a outro juízo. (...) § 4 O prazo de suspensão do processo nunca poderá exceder 1 (um) ano nas hipóteses do inciso V e 6 (seis) meses naquela prevista no inciso II. §5 O juiz determinará o prosseguimento do processo assim que esgotados os prazos previstos no §4."
A respeito dos aludidos preceitos, convém registrar aqui a análise detida promovida por Araken de Assis:
"Prejudicial externa civil – A hipótese mais frisante de suspensão do processo em razão de prejudicialidade externa homogênea é a prevista no art. 313, V, a, do NCPC.
Toda vez que o julgamento do mérito “depender do julgamento de outra causa ou da declaração de existência ou de inexistência de relação jurídica que constitua o objeto principal de outro processo pendente”, o juiz suspenderá o processo
. Derivações dessa regra avultam na possibilidade de o relator suspender os processos que dependam do julgamento da ação declaratória de constitucionalidade (art. 21 da Lei 9.868/1999) e da arguição de descumprimento de preceito fundamental (art. 5.º, § 3.º, da Lei 9.882/1999) – não, porém, a suspensão em decorrência do incidente de resolução das demandas repetitivas ou do julgamento do recurso extraordinário e do recurso especial repetitivos: a questão aí julgada é principal. O art. 313, V, a, trata da suspensão por causa prejudicial, que é a aptidão da prejudicial em tornar-se objeto litigioso em outro processo.
Fica evidente da redação da norma que a prejudicial é externa, porque há de consistir em “objeto principal de outro processo”. Não importa a circunstância de a questão prejudicial consistir no objeto originário do outro processo (v.g., A postula a invalidade do contrato firmado com B, mas B pleiteia o cumprimento da prestação devida por A) ou decorrer do alargamento desse objeto, por força de declaração incidente (v.g. B pleiteou de A, no primeiro processo, o principal da dívida, mas A reagiu pleiteando a declaração incidente da validade do contrato; no segundo processo, B pleiteia de A os juros da dívida). Importa a resolução da questão comum no outro processo, com autoridade de coisa julgada. E, nesse caso, o vínculo produzido na causa subordinante estender-se-á à causa subordinada ou, vencido o prazo máximo de suspensão – hipótese mais do que provável, vez que o interregno de um ano (art. 313, § 4.º) é muito curto, pressupondo-se elastério mais dilatado para o julgamento, por forçada ordem cronológica do art. 12, e o trânsito em julgado –, sobre a deliberação incidental na causa subordinada não recairá a coisa julgada (art. 503, § 1.º, III, in fine). Realmente, a questão comum não constitui o objeto principal da causa condicionada. Do contrário, configurar-se-ia um dos efeitos da litispendência, a proibição de renovação de causa idêntica. Cumprirá ao juiz julgá-la vencido o prazo hábil de espera, incidentalmente, apesar dos esforços de concatenação empreendidos pelo expediente da suspensão.
O exemplo ministrado, em que uma das partes pleiteia a decretação da invalidade do contrato e a outra reclama a prestação, releva que tampouco importa a diversidade da força da ação (declarativa, constitutiva, condenatória, executiva e mandamental) e a espécie de procedimento. A pretensão de A contra B para decretar a invalidade do contrato tem força constitutiva negativa, a de B contra A para realizar a prestação tem força condenatória. Nada obstante, o primeiro processo funciona como causa prejudicial relativamente à pretensão deduzida no segundo: decretada a invalidade do contrato naquele, fica predeterminado o desfecho deste (improcedência). Evidentemente, havendo a possibilidade de reunir os processos no mesmo juízo (retro, 305), para julgamento simultâneo, por força da conexão (retro, 303), inexiste a necessidade de suspender a causa condicionada, porque os processos conexos serão julgados simultaneamente (art. 55, § 1.º).
O objetivo da suspensão prevista no art. 313, V, a, consiste em evitar a emissão de provimentos conflitantes, logicamente incompatíveis, a respeito da questão prejudicial. Por esse motivo, causa prejudicial envolvendo partes distintas raramente constitui razão bastante para suspender outro processo, por mais relevante que seja a questão comum controvertida em ambos, ressalva feita às hipóteses de o julgamento da causa subordinante produzir efeitos erga omnes, como acontece na ação declaratória de constitucionalidade (art. 102, § 2.º, da CF/1988). Aliás, essa é uma característica – a falta de identidade de partes – da prejudicial de constitucionalidade, objeto do controle concentrado, todavia alheio à incidência do art. 313, V, a. Em outras palavras, o juiz da causa condicionada não suspenderá o processo em que se controverta norma objeto de controle concentrado de constitucionalidade
. Em tal hipótese, ou o STF concedeu liminar, suspendendo a vigência da norma, e o juiz não poderá aplicá-la; ou não concedeu, e o juiz haverá de aplicá-la no julgamento do mérito, ou não, exercendo o controle difuso. A superveniência do julgamento do STF, pronunciando a inconstitucionalidade, será recepcionado no julgamento do mérito ou, havendo ocorrido o trânsito em julgado, a sentença se tornará inexequível, nas condições do art. 525, § 1.º, III, c/c § 12.
No tocante ao estágio do processo subordinado, a suspensão poderá ocorrer no primeiro e no segundo graus; em particular, “o fato de já ter sido proferida sentença no processo prejudicado não afasta, portanto, a possibilidade de sua suspensão”. Conforme deflui da cláusula final do art. 313, V, a, que alude a “outro processo pendente”, tampouco o estágio do processo subordinante se mostra relevante à suspensão, bastando que subsistam os efeitos da litispendência. Encontrando-se a causa prejudicial no tribunal, por força de apelação, admite-se a suspensão, hipótese em que, presumivelmente, o desfecho ocorrerá dentro do prazo de suspensão
.
Era particularmente difícil a interpretação da regra particular do direito anterior, declarando haver suspensão do processo que “tiver por pressuposto o julgamento de questão de estado, requerido como declaração incidente” (art. 265, IV, c, do CPC de 1973). A esse propósito, havia dois termos de alternativa: ou se cuidava de prejudicial externa, caracterizada pelo fato se tratar de questão de estado (v.g., na ação de divórcio, a validade do casamento), hipótese em que incorreria a lei em indesejável redundância; ou se tratava de prejudicial interna, caso em que ocorreria colisão com o sistema da declaração incidente, e, pior, nenhuma justificativa plausível para suspender o processo, pois o juiz da causa resolverá conjuntamente a questão prejudicial, e, conforme o teor da resolução, passando ou não à análise da questão prejudicada. Essa situação constitui simples subespécie da regra geral do art. 313, V, a, do NCPC. É digno de nota a possibilidade de o juízo não exibir competência em razão da matéria para julgar questões de estado em caráter principalmente, hipótese em que a resolução incidental porventura tomada não se revestirá de auctoritas rei iudicate, nos termos do art. 503, § 1.º, III." (ASSIS, Araken de.
Processo civil brasileiro:
volume II. Tomo II. Parte geral: institutos fundamentais. São Paulo: RT. 2015. p. 809 e ss.)
No caso em apreço, não diviso a presença de causas ensejadoras da suspensão desta demanda, a exemplo de cogitada necessidade de se aguardar a evolução de algum outro processo
. Tampouco foi determinada a suspensão em alguma demandada suscetível de produzir tal efeito, a exemplo do disposto no art. 982, do Código de Processo Civil/2015. Ressalvo eventual novo exame do tema, caso a tanto instado.
2.9.
Legitimidade das partes - considerações gerais:
É sabido que, em alguma medida, as questões alusivas à pertinência subjetiva tangenciam o próprio mérito da causa. Nosso sistema ainda se vincula à concepção eclética de Túlio Liebmann - quem distinguia entre pressupostos processuais, condições para o válido exercício do direito de ação e, por fim, as questões de mérito.
O problema é que, no mais das vezes, os temas próprios ao mérito (procedência/improcedência da pretensão) e os temas próprios às condições da ação (legitimidade/ilegitimidade, possibilidade do pedido) não podem ser distinguidos de uma forma absolutamente clara. Como se infere do seu 'Tratado das ações', Pontes de Miranda promovia uma distinção entre (a) ação em sentido material - como uma espécie de projeção do direito subjetivo - ainda vinculada à concepção imanentista do direito civil antigo e (b) ação em sentido processual.
Com base nessa diferenciação pontiana, é que o desembargador gaúcho Adroaldo Furtado Fabrício tem criticado a teoria eclética, ao enfatizar que as 'condições da ação' também tratam, no geral, do mérito da causa (saber se a parte é legítima é, de certa forma, um exame conexo ao mérito: saber se ela poderia ser demandada, se teria a obrigação de indenizar etc).
Confira-se com Adroaldo Furtado Fabrício. Extinção do Processo e Mérito da Causa, in OLIVEIRA, Carlos Alberto Álvaro de (org).
Saneamento do processo:
Estudos em homenagem ao Prof. Galeno Lacerda. Porto Alegre: Sérgio Fabris, 1990, p. 33.
De todo modo, em sentido pontualmente distinto, e por conta dos dispositivos do Código de Processo Civil em vigor, atente-se para a lição de Araken de Assis:
"
A legitimidade não condiciona a ação, como quer a opinião há pouco exposta, haja vista um motivo trivial: a sua falta jamais impedirá a formação do processo
. A pessoa que toma a iniciativa de provocar o órgão judiciário, seja quem for, cria a relação processual, embora fadada a perecer através de juízo de admissibilidade negativo – item que constitui pressuposto lógico e cronológico do exame do mérito.
Legitimidade é, descansando no direito material, problema distinto do juízo acerca do caráter fundado ou infundado da pretensão deduzida contra o réu
. A demanda movida por alguém sem legitimidade é inadmissível, e, não, infundada. Sentença terminativa desse teor limita-se a repelir, a partir dos dados ministrados pelo direito material, sempre
in status assertionis,
a habilitação da parte para conduzir o processo, relativamente ao objeto litigioso alegado. Aos esquemas abstratos, traçados na lei, gerando tal capacidade, chamam-se de situações legitimadoras. Portanto, a dissociação entre o sujeito da lide e o do processo evidencia a verdadeira natureza da legitimidade e a situa no lugar próprio no conjunto das questões submetidas à apreciação do órgão judicial. É um pressuposto processual preenchido mediante a simples enunciação do autor. Ninguém se atreverá a reputar respeitante ao mérito eventual juízo quanto à inexistência, em determinado caso concreto, do título legal para alguém pleitear em juízo direito alheio. Descontada a errônea concepção que ilegitimidade do autor obsta à formação do processo, o art. 485, VI, houve-se com acerto ao situar o problema fora do mérito."
(ASSIS, Araken de.
Processo civil brasileiro.
Volume II. Tomo I. SP: RT. 2015. p. 178).
Em outras palavras, deve-se aferir a pertinência subjetiva dos contendores, tendo-se em conta a causa de pedir detalhada na peça inicial.
2.10. Pertinência subjetiva das partes - caso em exame:
Nos termos do art. 17, Código de Processo Civil/15, anoto que o(a) autor(a) está legitimado(a) para a causa, eis que ele(a) sustentou ter suportado prejuízos por conta de alegadas falhas no sistema de segurança da CEF. Ele(a) deduziu pretensão própria, em nome próprio, não esbarrando na vedação do art. 18, CPC.
Anoto que não se cuida de causa que exiga a outorga uxória, na forma do art. 73, CPC, eis que a presente demanda versa sobre obrigações de trato pessoa, não se discutindo direitos reais.
Por seu turno, a CEF está legitimada para a causa, eis que - segundo narrativa dos fatos, veiculada na peça inicial - ela teria sido responsável pelo prejuízo suportado pela parte autora, por força de aventadas falhas no seu sistema eletrônico de saques de recursos. Saber se realmente deve ser responsabilizada é questão a ser apreciada com o exame do mérito da pretensão deduzida na peça inicial.
2.11.
Litisconsórcio
necessário - considerações
gerais:
O litisconsórcio previsto inicialmente no art. 47, CPC/1973 e atualmente no
art. 114, CPC/2015
, decorre da lógica do
inauditus damnare potest,
imposto pelo art. 5º, LIV e LV, CF. A sentença apenas faz coisa julgada entre as partes, conforme art. 506, CPC/15, exceção feita à regra do art. 109. Código de Processo Civil/2015.
Ora, justamente por força da necessidade de que as decisões judiciais sejam consistentes, é que o Código de Processo civil obriga o demandante, em determinados casos, a orientar a sua pretensão contra todas as pessoas intimamente vinculadas a determinado evento (causa de pedir). Busca-se, com isso, inibir soluções judiciais contraditórias, ao mesmo tempo em que também se otimiza a prestação jurisdicional e se assegura o postulado
nemo inauditus damnare potest.
Reporto-me à lição de Luís Marinoni e Sérgio Arenhart:
"Em princípio, a determinação da formação do litisconsórcio necessário vem estipulada no caput do art. 47, CPC, que afirma que há litisconsórcio necessário quando, por disposição de lei ou pela natureza da relação jurídica, o juiz tiver de decidir a lide de modo uniforme para todas as partes. Portanto, da leitura desse artigo tem-se que duas causas podem gerar o litisconsórcio necessário; a lei ou a natureza da relação jurídica.
E, somando-se a isso, para a caracterização da necessidade da formação do litisconsórcio, será necessário que essas causas exijam que o juiz julgue o litígio de maneira uniforme para todas as partes (rectius, litisconsortes). Note-se, porém, que a redação do dispositivo é bastante defeituosa, podendo levar à conclusão de que as figuras do litisconsórcio necessário e unitário identificam-se, ou melhor, que o litisconsórcio unitário deve ser necessário e que o litisconsórcio necessário deve ser unitário
.
Nem sempre, porém, assim será. Imagine-se a hipótese em que a lei obriga, por qualquer causa, a formação de determinado litisconsórcio, ainda que a questão não precise, necessariamente, ser resolvida de maneira idêntica para todos os litisconsortes. Pense-se na hipótese da ação popular, em que a lei determina que devam ser citados para a ação todos aqueles que direta ou indiretamente tenham contribuído, por ação ou omissão, para a edição do ato inquinado como ilegal (art. 6º da lei 4.717/1965 - lei de ação popular), bem como seus beneficiários diretos. Ninguém duvida que esse é um litisconsórcio simples, não exigindo solução idêntica perante todos os litisconsortes. Não obstante isso, a lei impõe a formação de litisconsórcio. Seria, por acaso, indevida essa exigência do litisconsórcio? Poderia alguém questionar a exigibilidade desse litisconsórcio? Não parece que a resposta possa ser positiva. Em verdade, a exigência da formação do litisconsórcio, no caso, em que a lei o exija, independe do caráter unitário ou não da figura. Impõe simplesmente porque a lei o quer.
Somente na outra hipótese, em que a formação do litisconsórcio decorre da natureza da relação jurídica, é que efetivamente tem algum interesse a questão da unitariedade ou não da figura
. Aqui, sim, é possível que, diante da necessidade de que a solução da causa seja idêntica para várias pessoas, imponha-se o litisconsórcio ainda que a lei não o determine. E, como já visto, a unitariedade do litisconsórcio decorre não apenas do fato de que a sentença deve decidir a questão de forma uniforme para todos os litisconsortes, mas, sobretudo, da ideia de que essa imposição decorra da unitariedade da relação jurídica material deduzida em juízo. Vale dizer: no litisconsórcio unitário, exige uma relação jurídica material (cuja afirmação é o objeto da demanda) que possui vários sujeitos em um dos pólos. Pense-se no caso de um imóvel que possua vários coproprietários. Ou no negócio jurídico celebrado por marido e mulher com terceiro. Ou ainda em um ato administrativo (por exemplo, uma portaria) complexo, que é emitido por mais de uma entidade. Nesses casos, a relação jurídica material realizada possui, em pelo menos um dos seus pólos, mais de um sujeito. E é precisamente essa pluralidade subjetiva em um dos pólos da relação jurídica material deduzida em juízo que determina, na forma do que prevê o art. 47, CPC (natureza da relação jurídica), o litisconsórcio necessário." (MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz.
Processo
de conhecimento.
7. ed. São Paulo: RT, 2008, p. 173-174)
Atente-se também para a análise de Marcelo Abelha Rodrigues:
"A necessidade deste tipo de litisconsórcio, prevista no art. 47, CPC, decorre ou por força de lei, ou por natureza da relação jurídica. Será por força de lei no caso, por exemplo, do art. 6º da LAP, ou ainda no caso do art. 942, II, CPC.
Estaremos diante da segunda hipótese quando se cuidar de ação anulatória proposta contra todos os contratantes. Não se pode ser contra apenas um deles, pois a natureza da relação jurídica requer que possuam a mesma decisão. Outro exemplo, por força da lei, é o previsto no art. 10, §2º, CPC
."
(RODRIGUES, Marcelo Abelha.
Elementos de direito processual civil.
vol. 1. 2. ed. São Paulo: RT, 2000, p. 296)
O litisconsórcio pode ser necessário ou facultativo, no que toca à obrigatoriedade da sua formação. Também pode ser unitário ou simples, quanto à solução a ser dispensada às partes. O litisconsórcio é facultativo quando determinadas pessoas aquiescem em litigar juntas contra um mesmo demandado; ou quando o autor endereça, a um só tempo, pretensões contra várias pessoas, desde sejam todas legítimas a figurar na causa (art. 17, CPC/15). A respeito do litisconsórcio necessário, atente-se para o seguinte:
"
A obrigatoriedade da formação do litisconsórcio pode ser dada pela lei ou pela relação jurídica. São exemplos de litisconsórcio necessário por disposição de lei: a) CPC 246 §3º, que manda citar os confinantes nas ações de usucapião de imóvel; b) LAP 6º, que manda citar o funcionário que autorizou a prática do ato impugnado, bem como a pessoa jurídica de direito público ou privado a que ele pertence
; c) CPC, art. 76 §1º II, que manda citar ambos os cônjuges em ação na qual se discutam fatos que digam respeito a ambos os cônjuges ou atos praticados por eles (v.g., fiança - CC 1647 III) São exemplos de litisconsórcio necessário por força da relação jurídica: a) todos os partícipes de um contrato, para a ação anulatória do mesmo contrato, porque a sentença que decidir a lide não poderá anular o contrato para um dos contratantes e declará-lo válido para os demais que eventualmente não estivessem no processo como partes. Não sendo obrigatória a formação do litisconsórcio, este se caracteriza como facultativo, cujos casos mais comuns estão enumerados no CPC 113." (NERY JR., Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade.
Comentários ao código de
processo
civil.
1ª. ed. SP: RT, 2015)
2.12. Litisconsórcio - caso em exame:
No presente caso, não diviso um contexto de litisconsórcio necessário, a ensejar que a parte autora enderece sua pretensão em face de quem ainda não figure como litigante, de modo a convocá-lo para a demanda. Eventual acolhimento da pretensão da parte autora não atingirá diretamente a esfera de terceiros, o que registro para os fins do art. 506, CPC.
D'outro tanto, ao que consta, a conta bancária em causa seria mantida apenas pelo autor, sem que haja cotitularidade. Ademais, mesmo que assim fosse, cuidar-se-ia de
pretensão indivisível, o que ensejaria não a formação de litisconsórcio; mas, antes apenas a efentual limitação de eventual procedência à fração de titularidade do requerente. Reitero, porém, que, ao que consta, o autor é o único titular da conta corrente mencionada na inicial.
2.13. Possibilidade jurídica do pedido:
A respeito da impossibilidade jurídica, convém atentar para a lição de Marcelo Abelha Rodrigues:
"Presente no nosso ordenamento jurídico explicitamente no art. 295, III, e implicitamente quando este adotou o conceito abstrato de ação, a possibilidade jurídica do pedido diz respeito à previsão
in abstracto
daquilo que se pede, dentro do ordenamento jurídico.
A possibilidade jurídica do pedido é instituto processual, e significa que ninguém pode ajuizar uma ação sem que peça uma providência que esteja, em tese (abstratamente) prevista no ordenamento jurídico material (no direito alemão é usado o termo viabilidade, donde se abstrai o mesmo significado). Veja o exemplo: 'A' pede o despejo de 'B' por falta de pagamento
.
Basta ao juiz a análise superficial e ver se tal situação é prevista (despejo por falta de pagamento) no nosso ordenamento jurídico, sem adentrar contudo em considerações fático-jurídicas do problema. Veja que ele não vai dizer, naquele momento, se 'B' vai ser despejado, mas apenas se existe no nosso ordenamento jurídico a hipótese invocada.
Por isso mesmo é que esta condição é prejudicial das demais, ou seja, deve ser a primeira a ser analisada, à luz da logicidade e do princípio da economia processual.
Dizer que um pedido é juridicamente possível significa que o ordenamento não o proíbe expressamente
. Destarte, o vocábulo 'pedido', que faz parte da referida condição da ação, está disposto na sua acepção mais ampla, ou seja, não somente em seu sentido estrito de mérito, mas também conjugado com a causa de pedir.
Afinal, é lapidar a conceituação de Arruda Alvim: 'Verificação se o pedido é, abstrata ou idealmente, contemplado pelo ordenamento, senão vedado pelo mesmo.' Também é essencial a colocação feita por Nery, quando lembra que o termo 'pedido' (que integra a expressão 'possibilidade jurídica do...'), tem de ser entendido na sua acepção mais lata, ou seja, conjugado com a causa de pedir. Assim, embora o pedido de cobrança, estritamente considerado, seja admissível pela lei brasileira, não o será se tiver como causa petendi dívida de jogo (art. 1.477, caput, Código Civil)." (RODRIGUES, Marcelo
Abelha
.
Elementos de direito processual civil.
vol. 1. 2. ed. São Paulo: RT, 2000, p. 183-184)
Na espécie, a pretensão do requerente não esbarra na mencionada condição para válido exercício do direito de ação. Não há norma juridicamente válida que a impeça de deduzir em juízo a pretensão sob exame. Saber se tal pretensão merece acolhida é tema pertinente ao mérito.
2.14. Interesse processual - considerações gerais:
Por conta do monopólio do uso válido da força - expressão de Max Weber -, exceção feita aos casos de legítima defesa, estado de necessidade, desforço incontinenti etc., as partes não podem resolver seus conflitos mediante o emprego da força (art. 345, Código Penal). Logo, sempre que as controvérsias não sejam solucionadas com base no consenso, na prevalência do melhor argumento, os sujeitos devem deduzir suas pretensões perante o Estado, na espera de que haja aplicação isenta, racional e célere da lei (
law enforcement
).
Por imposição constitucional, o Poder Judiciário está obrigado a apreciar a alegação de que haja lesão ou ameaça de lesão a direito (art. 5º, XXXV, CF/88), mecanismo indispensável para que haja
efetivo império da lei
, ao invés da prevalência dos poderes hegemônicos de ocasião. A prestação jurisdicional não se destina, todavia, a emitir meros pareceres ou cartas de intenções.
O ingresso em juízo deve estar fundado, tanto por isso, em uma situação de efetiva necessidade, de modo que a pretensão - caso venha a ser acolhida - se traduza em uma utilidade para o demandante. O meio processual eleito deve ser adequado para tanto. Daí que os processualistas tratem do interesse processual em uma
troika
:
a necessidade, a utilidade e a adequação do meio processual escolhido pela parte. Em acréscimo, o interesse processual deve persistir no curso da demanda, nos termos do art. 17 e art. 85, §10, CPC/15.
Ora,
"Mediante a força declaratória, a aspiração do autor consiste na
extirpação da incerteza
. Deseja tornar indiscutível, no presente e no futuro, graças à autoridade da coisa julgada, a existência ou a inexistência de relação jurídica, a autenticidade ou a falsidade de documento. É o que dispõe, fortemente inspirado no direito germânico e reproduzindo a regra anterior, o art. 19 do CPC/15. Também comporta declaração a exegese de cláusula contratual (Súmula do STJ, n.º 181), ou seja, o modo de ser de uma relação jurídica. Na ação declarativa, ignora-se outra eficácia relevante que a de coisa julgada material.
Neste sentido, a pretensão à declaração representa fonte autônoma de um bem valiosíssimo na vida social: a certeza
. O autor que só pleiteia declaração ao juiz, e obtém êxito, dar-se-á por satisfeito, e cabalmente, desde o curso em julgado da sentença. Então apropria-se do que pedira ao órgão judicial – certeza –, carecendo a regra jurídica emitida de qualquer atividade complementar em juízo. Focalizando o ponto com preciosa exatidão, diz-se que a sentença declaratória é instrumento autossuficiente de tutela jurisdicional, pois assegura, de maneira plena e completa, a efetividade da situação jurídica substancial deduzida em juízo."
(ASSIS, Araken de.
Processo civil brasileiro:
volume I. Parte geral: fundamentos e distribuição de conflitos. São Paulo: RT. 2015. p. 675).
Ainda segundo Araken de Assis,
"O provimento declaratório tem nítido caráter prescritivo. A parte adquire o direito incontestável de comportar-se em consonância ao comando sentencial, e, principalmente, não é dado àqueles que se vincularam à declaração impedi-la.
A finalidade da ação declaratória da inteligência e do alcance de cláusula contratual é a de prescrever aos parceiros do negócio, sucessivamente, determinada pauta de conduta, independentemente de execução alguma, de que não se cogita e de que não se pode cogitar
."
(ASSIS, Araken de.
Obra citada.
p. 676).
Acrescento
"que a certeza implicará a vinculação futura das partes. O provimento exibirá caráter prescritivo para o futuro.
O ato judicial legitima a prática (ou a abstenção) de atos jurídicos ao abrigo e em conformidade com o conteúdo da sentença
. Em geral, a antevisão desse problema provoca o nascimento do interesse. Por assim dizer, o provimento declarativo tem os pés no passado, mas olhar no futuro. É preciso aceitar com reservas, portanto, o julgado da 4.ª Turma do STJ, que assentou: Não é detentor de interesse processual justificador da pretensão declarativa quem não está exposto à possibilidade de dano imediato e concreto. Ora, imediato é o interesse, pois o dano, em sentido amplíssimo, pode ser futuro. Por exemplo, não cabe declarar a inteligência da cláusula contratual em tese; o autor necessitará expor a dificuldade na interpretação da cláusula, os reflexos que este ou aquele entendimento provocará no programa contratual."
(
Obra citada.
p. 661).
2.15. Interesse processual - caso em exame:
No caso em exame, o autor atua com interesse processual, na medida em que o agente financeiro demandado impugnou a pretensão inicial, evidenciando que o pleito não seria atendido no âmbito administrativo.
Saber se o autor faz jus à reparação de danos é questão a ser examinada com juízo de mérito.
Na forma do art. 5, XXXV, Constituição, o autor não estava obrigado a deduzir a pretensão prevaimente no âmbito administrativo para, somente então, deflagrar esta demanda. Caso sua pretensão venha a ser julgada procedente, em decisão transitada em julgado, isso se traduzirá em cancelamento dos descontos promovidos no seu benefício previdenciário.
Ademais, o autor também postulou a condenação do banco requerido à reparação de danos morais, algo que dificilmente seria solucionado no âmbito extrajudicial, conforme se infere da própria manifestação do requerido. A via processual eleita se revela adequada, de modo que aludido requisito, previsto no art. 17, CPC, foi atendido. Assim, a tríade necessidade, utilidade, adequação procedimental restou satisfeita.
2.17. Valor da causa - considerações gerais:
A toda causa deve ser atribuído algum valor econômico, por força do art. 291, CPC/2015 - projeção do art. 258, CPC/73 -, pois se cuida da base de cálculo da taxa judiciária. Referido valor pode influenciar, em muitos casos, a determinação da competência das unidades judiciais ou o procedimento aplicável, também surtindo reflexos sobre a definição de encargos sucumbenciais.
Trata-se, tanto por isso, de requisito para que a petição inicial seja válida - art. 319, CPC. Como explicita Araken de Assis,
"às vezes, na oportunidade da respectiva fixação (infra, 1.290),
o conteúdo econômico real e imediato da pretensão mostra-se inestimável, ou seja, não pode ser quantificado precisamente. Tal circunstância não constitui motivo bastante para eliminar o ônus atribuído ao autor nos arts. 319, V, e 292, caput
. É apenas causa de estimação voluntária do autor, pois o art. 291 dispõe expressamente que a toda causa será atribuído valor certo. Nada obstante, a indicação aproximar-se-á, tanto quanto possível, do conteúdo econômico mediato da pretensão. Não há incompatibilidade daquelas regras com a do art. 85, § 8.º. aludindo a causas de valor inestimável. Entende-se por tal as causas desprovidas de conteúdo econômico imediato, como é o caso da ação declaratória, e, por esse motivo, sujeitas à estimação do autor."
(ASSIS, Araken.
Processo
civil brasileiro.
Volume II - Tomo I: Institutos fundamentais. SP: RT. 2015. p. 1695)
Convém atentar, tanto por isso, para o art. 292, CPC/15:
"O valor da causa constará da petição inicial ou da reconvenção e será: I - na ação de cobrança de dívida, a soma monetariamente corrigida do principal, dos juros de mora vencidos e de outras penalidades, se houver, até a data de propositura da ação; II -
na ação que tiver por objeto a existência, a validade, o cumprimento, a modificação, a resolução, a resilição ou a rescisão de ato jurídico, o valor do ato ou o de sua parte controvertida
; III - na ação de alimentos, a soma de 12 (doze) prestações mensais pedidas pelo autor; IV - na ação de divisão, de demarcação e de reivindicação, o valor de avaliação da área ou do bem objeto do pedido; V - na ação indenizatória, inclusive a fundada em dano moral, o valor pretendido; VI - na ação em que há cumulação de pedidos, a quantia correspondente à soma dos valores de todos eles; VII - na ação em que os pedidos são alternativos, o de maior valor; VIII - na ação em que houver pedido subsidiário, o valor do pedido principal. § 1º
Quando se pedirem prestações vencidas e vincendas, considerar-se-á o valor de umas e outras. § 2º O valor das prestações vincendas será igual a uma prestação anual, se a obrigação for por tempo indeterminado ou por tempo superior a 1 (um) ano, e, se por tempo inferior, será igual à soma das prestações
. § 3º O juiz corrigirá, de ofício e por arbitramento, o valor da causa quando verificar que não corresponde ao conteúdo patrimonial em discussão ou ao proveito econômico perseguido pelo autor, caso em que se procederá ao recolhimento das custas correspondentes."
Menciono novamente a análise promovida por Araken de Assis:
"
É exemplificativa a enumeração dos acessórios. Os juros compensatórios, por exemplo, dificilmente se quadram na figura de penalidade. A correção monetária integra o valor originário do crédito e, nesse aspecto, sua menção no art. 292, corrige o direito anterior
. Ressalva feita aos juros moratórios e à correção monetária, verbas implicitamente incluídas no pedido respeitante ao principal (art. 322, § 1.º), e, nada obstante, integrantes do valor da causa, quaisquer outras verbas devem ser objeto de pedido. É o caso, expressis verbis, da cláusula penal moratória ou compensatória e dos juros compensatórios. Omisso que seja o pedido, a respeito da cláusula penal (v.g., o autor quer evitar a controvérsia em torno da interpretação do contrato), tampouco conta-se o respectivo valor. Por óbvio, deixando o autor de pedir os juros moratórios, explicitamente, dificilmente realizará seu cômputo no valor da causa, ensejando a intervenção do órgão judiciário. E os juros vencidos posteriormente ao ajuizamento, automaticamente incluídos na condenação (art. 323), não entram na estimativa da causa.
O custo financeiro do processo (despesas processuais e honorários advocatícios), suportado pelo réu no caso de êxito do autor, não precisa ser computado para apurar o valor da causa. Tais verbas têm caráter eventual e decorrem da lei.
Em face do caráter imperativo do art. 292, I, mostra-se irrelevante a estimativa lançada pelo autor na petição inicial em desacordo com a regra. Prevalecerá o valor da importância reclamada no pedido.
O art. 292, I, aplica-se, por analogia, à pretensão a executar fundada em título judicial ou extrajudicial (infra, 1.292.2.2). O valor da causa é o total do crédito: o principal corrigido, os juros e os demais consectários legais ou contratuais, conforme, aliás, dispõe o art. 6.º, § 4.º, da Lei 6.830/1980. Esse valor constará na planilha aludida no art. 798, I, b, e parágrafo único
.
Também se poderia cogitar do enquadramento da pretensão a executar no art. 292, II, por que pretensão visando ao cumprimento do negócio jurídico, eventualmente consubstanciado em documento dotado de força executiva. O resultado final é idêntico, mas o art. 292, I, avantaja-se ao inciso precedente em ponto decisivo, ao impor um critério simples, direto e analítico ao valor da causa." (ARAKEN, Assis.
Obra citada.
p. 1698 e ss.)
Ora, não se pode perder de vista que o valor atribuído à causa deve corresponder, tanto quanto possível, ao conteúdo econômico da pretensão deduzida na peça inicial, como bem equaciona o art. 292, §3º, CPC/15:
"O juiz corrigirá, de
ofício e por arbitramento
, o valor da causa quando verificar que não corresponde ao conteúdo patrimonial em discussão ou
ao proveito econômico perseguido pelo autor
, caso em que se procederá ao recolhimento das custas correspondentes."
D'outro tanto, é assegurado ao requerido impugnar, em preliminar de contestação, o valor atribuído à causa pela autora (art. 293, CPC/15).
2.18. Valor da causa - situação em exame:
No caso, aludidos requisitos foram atendidos, pois a autora atribuiu à demanda montante compatível com o conteúdo da sua pretensão (R$ 72.154,00). Mantenho, pois, o valor atribuído à demanda.
2.19. Gratuidade de Justiça - considerações gerais:
No que toca à gratuidade de Justiça, anoto que a Constituição da República dispôs, no seu art. 5º LXXIV, que
"
o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos
."
Essa mesma lógica eclode do art. 24, XIII e do art. 134, Constituição Federal/1988.
Ademais, a Constituição recepcionou a antiga lei 1060/1950, responsável por detalhar as hipóteses do que se convencionou chamar de justiça gratuita.
Registro que o CPC/15 manteve a vigência da norma veiculada no art. 13 da lei 1060/1950 (art. 1072, III,
a contrario senso
), ao tempo em que admitiu o deferimento parcial da gratuidade:
"- Isenção total -
Em princípio, ao litigante interessa forrar-se integralmente do custo financeiro do processo. A isenção total tem por objeto, portanto, o art. 98, §1º, I a IX, ficando suspensa a exigibilidade do dever de reembolsar as despesas suportadas pelo adversário, no todo ou em parte - a perícia requerida por ambas a partes tem seu custo repartido, a teor do art. 95, caput, e, portanto, competiria ao beneficiário reembolsar em parte o vencedor - o pagamento de honorários ao advogado do vencedor, pelo prazo de cinco anos, a teor do art. 98, §3º
.
- Isenção parcial - Mantido pelo art. 1.072, III, NCPC, o art. 13 da lei 1060/1950 subtende a concessão parcial do benefício de gratuidade. Essa possibilidade encontra-se prevista de modo mais nítido no art. 98, §5º, segundo o qual o juiz concederá gratuidade em relação a algum ou a todos os atos processuais. Pode acontecer de o litigante, conduzindo-se segundo os ditames da boa-fé (art. 5º) alegar não dispor de recursos para adiantar, v.g., os honorários do perito, sem dúvida despesa de vulto. Em tal hipótese, o órgão judiciário concederá isenção parcial, provocando a incidência, nesse caso, do art. 95, §2º.
-
Isenção remissória - O art. 98, §5º, in fine, autoriza o juiz a reduzir percentualmente as despesas processuais que incumbe à parte adiantar no curso do processo. O benefício não alivia a parte da antecipação quanto a um ato específico. Limita o benefício à parte da despesa; por exemplo, fixada a indenização da testemunha em 100, o beneficiário paga 50, ficando a parte remanescente postergada para o fim do processo. Saindo-se vencedor o beneficiário, a contraparte cumprirá o art. 492, quanto à parte isentada, e reembolsará o beneficiário da outra metade
.
- Isenção diferida - A isenção parcial do art. 13 da lei 1060/1950 inspirou duas modalidades de diferimento: (a) o pagamento ao final, embora vencido o beneficiário; (b) o pagamento parcelado da despesa, objeto de previsão no art. 98, §6º. Por exemplo a parte não dispõe da totalidade dos honorários do perito arbitrado pelo juiz e, nessa contingência, requer o pagamento em três ou mais parcelas mensais consecutivas. O pagamento ao fim do processo é mais radical. A parte aposta no sucesso, transferindo, secundum eventuam litis, todas as despesas ao adversário. E, não logrando êxito, ficará isenta pelo prazo legal (art. 98, §3º)." (ASSIS, Araken de.
Processo civil brasileiro.
Volume II. Tomo I. Parte geral. Institutos fundamentais. São Paulo: RT, 2015, p. 535-536)
Quanto aos requisitos para a concessão, reporto-me à análise de Rafale Alexandria de Oliveira: "
Faz jus ao benefício da gratuidade de justiça aquela pessoa com insuficiência de recursos para pagar as custas, despesas processuais e honorários advocatícios (art. 98). Não se exige miserabilidade, nem estado de necessidade, nem tampouco se fala em renda familiar ou faturamento máximos
. É possível que uma pessoa natural, mesmo com boa renda mensal, seja merecedora do benefício, e que também o seja aquele sujeito que é proprietário de bens imóveis, mas não dispõe de liquidez. A gratuidade judiciária é um dos mecanismos de viabilização do acesso à justiça; não se pode exigir que, para ter acesso à justiça, o sujeito tenha que comprometer significativamente a sua renda, ou tenha que se desfazer de seus bens, liquidando-os para angariar recursos e custear o processo."
(OLIVEIRA, Rafael Alexandria in WAMBIER, Teresa Alvim. Breves comentários ao novo CPC. São Paulo: RT, 2015, p. 359)
Convém atentar, ademais, para a avaliação de Araken de Assis:
"
À concessão do benefício, nos termos postos no art. 98, caput, fundamentalmente interessa não permitir a situação econômica da parte atender às despesas do processo. É irrelevante a renda da pessoa, porque as causas podem ser vultuosas e sem recursos para ela o interessado. Igualmente, nenhum é o relevo da existência de patrimônio
. E, de fato, se mesmo tendo um bem imóvel, os rendimentos da parte não lhe são suficientes para arcar com custas e honorários sem prejuízo do sustenta, tal propriedade não é empecilho à concessão da gratuidade. Parece pouco razoável exigir que alguém se desfaça de seus bens para atender ás despesas do processo. Nada assegura, a fortiori, o retorno à situação patrimonial anterior, em virtude do desfecho vitorioso do processo. (...) Funda-se o benefício da gratuidade numa equação econômica: a noção da necessidade decorre da inexistência de recursos financeiros, apuradas entre a receita e a despes, capazes de atender o custo da demanda. Considera-se a situação atual da pessoa, mostrando-se irrelevante a sua antiga fortuna, dissipada ou perdida nos azares da vida."
(ASSIS, Araken de.
Processo civil brasileiro.
Volume II. Tomo I. Parte geral. São Paulo: RT, 2015, p. 549)
Note-se também que o TRF4 consolidou sua jurisprudência, enfatizando que a gratuidade de Justiça haveria de ser deferida a quem receba remuneração mensal líquida inferior ao teto de benefícios do RGPS:
EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. PROCESSUAL CIVIL. HIPÓTESES DE CABIMENTO. COMPLEMENTAÇÃO. NECESSIDADE. BENEFÍCIO DA JUSTIÇA GRATUITA. RENDIMENTOS SUPERIORES AO TETO DOS BENEFÍCIOS DO RGPS. REQUISITOS NÃO PREENCHIDOS. REVOGAÇÃO MANTIDA. RESULTADO DO JULGAMENTO INALTERADO. 1. São cabíveis embargos de declaração contra qualquer decisão judicial para esclarecer obscuridade ou eliminar contradição; suprir omissão ou corrigir erro material, consoante dispõe o artigo 1.022 do Código de Processo Civil. 2.
A Terceira Turma adota como critério de concessão/manutenção do benefício da gratuidade judiciária o fato de a parte auferir renda inferior ao teto dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social - RGPS, pois mostra-se razoável presumir a hipossuficiência nessas hipóteses. 3. Para o deferimento da mencionada benesse, devem ser apurados os rendimentos líquidos da parte interessada e considerados, para tal fim, apenas, os descontos obrigatórios/legais (tais como Importo de Renda, Contribuição Previdenciária e pensão) e, excepcionalmente, gastos com saúde (apurada a gravidade da doença no caso concreto e os gastos respectivos, ainda que não descontados em folha de pagamento)
. 4. Caso em que acolhidos, em parte, os embargos de declaração, para complementar o decisum no ponto referente à revogação do benefício da justiça gratuita, sem alteração de resultado. (TRF-4 - AC: 50021421220124047116 RS 5002142-12.2012.4.04.7116, Relator: VÂNIA HACK DE ALMEIDA, Data de Julgamento: 28/01/2020, TERCEIRA TURMA)
Aludido entendimento foi reiterado pelo TRF4, ao julgar o incidente de resolução de demandas repetitivas nº 5036075-37.2019.4.04.0000.
INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDAS REPETITIVAS. ACESSO À JUSTIÇA.
ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA GRATUITA. GRATUIDADE DE JUSTIÇA. DISTINÇÃO. CRITÉRIOS
. 1. Conforme a Constituição brasileira, "o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos". 2. Assistência jurídica integral configura gênero que abarca diferentes serviços gratuitos, a cargo do poder público, voltados a assegurar a orientação, a defesa e o exercício dos direitos. 3. A consultoria jurídica gratuita é prestada pelas Defensorias Públicas quando do acolhimento dos necessitados, implicando orientação até mesmo para fins extrajudiciais e que nem sempre redunda na sua representação em juízo. 4. A assistência judiciária gratuita é representação em juízo, por advogado não remunerado, realizada pelas defensorias públicas e também advogados conveniados com o Poder Público ou designados pelo juiz pro bono. 5.
A gratuidade de justiça assegura a prestação jurisdicional independentemente da realização dos pagamentos normalmente exigidos para a instauração e o processamento de uma ação judicial, envolvendo, essencialmente, custas, despesas com perícias e diligências e honorários sucumbenciais. 6. Nos termos das Leis 9.099/95, 10.259/01 e 12.153/19, o acesso à primeira instância dos Juizados de pequenas causas é gratuito, o que aproveita a todos, indistintamente
. 7. O acesso à segunda instância dos juizados, às Varas Federais e aos tribunais é oneroso, de modo que depende de pagamento ou da concessão do benefício da gratuidade de justiça. 8. A Corte Especial, por ampla maioria, definiu que faz jus à gratuidade de justiça o litigante cujo rendimento mensal não ultrapasse o valor do maior benefício do Regime Geral de Previdência Social, sendo suficiente, nessa hipótese, a presunção de veracidade da declaração de insuficiência de recursos, que pode ser afastada pela parte contrária mediante elementos que demonstrem a capacidade econômica do requerente. 9. Rendimentos mensais acima do teto do Regime Geral de Previdência Social não comportam a concessão automática da gratuidade de justiça. A concessão, em tais casos, exige prova a cargo do requerente e só se justifica em face de impedimentos financeiros permanentes. A par disso, o magistrado deve dar preferência ao parcelamento ou à concessão parcial apenas para determinado ato ou mediante redução percentual. (TRF4 5036075-37.2019.4.04.0000, Corte Especial, Relator Leandro Paulsen, juntado aos autos em 07/01/2022)
D'outro tanto, o CPC/15 manteve a lógica do art. 12 da lei 1060/1950, de modo que a concessão do benefício não implica efetiva exoneração da obrigação de recolher despesas e pagar honorários sucumbenciais (incabíveis, porém, no rito do mandado de segurança), observado o prazo suspensivo previsto, agora, no art. 98, §2º, CPC/15 (05 anos).
O detalhe está no fato de que, como registrei acima, nos termos do art. 98, §5º, CPC/15,
"
A gratuidade poderá ser concedida em relação a algum ou a todos os atos processuais, ou consistir na redução percentual de despesas processuais que o beneficiário tiver de adiantar no curso do procedimento
."
Anote-se que a Constituição preconiza que o postulante demonstre a incapacidade para o pagamento (art. 5º, LXXIV, CF). Aliás, como bem expressa Araken de Assis,
"A dispensa de o postulante da gratuidade, cuidando-se de pessoa natural, produzir prova documental do seu estado de necessidade provocou efeito colateral de graves reflexos. Fica o respectivo adversário em situação claramente desvantajosa. É muito difícil, a mais das vezes, e na imensa maioria dos litígios civis, a parte contrária reunir prova hábil da equação entre receita e despesa que gera a figura do necessitado. Enfraqueceu-se, em suma, o controle judiciário desse dado. A concessão do benefício é automática, e, na prática, simultaneamente irreversível, por força da inutilidade dos esforços em provar o contrário."
(ASSIS, Araken de.
Processo civil brasileiro.
Volume II. Tomo I. Parte geral. Institutos fundamentais. São Paulo: RT, 2015, p. 559).
2.20. Gratuidade de Justiça - caso em exame:
DEFIRO à parte requerente a gratuidade de justiça, de modo a compreender custas, honorários periciais e honorários sucumbenciais, porventura devidos nesse feito, atentando-se para as regras de suspensão previstas no art. 98, §3º, CPC/15
.
2.21. Prescrição - considerações gerais:
No que toca à eventual prescrição, convém ter em conta que
"O prazo previsto expressamente em lei para o exercício das pretensões que se ajuízam mediante ação constitutiva, positiva ou negativa, é de decadência, pois a pretensão constitutiva se caracteriza como direito potestativo. As pretensões que se exercem mediante ação declaratória são perpétuas (imprescritíveis). Isto significa que podem ser ajuizadas mesmo se já estiver prescrita a pretensão condenatória do direito cuja existência ou inexistência se quer ver declarada."
(NERY JÚNIOR, Nelson.
Novo Código Civil anotado.
São Paulo: RT, 2002).
Daí que a prescrição é oponível às pretensões condenatórias. Anoto, de outro tanto, que o art. 189, Código Civil/2002, preconiza que
"Violado o direito, nasce para o titular a pretensão, a qual se extingue, pela prescrição, nos prazos a que aludem os arts. 205 e 206."
Isso significa que o cômputo da prescrição deve ser promovido com atenção à teoria da
actio
nata
.
Ou seja,
"o início do prazo prescricional se verifica com o nascimento da pretensão, que decorre da exigibilidade do direito subjetivo, momento a partir do qual a ação poderia ter sido proposta - enquanto não nascer a ação conferida para a tutela de um direito, não é dado falar em prescrição:
actioni nondum natæ non prescritibur." (CAHALI, Yussef Said.
Prescrição e decadência.
São Paulo: RT, 2008, p. 35).
Yussef Cahali menciona, ademais, a lição de Câmara Leal, para quem
"A ação nasce, portanto, no momento em que se torna necessária para a defesa do direito violado - é desse desse momento, em que o titular pode se utilizar da ação, que começa a correr o prazo de prescrição. Portanto, o prazo é contado da data em que a ação poderia ser proposta. O
dies a quo
da prescrição surge em simultaneidade com o direito de ação."
(CAHALI, Yussef Said.
Prescrição e decadência.
São Paulo: RT, 2008, p. 36).
Vê-se, portanto, que a prescrição deve ser computada a partir do momento em que o cogitado titular de uma situação jurídica toma conhecimento da agressão ao seu interesse.
"(...) O cômputo do prazo prescricional quinquenal, objetivando o ingresso de ação de indenização contra conduta do Estado, previsto no artigo 1.º do Decreto 20.910/32,
começa quando o titular do direito lesionado conhece o dano e suas sequelas, segundo reza o princípio actio nata
. Precedentes: AgRg no REsp: 1369886/PE Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, DJ de 20.05.2013; AC 0013010-49.2005.4.01.3500/GO, Rel. Desembargador Federal Jirair Aram Meguerian, Sexta Turma, DJ de 16.05.2013." (AC 0011884-90.2007.4.01.3500 / GO, Rel. Desembargador Federal Kassio Nunes Marques, Sexta Turma, e-DJF1 p.137 de 15/10/2014).
"(...) Ademais, mesmo que se considerasse o prazo de 3 anos, como quer a requerida, não haveria prescrição. Pelo princípio da actio nata, que é adotado pelo ordenamento jurídico pátrio, a pretensão somente nasce com a violação do direito (art. 189 do Código Civil).
E a pretensão da autora somente surgiu no momento em que tomou conhecimento da irregularidade cuja prática atribui à ré e que teria causado o dano cujo ressarcimento é postulad
o. Antes disso, não há como se exigir do lesado o exercício da sua pretensão, até porque a existência de dano é requisito da responsabilidade e, portanto, pressuposto da ação que visa à sua reparação." (AC 00053846420074047108, CARLOS EDUARDO THOMPSON FLORES LENZ, TRF4 - TERCEIRA TURMA, D.E. 26/05/2010.)
Com efeito, dado que o instituto tem por fundamento que o Direito não tutela quem permanece inerente na defesa dos seus interesses (
Dormientibus non sucurrit jus
), a prescrição apenas pode ser oposta a quem podia efetivamente agir. E isso pressupõe, por certo, que o atingido tenha conhecimento da agressão às suas pretensões, na forma do art. 189, Código Civil/02:
"O início da eficácia dos atos administrativos se assinala pela publicação, ou pelo termo que indicarem; mas os atos administrativos que afetem pessoa certa e determinada assumem eficácia ao serem por ela conhecidos por via de regular comunicação."
(NASSAR, Elody.
Prescrição na Administração Pública.
2. ed. SP: Saraiva, 2009, p. 148).
Ainda a respeito da definição do termo inicial, atente-se para a lição de Humberto Theodoro Júnior:
"Todo prazo tem um termo inicial (a quo) e tem um termo final (ad quem), ou seja, há sempre um momento para iniciar e outro para encerrar a contagem do tempo de duração.
No caso da prescrição, o termo a quo é aquele em que nasce a pretensão e o termo final é aquele em que se completa o lapso temporal assinalado pela lei para o exercício da ação destinada a fazer atuar em juízo a pretensão. Há um prazo geral e vários prazos especiais, segundo o critério da lei, o que faz com que o termo final seja mais próximo ou mais longínquo para as diferentes pretensões.
Uma vez que, para haver prescrição, a inércia do titlar do direito afrontado e requisito necessário, somente se pode iniciar a contagem do prazo extintivo a partir do momento em que sua atividade contra a situação injurídica se tornou possível (e, não obstante, deixou de ser exercida).
Prescritividade e exigibilidade são ideias que se intervinculam. Apenas as prestações exigíveis (i.e., vencidas), não sendo satisfeitas, sujeitam-se aos efeitos da prescrição. Se a obrigação ainda não se venceu, não está o credor autorizado a exercer o direito que lhe cabe contra o devedor. Não se pode perder por inércioa um direito que, posto existente, ainda não se pode exigir. Donde 'o início da prescrição só pode ter lugar quando o direito está em condições de o seu titular poder exercitá-lo
.'
Por isso, não corre prescrição nas obrigações a prazo ou sujeitas à condição suspensiva, senão depois de ocorrido o vencimento ou verificada a condição (art. 199, I e II). Termo e condição suspensiva, nessa ordem de ideias, são causas que impedem a prescro, porque, no primeiro caso, o direito subjetivo nem sequer surgiu, e, no segundo, já existe mas tem o seu exercício suspenso.
Sendo a via judicial o caminho que a ordem jurídica oferece ao ttular da pretensão insatisfeita para compelir o obrigado a realizar a prestação devida, é intuitivo que se deverá contar a prescrição a partir de quando a respectiva ação se mostrou exercitáve. Nesse sentido, somente se pode cogitar de prescrição em face da chamada actio nata (actioni nondum natae non praescribitur). Vale dizer: o prazo prescricional corre a partir do momento em que o credor pode lançar mão da pretensão, se necessário, por uma ação em juízo.(...)
No caso de obrigação derivada de ato ilícito, desde a ocorrência deste está fluindo a ação para impor a obrigação genérica de indenizar. Sem se saber, porém, o montante do prejuízo, não se pode desde logo exigir-lhe a indenização. Enquanto estiver fluindo a ação condenatória genérica, não corre o prazo para liquidar e exigir a reparação. Mas, se o credor não propõe logo a ação genérica, desde então estarão em risco as pretensões também da liquidação e do respectivo valor líquido. É que a inércia do titular da pretensão terá prejudiciado todas asações que poderia manejar." (THEODORO JÚNIOR, Humberto.
Comentários ao novo código civil.
Volume III. Tomo II. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 174-177).
Delimitada a questão quanto ao termo inicial do cômputo da prescrição, outro tema diz respeito ao seu prazo. Ora, como sabido, no âmbito das obrigações pessoais, as pretensões condenatórias formuladas em face da Fazenda Pública prescrevem no
prazo de 05 anos
, conforme art. 1º do Decreto 20.910/1932 c/ Decreto-lei 4.597/1942.
Convém atentar, de toda sorte, para a lição de Pontes de Miranda:
"
A prescrição quinquenal somente concerne às ações condenatórias pessoais
; não às ações declarativas, constitutivas negativas (e.g., declaração de inconstitucionalidade ou nulidade de lei, ou do ato do Poder Público), mandamentais e executivas que não sejam de dívidas pessoais, ou a de execução de julgado. As ações pessoais (...) são as oriundas de dívidas de direito das obrigações, em que a Fazenda Pública teria de pagar."
(MIRANDA, Francisco C. Pontes de
apud
NASSAR, Elody.
Prescrição na Administração Pública.
2. ed. SP: Saraiva, 2009, p. 271).
Trata-se de norma de conteúdo especial quando confrontada com o art. 206, §3º, V, Código Civil:
ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. PRESCRIÇÃO. PRAZO QUINQUENAL. DECRETO 20.910/32. REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA RESP 1.251.993/PR. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1.
A Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do REsp. 1.251.993/PR, submetido ao rito do art. 543-C do CPC, assentou que o prazo de prescrição quinquenal, previsto no Decreto nº 20.910/32, aplica-se às ações indenizatórias ajuizadas contra a Fazenda Pública, em detrimento do prazo trienal contido do Código Civil de 2002
. a4. 2. Agravo regimental a que se nega provimento. ..EMEN: (AGARESP 201302893979, MARGA TESSLER (JUÍZA FEDERAL CONVOCADA DO TRF 4ª REGIÃO), STJ - PRIMEIRA TURMA, DJE DATA:12/03/2015 ..DTPB:.)
O prazo de 05 anos também prevalece sobre aquele preconizado no art. 206, §2º, do Código Civil:
"Prescreve: § 2º Em dois anos, a pretensão para haver prestações alimentares, a partir da data em que se vencerem.
"
PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE COBRANÇA PROPOSTA POR SERVIDORES PÚBLICOS.. VERBA DENOMINADA 'ETAPA ALIMENTAÇÃO'. PRESCRIÇÃO CONTRA A FAZENDA PÚBLICA. PRAZO DE CINCO ANOS. ART. 1º DO DECRETO. 20.910/1932. INAPLICABILIDADE DOS ARTS. 206, § 3º, DO CÓDIGO CIVIL E 10 DO DECRETO 20.910/32. 1.
O entendimento do STJ é no sentido de que a prescrição quinquenal prevista no art. 1º. do Decreto 20.910/1932 deve ser aplicada a todo e qualquer direito ou ação contra a Fazenda Pública, seja ela federal, estadual ou municipal, independentemente da natureza da relação jurídica estabelecida entre a Administração Pública e o particular
. 2. Não incide, portanto, a prescrição bienal do art. 206, § 2º, do CC de 2002, uma vez que o conceito jurídico de prestação alimentar nele previsto não se confunde com o de verbas remuneratórias de natureza alimentar. O Código Civil de 2002 faz referência às prestações alimentares de natureza civil e privada, incompatíveis com as percebidas em relação de Direito Público. Inexiste, no caso, norma específica mais benéfica a ensejar a incidência do art. 10 do Decreto 20.910/32. 3. Agravo Regimental não provido. ..EMEN: (AGARESP 201200734389, HERMAN BENJAMIN, STJ - SEGUNDA TURMA, DJE DATA:27/08/2012 ..DTPB:.)
O Min. Herman Benjamin enfatizou, naquela ocasião, que
"
se mostra inaplicável, no caso dos autos, a prescrição bienal do art. 206, §2º, Código Civil, uma vez que o conceito jurídico de prestações alimentares nele previsto não se confunde com o de verbas remuneratórias de natureza alimentar
. O Código Civil de 2002 faz referência às prestações alimentares de natureza civil e privada, incompatíveis com as percebidas em relação de direito público. Não há, no caso, norma específica mais benefíca a ensejar a incidência do art. 10 do Decreto 20.910/1932."
(Agravo no REsp n. 164.513/MS).
2.22. Prescrição de fundo de direito:
Vale a pena atentar, uma vez mais, para a lição de Elody Nassar, quanto trata da
prescrição do fundo de direito
:
"A denominada prescrição do fundo de direito tem suporte legal no disposto no art. 1. do Decreto n. 20.910/1932, que dispõe sobre a prescrição das ações contra a Fazenda Pública (...). Para efeito da compreensão da expressão '
fundo de direito
' deve ser observado o marco inicial, ou seja, o momento a partir do qual inicia-se o prazo prescricional.
Esse marco inicial é contado a partir da consolidação de uma situação jurídica fundamental que estabelece um ponto ceto e delimitado para a eventual impugnação de um ato lesivo de direito
. Essa situação jurídica fundamental, no dizer da mais renomada doutrina, importa em
ato único
do qual derivam os subsequentes e que, portanto, se torna definitivo se não impugnado em tempo hábil, juntamente com todos os seus efeitos. Destaca-se aqui a existência da teoria estatutária da função pública, distinguindo a prescrição que atinge o fundo de direito (art. 1 do Decreto 20910) da prescrição das prestações sucessivas ou vincendas (art. 3º do mesmo diploma legal). Dessa teoria decorre a exesege de que, enquanto existente o vínculo entre servidor e Poder Público, são imprescritíveis os direitos dele decorrentse, sendo atingidos pela prescrição, tão-somente, alguns de seus efeitos."
(NASSAR, E.
Obra cit.
p. 273).
Segundo antiga jurisprudência da Suprema Corte,
"
Quando existe um ato ou fato que ofenda de modo geral, permanente, definitivo, o direito do autor, como a demissão, a preterição no acesso, o cancelamento de pensão, a tomada de coisas sem as formalidades legais, o lapso prescricional corre da data do ato ou do fato
. Quando, porém, a prestação periódica não for paga (vencimentos, juros de apólices, pensões, aluguéis de imóveis etc.), por negligência do credor, por falta de verba orçamentária, ou ainda em consequência de dificuldade burocrática, o prazo é contado da data em que cada prestação for exigível"
(STF, 1ª Turma, 28.08.1969, RT 416/426, citado por CAHALI, Yousse Said.
Prescrição e decadência.
3. tiragem. São Paulo: RT. 2008. p. 303).
Em período mais recente, o Min. Cézar Peluso sustentou que
"
São discerníveis, no plano teórico dos direitos subjetivos funcionais a que correspondem obrigações adminsitrativas, de um lado, a própria relação jurídica estatutária e todas as determinações que, segundo as modalidades legais, é ela capaz de assumir em termos de situações jurídicas do servidor, como as decorrents de promoção, acesso, reenquadramento, reclassificação, decurso de tempo, desempenho de funções ou serviços especiais, aposentadoria etc. (a), e, de outro, as consequências pecuniárias (b)
. Perante ambas (a e b), é possível cogitar de direitos à prestação obrigacional, cuja violação desencadeie pretensão sujeita a lapso prescritivo, no sentido de que, realizado o suporte fático, pode o funcionário exigir prestação administrativa, que tenha por objeto o próprio vínculo estatutário, ou uma das muitas situações configuráveis no lado dinâmico do mesmo vínculo, ou ainda só os seus efeitos pecuniários."
(PELUSO, Cézar
apud
CAHALI.
Obra cit.
p. 304).
Cahali sustenta, na sequência, que
"consideradas do ângulo de suas repercussões de caráter financeiro (b), a relação estatutária e suas situações jurídicas (a) são fonte objetiva do direito do servidor de receber as prestações correlatas. Desse ponto de vista, os diretos incidentes sobre a relação jurídico-funcional e cada uma das situações jurídico-subjetivas em que ela se desdobra podem, sem grande impropriedade técnica, chaar-se direitos originantes, e os direitos irradiados às respectivas consequências econômicas, direitos originados.
É aos primeiros que a jurisprudênica costuma referir-se sobre a expressão 'fundo de direito', a qual se reconhece 'usada para significar o direito de ser o funcionáro (situação jurídica fndamental) ou os direitos que se admitem com relação a essa situação jurídica fundamental, como reclassificações, reenquadramentos, direito a adicionais por tempo de serviço, direito à gratificação por prestação de serviçod e natureza especial
. Os conceitos assm enunciados definem as hipóteses de prescrição do fundo de direito (art. 1º), envolvendo os direitos originantes, e de prescrição das prestações vencidas (art. 3º), que diz respeito aos direitos originados."
CAHALI, Yousse Said.
Obra citada.
p. 304-305).
Isso significa que, em princípio, sempre que determinado pleito é indeferido pela Administração Pública, o interessado possui o prazo de até 05 anos para deflagrar a pertinente demanda judicial, salvo eventuais hipóteses de interrupção do cômputo do prazo, observada, em qualquer caso, o entendimento consagrado com a súmula 383, STF, já transcrita acima.
2.23.
Diferença entre suspensão
e
interrupção da prescrição:
Quanto à distinção entre suspensão e interrupção da prescrição, reporto-me à lição de Elody Nassar:
"Chama-se suspensão a circunstância especial, em vista da qual a lei paralisa a fluência do prazo prescricional. As causas suspensivas da prescrição são as que, temporariamente, paralisam o seu curso; superado o fato suspensivo, a prescrição continua a correr, computado o tempo decorrido antes dele.
Denomina-se interrupção a ocorrência de um fato hábil a destruir o efeito do tempo já decorrido, com a anulação da prescrição já iniciada. As causas interruptivas da prescrição são as que inutilizam a prescrição iniciada, de modo que o seu prazo recomeça a correr da data do fato que a interrompeu ou do último ato do processo que a interromper (CC, art. 202, parágrafo único)." (NASSAR, Elody.
Obra citada.
p. 156-157)
Dado que o instituto tem por fundamento que o Direito não tutela quem permanece inerente na defesa dos seus interesses (
Dormientibus non sucurrit jus
), a prescrição apenas pode ser oposta a quem podia efetivamente agir. E isso pressupõe, por certo, que o atingido tenha conhecimento da agressão às suas pretensões, na forma do art. 189, Código Civil.
Em regra, no curso do processo administrativo o cômputo da prescrição resta suspenso, por força do art. 4º do decreto 20.910/32:
"
Não corre a prescrição durante a demora que, no estudo, ao reconhecimento ou no pagamento da dívida, considerada líquida, tiverem as repartições ou funcionários encarregados de estudar e apurá-la.
"
O cômputo da prescrição também resta suspenso nas hipóteses do art. 200, Código Civil/2002:
"Quando a ação se originar de fato que deva ser apurado no juízo criminal, não correrá a prescrição antes da respectiva sentença definitiva."
2.24. Prescrição quanto ao caso em exame:
Note-se, portanto, que, nos termos do art. 173, §2, Constituição, a CEF está submetida ao regime jurídico de direito privado, quanto à maioria das suas atividades - exceção feita aos casos em que atua como gestora do FGTS, por exemplo. A norma do art. 1º do Decreto 20.910/1932, com a interrupção na forma da súmula 383, Supremo Tribunal Federal, não lhe é aplicável.
Cogita-se, portanto, da aplicação do prazo prescricional de 3 anos, por força do art. 206, §3º, V, Código Civil. De todo modo, deve prevalecer o prazo de 05 anos, por conta do art. 27 da lei 8.078/1990, por força da aplicação do código de defesa do consumidor, algo de considerações nos tópicos seguintes.
Nâo se operou, por conta do exposto, a mencionada prescrição, considerando a data em que a parte autora alegou ter tomado ciência das operações bancárias impugnadas neste processo
.
Entre aludida data e a deflagração desta causa - termo interruptivo, por conta da retroação mencionada no art. 240, CPC - não se esgotaram mais de 05 anos, contados na forma da lei n. 810/1949.
2.25. Eventual
decadência
do direito invocado na inicial:
Pode-se cogitar de decadência, por conta do eventual decurso do prazo previsto no art. 26, II, §1º, CDC/1990:
"O direito de reclamar pelos vícios aparentes ou de fácil constatação caduca em: (...) II -
noventa dias
, tratando-se de fornecimento de serviço e de produtos duráveis. §1°
Inicia-se a contagem do prazo decadencial a partir da entrega efetiva do produto ou do término da execução dos serviços
."
A respeito do tema, os Tribunais têm decidido como segue:
"Para a solução da questão é necessário conceituar o defeito que macula os serviços ora discutidos. Se estivermos diante da hipótese de responsabilidade por fato do serviço (art. 14, do CDC), o prazo prescricional a ser aplicado é o do art. 27 dessa lei, de cinco anos. Se estivermos diante de responsabilidade por vício do produto (art. 18, do CDC) o prazo será decadencial, disciplinado no art. 26.
Esta Terceira Turma, em precedente de minha relatoria, já teve a oportunidade de se posicionar no sentido de que, nas hipóteses de inadimplemento absoluto, não se estaria no âmbito do art. 18 (e, conseqüentemente, do art. 26 do CDC), mas no âmbito do art. 14, que, quanto à prescrição, leva à aplicação do art. 27, com prazo de cinco anos para o exercício da pretensão do consumidor. Isso se deu por ocasião do julgamento do REsp nº 278.893/DF (DJ de 4/11/2002), assim ementado:
Recurso Especial. Civil. "Pacote turístico". Inexecução dos serviços contratados. Danos materiais e morais. Indenização. Art. 26, I, do CDC. Direto à reclamação. Decadência. -
O prazo estatuído no art. 26, I, do CDC, é inaplicável à espécie, porquanto a pretensão indenizatória não está fundada na responsabilidade por vícios de qualidade do serviço prestado, mas na responsabilidade contratual decorrente de inadimplemento absoluto, evidenciado pela não-prestação do serviço que fora avençado no "pacote turístico
". (STJ, Resp, rel. Min. Nancy Andrighi, julgamento unânime por não conhecer do Recurso Especial) (...)
Além disso, o acórdão recorrido reconheceu a existência de dano moral causado pela conduta das requerentes. Na esteira do precedente formado a partir do julgamento do REsp nº 722.510/RS (de minha relatoria, DJ de 1/2/2006), nas hipóteses em que "
o vício não causa dano, correrá para o consumidor o prazo decadencial, para que proceda a reclamação, previsto neste artigo 26. No entanto, vindo a causar dano, ou seja, concretizando-se a hipótese do artigo 12, deste mesmo Código, deve-se ter em mente o prazo qüinqüenal, disposto no art. 27, sempre que se quiser pleitear indenização
" (Arruda Alvim, Código do Consumidor Comentado. 2ª ed., São Paulo: RT, 1995, pp. 172/173).
(STJ, REsp n.º 773.994/MG, Rel. Ministra Nancy Andrighi, em 22/05/2007)
Como têm deliberado o TRF4,
"O prazo de 90 dias estatuído no art. 26, II, § 1º, do CDC, não se subsume ao caso vertente, em que não se está a tratar de reclamação quanto a um vício aparente na prestação de serviços, mas do alegado direito da parte autora de obter o diploma pelo curso que prestou, assim como a reparação civil pela impossibilidade de obtê-lo."
(TRF-4 - AC: 50147831220144047003 PR, Relatora: VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA, Data de Julgamento: 30/10/2019, QUARTA TURMA)
Assim, o aventado direito, alegado pela parte autora, não restou atingido pela caducidade.
2.26. Quanto à aplicação do regime consumerista:
Com a publicação do CDC, inaugurou-se uma conhecida polêmica sobre o alcance das suas disposições. Grosso modo, as opiniões distribuíram-se em duas grandes correntes: os finalistas e os maximalistas.
Os finalistas amparam-se sobremodo na regra do art. 2º da lei 8078/1990:
"
Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final
."
Logo, em princípio, o CDC apenas tutelaria aquelas relações em que o serviço fosse prestado ou o bem fosse fornecido ao destinatário último, sem subsequentes repasses.
Essa orientação foi compartilhada, ao que se sabe, pelos principais idealizadores do projeto que eclodiu no código consumerista brasileiro: Ada Pellegrini Grinover, Antônio Herman de Vasconcellos e Benjamin e outros.
Já a orientação maximalista promove uma leitura ampla do conceito de consumidor, destacando que a lei 8078 não tutelaria apenas o destinatário final de bens e serviços, sendo oponível também às relações entre empresas e até mesmo a órgãos públicos (amparando-se, nesse caso, na regra do art. 22, CDC). Essa orientação é compartilhada por Rizzato Nunes, por exemplo (
Curso de direito do consumidor.
São Paulo: Saraiva, 2004).
Com esse pano de fundo, inúmeras discussões foram promovidas ao longo desses anos de vigência da lei 8078. Ao que releva, o CDC também se aplica a entidades da Administração Pública, quando em causa serviços remunerados mediante preços públicos, ou quando em causa atividades econômicas
stricto senso
(art. 22, CDC).
DANO MORAL. DANO MATERIAL. EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELÉGRAFOS. ERRO NA PRESTAÇÃO DE SERVIÇO. PERDA DE PRAZO PROCESSUAL. APLICAÇÃO DO CDC. 1. Entrega de correspondência para o destinatário errado, causando demora na entrega ao endereço correto e conseqüente perda de prazo processual. 2. Cabível dano material e dano moral. 3.
Aplicação do Código de Defesa do Consumidor, pois demonstrado a relação de consumo entre a ECT e o apelado
. 4. Recurso a que se nega provimento.(AC 200071050018995, JOEL ILAN PACIORNIK, TRF4 - QUARTA TURMA, DJ 25/09/2002 PÁGINA: 704.)
CIVIL. EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELÉGRAFOS - ECT. CONTRATO DE TRANSPORTE DE ENCOMENDA SEM DECLARAÇÃO DE VALOR. EXTRAVIO DE MERCADORIA. VALOR DA INDENIZAÇÃO.1.
Qualifica-se como de consumo a relação jurídica contratual de transporte de encomendas. Precedente do STJ
. 2. É do fornecedor o ônus de provar claramente as condições contratuais particularmente em relação à opção de informar ou não o valor da mercadoria e o custo do serviço para o fim de indenização em caso de extravio segundo o valor exato da mercadoria transportada.3. Não é aceitável o fornecedor simplesmente alegar que o consumidor não declarou o valor para indenizar o prejuízo de acordo com critério unilateral.4. Apelação provida. (AC 00626681319984010000, JUIZ FEDERAL WILSON ALVES DE SOUZA (CONV.), TRF1 - TERCEIRA TURMA SUPLEMENTAR (INATIVA), DJ DATA:23/06/2005 PAGINA:81.)
D'outro tanto, em princípio, pessoas jurídicas também podem ser qualificadas como consumidoras, para fins de aplicação da lei 8.078/1990, desde que não esteja em causa a aquisição de matéria prima para seus processos produtivos.
RECURSO ESPECIAL. FORNECIMENTO DE ÁGUA. CONSUMIDOR. DESTINATÁRIO FINAL. RELAÇÃO DE CONSUMO. DEVOLUÇÃO EM DOBRO DOS VALORES PAGOS INDEVIDAMENTE. APLICAÇÃO DOS ARTIGOS 2º E 42, PARÁGRAFO ÚNICO, DA LEI Nº 8.078/90.I - "
O conceito de "destinatário final", do Código de Defesa do Consumidor, alcança a empresa ou o profissional que adquire bens ou serviços e os utiliza em
benefício
próprio
" (AgRg no Ag nº807159/SP, Rel. Min. HUMBERTO GOMES DE BARROS, DJ de 25/10/2008).II - No caso em exame, a recorrente enquadra-se em tal conceituação,visto ser empresa prestadora de serviços médico-hospitalares, que utiliza a água para a manutenção predial e o desenvolvimento de suas atividades, ou seja, seu consumo é em
benefício
próprio.III - A empresa por ser destinatária final do fornecimento de águae, portanto, por se enquadrar no conceito de consumidora, mantém coma recorrida relação de consumo, o que torna aplicável o disposto noartigo 42, parágrafo único, da Lei 8.078/90.IV - Recurso especial conhecido e provido...EMEN: (RESP 200800133166, FRANCISCO FALCÃO, STJ - PRIMEIRA TURMA, DJE DATA:30/04/2008..DTPB:.)
Quanto à aplicação do CDC, quando se trate da prestação de serviços por empresas públicas, remunerados mediante preços públicos/tarifas, convém atentar para o art. 22, CDC:
"
Os órgãos públicos, por si ou suas empresas, concessionárias, permissionárias ou sob qualquer outra forma de empreendimento, são obrigados a fornecer serviços adequados, eficientes, seguros e, quanto aos essenciais, contínuos
. Parágrafo único. Nos casos de descumprimento, total ou parcial, das obrigações referidas neste artigo, serão as pessoas jurídicas compelidas a cumpri-las e a reparar os danos causados, na forma prevista neste código."
Atente-se ainda para os seguintes julgados:
EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA. CONSTITUIÇÃO FEDERAL. CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. CORREIOS. CARTA REGISTRADA. EXTRAVIO. DANOS MORAIS. IN RE IPSA. 1. As empresas públicas prestadoras de serviços públicos submetem- se ao regime de responsabilidade civil objetiva, previsto no art. 37, § 6º, da Constituição Federal e nos arts. 14 e 22 do Código de Defesa do Consumidor. 2. No caso, a contratação de serviços postais oferecidos pelos Correios, por meio de tarifa especial, para envio de carta registrada, que permite o posterior rastreamento pelo próprio órgão de postagem revela a existência de contrato de consumo, devendo a fornecedora responder objetivamente ao cliente por danos morais advindos da falha do serviço quando não comprovada a efetiva entrega. 3. É incontroverso que o embargado sofreu danos morais decorrentes do extravio de sua correspondência, motivo pelo qual o montante indenizatório fixado em R$ 1.000,00 (mil reais) pelas instâncias ordinárias foi mantido pelo acórdão proferido pela Quarta Turma, porquanto razoável, sob pena de enriquecimento sem causa. 4. Embargos de divergência não providos. ..EMEN:
(ERESP 201303279910, RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, STJ - SEGUNDA SEÇÃO, DJE DATA:24/02/2015 ..DTPB:.)
DANO MORAL. DANO MATERIAL. EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELÉGRAFOS. ERRO NA PRESTAÇÃO DE SERVIÇO. PERDA DE PRAZO PROCESSUAL. APLICAÇÃO DO CDC. 1. Entrega de correspondência para o destinatário errado, causando demora na entrega ao endereço correto e conseqüente perda de prazo processual. 2. Cabível dano material e dano moral. 3. Aplicação do Código de Defesa do Consumidor, pois demonstrado a relação de consumo entre a ECT e o apelado. 4. Recurso a que se nega provimento.
(AC 200071050018995, JOEL ILAN PACIORNIK, TRF4 - QUARTA TURMA, DJ 25/09/2002 PÁGINA: 704.)
De sua parte, Justen Filho enfatiza a dificuldade, não raro, de se conjugar o regime jurídico público - próprio das concessões - com a aplicação da lógica do Código de Defesa do Consumidor:
"Ocorre que nem sempre é possível conciliar o regime de direito público com aquele do direito do consumidor. A cumulação dos mecanismos de serviço público e de direito do consumidor provoca um conflito de competências e de regime jurídico, cuja solução deve ser realizada com cautela.
Um exemplo permite compreender de imediato o problema. Segundo o direito do consumidor, é obrigatório o empresário manter a oferta realizada nas condições originais. Já no âmbito do serviço público, a mutabilidade é da sua inerência. Suponha-se, portanto, o caso da telefonia fixa. Imagine-se que o concessionário estabeleça relação jurídica com o usuário, orientando-se por determinada regulação do poder concedente. Se houver necessidade e conveniência, o poder concedente alterará as regras pertinentes, com reflexos na situação jurídica do usuário. Em face do regime de Direito Administrativo, o usuário não poderia invocar direito adquirido à manutenção de regime jurídico. Mas sua pretensões poderia encontrar respaldo no regime característico do direito do consumidor.
Não seria excessivo afirmar que a concepção do serviço público defere ao poder concedente a função de tutelar e defender o interesse coletivo (aí abrangido também o interesse do usuário). Já o direito do consumidor assegura ao próprio consumidor e às entidades da sociedade a função de sua defesa (sem que isso exclua a intervenção de órgãos estatais)
.
É fundamental tomar em vista, então, que a aplicação das normas do direito do consumidor não pode fazer-se em face do serviço público com idêntica extensão aplicável no caso de relações puramente privadas, relacionadas com a exploração de atividade econômica em sentido restrito." (JUSTEN FILHO, Marçal.
Teoria geral das
concessões
de serviço público.
São Paulo: Dialética, 2003, p. 557-558)
De outro norte, consolidou-se a orientação jurisprudencial que reconhece a sua plena aplicação no âmbito dos contratos bancários, desde que pactuados depois de 1990.
Ora, essa solução é alvo de duas conhecidas súmulas do STJ:
Súmula 297 - O Código de Defesa do consumidor é aplicável às instituições financeiras.
Súmula 285 -
Nos contratos bancários posteriores ao Código de Defesa do consumidor incide a multa moratória nele prevista.
A Suprema Corte reconheceu, ademais, a plena aplicação do CDC às relações estabelecidas entre os bancos e seus clientes, nessa condição, conforme se infere da ADIn 2591/DF, relatada pelo Min. Carlos Velloso. Tudo conjugado, o CDC aplica-se ao caso vertente, dado que a relação entre o autor e a CEF é um vínculo consumerista.
2.27. Efeitos da aplicação do CDC ao caso:
Dada a aplicação do CDC, no que toca à relação entre o autor e o banco demandado, isso implica o reconhecimento de um conjunto de garantias asseguradas ao consumidor, conforme arts. 4º, 39 e 51 da lei 8078/1990.
Destaco, nesse âmbito, o dever de atuar com boa-fé (e o correspondente respeito à boa-fé objetiva), preconizado no art. 4º, III, CDC. Como diz Rizzatto Nunes,
"a boa-fé objetiva, que é a que está presente no Código de
defesa do consumidor
, pode ser definida, grosso modo, como sendo uma regra de conduta, isto é, o dever das partes de agir conforme certos parâmetros de honestidade e lealdade, a fim de se estabelecer o equilíbrio nas relações de consumo (...) Assim, quando se fala em boa-fé objetiva, pensa-se em comportamento fiel, leal, na atuação de cada uma das partes contratantes a fim de garantir respeito à outra."
(RIZZATTO NUNES
apud
EFING, Antônio Carlos.
Contratos e procedimentos bancários à luz do Código de defesa do consumidor.
2. ed. rev. atual. ampl. São Paulo: RT, 2012, p. 87).
Esse dever de respeito à boa-fé também foi preconizado pelo art. 422, Código Civil:
"Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé."
Vale a pena atentar para a lição de Antônio Carlos Efing:
"A boa-fé, assim, possui no macrossistema de direito civil, e, consequentemente no microssistema do direito do consumidor, uma séria de efeitos, seja como um princípio de função interpretativa, seja como cláusula geral geradora de deveres anexos e critério de constatação de exercício abusivo de um direito ou de uma cláusula abusiva. Como bem sintetiza Cláudia Lima Marques, 'o princípio da boa-fé objetiva na formação e na execução das obrigações possui muitas funções na nova teoria contratual: (a) como fonte de novos deveres especiais de conduta na nova teoria contratual; (b) como causa limitadora do exercício, antes lícito, hoje abusivo, dos direitos subjetivos, e (c) na concreção e interpretação dos contratos." (EFING, Antônio Carlos.
Obra citada.
p. 90).
De outro tanto, a incidência do CDC implica o dever, por parte do fornecedor, de disponibilizar ao consumidor informação adequada e clara sobre os diferentes serviços e produtos, com especificação correta da quantidade, características, composição, qualidade, tributos incidentes e preço (art. 6º, III, CDC c/ redação veiculada pela lei 12.741/2012).
Esses são alguns dos efeitos decorrentes da aplicação do CDC, quanto ao vínculo entre a requerente e o banco requerido.
2.28. Eficácia vinculante dos contratos - exame precário:
O contrato é manifestação da autonomia da vontade. Em regra, desde que a vontade seja exteriorizada sem vícios (dolo, coação, vício redibitório etc.), ele vincula as partes, obrigando-as ao cumprimento das cláusulas avençadas. É fato que essa concepção liberal do contrato tem sido esmaecida, dada a sua progressiva funcionalização. Importa dizer: a legislação atual também exige, para exame da validade do contrato, que os seus resultados sejam tidos em conta (p.ex., a vedação da onerosidade excessiva, conforme arts. 39 e 51,
CDC
e arts. 478/480, CC).
Logo, em determinados casos, esse caráter vinculante dos contratos resta mitigado, frente à constatação de que muitos pactos são celebrados por adesão (contratos formulário), a existência de contratos cativos, superendividamento de muitos consumidores, propaganda abusiva etc. Assim, não se desconhece que o Direito pátrio esposou, de certa forma, a teoria das bases objetivas do contrato, desenvolvida por Karl Larenz em solo alemão:
"Pela base objetiva do negócio tem de se entender o conjunto de circunstâncias e estado geral de coisas cuja existência ou subsistência é objetivamente necessária para que o contrato, segundo o significado das intenções de ambos os contratantes, possa subsistir como regulação dotada de sentido.
A base do negócio objetivo tem desaparecido: a) quando a relação de equivalência entre prestação e contraprestação pressuposta no contrato se tem destruído em tal medida que não pode falar-se racionalmente de uma contraprestação (destruição da relação de equivalência); b) quando a comum finalidade objetiva do contrato, expressada em seu conteúdo, tenha resultado definitivamente inalcançável, ainda quando a prestação do devedor seja, todavia, possível (frustração da finalidade).
Nos casos de destruição da relação de equivalência (IX, a), a parte prejudicada, no caso de não haver realizado a prestação, pode negar-se a fazê-lo contanto que a outra parte não consinta um adequado aumento da contraprestação que restaure a equivalência. Se se rechaça este aumento terminantemente
, a parte prejudicada pode resolver ou, em caso de uma prestação de larga duração já iniciada, denunciar imediatamente o contrato. Se tem realizado sua prestação pode, quando não se admita um adequado aumento posterior da contraprestação, reclamar uma indenização pelo valor do enriquecimento da outra parte.
Nos casos de frustração da finalidade (IX, b), o credor da prestação que resultou inútil pode recusá-la e negar-se a realizar sua contraprestação desde que suporte os gastos que a outra parte tenha realizado para a preparação e execução do contrato e que podiam considerar-se indispensáveis" (LARENZ, Karl.
Base del negócio jurídico y cumplimiento de los contratos.
Tradução do alemão para o espanhol por Carlos Fernándes Rodrigues. Granada: Editorial Comares, 2.002, pp. 211-212. Traduzi).
Reporto-me, a respeito do tema, ao seguinte julgado:
"
Não se perquire mais, como na teoria da Imprevisão, sobre a previsibilidade do fato econômico superveniente. E nem se deveria
. Com efeito, o fato pode ser até previsível, mas não é esperado, porque se esperado fosse, nem o Banco emprestaria o dinheiro e nem o tomador assumiria um compromisso que não pode arcar. Logo, o fato previsível, mas não esperado, situa-se na área do risco inerente a qualquer atividade negocial."
(TJRS, apelação cível de autos 193051083, quarta câmara cível, relator desembargador Márcio de Oliveira Puggina, julgado em 24 de junho de 1994)
Ademais, a legislação consumerista determina a revisão parcial dos contratos, atingindo-se apenas as cláusulas eventualmente viciadas, mas preservando seus demais termos (art. 51, §2º, CDC).
Em que pese tudo isso, é fato, porém, que o contrato não pode ser simplesmente desconsiderado pelo Judiciário. Ele ainda é instituto fundamental para a economia, permitindo o fluxo de bens e o planejamento individual. Logo, conquanto seja certo que o contrato não pode ser suposto como algo inexorável, igualmente certo que tampouco pode ser simplesmente abstraído, como se fosse destituído de qualquer eficácia obrigacional. Tanto por isso, a revisão contratual deve ser promovida com cautelas. Deve-se conjugar a preservação dos direitos fundamentais - cláusulas de ordem pública veiculadas na lei 8078/1990 -, com o reconhecimento da força vinculante dos pactos.
Por sinal, eventuais dificuldades financeiras, caso suportadas pelo devedor, não justificam, por si, o reconhecimento de onerosidade excessiva. Pode-se cogitar de eventual aplicação da teoria da lesão contratual, mas desde que preenchidos os rigorosos requisitos do art. 157, CC.
"A desproporção manifesta é sempre referida à prestação considerada objetivamente, e não à situação subjetiva na qual se encontra o devedor cujas dívidas derivadas de outras relações obrigacionais tenham, por hipótese, aumentado."
(COSTA, Judith Martins.
Comentários ao novo código civil.
Do direito das obrigações. Do adimplemento e da extinção das obrigações. Arts. 304 a 388.
Volume V, tomo I, 2. ed. RJ: Forense, 2003, p. 305).
2.29. Funcionalização dos pactos - exame precário:
Logo, durante muito tempo, um contrato apenas poderia ser invalidado por conta de vícios na manifestação da vontade, promovida ao tempo da sua celebração. Em período mais recente, porém, o Estado tem empregado os vínculos negociais com meio para implementação de valores e interesses coletivos, promovendo significativa ingerência no seu meio.
É o que se infere da regulamentação dos contratos de locação, promovida por meio da lei 8.245, de 18 de outubro de 1991; por meio dos contratos de seguro (lei 15.040, de 9 de dezembro de 2024); contratos de prestação de serviços educaionais (lei 9.870, de 23 de novembro de 1999) e assim por diante. Isso implica a mencionada funcionalização dos contratos, que deixam de serem instrumentos exclusivamente privados, versando sobre os interesses das partes diretamente afetadas, para se converterem em instrumentos para implementação de vetores de relevo coletivo.
Sem dúvida que essa publicização dos contratos não pode ser promovida sem maiores cuidados, sob pena de comprometimento da autonomia da vontade e da livre iniciativa, fundamentos da ordem econômica - art. 170, Constituição Federal/88.
2.30. Interpretação de contratos de adesão:
Diante do já exposto, vê-se que o instituto jurídico do contrato tem sido funcionalizado, em tempo mais recente. Isso significa que ele deve atender a interesses sociais relevantes, viabilizando-se um controle do seu conteúdo quanto às cláusulas abusivas, manifestamente desproporcionais. O tema é bem exemplificado pela ingerência estatal em contratos de locação, contratos educacionais etc.
Ao mesmo tempo, porém, o sistema continua a viabilizar a revisão e anulação de pactos, sempre que comprovado que, por época da sua celebração, a vontade não teria sido manifestada de modo livre, como se infere dos conhecidos institutos do dolo, coação, vício redibitório e teoria da lesão (arts. 138, 145, 151 e 157, Código Civil/2002).
Note-se, todavia, que o contrato não pode ser presumido como inválido tão somente por ter sido lavrado em um formulário padronizado (contrato de adesão). Afinal de contas, tais instrumentos são indispensáveis para o comércio jurídico contemporâneo.
Contudo, havendo cláusulas ambíguas, a lei determina que sejam interpretadas de modo mais favorável ao aderente, conforme art. 423, Código Civil:
"Quando houver no contrato de adesão cláusulas ambíguas ou contraditórias, dever-se-á adotar a interpretação mais favorável ao aderente."
Outra ressalva importante é ditada pelo art. 424, CC/2002:
"
Nos contratos de adesão, são nulas as cláusulas que estipulem a renúncia antecipada do aderente a direito resultante da natureza do negócio
."
De outro tanto, registro que a súmula nº 381 do STJ preconiza que "
nos contratos bancários, é vedado ao julgador conhecer, de ofício, da abusividade das cláusulas
.
" Na espécie, todavia, referida norma é suavizada por força da designação do defensor dativo para atuar no caso.
2.31. Exceção de contrato não cumprido:
Cuidando-se de contrato sinalagmático,
"nenhum dos contratantes, antes de cumprida a sua obrigação, pode exigir o implemento da do outro.
" (art. 476, Código Civil/2002). Cuida-se de simples projeção do postulado
non venire contra factum proprium,
dado que ninguém pode exigir aquilo que não está disposto a cumprir. Quem inadimpliu o contrato tampouco pode exigir que o outro contratante cumpra suas obrigações, como cediço.
Explicita Maria Helena Diniz que
"A exceptio non adimpleti contractus é a cláusula resolutiva tácita que se prende ao contrato bilateral.
Isto é assim porque o contrato bilateral requer que as duas prestações sejam cumpridas simultaneamente, de forma que nenhum dos contratantes poderá, antes de cumprir suas obrigações, exigir o implemento das do outro
. (...) Pelo enunciado n. 24, aprovado na 1. Jornada de direito comercial, os contratos empresariais coligados, concretamente formados por unidade de interesses econômicos, permitem a arguição da exceção de contrato não cumprido, salvo quando a obrigação inadimplida for de escassa importância."
(DINIZ, Maria Helena.
Código civil anotado.
17. ed. São Paulo: Saraiva. 2014. p. 450). Por conseguinte, também nesse âmbito, deve-se aferir se houve adimplemento substancial.
2.32. Contrato de depósito - art. 645, CC/02:
O contrato de conta corrente é uma espécie de depósito impróprio - ou seja, depósito de bens fungíveis. Segundo o art. 645, Código Civil/2002:
"
O depósito de coisas fungíveis, em que o depositário se obrigue a restituir objetos do mesmo gênero, qualidade e quantidade, regular-se-á pelo disposto acerca do mútuo
."
Por outro lado, a tradição de recursos, no mútuo, transfere a propriedade, ao tempo em que constitui uma relação de crédito (art. 587, CC).
Um exemplo pode elucidar isso. Se alguém entrega uma bicicleta em comodato para um conhecido e ele não a restitui, há apropriação indébita (art. 168, Código Penal). Caso tenha entregue o bem para uma empresa e essa tenha falido, poderá requerer sua restituição, fazendo prova disso. Com o dinheiro, bem fungível, ocorre algo distinto. Se alguém empresta dinheiro para um conhecido e ele não paga, cuida-se de dívida, não sendo caso de apropriação indébita. Na data da entrega do recurso, o conhecido se tornou dono do dinheiro e devedor da quantia perante quem lhe emprestou. Assim, o devedor não tinha a posse de coisa alheia. Por outro lado, no caso de uma falência, o credor não pode pedir a restituição específica do dinheiro, devendo habilitar seu crédito em face do patrimônio do devedor falido, concorrendo com outros credores.
No caso de contas-depósito, em princípio, isso se aplica. A rigor, a relação entre correntistas e banco é de crédito/débito
. Como notório, o correntista é credor do banco, mesmo quanto promove um saque de quantias. Esse crédito pode ser alvo de remuneração mensal, tudo a depender do contrato estipulado. No caso de um depósito regular - por exemplo, quando alguém entrega joias ou moedas antigas para o banco cuidar -, a relação é distinta. Nesse caso, o banco deve assegurar a entrega do bem específico para o depositário.
2.33. PIX - pagamentos instantâneos:
Conquanto o tema diga respeito mais direto a saques eletrônicos, menciono o tratamento jurídico dispensado ao PIX, para fins de comparação. Sabe-se que o PIX é um mecanismo de pagamento instantâneo elaborado pelo BACEN. Ela viabiliza que os recursos sejam transferidos entre contas em poucos segundos, a qualquer hora ou dia. A transferência pode ser promovida a partir de uma conta corrente, conta poupança ou conta de pagamento pré-paga.
Segundo o Banco Central, ele foi concebido para alavancar a competitividade e a eficiência do mercado; reduzir o custo, aumentar a segurança e aprimorar a experiência dos clientes; incentivar a digitalização do mercado de pagamentos de varejo; promover a inclusão financeira; e preencher uma série de lacunas existentes na cesta de instrumentos de pagamentos disponíveis atualmente à população.
O PIX pode ser utilizado para transferências entre pessoas; pagamento em estabelecimentos comerciais, incluindo lojas físicas e comércio eletrônico; pagamento de prestadores de serviços; pagamento entre empresas, como pagamentos de fornecedores, por exemplo; recolhimento de receitas de Órgãos Públicos Federais como taxas (custas judiciais, emissão de passaporte etc.), aluguéis de imóveis públicos, serviços administrativos e educacionais, multas, entre outros (esses recolhimentos poderão ser feitos por meio do PagTesouro); pagamento de cobranças; pagamento de faturas de serviços públicos, como energia elétrica, telecomunicações (telefone celular, internet, TV a cabo, telefone fixo) e abastecimento de água; e recolhimento de contribuições do FGTS e da Contribuição Social (a partir de 2021).
Em princípio, não há limite mínimo para pagamentos ou transferências via PIX. Contudo, as instituições que operem com o uso do PIX poderão estabelecer limites máximos de valor baseados em critérios de mitigação de riscos de fraude e de critérios de prevenção à lavagem de dinheiro e ao financiamento do terrorismo. Os usuários podem solicitar ajustes nos limites estabelecidos, devendo a instituição acatar imediatamente a solicitação caso o pedido seja para redução de valor.
2.34. Mecanismo especial de devolução:
Segundo o Banco Central, o
"
MED é um mecanismo exclusivo do Pix criado para facilitar as devoluções em caso de fraudes, aumentando as possibilidades da vítima reaver os recursos
. Você deve registrar o pedido de devolução na sua instituição em até
80 dias da data em que você fez o Pix
, quando você for vítima de fraude, golpe ou crime. Funciona assim: Você reclama na sua instituição;
Ela avalia o caso e, se entender que faz parte do MED, o recebedor do seu Pix terá os recursos bloqueados da conta;
O caso é analisado em até 7 dias. Se concluírem que não foi fraude, o recebedor terá os recursos desbloqueados.
Se for fraude, em até 96 horas você receberá o dinheiro de volta (integral ou parcialmente)
. O MED também pode ser utilizado quando existir falha operacional no ambiente Pix da sua instituição, por exemplo, ela efetuar uma transação em duplicidade. Nesse caso, ela avalia se houve a falha e, em caso positivo, em até 24 horas o dinheiro é devolvido."
(https://www.bcb.gov.br/meubc/faqs/p/o-que-e-e-como-funciona-o-mecanismo-especial-de-devolucao-med).
Desse modo,
o MED consiste no conjunto de regras e de procedimentos operacionais destinado a viabilizar a devolução de um Pix a partir do próprio participante recebedor
. Ou seja, é o mecanismo que permite que o participante recebedor debite recursos recebidos por meio de um Pix da conta do seu cliente sem pedir a sua autorização a cada devolução. Ele se aplica em casos de fundada suspeita do uso do Pix para a prática de fraude ou casos de falha operacional no sistema de tecnologia da informação de qualquer dos participantes envolvidos na transação.
Em regra, aludido sistema não se aplica nos casos de controvérsias comerciais entre os usuários ou casos de transações com fundada suspeita de fraude em que os recursos tenham sido destinados à conta transacional de um terceiro de boa-fé O MED não é um mecanismo de
chargeback
,
como o existente nos arranjos de cartões de pagamento.
Ao constatar a presença de fundados sinais da prática de fraude ou após receber reclamação de seu cliente, o participante pagador do PIX deve promover uma notificação de infração associada a uma solicitação de devolução. Para isso, a transação original deve ter ocorrido há no máximo 80 dias em relação à abertura da notificação. Após a conclusão da “notificação de infração”, o participante pagador dispõe de 72h para solicitar a devolução, caso o participante recebedor tenha aceitado a notificação. Na abertura da notificação de infração “para abertura de solicitação de devolução”, o participante deve bloquear imediatamente os recursos na conta de seu cliente, no valor total da transação original. Se não houver recursos suficientes na conta do recebedor no momento do bloqueio, o participante recebedor deve bloquear a totalidade dos recursos disponíveis. O participante recebedor pode realizar múltiplos bloqueios até o limite do valor total ao longo dos sete dias que o participante tem para realizar a análise de mérito da notificação de infração. O usuário recebedor deve ser prontamente avisado sobre o bloqueio e sobre a concretização da devolução. O usuário recebedor pode solicitar o cancelamento da devolução no prazo de 30 dias (contados a partir da devolução).
Atente-se para a seguinte análise:
"
Buscando aprimorar seu arranjo de pagamento e munir as instituições participantes de ferramentas no combate às fraudes executadas no Pix, em 08 de junho de 2021, o Banco Central publicou a Resolução BCB nº 103/2021, que irá alterar o texto do Regulamento do Pix (Resolução BCB nº 1/2020) a partir de 16 de novembro de 2021, com a implementação do Mecanismo Especial de Devolução
.
Desde o lançamento do Pix, nos termos do Resolução BCB nº 1/2020, em seu artigo 40, § 1º, um Pix somente poderia ser devolvido se a sua devolução fosse iniciada pelo usuário recebedor, conforme segue:
Art. 40. Poderão ser objeto de devolução, total ou parcial, os recursos de determinada transação realizada cujos fundos já se encontrem disponíveis na conta transacional do usuário recebedor. § 1º A devolução de um Pix deve ser iniciada pelo usuário recebedor.
Sendo assim, ainda que as instituições participantes soubessem que se tratava de uma transação fraudulenta, não estavam autorizadas, nos termos do Regulamento do Pix, a realizar a devolução dos valores da transação ao usuário pagador
.
Com a implementação do Mecanismo Especial de Devolução a partir de novembro de 2021, as instituições poderão realizar a devolução de transações de Pix por conta própria, desde que haja fundada suspeita de fraude por parte da instituição, ressalvados os casos em que o terceiro que tenha recebido os recursos seja um terceiro de boa-fé, conforme disposto no artigo 41-B e seus incisos, inserido na Resolução BCB nº 1/2020 pela Resolução BCB nº 103/2021:
Art. 41-B. O Mecanismo Especial de Devolução é o conjunto de regras e de procedimentos operacionais destinado a viabilizar a devolução de um Pix nos casos em que exista fundada suspeita do uso do arranjo para a prática de fraude e naqueles em que se verifique falha operacional no sistema de tecnologia da informação de qualquer dos participantes envolvidos na transação.
Parágrafo único. Não se incluem nas hipóteses de devolução de que trata o caput: I – as controvérsias relacionadas a aspectos do negócio jurídico subjacente à transação de pagamento; e II – as transações com fundada suspeita de fraude em que os recursos forem destinados à conta transacional de um terceiro de boa-fé." (...)
Vale ressaltar que tal mecanismo instituído pelo regulador será de grande importância na agilidade do tratamento dos casos de fraude pelas instituições, uma vez que ele prevê o bloqueio imediato dos valores relacionados à transação objeto de notificação de infração na conta do recebedor, até que a notificação seja avaliada pela instituição, que poderá acatar ou negar o pedido de devolução feito pela outra instituição, conforme disposto no artigo 41-D e seus incisos e seu parágrafo único, da mesma Resolução." (AZEVEDO, Mareska; SILVA, Leiziane; CORREIA, Juliana.
As fraudes e os mecanismos de proteção do Banco Central do Brasil no arranjo de pagamento Pix.
São Paulo: RT. 2021).
Convém destacar, do alcance da resolução BCB nº 103/2021, os seguintes dispositivos:
Art. 41-B.
O Mecanismo Especial de Devolução é o conjunto de regras e de procedimentos operacionais destinado a viabilizar a devolução de um Pix nos casos em que exista fundada suspeita do uso do arranjo para a prática de fraude e naqueles em que se verifique falha operacional no sistema de tecnologia da informação de qualquer dos participantes envolvidos na transação
.
Parágrafo único. Não se incluem nas hipóteses de devolução de que trata o caput: I - as controvérsias relacionadas a aspectos do negócio jurídico subjacente à transação de pagamento; e II - as transações com fundada suspeita de fraude em que os recursos forem destinados à conta transacional de um terceiro de boa-fé.
Art. 41-C. As devoluções no âmbito do Mecanismo Especial de Devolução serão iniciadas pelo participante prestador de serviço de pagamento do usuário recebedor: I - por iniciativa própria, caso a conduta supostamente fraudulenta ou a falha operacional tenham ocorrido no âmbito de seus sistemas; ou II - por solicitação do participante prestador de serviço de pagamento do usuário pagador, por meio do DICT, caso a conduta suspostamente fraudulenta ou a falha operacional tenham ocorrido no âmbito dos sistemas desse participante.
§ 1º As devoluções realizadas no âmbito do Mecanismo Especial de Devolução dependem de prévia e expressa autorização do usuário recebedor que contemple, inclusive, a possibilidade de bloqueio dos recursos mantidos na conta transacional, em uma ou mais parcelas, até o atingimento do valor total da transação.
§ 2º A autorização de que trata o § 1º poderá ser concedida no contrato firmado com o correspondente prestador de serviço de pagamento, mediante cláusula em destaque no corpo do instrumento contratual, ou por outro instrumento jurídico válido.’ (NR)
Art. 41-D. As devoluções de que trata o inciso II do art. 41-C, quando decorrentes de fundada suspeita de fraude: I - ficarão condicionadas à abertura e à conclusão, com a aceitação do participante prestador de serviço de pagamento do usuário recebedor, do procedimento de notificação de infração relativo à transação a ser devolvida, de que trata o Capítulo XIII, Seção III, Subseção IX; e II - implicarão o bloqueio imediato, na conta transacional do usuário recebedor, dos valores cuja devolução é solicitada, ou, sendo menor, do valor correspondente ao saldo nela disponível.
Parágrafo único. É permitida a realização de múltiplos bloqueios parciais na conta transacional do usuário recebedor, até que se alcance o valor total da transação objeto da solicitação de devolução.’ (NR)
Art. 41-E. O rito para a realização das devoluções de que trata o inciso II do art. 41-C, inclusive os prazos máximos para a manutenção do bloqueio de recursos na conta transacional do usuário recebedor e para a concretização da devolução, está detalhado no Manual Operacional do DICT.’
Art. 41-F. O usuário recebedor dos recursos cuja devolução é pleiteada será prontamente comunicado sobre a efetivação: I - do bloqueio de recursos em sua conta transacional na forma do inciso II do art. 41-D; e II - da concretização de uma devolução realizada ao amparo do Mecanismo Especial de Devolução.’
Art. 41-G. O usuário recebedor pode solicitar, no prazo de 30 (trinta) dias contado da comunicação de que trata o inciso II do art. 41-F, o cancelamento da devolução. Parágrafo único. O cancelamento da devolução observará, no que couber, o rito para a realização das devoluções de que trata o inciso II do art. 41-C.
Art. 41-H. As devoluções realizadas no âmbito do Mecanismo Especial de Devolução são de responsabilidade do participante que as houver solicitado, observado o disposto no art. 41-I.
Art. 41-I. Observado o disposto no inciso I do art. 41-A, o participante prestador de serviço de pagamento do usuário recebedor responderá pelos eventuais prejuízos causados pela não devolução dos recursos quando: I - rejeitar, sem justo motivo, a notificação de infração de que trata o art. 78, quando vinculada a uma solicitação de devolução; II - recusar a devolução por ausência da autorização de que trata o § 2º do art. 41-C.
Por ocasião da publicação da Resolução BCB nº 147 de 28/9/2021, o BACEN noticiou que: Dando sequência ao seu processo de evolução contínua, o Pix tem agora duas importantes novidades: o Bloqueio Cautelar e o Mecanismo Especial de Devolução, alternativas que deixarão o serviço ainda mais seguro para os seus milhares de usuários por todo o país. Referida Resolução BCB nº 147 de 28/9/2021: Altera o Regulamento anexo à Resolução BCB nº 1, de 12 de agosto de 2020, que disciplina o funcionamento do arranjo de pagamentos Pix.
Atente-se ainda para o seguinte:
"No Pix existem mecanismos que aumentam a chance do recurso ser ressarcido, são eles o Bloqueio Cautelar e o Mecanismo Especial de Devolução, que entrarão em vigor no âmbito do Pix, a partir de 16 de novembro de 2021.
Bloqueio cautelar: permite que a instituição que detém a conta do usuário recebedor pessoa física possa efetuar um bloqueio preventivo dos recursos por até 72 horas em casos de suspeita de fraude. A opção vai possibilitar que a instituição realize uma análise de fraude mais robusta, aumentando a probabilidade de recuperação dos recursos pelos usuários pagadores vítimas de algum crime.
Mecanismo Especial de Devolução: padroniza as regras e os procedimentos para viabilizar a devolução de valores nos casos de fundada suspeita de fraude pela instituição detentora da conta do usuário recebedor, por iniciativa própria ou por solicitação da instituição de relacionamento do usuário pagador. Com esse mecanismo o BC define como e os prazos para que as instituições possam bloquear os recursos, avaliar o caso suspeito de fraude e realizar a efetiva devolução, dando mais eficiência e celeridade ao processo, o que aumenta a possibilidade do usuário reaver os fundos
.
Enquanto tais mecanismos não entram em vigor, as instituições envolvidas utilizam-se de procedimentos operacionais bilaterais para tratar os casos. Vale ressaltar que a responsabilidade da avaliação das situações de fraude é das instituições financeiras ou instituições de pagamentos envolvidas na transação. O BC cria as regras e os procedimentos operacionais que permitem a comunicação padronizada entre as duas instituições e pode penalizar as instituições que incorrerem em uso indevido do mecanismo.
De acordo com referidas normas regulamentadoras e como dito alhures, as operações questionadas ocorrem em tempo real, sendo que o acionamento de instrumentos tais
o
Bloqueio Cautelar e o Mecanismo Especial de Devolução
devem ser realizados após verificação de indício de fraude pela instituição destinatária dos valores,
in casu
, o MERCADO PAGO S.A." (TRF-4 - RECURSO CÍVEL: 50004832220224047114 RS, Relator: JOANE UNFER CALDERARO, Data de Julgamento: 19/12/2022, QUINTA TURMA RECURSAL DO RS)
A Turma Recursal já decidiu como segue:
"(...) Quanto ao ponto, registre-se, ainda, que o Mecanismo Especial de Devolução (MED) e o Bloqueio Cautelar foram instituídos pelo Banco Central através da Resolução nº 103, de 08/06/2021, produzindo efeitos a partir de 16/11/21 6. Logo, na data dos débitos já era possível à CEF utilizar esse procedimento, que se refere apenas a operações via PIX, não se aplicando para outras modalidades de transferência de valores.
Veja-se que a parte autora formalizou a contestação na via administrativa e registrou o boletim de ocorrência no mesmo dia em que foi vítima do golpe, conforme eventos 1.9, 1.10 e 1.17. Além disso, a demandante demonstra que solicitou expressamente aos funcionários da agência da ré, em atendimento presencial, que fosse acionado o MED para o fim de bloquear os valores nas contas destinatárias, consoante se extrai da gravação acostada ao evento 4.3. Todavia, o pedido foi negado, sob o argumento de que, apenas na hipótese de ser constatada a ocorrência de fraude eletrônica ou tecnológica com o efeito de burlar o sistema da CEF, a área de segurança utilizaria o MED para solicitar ao banco destinatário o bloqueio nas contas favorecidas. Através de mensagem via Whatsapp enviada à autora, a requerida alegou que o bloqueio teria que ser realizado pelo banco que recebeu os recursos e não pela CEF (evento 1.16 - p. 02). Contudo, os argumentos da ré não se sustentam, pois a instrução do Bacen acima reproduzida é expressa no sentido de que o MED é acionado pelo banco da vítima para notificar a instituição que está recebendo a transferência, para que os recursos sejam bloqueados em caso de golpe.
Portanto, ainda que não fosse possível à CEF realizar o bloqueio, era seu dever promover a notificação do banco recebedor para que houvesse o bloqueio. O acionamento do MED poderia resultar no bloqueio dos valores nas contas destinatárias e, caso fosse confirmada a ocorrência de fraude pelas instituições financeiras envolvidas, os recursos retornariam para a autora. Logo, independentemente do desfecho da ativação do mecanismo, a CEF deve responder por sua omissão.
Assim, está configurada a falha da requerida, uma vez que foi comunicada da ocorrência do golpe de forma imediata e deixou de cumprir seu dever de acionar o Mecanismo Especial de Devolução (MED), instituído pelo Banco Central pela Resolução nº 103, de 08/06/2021. Além disso, também falhou no dever de informação, pois afirmou para a cliente que não poderia acionar o MED.
Note-se que a contestação foi apresentada na via administrativa no mesmo dia em que ocorreu a movimentação indevida, momento em que a requerida tomou conhecimento da fraude, porém não enviou ao banco recebedor a notificação para bloqueio dos valores transferidos via PIX. Em vista disso, autoriza-se concluir pela responsabilização objetiva da ré nesse ponto." (TRF-4 - RECURSO CÍVEL: 50175947020224047000 PR, Relator: GUY VANDERLEY MARCUZZO, Data de Julgamento: 26/01/2023, PRIMEIRA TURMA RECURSAL DO PR)
2.35. Lei geral de proteção de dados - exame precário:
Cuida-se de tema que apenas tangecia o debate travado nestes autos. Ao comentar a
lei nº 13.709, de 14 de agosto de 2018
, Denise de Souza Luiz Francoski sustenta:
"O surgimento de uma legislação específica sobre a proteção de dados pessoais1 e privacidade2 que viesse proteger efetivamente os titulares dos dados pessoais dentro da sociedade brasileira é um tema que vinha sendo aguardado com muita expectativa, principalmente no meio jurídico do nosso País, em decorrência dos diversos movimentos jurídicos internacionais, traduzidos na publicação de inúmeras legislações com enfoque nesse assunto, especialmente do Regulamento Europeu – GDPR, em vigor desde 25 de maio de 2018, isto porque, como menciona Yuval Harari Os donos dos dados são os donos do futuro. É evidente que para o Brasil, além da entrada em vigor do GDPR, outros fatores, como por exemplo, a grande e crescente atividade da economia internacional, principalmente quanto ao comércio eletrônico, a propagação de forma exponencial das diversas redes sociais, plataformas digitais e inúmeros sites que fazem uso de dados pessoais de seus titulares, os quais, aliados à evolução rápida da inteligência artificial e da internet das coisas e, primordialmente, o grande receio de algum entrave envolvendo operações econômicas do nosso país, gerando algum tipo de discriminação ou até mesmo isolamento comercial, por inexistência de uma legislação específica quanto à proteção de dados pessoais e privacidade, levaram os nossos governantes a editar com urgência a nossa
Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais
, mais conhecida por LGPD."
(FRANCOSKI, Denise de Souza Luiz Francoski.
A Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais:
aspectos práticos e teóricos relevantes no setor público e privado São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2021, introdução).
Ainda nesse sentido, leias-se:
"Podemos constatar, ainda, que as inúmeras atividades desenvolvias que fazem uso dos nossos dados pessoais e que atingem a nossa privacidade diretamente, inclusive nos setores que fazem movimentar todo o circuito da economia mundial, nos leva a repensar os cuidados que, a partir de então, deverão ser redobrados, quando dizem respeito, como bem diz Bruno Bioni119, à utilização dos “signos identificadores do cidadão”.
O conteúdo da legislação europeia, de forma especial o GDPR, e de outras que estão por vir, continuarão a servir de inspiração, para o aperfeiçoamento da interpretação de certos aspectos teóricos e práticos da LGPD que, com certeza, surgirão, à medida que a sedimentação desta Lei seja introduzida tanto na esfera da iniciativa privada como em todas as organizações públicas e, de forma particular, em todos as cortes de justiça do nosso País.
Por isso, é necessário desde já que os órgãos públicos, cujo enfoque foi o tema deste artigo, se organizem de pronto, a fim de dar início ao programa de implementação da Lei protetiva, a tempo e modo de servirem de exemplo às empresas e aos organismos que pertencem a toda a inciativa privada, inclusive sobre a ocorrência pontual e inevitável quanto à produção de sua transformação cultural, pois, como bem ensinam Fabio Ferreira Kujawski e Ana Carolina Heringer Castellano120, “A LGPD introduz uma revolução cultural no tratamento de dados pessoais não apenas por entidades privadas, mas sobretudo por entidades públicas
." (FRANCOSKI, Denise de Souza Luiz Francoski e outros.
A Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais:
aspectos práticos e teóricos relevantes no setor público e privado São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2021, introdução).
No que toca a vazamentos, anote-se o seguinte:
"
Os inúmeros e sempre mais frequentes episódios de invasão dos sistemas informáticos de empresas, entes públicos e tribunais, que acarretam vazamentos de dados e outros efeitos ainda pouco conhecidos, têm suscitado justa preocupação com a segurança da informação e, especialmente, com seu entrelaçamento com a proteção de dados pessoais
. Procura-se aqui explorar as afinidades e as dissonâncias entre essas duas disciplinas a partir do Regulamento Geral de Proteção de Dados (RGPD), aprovado em 2016 na Europa, e da Lei Geral de Proteção de Dados (Lei nº 13.709/2018 ou LGPD). Discute-se, em seguida, a transformação do direito regulatório, de um modelo baseado em direitos para um modelo fundado na análise de risco e nas medidas, adequadas e proporcionais, para prevenir e remediar os riscos inerentes ao tratamento de dados em larga escala."
(FRANCOSKI, Denise de Souza Luiz Francoski.
Obras citadas.
RB 20.1).
Ademais,
"Na origem do direito de proteção de dados pessoais identificava-se certa vagueza e ambiguidade quanto ao seu alcance, pois pode-se razoavelmente entender que a proteção conferida aos dados significa também a promessa de que gozarão de segurança contra acessos indevidos e vazamentos propositais ou acidentais. Com o tempo, a distinção se tornou mais evidente e passou a ser enunciada pelo uso de expressões diversas: Datenschutz e Datensicherheit, em alemão, e data protection (ou privacy) e cybersecurity, em inglês, proteção de dados e segurança da informação, em nosso idioma.1 Embora a garantia da segurança da informação não se confunda com o direito à proteção de dados pessoais, como muitas vezes se acredita, há inequívoca relação de pertinência entre eles."
(FRANCOSKI, Denise de S. Luiz Francoski.
Obras citadas.
RB 20.2).
Sustenta-se, além disso, que
"a cultura usufrui da condição de extrema importância quando associada à legislação pertinente, sobretudo, no caso da questão da defesa, da promoção e da proteção dos dados pessoais, relacionados à privacidade, a honra, a imagem, a intimidade, a personalidade, a liberdade de expressão, o sigilo dos dados e a autodeterminação informativa (arts. 1º, III, e 5º, X e XII, da Constituição da República), e ainda, o anonimato na rede, o papel do mercado e de sua lógica, a função, os limites e a simetria dos direitos, a dar conta de assegurar a inviolabilidade do sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas – essas ressalvadas pela dimensão da relativização, por ordem judicial e para fins de persecução penal.Há razões para tanto que estão além da má utilização dos dados do indivíduo ou de milhões deles. É que “Pretende-se evitar, outrossim, que o cidadão seja transformado em números, tratado como se fosse uma mercadoria, sem a consideração de seus aspectos subjetivos, desconsiderando-se a sua intimidade” (LIMBERGER, 2008, p. 221). Esse cenário é que tece o tom das anunciadas questões urgentes que demandam ser construídas e revisadas em face da legislação – isso em termos globais. A título ilustrativo, a denúncia de vazamento7 de dados tem exposto e cobrado nova configuração aos procedimentos dessa natureza, sobretudo expondo e denunciando esse dilema que precisa ser dirimido.
Significativo e curioso é o fato de que, a legislação brasileira específica, em matéria de dados pessoais, data de 2018. À primeira vista pode parecer que se está atrasado demais. Em matéria de legislação, não. Mas em termos de reconhecimento, a conclusão pode ser mesmo afirmativa, de onde decorre missão útil e valiosa que cabe a universidade: de fazer o adequado enfrentamento, teórico e prático e o sopesamento de viés tecnológico – em que medida avançar levando em consideração o respeito à dignidade humana em contraponto à privacidade (a 4ª. crise, conforme antes anunciada)
."
(FRANCOSKI, Denise de S. L. F.
Obras citadas.
RB 10.4).
Acrescente-se que "
Mais recentemente40, a própria The Economist trouxe a questão novamente à tona: os dados são mais como o petróleo ou como a luz solar, que está presente em todos os lugares e é a base de tudo? O artigo menciona outras metáforas interessantes usadas para definir os dados, como a infraestrutura, que precisa de investimento público e de novas instituições para gerenciá-los.
Há, ainda uma série de outras comparações que vêm sendo utilizadas, como a analogia com o sangue, já que os dados precisam circular para que haja “vida”, mas se houver um vazamento é preciso resolver rápido para que a empresa não sangre até a morte, e a divertida comparação com as calorias, que “continuam chegando”, feita por Viviane Maldonado. Além da preocupação natural com o mau uso proposital desses dados, há, ainda, a preocupação com vazamentos acidentais, que podem fazer com que os dados caiam nas mãos de meliantes e/ou de empresas inescrupulosas. Por isso, é compreensível que a Lei não apenas estabeleça limites para os tratamentos de dados pessoais, mas também estabeleça exigências mínimas de segurança, de forma a proteger os dados contra acesso e/ou destruição indevidos
."
(FRANCOSKI, Denise de S. L. F. e outros.
Obras cit.
RB 39.4).
Note-se que
"o vazamento de lista de e-mails de consumidores de produtos de luxo pode gerar muitos dissabores, especialmente no aumento da abordagem de outras empresas. Contudo, dificilmente colocaria a segurança física do titular em risco. Contudo, na venda por telefone, na qual é conhecido o endereço do comprador, sua segurança poderia ser afetada. Dessa forma, o impacto neste último caso é maior à pessoa do titular."
(COTS, Marcio e outros.
O Legítimo interesse e a LGPDP.
2. ed., rev. SP: Thomson Reuters. 2021. RB 2.11). Enfim, o vazamento de dados deve ser combatido, porquanto pode comprometer segredos, intimidade, vida privada de alguém.
O sigilo de dados telemáticos é uma projeção da tutela jurídica dispensada à vida privada, consoante já decidiu o STF ao apreciar o MS 23.639/DF, rel. Celso de Mello. Também nesse sentido, menciono Paulo José da Costa Jr.
O
direito de estar só
.
RT, p. 105. Nem todos os dados hão de ser submetido ao sigilo, sob pena de se inviabilizar qualquer comunicação. Basta acorrer a um cartório para se saber a quem pertence um determinado imóvel; documentos de identificação pessoal - carteira de identidade, por exemplo - são informados em editais com relação de candidatos aprovados. Detalhes do faturamento de empresas, estabelecimentos comerciais são indicados em propostas de licitações, de acesso a todos os participantes. Em consultas aos sites de Conselhos Regionais, pode-se obter informações a respeito dos profissionais cadastrados, indicação do número de inscrição, telefone e endereços.
Enfim, nem todo dado pode ser tratado como se fosse sigiloso, dado que, como regra, isso apenas é cabível quando em causa a tutela efetiva da vida privada - espaços concêntricos do segredo, da intimidade e da vida privada.
A respeito do tema, leia-se:
DIREITO CIVIL E ADMINISTRATIVO. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS CONTRA O INSS. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. ALEGADO VAZAMENTO DE DADOS DA SEGURADA. SUPOSTA VIOLAÇÃO A DISPOSITIVOS DA LEI GERAL DE PROTEÇÂO DE DADOS PESSOAIS ( LGPD). POSTERIOR OFERECIMENTO DE SERVIÇOS BANCÁRIOS INDESEJADOS POR DIVERSAS INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS. I
NEXISTÊNCIA DE PROVA DO VAZAMENTO PELA AUTARQUIA. DADOS PESSOAIS DA AUTORA QUE PODEM SER OBTIDOS DE INÚMERAS FORMAS. ATO ILÍCITO NÃO DEMONSTRADO. PRECEDENTES DESTA TURMA RECURSAL. RECURSO A QUE SE NEGA PROVIMENTO
. (TRF-4 - RECURSO CÍVEL: 50064272020224047206 SC, Relator: GILSON JACOBSEN, Data de Julgamento: 14/06/2023, TERCEIRA TURMA RECURSAL DE SC)
CONSUMIDOR. RESPONSABILIDADE CIVIL PEDIDO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. TRANSAÇÕES BANCÁRIAS EFETUADAS POR TERCEIROS EM CONTA MEDIANTE USO DE CARTÃO MAGNÉTICO. GOLPE DO “MOTOBOY”. CULPA CONCORRENTE. NEGLIGÊNCIA DO CONSUMIDOR QUANTO AO DEVER DE GUARDA DO CARTÃO BANCÁRIO. FALHA DE SEGURANÇA NOS PROCEDIMENTOS ADOTADOS PELO BANCO. IDENTIFICADAS OPERAÇÕES MUITO DESTOANTES DAS TRANSAÇÕES COTIDIANAS DO CORRENTISTA. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.
AUSÊNCIA DE ELEMENTOS QUE COMPROVEM VAZAMENTO DE DADOS PELA INSTITUIÇÃO BANCÁRIA. FALHA CONCORRENTE COM A PARTE AUTORA E RESPONSABILIDADE DE TERCEIROS. SENTENÇA REFORMADA. RECURSOD A PARTE AUTORA PARCIALMENTE PROVIDO
. (TRF-3 - RI: 00026483320204036304, Relator: ALEXANDRE CASSETTARI, Data de Julgamento: 24/11/2022, 2ª Turma Recursal da Seção Judiciária de São Paulo, Data de Publicação: 29/11/2022)
"(...) A hipótese, porém, de saque fraudulento em conta de FGTS, posteriormente ressarcido, não dispensa a comprovação da ocorrência de dano.
Do mesmo modo, no que tange ao vazamento de dados protegidos pela Lei Geral de Proteção de Dados (Lei nº 13.709/18) e o seu uso indevido, não há falar em dano moral devido pela ré.
Primeiramente, o saque emergencial do FGTS, assim como de outros benefícios (auxílio emergencial, auxílio BEm, bolsa família e abono salarial do PIS)é feito pelo aplicativo CaixaTEM.
Segundo informações colhidas no site da Caixa, no primeiro acesso a pessoa deve se cadastrar informando os seguintes dados pessoais: CPF, nome completo, número do celular, data de nascimento, CEP e email. Em seguida, o usuário cria a senha numérica de, pelo menos, 6 dígitos. Posteriormente, recebe um email para a confirmação de
login
. Ressalte-se que a pessoa pode informar qualquer email e, portanto, desta forma, ter acesso ao aplicativo.
Como visto, o conhecimento dos dados do beneficiário é anterior ao acesso ao sistema. Ou seja, o fraudador já tem os dados do titular (CPF, nome, data de nascimento, etc.), os quais são inseridos no aplicativo para a utilização dos recursos ali disponibilizados. Outrossim, não é possível afirmar que tais dados foram obtidos da instituição financeira
.
Por sua vez, no aplicativo o usuário não tem acesso a todos os dados do titular, mas apenas aos benefícios acima especificados. Ou seja, não há acesso a contas bancárias, mas apenas aos benefícios acima especificados." (TRF-4 - RECURSO CÍVEL: 50008603320214047209 SC, Relator: GILSON JACOBSEN, Data de Julgamento: 28/04/2022, TERCEIRA TURMA RECURSAL DE SC)
LEI GERAL DE PROTEÇÂO DE DADOS PESSOAIS ( LGPD) E DIREITO DO CONSUMIDOR. AÇÃO COM PRECEITOS CONDENATÓRIOS. Sentença de improcedência dos pedidos. Recurso de apelação do autor.
Vazamento de pessoais não sensíveis do autor (nome completo, números de RG e CPF, endereço, endereço de e-mail e telefone), sob responsabilidade da ré. LGPD. Responsabilidade civil ativa ou proativa. Doutrina. Código de Defesa do Consumidor. Responsabilidade civil objetiva. Ausência de provas, todavia, de violação à dignidade humana do autor e seus substratos, isto é, liberdade, igualdade, solidariedade e integridade psicofísica. Autor que não demonstrou, a partir do exame do caso concreto, que, da violação a seus dados pessoais, houve a ocorrência de danos morais. Dados que não são sensíveis e são de fácil acesso a qualquer pessoa. Precedentes. Ampla divulgação da violação já realizada. Recolhimento dos dados. Inviabilidade, considerando-se a ausência de finalização das investigações. Pedidos julgados parcialmente procedentes, todavia, com o reconhecimento da ocorrência de vazamento dos dados pessoais não sensíveis do autor e condenando-se a ré na apresentação de informação das entidades públicas e privadas com as quais realizou o uso compartilhado dos dados
, fornecendo declaração completa que indique sua origem, a inexistência de registro, os critérios utilizados e a finalidade do tratamento, assim como a cópia exata de todos os dados referentes ao titular constantes em seus bancos de dados, conforme o art. 19, II, da LGPD. Determinação para envio de cópia dos autos à Autoridade Nacional de Proteção de Danos (art. 55-A da LGPD). RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. (TJ-SP - AC: 10003312420218260003 SP 1000331-24.2021.8.26.0003, Relator: Alfredo Attié, Data de Julgamento: 16/11/2021, 27ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 16/11/2021)
DANO MORAL – VAZAMENTO DE DADOS – CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR – DEVER DE SEGURANÇA. 1 –
Reconhecida a falha no sistema, ante a invasão por terceiros, ocasionando o vazamento de dados pessoais do consumidor, patente o dever de indenizar pelos danos morais sofridos; 2 – Indenização por danos morais fixada no montante pleiteado, ou seja, em R$ 10.000,00, corrigidos do arbitramento e acrescido de juros de mora de 1% ao mês, a partir da citação
. RECURSO PROVIDO (TJ-SP - AC: 10001447120218260405 SP 1000144-71.2021.8.26.0405, Relator: Maria Lúcia Pizzotti, Data de Julgamento: 25/08/2021, 30ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 13/09/2021)
Atente-se ainda para o entendimento do STJ:
PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. VAZAMENTO DE DADOS PESSOAIS. DADOS COMUNS E SENSÍVEIS. DANO MORAL PRESUMIDO. IMPOSSIBILIDADE. NECESSIDADE DE COMPROVAÇÃO DO DANO. I - Trata-se, na origem, de ação de indenização ajuizada por particular contra concessionária de energia elétrica pleiteando indenização por danos morais decorrentes do vazamento e acesso, por terceiros, de dados pessoais. II - A sentença julgou os pedidos improcedentes, tendo a Corte Estadual reformulada para condenar a concessionária ao pagamento da indenização, ao fundamento de que se trata de dados pessoais de pessoa idosa. III -
A tese de culpa exclusiva de terceiro não foi, em nenhum momento, abordada pelo Tribunal Estadual, mesmo após a oposição de embargos de declaração apontando a suposta omissão. Nesse contexto, incide, na hipótese, a Súmula n. 211/STJ
. In casu, não há falar em prequestionamento ficto, previsão do art. 1.025 do CPC/2015, isso porque, em conformidade com a jurisprudência do STJ, para sua incidência deve a parte ter alegado devidamente em suas razões recursais ofensa ao art. 1022 do CPC/2015, de modo a permitir sanar eventual omissão através de novo julgamento dos embargos de declaração, ou a análise da matéria tida por omissa diretamente por esta Corte. Tal não se verificou no presente feito. Precedente: AgInt no REsp 1737467/SC, Rel. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Turma, julgado em 8/6/2020, DJe 17/6/2020. IV -
O art. 5º, II, da LGPD, dispõe de forma expressa quais dados podem ser considerados sensíveis e, devido a essa condição, exigir tratamento diferenciado, previsto em artigos específicos. Os dados de natureza comum, pessoais mas não íntimos, passíveis apenas de identificação da pessoa natural não podem ser classificados como sensíveis. V - O vazamento de dados pessoais, a despeito de se tratar de falha indesejável no tratamento de dados de pessoa natural por pessoa jurídica, não tem o condão, por si só, de gerar dano moral indenizável. Ou seja, o dano moral não é presumido, sendo necessário que o titular dos dados comprove eventual dano decorrente da exposição dessas informações
. VI - Agravo conhecido e recurso especial parcialmente conhecido e, nessa parte, provido. (STJ - AREsp: 2130619 SP 2022/0152262-2, Data de Julgamento: 07/03/2023, T2 - SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJe 10/03/2023)
AGRAVO DE INSTRUMENTO. NEGÓCIOS JURÍDICOS BANCÁRIOS. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER CUMULADA COM PRETENSÃO INDENIZATÓRIA POR DANOS MORAIS. PEDIDO DE RESSARCIMENTO DE VALORES TRANSFERIDOS. ALEGAÇÃO DE GOLPE E FALHA BANCÁRIA. REQUISITOS DO ART. 300 DO CPC NÃO VERIFICADOS. Nos termos do art. 300 do CPC, a tutela de urgência será concedida quando houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito invocado, bem como a urgência do provimento perseguido, o que não se verifica na hipótese. Havendo questões que ainda pendem de esclarecimentos quanto às circunstâncias de indicado golpe e à eventual falha bancária, bem como tendo sido há pouco angularizada a relação jurídica processual, não está recomendado o deferimento do pedido de antecipação da tutela, sendo prudente deixar o Magistrado de primeira instância - mais próximo do caso e apto a dar andamento à instrução do feito - avaliar a possibilidade de eventual modificação da decisão agravada, com o prosseguimento do feito.RECURSO DESPROVIDO. (TJ-RS - AI: 52006608020218217000 SÃO LEOPOLDO, Relator: Rosana Broglio Garbin, Data de Julgamento: 09/12/2021, Décima Sétima Câmara Cível, Data de Publicação: 15/12/2021)
2.36. Requisitos da responsabilização civil:
O tema da responsabilidade civil pode ser distribuído em dois grandes blocos: (a) a responsabilidade por condutas ilícitas, em sentido amplo, e (b) também responsabilidade por comportamentos lícitos.
No primeiro caso - isto é, a responsabilização por condutas ilícitas - tem-se o que se costuma chamar de responsabilidade subjetiva ou de responsabilidade fundada na culpa (responsabilidade civil aquiliana e a responsabilidade civil por violação do contrato).
Todo aquele que cause dano a terceiros, mediante violação de cláusula contratual ou violação da lei, tem o dever de indenizar, como evidenciam os arts. 186-187, Código Civil:
"Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito."
Segundo o art. 187,
"
Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes
."
Nesse âmbito, a responsabilização demanda os seguintes requisitos:
"A caracterização genérica do ato ilícito absoluto (ato ilícito stricto sensu), segundo a definição legal do art. 186,
exige a conjugação de elementos objetivos e subjetivos
: I - os requisitos objetivos são - a) a conduta humana antijurídica; b) o dano; c) o nexo de causalidade entre a conduta humana e o dano. II - os requisitos subjetivos são - a) a imputabilidade e b) a culpa em sentido estrito (dolo ou culpa em sentido estrito)."
(THEODORO JÚNIOR, Humberto.
Comentários ao código civil.
Vol. III. Arts. 185 a 232. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 31)
Já o art. 187, CC/2002, trata da figura do abuso de direito. Ainda segundo a lição de Humberto Teodoro Jr.,
"
O titular de qualquer direito para conservar-se no campo da normalidade não basta legitimar sua conduta dentro das faculdades reconhecidas pelas normas legais em face de sua individual situação jurídica. Haverá de cuidar para que o uso das prerrogativas legais não se desvie para objetivos ilícitos e indesejáveis, dentro do contexto social
. O abuso de direito acontecerá justamente por infringência desse dever e se dará sempre que o agente invocar uma faculdade prevista em lei, aparentemente de forma adequada, mas para alcançar objetivo ilegítimo ou não tolerado pelo consenso social."
(THEODORO JÚNIOR, Humberto.
Obra citada,
p. 113).
Por conseguinte, o art. 187, CC/02, impõe certos temperamentos à ideia de 'direito subjetivo', compreendido formalmente (isto é, compreendido como uma absoluta faculdade de agir, franqueada pela lei). Não basta apenas a adequação à norma legal, exigindo-se também certa proporcionalidade, um uso comedido e adequado das prerrogativas asseguradas pelo ordenamento jurídico.
O STJ já reconheceu como abuso de direito, por exemplo, a conduta do agente bancário que, invocando cláusula contratual, satisfaz seu crédito utilizando recursos mantidos pelo correntista e destinados ao pagamento dos seus empregados (STJ,
REsp. 250.523
, Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar p. DJ 18/12/2000). Ou seja, a despeito de haver cláusula contratual prevendo-a, a conduta seria viciada por destoar de um uso comedido, razoável, do direito.
Os requisitos para o reconhecimento do abuso de direito são os seguintes:
"Partindo da definição legal do exercício abusivo de um direito como ato ilícito (art. 187), teremos os seguintes requisitos como necessários à sua configuração: a) conduta humana, b) exercício de um direito subjetivo, c) exercício desse direito de forma emulativa (ou, pelo menos, culposa), d) dano para outrem, e) ofensa aos bons costumes e à boa fé; ou f) prática em desacordo com o fim social ou econômico do direito subjetivo."
(THEODORO JÚNIOR, H.
Obra cit.
p. 120-121).
Esses são os contornos, grosso modo, da responsabilização por comportamentos inválidos (ilícitos ou que violem regras contratuais). Por outro lado, a
responsabilidade por condutas lícitas
corresponde, em síntese, à responsabilidade fundada no incremento do risco (p.ex., art. 14 da lei 6938 e também à responsabilidade objetiva estatal, prevista no art. 37, §6º, CF/88).
Ora, a responsabilidade pelo incremento do risco diz respeito àquelas atividades que - conquanto lícitas - ensejam um grau maior de contingências para a vida em comum. Nesse âmbito, portanto, busca-se simplesmente uma internalização das externalidades provocadas pela atividade
econômica
, a fim de que o poluidor arque com os resultados do seu extrativismo ou industrialização. Essa responsabilização pelo risco está prevista, por exemplo, no art. 14, §1º, lei 6.938/1981; no art. 927, parágrafo único, Código Civil e - destaque-se - também art. 225, §§2º e 3º, Constituição/1988.
Há a responsabilização objetiva do Estado, prevista no art. 37, §6º, CF. Cuida-se de simples decorrência do postulado da isonomia (igual distribuição do custeio público).
"A atividade administrativa exerce-se no interesse de todos; se os danos que daí resultam para alguns não fossem reparados, eles seriam sacrificados à coletividade, sem que nada pudesse justificar semelhante discriminação. A indenização restabelece o equilíbrio afetado em seu detrimento."
(RIVERO, Jean.
Direito administrativo.
Coimbra: Almedina, 1981, p. 305).
Menciono também a lição de Celso Antônio Bandeira de Mello:
"No caso de comportamentos lícitos, assim como na hipótese de danos ligados a situação criada pelo Poder Público - mesmo que não seja o Estado o próprio autor do ato danoso -,
entendemos que o fundamento da responsabilidade estatal é garantir uma equânime repartição dos ônus provenientes de atos ou efeitos lesivos
, evitando que alguns suportem prejuízos ocorridos por ocasião ou por causa de atividades desempenhadas no interesse de todos. De conseguinte, seu fundamento é o princípio da igualdade, noção básica do Estado de Direito."
(MELLO, Celso Antônio Bandeira de.
Curso de direito administrativo.
17. ed. SP: Malheiros, 2004, p. 890)
2.37. Responsabilização por condutas omissivas:
Note-se, todavia, que o Estado não pode ser imaginado como uma espécie de resseguro universal. Ainda que, na atualidade, a noção de Estado de Bem Estar Social deva ser privilegiada e haja quem imagine que a Administração Pública deva garantir até mesmo a felicidade individual (p.ex., projeto de emenda à Constituição n. 10, proposto pelo Senador Cristóvam Buarque), não há como obrigá-la a reparar toda sorte de infortúnios a que todos estamos sujeitos.
Daí que é salutar atentar, em um primeiro exame, para a diferença de tratamento a ser dispensada entre condutas omissas e comissivas da Administração Pública. Cuidando-se de atuação ativa que cause prejuízos aos administrados, aplica-se, em regra, o art. 37, §6º, CF (responsabilidade objetiva), o que comporta pontuais exceções, mesmo nesse âmbito, a exemplo da conduta ativa da Administração que, no afã de salvar alguém que se encontra em um veículo trancado, se vê obrigada a destruir a porta do automóvel, caso em que, por óbvio, a reparação dos danos será incabível. Tratando-se de conduta omissiva, por parte da Administração, a responsabilidade apenas será cabível se provado, pelo interessado, que a omissão teria se dado de modo ilícito.
Do contrário, todos quanto tenham algum bem subtraído, mediante furto ou roubo, nas rodovias e logradouros públicos, poderiam processar o Estado, dado que lhe cabe garantir a segurança. Todos quanto sejam lesados, de algum modo, seriam então declarados credores de quantias junto aos cofres públicos. No afã de impedir tais lesões, o Estado teria que se converter em um mecanismo absolutamente autoritário, com controles totais sobre a vida dos indivíduos. A ocorrência de danos infelizmente é uma inexorável consequência do convívio de pessoas com certo grau de liberdade. Com isso não se faz pouco caso dos prejuízos suportados pelo demandante. Não! Mas, ao mesmo tempo, enfatiza-se que os responsáveis pelo furto é que hão de reparar os danos, tão logo sejam identificados.
O prof. Celso Bandeira de Mello, já aludido acima, argumenta que
"Deveras, caso o Poder Público não estivesse obrigado a impedir o acontecimento danoso, faltaria razão para impor-lhe o encargo de suportar patrimonialmente as conseqüências da lesão. Logo, a responsabilidade estatal por ato omissivo é sempre responsabilidade por comportamento ilícito. E, sendo responsabilidade por ilícito, é necessariamente responsabilidade subjetiva, pois não há conduta ilícita do Estado (embora do particular possa haver) que não seja proveniente de negligência, imprudência ou imperícia (culpa) ou, então, deliberando propósito de violar a norma que o constituía em dada obrigação (dolo). Culpa e dolo são justamente as modalidades de responsabilidade subjetiva."
(MELLO, Celso Antônio Bandeira de.
Obra citada.
p. 981).
Não se pode perder de vista, porém, o confronto entre a
omissão genérica e a omissão específica do Estado
; tratando-se em omissão específica quando
“o Estado, por omissão sua, cria a situação propícia para a ocorrência do evento em situação em que tinha o dever de agir para impedi-lo.”
(CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2007. p. 231). Desse modo,
"Se o motorista embriagado atropela e mata pedestre que está na beira da estrada, a Administração (entidade de trânsito) não poderá ser responsabilizada pelo fato de estar esse motorista ao volante sem condições. Isso seria responsabilizar a Administração por omissão genérica. Mas se esse motorista, momentos antes, passou por uma patrulha rodoviária, teve o veículo parado, mas os policiais, por alguma razão, deixaram-no prosseguir viagem, aí já haverá omissão específica que se erige em causa adequada do não-impedimento do resultado. Nesse segundo caso haverá responsabilidade objetiva do Estado."
(CAVALIERI FILHO, Sérgio.
Obra citada.
p. 231).
Em caso de alegada omissão estatal, impõe-se ao interessado o ônus de comprovar uma atuação dolosa ou negligente da Administração Pública, conforme art. 373, I, CPC, exceção feita aos casos de omissão específica, em que a responsabilidade objetiva soa cabível. Com efeito,
"A jurisprudência do STJ firmou-se no sentido de que "a responsabilidade civil do estado por condutas omissivas é subjetiva, sendo necessário, dessa forma, comprovar a negligência na atuação estatal, o dano e o nexo causal entre ambos"
(STJ, AgRg no AREsp 501.507/RJ, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, DJe de 02/06/2014). Em igual sentido: STJ, REsp 1.230.155/PR, Rel. Ministra ELIANA CALMON, 2.T, DJe de 17/09/2013 e AGRESP 201202023900, ASSUSETE MAGALHÃES, DJE 02/12/2015.
Atente-se também para os julgados abaixo transcritos:
ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC. ALEGAÇÃO GENÉRICA. SÚMULA 284/STF. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. OMISSÃO. NEXO DE CAUSALIDADE. DANOS MORAIS E MATERIAIS. REEXAME DE FATOS E PROVAS. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 7/STJ. 1. A alegação genérica de violação do artigo 535 do Código de Processo Civil, sem explicitar os pontos em que teria sido omisso o acórdão recorrido, atrai a aplicação do disposto na Súmula 284/STF. 2.
Nos termos da jurisprudência do STJ, a responsabilidade civil do estado por condutas omissivas é subjetiva, sendo necessário, dessa forma, comprovar a negligência na atuação estatal, o dano e o nexo causal entre ambos
. 3. O Tribunal de origem, com base no conjunto fático probatório dos autos, expressamente consignou que "restou evidente o nexo de causalidade entre a omissão do ente municipal e o evento danoso". 4. Dessa forma, não há como modificar a premissa fática, pois para tal é indispensável o reexame do contexto fático-probatório dos autos, o que é vedado por esta Corte, pelo óbice da Súmula 7/STJ. Agravo regimental improvido. ..EMEN:
(AGARESP 201400845416, HUMBERTO MARTINS, STJ - SEGUNDA TURMA, DJE DATA:02/06/2014 ..DTPB:.)
"(...) 7. É fato que a doutrina atual orienta-se no sentido de que a responsabilidade civil do Estado somente é objetiva quanto a atos comissivos praticados por seus agentes ou prepostos.
Quando, todavia, se trata de conduta omissiva, para que se caracterize a responsabilidade estatal, é mister que se demonstre, além do dano causado à vítima e o respectivo nexo causal, o dolo ou culpa do representante do Estado que tinha o dever de agir de modo a impedir a ocorrência do evento danoso (falta do serviço). Precedentes jurisprudenciais. 8. A responsabilidade civil por omissão de atos da Administração Pública é subjetiva, hipótese em que a culpa passa a se constituir em pressuposto da responsabilidade, não se aplicando, assim, a regra do art. 37, § 6º, da CF. 9. Ou seja, admitindo-se a responsabilidade objetiva em hipóteses que tais, o Estado seria um segurador universal, o que não se entremostra razoável
. 10. A doutrina e a jurisprudência mais recente, todavia, vem gradativamente adotando, quando se trata de danos da Administração Pública por omissão, o entendimento de que existe uma clara distinção entre omissão específica e omissão genérica. 11.
A omissão é específica quando o Estado tem a obrigação de evitar o dano. Um exemplo desse tipo de omissão são os bueiros destampados, que ocasionam a queda de uma pessoa, provocando-lhe danos físicos. Quando há responsabilidade civil por omissão específica, o Estado responde objetivamente, conforme o art. 37, § 6º, da CF
. 12.
Há situações outras, todavia, que é impossível ao Estado impedir, através de seus agentes, eventuais danos aos seus administrados. Por exemplo, o de lesões sofridas por atos de vandalismo de terceiros, em estádios de futebol. Nesses casos, se diz que a omissão é genérica e a responsabilidade do Poder Público é subjetiva, havendo a necessidade de se aferir a culpa
. 13. Além disso, quando não for possível identificar o agente que causou o dano, caberá à vítima comprovar que não houve serviço, que o serviço funcionou mal ou que foi ineficiente. É o que se denomina responsabilidade civil por culpa anônima do serviço, outra modalidade de responsabilidade subjetiva da Administração Pública. 14. Destarte, em se tratando de omissão genérica do serviço ou quando não for possível identificar um agente público responsável, a responsabilidade civil do Estado será sempre subjetiva, não se aplicando a essas hipóteses a teoria objetiva do risco administrativo. Precedentes desta Corte. 15. O caso dos autos é a típica responsabilidade do Estado por omissão. (...)" (APELREEX 00174935819874036100, JUIZ CONVOCADO ALEXANDRE SORMANI, TRF3 - SEGUNDA TURMA, e-DJF3 Judicial 1 DATA:08/10/2009 PÁGINA: 200 ..FONTE_REPUBLICACAO:., omiti parte da ementa)
RESPONSABILIDADE CIVIL - ACIDENTE DE TRÂNSITO - ANIMAIS NA PISTA - RESPONSABILIDADE SUBJETIVA - CULPA - RODOVIA COMUM. Nas rodovias comuns - ao contrário do que se dá nas auto-estradas, destinadas ao trânsito de alta velocidade, onde as exigências de segurança são naturalmente mais acentuadas e, por isso, a vigilância deve ser mais rigorosa - é virtualmente impossível impedir o ingresso de animais na pista, durante as vinte e quatro horas de dia.
A responsabilidade do Estado quando o dano resulta de suposta omissão - falta de serviço - obedece a teoria subjetiva e só se concretiza mediante prova da culpa, isto é, do descumprimento do dever legal de impedir o evento lesivo. O Estado não é segurador universal: sem a prova da conduta omissiva censurável, tendo em conta o tipo de atuação que seria razoável exigir, não há como responsabilizar o poder público
.
(AC 9704012225, AMIR JOSÉ FINOCCHIARO SARTI, TRF4 - TERCEIRA TURMA, DJ 17/09/1997 PÁGINA: 75102.)
CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO – BANCO CENTRAL DO BRASIL – RESPONSABILIDADE CIVIL – LIQUIDAÇÃO EXTRAJUDICIAL – PREJUÍZOS FINANCEIROS – INEXISTÊNCIA DE RESPONSABILIDADE DO BACEN – CONDUTA OMISSIVA 1. Apelação em face de r. sentença que julgou improcedente o pedido de ressarcimento, pelo Banco Central do Brasil (BACEN), de prejuízos sofridos pelos autores, em razão de suposta omissão por parte da autarquia em fiscalizar instituição financeira na qual eles depositaram recursos financeiros, e que sofreu liquidação extrajudicial. 2. O BACEN não foi o responsável pela conduta que levou à decretação da liquidação extrajudicial na cooperativa na qual os autores depositaram seus recursos, e a liquidação extrajudicial, por si só, não gera o dever da Autarquia de indenizar aqueles que foram prejudicados pela má administração. 3. A responsabilidade do Estado por ato omissivo é responsabilidade por comportamento ilícito, sendo responsabilidade subjetiva, pois não há conduta ilícita do Estado que não seja proveniente de negligência, imprudência ou imperícia. 4.
O Poder Público não é segurador automático de investimento de risco, não assumindo a obrigação de indenizar o investidor prejudicado pela má administração do fundo
. 5. O risco do negócio há de ser suportado pelos investidores, e o Poder Público não assume a condição de garantidor dos negócios firmados por aqueles. 6. Precedentes deste Eg. TRF da 2a Região (AC n° 96.02.41250-0/RJ) e do Eg. TRF da 4a Região (AC 95.04.60816-7). 7. Apelação a que se nega provimento.
(AC 00414456920014020000, RALDÊNIO BONIFACIO COSTA, TRF2.)
CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO – BANCO CENTRAL DO BRASIL – RESPONSABILIDADE CIVIL – LIQUIDAÇÃO EXTRAJUDICIAL – PREJUÍZOS FINANCEIROS – INEXISTÊNCIA DE RESPONSABILIDADE DO BACEN – CONDUTA OMISSIVA 1. Apelação em face de r. sentença que julgou improcedente o pedido de ressarcimento, pelo Banco Central do Brasil (BACEN), de prejuízos sofridos pelos autores, em razão de suposta omissão por parte da autarquia em fiscalizar instituição financeira na qual eles depositaram recursos financeiros, e que sofreu liquidação extrajudicial. 2. O BACEN não foi o responsável pela conduta que levou à decretação da liquidação extrajudicial na cooperativa na qual os autores depositaram seus recursos, e a liquidação extrajudicial, por si só, não gera o dever da Autarquia de indenizar aqueles que foram prejudicados pela má administração. 3.
A responsabilidade do Estado por ato omissivo é responsabilidade por comportamento ilícito, sendo responsabilidade subjetiva, pois não há conduta ilícita do Estado que não seja proveniente de negligência, imprudência ou imperícia
. 4. O Poder Público não é segurador automático de investimento de risco, não assumindo a obrigação de indenizar o investidor prejudicado pela má administração do fundo. 5. O risco do negócio há de ser suportado pelos investidores, e o Poder Público não assume a condição de garantidor dos negócios firmados por aqueles. 6. Precedentes deste Eg. TRF da 2a Região (AC n° 96.02.41250-0/RJ) e do Eg. TRF da 4a Região (AC 95.04.60816-7). 7. Apelação a que se nega provimento.
(AC 00032248020024020000, RALDÊNIO BONIFACIO COSTA, TRF2.)
2.38.
Caracterização de danos
materiais:
O dano material compreende o desfalque do patrimônio do ofendido, a ser traduzido em pecúnia. Ele pode ser reconduzido ao dano emergente (montante que a vítima efetivamente perdeu) e o lucro cessante (aquilo que ela deixou de lucrar).
Colho a lição de Humberto Theodoro Júnior:
"O
dano emergente é mais facilmente quantificável
. Resume-se a uma avaliação do patrimônio lesado, antes e depois do ato ilícito. Já no caso de lucros cessantes, a situação é mais delicada, pois é preciso determinar que vantagens esperadas efetivamente o ilícito impediu a vítima de perceber. Não se pode levar o ressarcimento a cobrir expectativas remotas de lucros e vantagens que poderiam ou não acontecer, no futuro.
O lucro cessante tem de ser visto como lucro certo, em função do quadro afetado pelo ato ilícito. Deve corresponder a consequência imediata da paralisação de um negócio lucrativo que a vítima explorava, ou a frustração do rendimento que era razoavelmente esperado do bem lesado.
Para evitar pretensões quiméricas, o art. 403 do novo Código, na tradição do art. 1059 do Código anterior, determina que a reparação dos lucros cessantes só compreenda o que a vítima razoavelmente deixou de lucrar. Com isso se impede a vítima do ato ilícito de afastar-se dos critérios objetivos e navegar nas águas do meramente hipotético ou imaginário.
A indenização terá de ser fixada à luz do bom senso e do razoável, sempre a partir de dados concretos e não de simples suposições. É por isso que o art. 403 completa o enunciado do art. 402, que fala em reparação para o que a vítima razoavelmente deixou de lucrar, acrescentando que os lucros indenizáveis são apenas os que cessaram por efeito direto e imediato da inexecução da obrigação (i.e., do ato ilícito).
Em suma, nem o dano material, nem os lucros cessantes, podem ser deferidos sob condição de apuração futura em liquidação. A parte que pleiteia reparação tem de prová-los adequadamente, antes da condenação, mesmo que essa seja genérica." (THEODORO JÚNIOR, Humberto.
Comentários ao código civil.
Vol. III. Arts. 185 a 232. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 36-37)
Por sinal, a lei processual civil veda a prolação de sentenças condicionadas (art. 460, parágrafo único, CPC); ao mesmo tempo em que também veda ao demandante a formulação de pedidos genéricos, com as exceções verbalizadas no art. 286, CPC.
Convém apenas destacar que a lei não vaticina a pretensão à percepção de lucros cessantes de caráter hipotético:
RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO ESTADO - ACIDENTE SOFRIDO NO INTERIOR DE HOSPITAL PÚBLICO - DANOS MATERIAIS E MORAIS - AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DO NEXO DE CAUSALIDADE - INDENIZAÇÃO INDEVIDA. 1- A responsabilidade objetiva independe da comprovação de culpa ou dolo, ou seja, basta estar configurada a existência do dano, da ação ou omissão e do nexo de causalidade entre ambos (art. 37, §6º, da CF/88). 2 - Ante o conjunto probatório trazido aos autos, ausente, na hipótese, nexo de causalidade entre o acidente que provocou o ferimento na Autora e qualquer ato omissivo ou comissivo por parte da Administração. 3 -
Não restando nos autos qualquer despesa ou ônus de origem material, deve ser afastada a indenização por dano material, pois, para ser indenizável, o dano deve ser certo, não sendo passíveis de indenização os danos hipotéticos
. 4 - Ante a ausência do nexo de causalidade, incabível também a indenização por danos morais. 5 - Apelação improvida. Sentença confirmada. (AC 200751010001080, Juiz Federal WILSON JOSE WITZEL, TRF2 - SEXTA TURMA ESPECIALIZADA, E-DJF2R - Data::24/03/2010 - Página::307/308.)
D'outro tanto, a teoria da perda de uma chance tem origem na França (
perte d’une chance),
nos idos de 1950, conquanto já houvesse sido reconhecida no caso inglês Chaplin
versus
Hicks, de 1911.
Segundo Sérgio Cavalieri,
"
caracteriza-se essa perda de uma chance quando, em virtude da conduta de outrem, desaparece a probabilidade de um evento que possibilitaria um benefício futura para a vítima, como progredir na carreira artística ou militar, arrumar um melhor emprego, deixar de recorrer de uma sentença desfavorável pela falha do advogado, e assim por diante
. Deve-se, pois, entender por chance a probabilidade de se obter um lucro ou de se evitar uma perda" (
CAVALIERI FILHO, Sérgio.
Programa de Responsabilidade Civil.
8. ed. São Paulo: Atlas, 2008. p. 71).
Trata-se, pois, de um exame estocástico, estatístico.
Em princípio, não há como se obrigar alguém a responder poder eventos futuros e incertos. Exagerando, para melhor compreender: alguém subtrai, da vítima, o valor de R$ 2,00. Ele ingressa em Juízo, dizendo que iria utilizar aquele recurso para jogar na mega-sena, com a chance de se tornar milionário, exigindo a reparação do dano na sua totalidade.
Por óbvio que não se pode imputar ao causador do dano o dever de responder por consequências incertas e improváveis. Situação obviamente diversa ocorre quando o único candidato de um concurso público, selecionado para a última etapa, já tendo demonstrado expertise nas fases anteriores, é impedido de realizar a última prova por conta de um acidente de trânsito.
O Superior Tribunal de Justiça tem enfatizado o seguinte:
RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL. PERDA DE UMA CHANCE. DESCUMPRIMENTO DE CONTRATO DE COLETA DE CÉLULAS-TRONCO EMBRIONÁRIAS DO CORDÃO UMBILICAL DO RECÉM NASCIDO. NÃO COMPARECIMENTO AO HOSPITAL. LEGITIMIDADE DA CRIANÇA PREJUDICADA. DANO EXTRAPATRIMONIAL CARACTERIZADO. 1. Demanda indenizatória movida contra empresa especializada em coleta e armazenagem de células tronco embrionárias, em face da falha na prestação de serviço caracterizada pela ausência de prepostos no momento do parto. 2. Legitimidade do recém nascido, pois "as crianças, mesmo da mais tenra idade, fazem jus à proteção irrestrita dos direitos da personalidade, entre os quais se inclui o direito à integralidade mental, assegurada a indenização pelo dano moral decorrente de sua violação" (REsp. 1.037.759/RJ, Rel. Min. Nancy Andrighi, TERCEIRA TURMA, julgado em 23/02/2010, DJe 05/03/2010). 3.
A teoria da perda de uma chance aplica-se quando o evento danoso acarreta para alguém a frustração da chance de obter um proveito determinado ou de evitar uma perda. 4. Não se exige a comprovação da existência do dano final, bastando prova da certeza da chance perdida, pois esta é o objeto de reparação
. 5. Caracterização de dano extrapatrimonial para criança que tem frustrada a chance de ter suas células embrionárias colhidas e armazenadas para, se for preciso, no futuro, fazer uso em tratamento de saúde. 6. Arbitramento de indenização pelo dano extrapatrimonial sofrido pela criança prejudicda. 7. Doutrina e jurisprudência acerca do tema. 8. RECURSO ESPECIAL PROVIDO. ..EMEN: (RESP 201102672798, PAULO DE TARSO SANSEVERINO, STJ - TERCEIRA TURMA, DJE DATA:01/10/2014 ..DTPB:.)
(...) PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. PREJUÍZOS DECORRENTES DE DESAPROPRIAÇÃO. TEORIA DA PERDA DE UMA CHANCE. REVISÃO DO CONTEXTO FÁTICO-PROBATÓRIO DOS AUTOS. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 7/STJ. 1.
A jurisprudência desta Corte admite a responsabilidade civil e o consequente dever de reparação de possíveis prejuízos com fundamento na denominada teoria da perda de uma chance, "desde que séria e real a possibilidade de êxito, o que afasta qualquer reparação no caso de uma simples esperança subjetiva ou mera expectativa aleatória
" (REsp 614.266/MG, DJe de 2/8/2013). 2. Impossível rever a premissa fática fixada pelas instâncias ordinárias por demandar o reexame do acervo fático-probatório dos autos, a atrair o óbice da Súmula 7/STJ. 3. Agravo em recurso especial não provido. ..EMEN: (RESP 201202432776, ELIANA CALMON, STJ - SEGUNDA TURMA, REPDJE DATA:06/03/2014 DJE DATA:24/10/2013)
2.39. Reparação de danos morais - considerações gerais:
O art. 5º, V, CF/1988, preconiza que
"é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem."
Por seu turno, o art. 5º, X, dispõe que
"são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação."
Segundo Ramon Pizarro,
"dano moral é uma modificação desvaliosa do espírito, no desenvolvimento da sua capacidade de entender, querer ou sentir, consequência de uma lesão a um interesse não patrimonial, que haverá de traduzir-se em um modo de estar diferente daquele ao que se encontrava antes do fato, como consequência deste e animicamente prejudicial."
(PIZARRO citado por SANTOS, Antonio Jeová.
Dano moral indenizável.
4. ed. SP: RT, 2003, p. 97).
Como explica o juiz Jeová Santos,
"
Dano é prejuízo. É diminuição de patrimônio ou detrimento a afeições legítimas. Todo ato que diminua ou cause menoscabo aos bens materiais ou imateriais, pode ser considerado dano
. O dano é um mal, um desvalor ou contravalor, algo que se padece com dor, posto que nos diminui e reduz; tira de nós algo que era nosso, do qual gozávamos ou nos aproveitávamos, que era nossa integridade psíquica ou física, as possibilidades de acréscimo ou novas incorporações, como diz Jorge Mosse Iturraspe."
(SANTOS, Antônio Jeová.
Obra citada.
p. 74).
Anote-se, pois, que
nem todo dissabor é suscetível de indenização
. O convívio humano é marcado por maiores ou menores conflitos; há situações que, conquanto desconfortáveis, não ensejam, só por isso, reparação (p.ex., a permanência por vários minutos em uma fila de banco, o tom ríspido com que perguntas são respondidas, sarcasmos ou irritações variadas etc.).
Melhor dizendo,
"
o dano moral não deve ser confundido com os acontecimentos indesejáveis próprios da existência em sociedade, ou seja, não são quaisquer sensações desagradáveis do cotidiano, como também não são os simples aborrecimentos do dia-a-dia, que ensejam a indenização
"
(ARAÚJO, Mariana de Cássia. A reparabilidade do dano moral transindividual in
Revista Jurídica nº 378.
abril/2009, p. 85).
Desse modo,
"conquanto existam pessoas cuja suscetibilidade aflore na epiderme, não se pode considerar que qualquer mal-estar seja apto para afetar o âmago, causando dor espiritual. Quando alguém diz ter sofrido prejuízo espiritual, mas este é consequência de uma sensibilidade exagerada ou de uma suscetibilidade extrema, não existe reparação. Para que exista dano moral é necessário que a ofensa tenha alguma grandeza e esteja revestida de certa importância e gravidade."
(SANTOS, Antônio Jeová.
Obra citada.
p. 111).
Destaco, ademais, o seguinte excerto da obra de Jeová Santos:
"Simples desconforto não justifica a indenização (....) asseveram GABRIEL STIGLITZ e CARLOS ECHEVESTI (responsabilidad civil, p. 24 3), diferente do que ocorre com o dano material, a alteração desvaliosa o bem-estar psicofísico do indivíduo deve apresentar certa magnitude para ser reconhecida como prejuízo moral. Um mal-estar trivial, de escassa importância, próprio do risco cotidiano da convivência ou da atividade que o indivíduo desenvolva, nunca o configurarão (....) O mero incômodo, o desconforto, o enfado decorrentes de alguma circunstância, como exemplificados aqui, e que o homem médio tem de suportar em razão mesmo do viver em sociedade, não servem para que sejam concedidas indenizações.
O dano moral somente ingressará no mundo jurídico, com a subseqüente obrigação de indenizar, em havendo alguma grandeza no ato considerado ofensivo a direito personalíssimo
. Se o ato tido como gerador do dano extrapatrimonial não possui virtualidade para lesionar sentimentos ou causar dor e padecimento íntimo, não existiu dano moral passível de ressarcimento. Para evitar a abundância de ações que tratam de danos morais presentes no foro, havendo uma autêntica confusão do que seja lesão que atinge a pessoa e do que é mero desconforto, convém repetir que não é qualquer sensação de desagrado, de molestamento ou de contrariedade que merecerá a indenização. O reconhecimento do dano moral exige certa envergadura." (SANTOS, Antônio Jeová.
Dano moral indenizável.
4ª ed. rev. SP: RT, 2.003, p. 112 e 113)
Semelhante é a análise de Humberto Theodoro Júnior, quando afirma que
"Se o incômodo é pequeno (irrelevância) e se, mesmo sendo grave, não corresponde a um comportamento indevido (licitude), obviamente não se manifestará o dever de indenizar (ausência da
responsabilidade
civil cogitada no art. 186 do CC)."
(THEODORO JÚNIOR, Humberto.
Comentários ao código civil.
Vol. III. Arts. 185 a 232. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 44)
Com efeito, não se pode prodigalizar a condenação para pagamento de alegados danos morais. Solução diversa teria o condão apenas de diminuir a própria importância do instituto, banalizando a sua invocação.
Em casos verdadeiramente graves fixam-se valores módicos de indenização, insuscetíveis, concessa vênia, de realmente ressarcir o dano extrapatrimonial (p.ex., o sofrimento da mãe que perdeu um filho em acidente). Justamente por isto, deve-se empregar grande prudência do Judiciário na fixação do dever de indenizar, de modo que não se transforme em uma verdadeira responsabilização objetiva, sem previsão legal
.
Reporto-me aos seguintes julgados:
".... I - Como anotado em precedente(REsp 202.504-SP, DJ 1.10.2001), o inadimplemento do contrato, por si só, pode acarretar danos materiais e indenização por perdas e danos, mas, em regra, não dá margem ao dano moral, que pressupõe ofensa anormal à personalidade. Embora a inobservância das cláusulas contratuais por uma das partes possa trazer desconforto ao outro contratante - e normalmente o traz - trata-se, em princípio, do desconforto a que todos podem estar sujeitos, pela própria vida em sociedade." STJ, REsp 338162, rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJU 18/02/2002, p. 459.
"Para viabilizar a procedência da ação de ressarcimento de prejuízos, a prova da existência do dano efetivamente configurado e pressuposto essencial e indispensável. ainda mesmo que se comprove a violação de um dever jurídico, e que tenha existido culpa ou dolo por parte do infrator, nenhuma indenização será devida, desde que, dela, não tenha decorrido prejuízo." STJ, REsp 20.386, rel. Min. Demócrito Reinaldo, DJU de 27/06/94, p. 16.894.
De outro tanto, sempre que preenchidos os requisitos para a reparação de danos morais, a indenização deve ser arbitrada com lastro nos seguintes critérios: a) as circunstâncias e peculiaridades do caso; b) a repercussão do ato ilícito; c) a eventual participação do ofendido para configuração do evento danoso; d) o caráter pedagógico da indenização, a ponto de desestimular a prática de novas condutas ilícitas; e, por fim, e) a moderação/proporcionalidade, de modo a se evitar enriquecimento sem causa.
2.40. Responsabilidade bancária - exame precário:
Na obra já mencionada, Effing enfatiza que
"
A responsabilidade civil dos agentes bancários e financeiros, segundo as normas do Sistema de Defesa e Proteção do Consumidor, ao contrário da tradicional sistemática adotada pelo Direito Civil (responsabilidade preponderantemente subjetiva, com algumas previsões no tocante à responsabilidade objetiva, conforme art. 927 c/c arts. 186 e 187 do CC/2002 ), não decorre exclusivamente de ato culposo do agente causador da lesão contratual ou extracontratual
. No sistema brasileiro de defesa do consumidor, a apuração da conduta culposa do agente não é o elemento determinante para a responsabilização, e, sim, a ocorrência de dano ao consumidor em razão da atividade desenvolvida pelo fornecedor no mercado de consumo e, nos casos previstos no Código de Defesa do Consumidor, a mera conduta ilícita, independentemente da configuração de dano concreto ao consumi- dor (como ocorre com a simples veiculação de publicidade enganosa ou abusiva)."
(EFING, Antônio.
Contratos e procedimentos bancários à luz do código de defesa do consumidor
. São Paulo: RT. 2015. item 10.1.)
Ademais,
"
Conforme descrito pelo Código de Defesa do Consumidor, vício do produto é a repercussão danosa intrínseca advinda da disparidade entre o produto e as indicações constantes de seu rótulo, recipiente, embalagem ou mensagem publicitária, ou a característica de qualidade/quantidade que, ao revesti-lo, o torna impróprio ou inadequado ao consumo ou lhe diminui o valor (art. 18, caput, do CDC)
. Semelhantemente, vício do serviço é a repercussão danosa intrínseca decorrente de disparidades entre o serviço e as indicações constantes da oferta, ou a característica de qualidade que o torna impróprio ao consumo ou que lhe diminua o valor (art. 20, caput, do CDC). Havendo vício do produto ou serviço, poderá o consumidor solicitar que o vício seja sanado, que haja abatimento proporcional do preço, que seja restituída a quantia paga (atualizada monetariamente e sem o prejuízo de eventuais quantias devidas a título de perdas e danos), ou a substituição do produto ou reexecução do serviço (arts. 18, § 1.º e 20, § 1.º, do CDC)."
(EFING, Antônio.
Obra citada
. item 10.1.)
Além do mais,
"Ao se abordar a responsabilidade civil do agente bancário ou financeiro, na maioria das vezes se está diante da ocorrência de dano ao consumidor em razão de um serviço defeituoso ou de informações inadequadas e insuficientes (fato do serviço), e não da existência de um produto ou serviço simplesmente viciado. Para a responsabilização do fornecedor agente bancário ou financeiro, portanto, basta a ocorrência de dano (patrimonial e/ou extrapatrimonial) advinda de evento danoso de consumo (fato do produto ou serviço, normalmente fato do serviço) e o nexo de causalidade, cabendo ao consumidor demonstrar e provar a ocorrência e extensão do dano a fim de que obtenha a efetiva e integral reparação dos danos (art. 6.º, VI, do CDC)."
(EFING, Antônio.
Obra citada
. item 10.1.)
De todo modo, conquanto a culpa não tenha o condão de exonerar o prestador de serviço bancário a respeito de danos decorrentes da sua atividade - dada a responsabilização objetiva prevista na lei 8.078/90 -, é fato que outras causas excludentes podem ser invocadas, em conformidade com Código de Defesa do Consumidor, a exemplo da alegação/prova da ausência de defeito no serviço prestado/produto vendido (art. 12, § 3, II, e §§1 e 2; e art. 14, § 3, I, e §§ 1 e 2), culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro equiparado a consumidor (art. 12, §3, I e III, e art. 14, §3, II, do CDC/90) e caso fortuito ou motivo de força maior, conforme art. 393, parágrafo único, Código Civil/02.
Em princípio, quando se trate de fato do produto ou serviço, a tutela do Código de Defesa do Consumidor atinge não o consumidor destinatário final da atividade do fornecedor bancário e todas as demais vítimas do evento danoso, por força do art. 17 do CDC. Ademais,
"Dois elementos de grande importância nas relações bancárias de consumo, e que repercutem diretamente na configuração do fato do serviço bancário, são a confiança e a segurança. Ao se utilizar de um serviço bancário, o consumidor deposita integral confiança na instituição financeira, com a legítima expectativa de que o serviço prestado atenderá padrões mínimos de segurança, até porque normalmente tais serviços ou operações envolvem dinheiro. Desta maneira, as relações jurídicas existentes entre clientes e instituições bancárias e financeiras, pela própria atividade desenvolvida, impõem absoluta segurança, que se traduz no mais das vezes como confiança. Na espécie, confiança que leva à segurança patrimonial, como pontifica a doutrina mais abalizada, para Parra Lucan:“el concepto de 'seguridad' sería más amplio que el de 'salud' o el de 'seguridad física', y equivaldría a una garantía global de adequación de los productos a las legítimas expectativas de los consumidores."
Segundo Sérgio Carlos Covello,
"
os contratos bancários têm por objeto valores e, por isso mesmo, exigem a realização de certos atos que permitam a comprovação imediata da operação realizada
. Não podem, pois, ficar circunscritos a sistemas tradicionalmente adotados em matéria civil ou comercial:
precisam de rigorosos assentamentos de contabilidade
. Os contratos, assim, se inscrevem em conta-corrente que se transforma no espelho contábil da operação. As prestações que deles derivam se anotam segundo a técnica do 'haver' e 'dever'. Tais anotações são de indiscutível valor probatório, visto que podem esclarecer, de maneira eficaz, a possível discrepância entre as partes, dada a escrupulosa contabilidade bancária e sua presumível imparcialidade".
(COVELLO, Sérgio Carlos.
Contratos bancários.
2. ed. São Paulo: Saraiva, 1991. p. 44). Nas palavras de Garrigues:
"os bancos não realizam anotações em seus livros com fins de prova, e, por outra parte, uma contabilidade que não fora correta seria praticamente impossível de suportar, pois qualquer artifício ou alteração repercutiria no conjunto do sistema."
Não raro, as relações de consumo estão fundadas em certa assimetria, ensejando a invocação do aforismo de Lacordaire: "
no confronto entre o forte e o fraco, a igualdade escraviza e a lei liberta
!" Importa dizer: a legislação acaba por estipular institutos destinados a tutelar os consumidores contra práticas potencialmente lesivas, promovidas por grandes corporações. Isso não significa, por óbvio, que toda e qualquer alegação dos consumidores deva ser acolhida, tanto quanto não implica supor que qualquer dano deva ser imputado aos fornecedores. Exige-se a apuração dos fatos e o confronto sereno com a legislação aplicável, atentando, contudo, para os vetores fundamentais que animam o Código de Defesa do Consumidor.
2.41. Fatos de terceiros e
aplicativos
bancários:
No caso em exame, a autora sustentou ter sido ludibriada por terceiros, não encontrando uma resposta imediata junto à CEF quanto à sua tentativa de bloquear ativos.
Note-se, portanto, que ela não sustentou que alguém da Caixa Econômica tenha promovido aludido desvio, para fins de eventual aplicação do art. 932, III, Código Civil/2002
.
Ao que consta, as principais fraudes praticadas com o uso do Pix consistem em ataques de phishing, prática de engenharia social empregada para ludibriar o consumidor e induzi-lo a compartilhar voluntariamente seus dados ou seu dinheiro com os fraudadores
. Também há casos de clonagem do WhatsApp de um consumidor, para, em seguida, solicitar transferências de valores, via Pix, aos seus contatos. Por vezes, o fraudador se faz passar pelo consumidor com outro número de telefone e, de alguma forma, descobre alguns contatos dele e envia mensagens solicitando a transferência de valores, via Pix, alegando que mudou de número. Além disso, há os casos de fraudes em que o sujeito entra em contato com o consumidor por telefone se passando por um empregado de uma instituição financeira, com a qual a vítima tenha relacionamento ativo, oferecendo ajuda para cadastrar uma chave Pix ou, ainda, alegando a necessidade de realização de um teste de transferência via Pix. (https://portal.febraban.org.br/noticia/3602/pt-br).
Em princípio, caso constatado que o banco teria contribuído, de algum modo - por ação ou omissão - para o resultado danoso, a responsabilização objetiva pode ser cogitável. Isso compreende os casos em que os aplicativos disponibilizados se revelem inseguros; casos em que se permita ao cliente a redução de um limite mínimo de segurança, indispensável para a operação bancária. Também se cogita disso nos casos em que, depois da fraude, o consumidor tenha atuado de modo diligente, sem encontrar amparo junto à instituição financeira. Trata-se, não raro, de um problema relacionado aos fatos havidos - ou seja, um problema de prova e de ônus da prova -, muito mais do que um debate sobre normas aplicáveis.
Os Tribunais já chegaram a decidir, sobre o tema, como segue:
APELAÇÃO. CONSUMIDOR. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. FRAUDE DE TERCEIRO. GOLPE DA FALSA CENTRAL TELEFÔNICA. ILEGITIMIDADE PASSIVA. FALHA NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO. FORTUITO INTERNO. DÉBITO INEXISTENTE. DEVER DE INDENIZAR. ÔNUS DA SUCUMBÊNCIA. I - A alegação de falha na prestação de serviço por fraude de terceiro não retira a legitimidade do Banco-réu para integrar o polo passivo da demanda. II -
A conduta do Banco-réu, ao permitir a realização de transações na conta da autora, mediante fraude pelo telefonema recebido com número oficial da instituição financeira, com orientações para instalação de aplicativo de segurança, para então acessar o celular e o aplicativo do Banco, representa falha na prestação dos serviços, e a responsabilidade objetiva daí decorrente não é elidida pela atuação de terceiro fraudador. Teoria do risco da própria atividade lucrativa desenvolvida pela instituição financeira, art. 14, § 1º, inc. II, do CDC; art. 927, parágrafo único, do CC e Súmula 479 do eg. STJ
III - Apesar de constatadas a fraude de terceiros e a falha na prestação dos serviços, não ficou configurada nenhuma lesão aos direitos de personalidade. Improcedente o pedido de indenização por danos morais. IV - Apelação do réu parcialmente provida. (TJ-DF 0720146-46.2023.8.07.0001 1821789, Relator: VERA ANDRIGHI, Data de Julgamento: 21/02/2024, 6ª Turma Cível, Data de Publicação: 15/03/2024)
EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. APELAÇÃO CÍVEL. OMISSÕES. CONSTATAÇÃO. CARTÃO DE CRÉDITO. COMPRAS NÃO RECONHECIDAS. ?GOLPE DO MOTOBOY?. FRAUDE. DANOS MATERIAIS. RESPONSABILIDADE DO BANCO. DEMONSTRAÇÃO. DANOS MORAIS. NÃO OCORRÊNCIA. EFEITOS INFRINGENTES. CONCESSÃO. RESULTADO DO JULGAMENTO. ALTERAÇÃO. 1. Os Embargos de Declaração são cabíveis contra decisão judicial que estiver eivada de omissão, contradição, obscuridade ou erro material, admitindo-se, excepcionalmente, a modificação do julgado, conforme dispõe o art. 1.022 do CPC/15. 2. Constatadas omissões no acórdão, os Embargos de Declaração devem ser acolhidos, com efeitos infringentes, para alterar o resultado do julgamento da Apelação interposta pelo Banco Réu. 3. Nos termos do artigo 14 do Código de Defesa do Consumidor, ?O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos?. 4.
A despeito de a Autora ter reconhecido que, por ter sido vítima de um golpe, forneceu os cartões de crédito e as senhas a terceiros, não se pode desconsiderar que as transações realizadas em nome da consumidora destoavam completamente do histórico de gastos dela, seja pela natureza das compras, seja pelos montantes, de modo que era possível ao Banco ter percebido a ocorrência da fraude, adotando as medidas de segurança cabíveis para evitá-la. 5. Considerando que cabe ao Banco zelar pelo sistema antifraude, e diante da notória atipicidade dos gastos efetuados com os cartões da consumidora, constata-se a falha na prestação do serviço pela Instituição Financeira, bem como a relação de causalidade entre a conduta do Banco e os prejuízos causados à cliente, o que atrai a responsabilidade da Instituição pela reparação dos danos materiais
. 6. Uma vez que a situação delineada no feito não desborda de mero aborrecimento do cotidiano, afasta-se a condenação em dano moral. 7. Embargos de Declaração conhecidos e providos, com efeitos infringentes. (TJ-DF 07310775020198070001 DF 0731077-50.2019.8.07.0001, Relator: DIAULAS COSTA RIBEIRO, Data de Julgamento: 14/10/2020, 8ª Turma Cível, Data de Publicação: Publicado no DJE : 05/11/2020 . Pág.: Sem Página Cadastrada.)
AÇÃO DE REPARAÇÃO DE DANOS MATERIAIS. CONSUMIDOR. ROUBO DE CELULAR CONTENDO APLICATIVO DO BANCO RÉU. FRAUDE BANCÁRIA. FALHA NO SISTEMA DE SEGURANÇA DO APLICATIVO DA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. INEXISTÊNCIA DE QUALQUER ATO CULPOSO OU DOLOSO PRATICADO PELO AUTOR. AUSÊNCIA DE FORNECIMENTO DE SENHA. Consumidor vítima de roubo de celular. Terceiro que logrou, via aplicativo da instituição financeira, fazer indevida movimentação na conta corrente. Transferência entre contas no montante de R$. 9.663,099.
O autor não forneceu a senha a terceiros. A questão se localizava na falha de segurança do serviço bancário, ao permitir acesso dos criminosos, via aplicativo, à senha da conta corrente do autor e sua movimentação. Nem se diga que à autora cabia também a comunicação ao banco réu para se evitar uso do aplicativo e acesso à conta corrente. o acesso ao aplicativo se dava por reconhecimento facial e em algum momento esta tecnologia falhou, visto que os criminosos tiveram acesso aos dados bancários do consumidor. Faltou segurança ao serviço bancário via aplicativo. Sua fragilidade viabilizou o indevido acesso dos fraudadores, porquanto o autor viu seu celular roubado sem que tivesse fornecido qualquer dado (senha ou número de conta corrente). E, o autor providenciou a desativação do Token (i-safe) vinculado ao aplicativo do banco réu.
Todavia, ainda sim, após tomar essa medida de precaução, os criminosos lograram êxito no golpe. Na instrução do processo, constatou-se a inexistência de qualquer ato, culposo ou doloso, por parte do consumidor. Transações fugiam ao perfil do próprio autor. Antes mesmo das transações efetuadas, o agente criminoso requereu modificações na conta do autor que deveriam despertar no sistema de segurança do banco réu um alerta para se evitar a concretização das transações fraudulentas Incidência da Súmula 479 do STJ. Responsabilidade civil do réu configurada. Danos materiais configurados. Indenização no valor de R$ 9.663,99 mantida. Danos morais reconhecidos. O consumidor experimentou dissabores, transtornos e aborrecimentos advindos não somente da falta de segurança do sistema bancário, mas também do atendimento inadequado recebido para sua reclamação. Indenização fixada em R$ 5.000,00. Ação procedente em maior extensão em segundo grau. SENTENÇA REFORMADA. RECURSO DO RÉU IMPROVIDO. RECURSO ADESIVO DO AUTOR PARCIALMENTE PROVIDO. (TJ-SP - AC: 10689552820218260100 SP 1068955-28.2021.8.26.0100, Relator: Alexandre David Malfatti, Data de Julgamento: 01/07/2022, 17ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 04/07/2022)
APELAÇÃO - INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS - "GOLPE DO PIX" - SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA - RECURSO DO BANCO. 1. RESPONSABILIDADE - Relação de consumo - Súmula 297 do STJ -
Inexistência de culpa exclusiva de terceiro ou da própria vítima - Facilidade para a movimentação de contas bancárias mediante o uso de aplicativos configura-se vantagem indubitavelmente lucrativa aos bancos, e as brechas em seus sistemas são justamente o que oportuniza sua utilização por pessoas mal-intencionadas - Necessária observância, pela instituição bancária, do Regulamento do Pix (Resolução BCB 01/2020, artigos 39, 88 e 89), em especial no tocante ao risco operacional
- Comunicada pela vítima acerca do ocorrido, a instituição bancária não tomou providências a tempo, devolvendo-lhe apenas uma parte do valor transferido ao (s) fraudador (es) - Jurisprudência - Responsabilidade objetiva - Fortuito interno - Súmula 479 do STJ - Sentença mantida neste aspecto. 2. DANOS MORAIS - Inocorrência de impacto extrapatrimonial indenizável no caso concreto - Condenação afastada. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO, POR MAIORIA DE VOTOS. (TJ-SP - AC: 10088636120228260161 SP 1008863-61.2022.8.26.0161, Relator: Sergio Gomes, Data de Julgamento: 31/01/2023, 37ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 01/02/2023)
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. TRANFERÊNCIA BANCÁRIA. GOLPE PIX PRATICADO POR TERCEIRO. COMUNICAÇÃO IMEDIATA AO BANCO. INÉRCIA DO BANCO. APLICAÇÃO DO CDC. DEVER DE RESTITUIR VALORES E COMPENSAR O DANO MORAL. SENTENÇA REFORMADA. RECURSO PROVIDO.
Devidamente comunicada a instituição bancária a respeito do golpe praticado por terceiro, seu correntista, deveria tomar as providências para minimizar os danos e apurar os fatos. O Dano moral é puro. O prejuízo independe de demonstração. Decorre da falta de diligência do apelado que ao tomar conhecimento de uma fraude, nada fez para impedir danos maiores
. (TJ-MT 10001318820228110006 MT, Relator: NILZA MARIA POSSAS DE CARVALHO, Data de Julgamento: 18/10/2022, Primeira Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 25/10/2022)
Em alguns casos, deve-se avaliar, porém, o limite desse dever de tutela do banco, sob pena de se autorizar à instituição financeira decidir que gastos e quando os seus clientes poderiam promover. Caso seja responsabilizada de modo automático por prejuízos decorrentes da dissimulação promovida contra a vítima, a instituição bancária pode acabar por inviabilizar movimentações lícitas. Alguém deve pagar uma passagem aérea ou rodoviária urgente e, a despeito de ter dinheiro na conta, não consegue fazê-lo, por restrições de segurança.
Trata-se, assim, de uma equação a respeito de quem deve suportar o risco e os prejuízos quando se cuida de fraudes praticadas por terceiros. Deve-se atentar para a súmula 479, STJ:
"
As instituições financeiras respondem objetivamente pelos danos gerados por fortuito interno relativo a fraudes e delitos praticados por terceiros no âmbito de operações bancárias
."
2.42. Eventual aplicação do
art. 935
, Código Civil:
Sabe-se que há diferença entre injusto administrativo e crime. Há distintos graus de responsabilização jurídica, de modo que - mesmo quando afastada a suspeita criminal - pode ainda subsistir lastro para a aplicação de sanções administrativas ou de outra ordem
.
Mal comparando, alguém pode ser absolvido da acusação da prática de crime contra a ordem tributária e, ainda assim, ser alvo de multas fiscais, por conta do disposto no art. 136 do Código Tributário Nacional, por exemplo. Também é certo, todavia, que o Estado não pode se contradizer. Não há como o Estado imputar ao sujeito a prática de um fato se, com cognição
exaustiva
, a própria Administração Pública reputa que tal conduta não teria ocorrido ou que o sujeito em questão não tenha sido seu autor.
Deve-se atentar, tanto por isso, para a redação do art. 935, CC:
"A responsabilidade civil é independente da criminal,
não se podendo questionar mais sobre a existência do fato, ou sobre quem seja o seu autor, quando estas questões se acharem decididas no juízo criminal
."
Cumpre não perder de vista que a jurisdição criminal é infensa a consensos probatórios e a ficções jurídicas
contra libertatem
. Isso significa que, como regra, o exame probatório promovido na temática penal é mais denso do que aquele levado a efeito em outros âmbitos. Sempre que a jurisdição criminal sustentar, em decisão transitada em julgado, que o fato imputado não teria ocorrido ou que o sujeito não o teria praticado, isso deve ser respeitado pelo Estado em todas as suas esferas de atuação, para distintos efeitos de responsabilização civil/administrativa.
Essa mesma solução não parece se aplicar, todavia, quando a sentença absolutória, prolatada pelo juízo criminal, tenha sido calcada no reconhecimento de nulidades ou quando estiver fundada em
non liquet
(ou seja,
in dubio pro reo
). Em tais casos, o juízo de imputação administrativa não fica inibido, eis que depende de graus menores de convicção probatória. Com idêntica lógica, se o Ministério Público houver promovido o arquivamento de um inquérito policial, atestando, de forma peremptória, ter sido comprovado que o aventado fato ilícito não teria ocorrido ou que, quando ocorrido, que o suspeito não teria sido seu autor, então aludida promoção de arquivamento, quando acolhida judicialmente, surtirá efeitos transcendentes, atingindo também processos cíveis, tributários, administrativos. Caso, porém, a promoção de arquivamento houver sido fundada em ausência de justa causa para uma arguição penal, por ausência de provas suficientes, então tal medida não vinculará as demais esferas do discurso jurídico, conforme art. 935, CC/2002.
Enfim, não se invocar essa transposição automática de efeitos, do sistema de justiça criminal para a jurisdição cível, quando uma apuração criminal tenha sido arquivada por ausência de justa causa para a deflagração de uma arguição criminal, diante do que preconiza o art. 18, CPP e diante da lógica da conhecida súmula 524, STF, em leitura
a contrario sensu.
Atente-se para a lógica da argumentação de Emerson Garcia e Rogério Pacheco Alves sobre o alcance do art 935, Código Civil, ainda que tendo em conta o processo de improbidade administrativa:
"Os atos ilícitos praticados pelo agente público podem acarretar a sua responsabilidade penal, civil e administrativa, sendo cada qual perquirida perante o órgão competente.
Conforme fora visto, a Lei 8.429/1992 é expressa ao dispor que as penalidades cominadas em seu art. 12 serão aplicadas independentemente das sanções penais, civis e administrativas. Esse preceito, de natureza eminentemente material, visa a dirimir quaisquer dúvidas no sentido de que a aplicação de determinada sanção em uma seara não agasta as sanções passíveis de aplicação nas demais.
Ainda que única seja a conduta, poderá o agente sofrer sanções de natureza penal, desde que haja a integral subsunção de seu ato a determinada norma incriminadora; administrativa, em restando configurado algum ilícito dessa natureza; e civil, que apresenta natureza supletiva, podendo importar na complementação do ressarcimento dos danos causados ao Poder Público, política etc.
No que concerne às sanções passíveis de aplicação ao ímprobo, a independência entre as instâncias se apresenta absoluta, mas é tão somente relativa quanto à possibilidade de interpenetração dos efeitos da decisão proferida em uma seara nas demais.
Em um primeiro plano, cumpre perquirir os efeitos da sentença penal em relação à persecução da conduta do agente nas esferas cível e administrativa. Sobre a correlação existente entre a actio civilis ex delicto e a responsabilidade penal, tema fecundamente estudado pela doutrina penal e perfeitamente aplicável à espécie, os vários sistemas legislativos podem ser ordenados em quatro grandes grupos: o da solidariedade, o da concussão , o da livre escolha e o da independência
.
Nos países que adotam a solidariedade, há duas ações diferentes, uma penal, outra civil, mas no mesmo processo e diante do mesmo juiz, o criminal. Na confusão, existe uma única ação, civil e penal ao mesmo tempo, possibilitando um direito amplo de pedir ao órgão jurisdicional a reparação por inteiro do malefício causado pelo crime, quer ao interesse geral, quer ao particular. No sistema da livre escolha é permitido cumular as duas ações no processo penal; é uma cumulação facultativa, aplicando-se o brocardo electa una via non datur recursus ad alteram. Por derradeiro, no sistema da independência, a ação civil somente pode ser proposta no juízo cível, concedendo-se a este a faculdade de suspender o curso do processo civil até o julgamento definitivo do criminal.
Realizado um breve resumo dos sistemas existentes, é possível afirmar, à luz do disposto nos arts. 935 do Código Civil de 2002, 110 do CPC/ 1974, 315 do CPC/2015 e 64 do CPP, que o ordenamento jurídico pátrio adotara, até o advento da Lei n. 11. 719/2008, o sistema da independência, de modo que as instâncias civil e penal permaneciam alijadas uma da outra
. Após a Lei n. 11.719/2008, que conferiu nova redação ao art. 387, IV, do CPP para dispor que o juiz, na sentença condenatória, "fixará valor mínimo para reparação dos danos causados pela infração, considerando os prejuízos sofridos pelo ofendido", passamos a ter um sistema de independência com influxos de confusão. Falamos em influxos de confusão e não propriamente em confusão, por três razões básicas: (1) o ofendido pode pleitear a reparação na esfera cível paralelamente à tramitação do processo penal; (2ª) o juiz com competência criminal não julga, em linha de princípio, a lide civil, limitando-se a estabelecer um valor mínimo para a reparação do dano; e (3ª) a teor do art. 63, parágrafo único do CPP, poderá o ofendido promover a execução do "valor fixado nos termos e do inciso IV do caput do art. 387 deste Código,sem prejuízo da liquidação para a apuração do dano efetivamente sofrido", liquidação esta que será realizada pelo juízo cível.
Na medida em que o processo penal e o processo cível puderam tramitar juntos, terá o juízo cível a faculdade de suspender o processo cível sempre que tiver razões ponderáveis para tanto, sendo certo que esta faculdade deve ser exercida com cuidado e ponderação, pois o tempo, que atua de forma furtiva e eficaz, é um algoz incansável do tão sonhado ideal de Justiça, não sendo exagero afirmar que a concreção deste se distancia na mesma proporção em que aquele flui.
Por ser mera faculdade, não vislumbramos uma relação de prejudicialidade entre a ultimação do processo penal e o prosseguimento da ação civil e do procedimento administrativo que visam a perquirir a conduta do ímprobo, nada impedindo que estes sejam instaurados e encerrados antes daquele
. No entanto, em sendo julgada a pretensão deduzida na ação penal anteriormente às demais, fará ela coisa julgada nas esferas administrativa e cível sempre que reconhecerem: a) ter sido o ato praticado em circunstâncias que excluam o crime ou isentem o réu de pena (arts. 20, 21, 22, 23, 26 e §1º do art. 28, todos do Código Penal e arts. 65 e 386, VI, do CPP); b) a inexistência material do fato (arts. 66 e 386, I, do CPP); c) estar provado que o réu não concorreu para a infração penal (art. 386, IV, art. 935 do Código Civil de 2002 e art. 1.525 do Código Civil de 1916). Note-se que tais efeitos somente alcançam os fatos discutidos no processo, permanecendo a possibilidade de livre valoração em relação aos demais.
Em havendo absolvição por ausência de provas (art. 386, II e VII, do CPP) ou por não constituir o fato infração penal (386, III, do CPP), poderá a questão ser amplamente examinada nas esferas cível e administrativa. O mesmo ocorrerá nas hipóteses em que sequer for deflagrada a ação penal, havendo o arquivamento do procedimento inquisitorial respectivo (art. 67, I, do CPP).
No caso de condenação criminal, tornar-se-á certa a obrigação de reparar o dano causado, servindo a sentença de título executivo judicial (art. 91 do CP, art. 584, II, do ACP/1974 e art. 515, VI, do CPC/2015).
Tratando-se de conduta que se subsuma a um tipo penal, mas que não configure ilícito administrativo (crimes não funcionais), por óbvio, a sentença absolutória, qualquer que seja sua fundamentação, sempre influirá na esfera administrativa, já que a competência para valorar os fatos era exclusiva do Poder Judiciário. Nos crimes não funcionais, considerados como tais aqueles dissociados dos deveres administrativos, quando a condenação importar na aplicação de pena privativa de liberdade superior a quatro anos, o agente, como efeito da condenação, perderá o cargo, a função ou mandato eletivo (art. 92, I, b, do CP); em se tratando de pena inferior a quatro anos, será ele normalmente afastado de suas atividades até o seu cumprimento. A depender do ilícito penal e do que dispuser o estatuto regente da categoria, a condenação criminal poderá caracterizar a incontinência de conduta ou o procedimento irregular de natureza grave motivadores da sanção de demissão
.
Ainda que a conduta não caracterize nenhum ilícito penal, entendemos que a decisão proferida pelo juízo cível ao apreciar o ato de improbidade, observadas as mesmas circunstâncias relativas à sentença penal, influirá na esfera administrativa.
Restando provada, verbi gratia, a inexistência do fato perante o Poder Judiciário, seria no mínimo insensato entender-se legítima uma penalidade aplicada em procedimento administrativo com base no mesmo fato. Seria injurídico entender que o fato não existe perante a Justiça, mas representa substrato adequado para embasar uma punição de ordem administrativa
.
Essa comunicabilidade entre as instâncias tem o seu alicerce no art. 5º, XXXV, da Constituição, o que garante o amplo acesso ao Poder Judiciário sempre que houver lesão ou ameaça a direito. No exemplo sugerido, a ilegalidade e a lesão ao direito do agente seriam flagrantes, pois qualquer punição pressupõe uma conduta em desacordo com as normas legais; inexistindo conduta e, ipso facto,motivo para a prática do ato administrativo, afigura-se ilegal a punição."(GARCIA, Emerson; ALVES, Rogério
Pacheco
.
Improbidade
administrativa.
7. ed. rev. atual. São Paulo: Saraiva. 2013. p. 678-681)
A tanto convergem o art. 66, CPP, e o art. 126, da lei n. 8.112/1990. Em determinados casos, quando a questão criminal se constituir em tema prejudicial à apreciação da pretensão, deduzida no processo civil, isso pode dar ensejo à suspensão da demanda, na forma do art. 313, V, "a", Código de Processo Civil/15, podendo ensejar a suspensão da prescrição, caso os requisitos do art. 200, Código Civil, tenham sido atendidos.
Atente-se para o seguinte julgado:
"
(...) A turma julgadora da Câmara Criminal entendeu por bem em absolver o réu, fundamentando-se no brocardo in dubio pro reo.
Porém, na esfera cível é diferente. Como o próprio magistrado fundamentou em seu despacho de fis. 227 e 228, enquanto na esfera criminal está em jogo a liberdade do cidadão, na cível o que prevalece é o aspecto patrimonial
.
Na esfera cível, para que nasça a obrigação de reparar, necessário que estejam presentes pressupostos, a saber: a conduta, o dano, o nexo de causalidade entre este e aquela e a culpa, sendo que os três primeiros são exigidos em toda forma de responsabilização civil, enquanto que na responsabilidade objetiva o elemento subjetivo se mostra dispensável - diante do que se convenciona nominar responsabilidade sem culpa.
Existe, portanto, independência das responsabilidades cível e criminal.' (e-STJ, fls. 361 ⁄ 365). Ao reconhecer a responsabilidade civil do agravante pelo acidente, a despeito da existência de decisão criminal absolutória, a Corte a quo decidiu em consonância com o jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, eis que a responsabilidade civil independe da criminal e o grau de culpa exigido em ambas a s esferas é diferente, somente existindo vinculação quando o provimento criminal afasta a existência do fato ou a autoria, o que não ocorreu no caso.
A título ilustrativo, confira-se os seguintes precedentes:
CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL. ACIDENTE DE TRÂNSITO. AÇÃO
INDENIZATÓRIA. OFENSA AO ART. 535 DO CPC. PRODUÇÃO
DE PROVA PERICIAL. CERCEAMENTO DE DEFESA.
SUSPENSÃO DA AÇÃO CIVIL ATÉ A CONCLUSÃO DA AÇÃO PENAL. SÚMULA Nº 83 DO STJ. RECURSO NÃO PROVIDO.
(...)
3. A responsabilidade civil é independente da criminal, não interferindo no andamento da ação de reparação de danos que tramita no juízo cível eventual absolvição por sentença criminal que, a despeito de reconhecer a culpa exclusiva da vítima pelo acidente, não ilide a autoria ou a existência do fato. 4. Agravo regimental não provido." (AgRg no REsp 1483715 SP, Rel. Ministro MOURA RIBEIRO
, TERCEIRA TURMA, julgado em 05.05.2015, DJe 15 05 2015)
PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL.
ACIDENTE DE TRÂNSITO. REEXAME DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO. SÚMULA N. 7⁄STJ. SENTENÇA PENAL ABSOLUTÓRIA TRANSITADA EM JULGADO. EFEITOS. DECISÃO MANTIDA. (...) 2. No caso concreto, o Tribunal de origem examinou a prova dos autos para concluir que o evento danoso decorreu de conduta
imprudente do ora agravante. Alterar tal conclusão demandaria
o reexame de fatos e provas, inviável em recurso especial, a teor
do disposto na mencionada súmula.3.
É pacífico no âmbito desta Corte o entendimento de que,
devido à relativa independência entre as instâncias, a absolvição no juízo criminal somente vincula o cível quando reconhecida a inexistência do fato ou declarada a negativa de autoria, o que não é o caso dos autos
. 4. Agravo regimental a que nega provimento." (AgRg no AREsp 518.502 SC, Rel. Ministro ANTONIO CARLOS FERREIRA
, QUARTA TURMA, julgado em 19.03.2015, DJe 27.03.2015)
(acórdão do TJ-MG, transcrito em decisão do STJ - AgRg no AREsp: 105683 MG 2011/0247041-1, Relator: Ministro RAUL ARAÚJO, Data de Julgamento: 23/06/2015, T4 - QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJe 03/08/2015)
Por conta disso, eventual absolvição dos arguidos, no âmbito criminal, com lastro na premissa
in dubio pro libertatis,
não se transporta automaticamente para a seara cível, por conta das limitações do aludido art. 935, Código Civil/2002, ao versar sobre a independência relativa entre as esferas cível e penal.
2.43. Distribuição do
ônus
da prova CDC:
A lei 8078/1990 dispõe, no seu art. 6º, VIII, que
"
São direitos básicos do consumidor: (...) a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências
."
No que toca à aludida cláusula, leia-se:
"(...) Por isso, o reconhecimento da hipossuficiência do consumidor para fins de inversão do ônus da prova não pode ser visto como forma de proteção ao mais pobre. Ou, em outras palavras, não é por ser pobre que deve ser beneficiado com a inversão do ônus da prova, até porque a questão da produção da prova é processual, e a condição econômica do consumidor diz respeito ao direito material.
Na realidade, para beneficiar o carente econômico no processo não seria necessária a inversão. Bastaria determinação judicial de que o fornecedor arcasse com eventuais custas processuais para a produção de provas, tais como as periciais. Determinar-se-ia a inversão do pagamento, e aí sim estar-se-ia protegendo, de forma justa, o economicamente fraco
. Não se pode olvidar que, para os pobres, na acepção jurídica do termo, existe a justiça gratuita, a qual permitem ao beneficiário a isenção do pagamento de custas judiciais, o que não significa que ele está isento de provar o seu direito.
(...) Assim, se a questão for meramente de falta de capacidade financeira de suportar o custo do processo, basta ao consumidor servir-se do benefício legal da lei 1060/1950. E o inverso é verdadeiro: existem consumidores economicamente poderosos, o que não implica a sua não hipossuficiência técnica. Mas, mesmo no caso de o consumidor ter grande capacidade econômica, a inversão do ônus da prova deve ser feita na constatação de sua hipossuficiência técnica (técnica e de informação)." (NUNES, Rizzatto.
Curso de direito do consumidor.
São Paulo: Saraiva, 2004, p. 731-733)
Por seu turno, os Tribunais têm decidido como segue:
AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. ART. 273 DO CPC. PREQUESTIONAMENTO. AUSÊNCIA. SÚMULAS 282 E 356/STF. INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA. MATÉRIA DE PROVA. REEXAME. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 7/STJ. 1. Inviável o recurso especial quando ausente o prequestionamento das questões de que tratam os dispositivos da legislação federal apontados como violados. 2. A
inversão do ônus da prova, prevista no art. 6º, VIII, do Código de Defesa do Consumidor, fica a critério do juiz, conforme apreciação dos aspectos de verossimilhança das alegações do consumidor ou de sua hipossuficiência
. 3. Na hipótese em exame, a eg. Corte de origem manteve a aplicação ao caso do Código de Defesa do Consumidor, e após sopesar o acervo fático-probatório reunido nos autos, concluiu pela configuração da verossimilhança das alegações da parte agravada, bem como de sua hipossuficiência. Desse modo, o reexame de tais elementos, formadores da convicção do d. Juízo da causa, não é possível na via estreita do recurso especial, por exigir a análise do conjunto fático-probatório dos autos. Incidência da Súmula 7/STJ. 4. Agravo regimental a que se nega provimento. ..EMEN: (AGARESP 201300457409, RAUL ARAÚJO, STJ - QUARTA TURMA, DJE DATA:24/06/2013 ..DTPB:.)
AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. VIOLAÇÃO DO ARTIGO 535 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. INEXISTÊNCIA. ART. 130 DO CPC. INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA. REEXAME PROBATÓRIO. SÚMULA Nº 7/STJ. INCIDÊNCIA. 1. Não há falar em negativa de prestação jurisdicional se o tribunal de origem motiva adequadamente sua decisão, solucionando a controvérsia com a aplicação do direito que entende cabível à hipótese, apenas não no sentido pretendido pela parte. 2.
Cabe ao magistrado, como destinatário da prova, determinar aquelas necessárias à instrução do processo, sempre em busca de seu convencimento racional. O reexame do juízo acerca da produção probatória encontra óbice na Súmula n° 7/STJ. 3. A inversão do ônus da prova se submete ao critério do julgador mediante análise das circunstâncias fáticas, cujo reexame é vedado em sede especia
l. 4. Agravo regimental não provido. ..EMEN: (AGA 201000593699, RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, STJ - TERCEIRA TURMA, DJE DATA:26/03/2013 ..DTPB:.)
2.44.
Inversão
do
ônus
da prova - art.
373
, CPC:
Por outro lado, aparentemente se revela incabível a inversão do ônus da prova, prevista no art. 373, §1º, CPC/15. A vingar solução diversa, dever-se-ia então converter o julgamento em diligência, a fim de se assegurar que o(s) requerido(s) produzisse(m) as dilações probatórias porventura devidas, conforme preconiza a parte final do aludido art. 373, §1º, CPC.
O processualista Araken de Assis promove uma avaliação crítica da ampliação das hipóteses de inversão do ônus da prova, promovida com o CPC/2015:
"(...) A distribuição dinâmica do ônus da prova ocorre em outros ordenamentos. O art. 217.6 da Ley de Enjuiciamiento Civil espanhola institui dois meios para corrigir a inadequação formal do critério geral (onus probandi incumbit qui ei dicit): (a) a disponibilidade da prova (v.g., na investigação de paternidade, o suposto pai tem condições de esclarecer o fato biológico, através de exame de DNA); e (b) a facilidade probatória (v.g., a empresa encontra-se melhor situada para arrolar as testemunhas de eventos que ocorreram em suas dependências que o visitante ocasional). E, no direito norte-americano, o juiz alocará o ônus da prova segundo numerosas e complicadas regras.
Essa teoria tem cunho autoritário, porque concentra poderes no órgão judiciário, e, desse modo, traz consigo alto risco de subjetivismo
. Duas objeções principais, relevando o risco de prevaricação e o dever de fidelidade do juiz ao direito, opõem-se à doutrina: (a) o já mencionado risco de subjetividade e, ademais, de relatividade: o que é fácil para certo juiz pode não o ser para outro; e (b) a violação positiva ao direito fundamental processual do contraditório. Contra o risco de subjetividade, inexiste remédio; para a violação do contraditório, a medida cabível é a exigência de que haja motivo concreto, prévio e delimitado para a distribuição ope judicis. A distribuição do ônus da prova na decisão de saneamento e de organização do processo (art. 357, III) contrabalança os riscos, norteando a atividade das partes na instrução das causas. Seja como for, as objeções evidenciam que, entre nós, inexiste ainda densidade do direito fundamental à prova. O contraditório argumentativo (dizer e contradizer) não mais satisfaz.
As repercussões positivas ou negativas da repartição casuística podem ser aquilatadas e medidas nas relações de consumo. Em tal matriz, considerando o disposto no art. 6.º, VIII, da Lei 8.078/1990, passa-se à análise do tema, sublinhando que não se limita a tais espécies de litígio, em tese, a distribuição dinâmica." (ASSIS, Araken.
Processo civil brasileiro.
Volume II - Tomo II: Institutos fundamentais. SP: RT. 2015. p. 203-209)
2.45. Inversão do
ônus
-
autenticidade
de assinaturas:
Destaco que, quando em causa a impugnação de descontos em benefícios previdenciários por conta de alegados contratos de mútuo ou de filiação a associações -, em novembro de 2021, o STJ consolidou o entendimento de que
"
o ônus da prova da falsidade documental compete à parte que o arguiu, mas se a falsidade apontada disser respeito à assinatura lançada no documento, o ônus da prova caberá a quem o produziu
".
(STJ, REsp. 1.846.649, rel. Min. Marco Aurélio Bellizze).
Com efeito,
"No julgamento do REsp 1.846.649 (Tema 1.061), sob a sistemática dos recursos repetitivos, o Superior Tribunal de Justiça fixou tese no sentido de que "na hipótese em que o consumidor/autor impugnar a autenticidade da assinatura constante em
contrato bancário
juntado ao processo pela instituição financeira, caberá a esta o ônus de provar a autenticidade (CPC, arts. 6º, 369 e 429, II)"
(5054473-47.2020.4.04.7000, PRIMEIRA TURMA RECURSAL DO PR, Relator GERSON LUIZ ROCHA, julgado em 28/07/2022)
Sempre que esteja em causa a origem de assinaturas em determinados documentos, incumbe à instituição financeira demandada o ônus de fazer prova da sua autenticidade.
2.46. Narrativas dos fatos havidos:
Na espécie, a autora sustentou ter sido vítima de um engodo, eis que alguém teria utilizado seus dados bancários sem seu prévio consentimento. Sustentou que a CEF teria incorrido em vícios na prestação de serviços bancários, ofertando aplicativo que não seria seguro para esse fim. A CEF não impugnou a narrativa promovida pela autora, ao tempo em que insurgiu-se contra as au pretensão, argumentando cuidar-se de fato externo.
Note-se, portanto, que não está em causa a autenticidade de assinaturas ou de instrumentos bancários, de modo a inversão do ônus da prova prevista no REsp nº 1.846.649-MA não se aplica ao caso.
2.47.
Apresentação de cópias de diálogos:
No que toca à apresentação de arquivos de conversação mantida por correio eletrônico, telefone ou vídeo - reputo cuidar-se de projeção do precedente Magri -
inquérito 657-2, STF
. A Suprema Corte tem reconhecido a validade da gravação, por um dos interlocutores, do diálogo próprio:
"A alegação no sentido de que a prova é ilícita não tem procedência, dado que não ocorre, no caso, violação do sigilo de comunicações (CF, art. 5º, inc. XII), nem seria possível a afirmativa de que fora ela obtida por meios ilícitos (CF, art. 5º, LVI). Não há, ao que penso, ilicitude em alguém gravar uma conversa que mantém com outrem, com a finalidade de documentá-la, futuramente, em caso de negativa. A alegação talvez pudesse encontrar ressonância no campo ético, não no âmbito do Direito." (STF, Inquérito n. 657-2, voto do Min. Carlos Mário Velloso)
"
Quanto à prova ilícita: tal como ponderou o ministro relator, dificilmente se encontrará na ordem jurídica reinante algo que nos autorizasse a ver como ilícita essa gravação de uma conversa a dois, por um dos interlocutores. É a ação do terceiro, é a interferência do terceiro - no grampeamento telefônico, na violação da correspondência alheia - que fere determinadas normas expressas na própria Carta da República
.
Quando, entretanto, um dos participantes da comunicação oral ou escrita entende de documentá-la de algum modo, ainda que na inconsciência da outra parte, isso não configura - em princípio - afronta à regra protetiva do sigilo.
O resultado pode variar entre a indiscrição inofensiva e a mais reprovável vilania; mas não há - aí - um ato ilícito. Admitiria que normas protetivas da privacidade, da estatura também constitucional, poderiam ser invocadas em repressão ao uso que um dos interlocutores queira fazer da carta ou da gravação do entendimento a dois, quando visa - por exemplo - a auferir lucro à custa da notoriedade da imagem alheia; um propósito bem diverso daquele de desencadear a ação da Justiça Pública." (STF, Inquérito 657-2, voto do Min. Francisco Rezek)
A Suprema Corte reiterou essas deliberações em outros casos, conforme segue:
"
Utilização de gravação de conversa telefônica feita por terceiro com a autorização de um dos interlocutores sem o conhecimento do outro quando há, para essa utilização, excludente da antijuridicidade. - Afastada a ilicitude de tal conduta - a de, por legítima defesa, fazer gravar e divulgar conversa telefônica ainda que não haja o conhecimento do terceiro que está praticando crime
-, é ela, por via de conseqüência, lícita e, também conseqüentemente, essa gravação não pode ser tida como prova ilícita, para invocar-se o artigo 5º, LVI, da Constituição com fundamento em que houve violação da intimidade (art. 5º, X, da Carta Magna). HC indeferido."
(STF, HC 74.678-1/SP, rel. Min. Moreira Alves, DJU de 15.08.97).
"Habeas corpus. Prova. Licitude. Gravação de telefonema por interlocutor. É lícita a gravação de conversa telefônica feita por um dos interlocutores, ou com sua autorização, sem ciência do outro, quando há investida criminosa deste último. É inconsistente e fere o senso comum falar-se em violação do direito à privacidade quando interlocutor grava diálogo com seqüestradores, estelionatários ou qualquer tipo de chantagista. Ordem indeferida." STF, HC 75.338-8/RJ, rel. Min. Nelson Jobim, DJU de 25.09.98
"Gravação de conversa. A gravação feita por um dos interlocutores, sem conhecimento do outro, nada tem de ilicitude, principalmente quando destinada a documentá-la em caso de negativa. Precedente Inq. 657-2, Carlos Velloso. Conteúdo da gravação confirmado em Juízo. AGRRE improvido." STF, agravo regimental no recurso extraordinário n. 402.031-1/SP, rel. Min. Ellen Gracie, DJU 06.02.2004:
"A gravação de conversa entre dois interlocutores feita por um deles, sem conhecimento do outro, com a finalidade de documentá-la, futuramente, em caso de negativa, nada tem de ilícita, principalmente quando constitui exercício de defesa." STF, agravo regimental no agravo de instrumento n. 503.617-7, rel. Min. Carlos Velloso, DJU de 04.03.2005.
Nesse mesmo sentido, leia-se o voto proferido pelo Min. Cezar Peluso ao julgar o
RE 40.717-8, STF
. Assim, em primeiro exame, a apresentação de extratos de tela de diálogos se revela adequada, mesmo que se parta da premissa de que não tenham sido promovidos diretamente pela autora; mas, por alguém pretensamente usando seu nome.
Ninguém pode invocar fato próprio em seu benefício (
non venire contra factum proprium
)
, de modo que a pessoa que porventura tenha se feito passar pela autora (em princípio, estelionato - consumado ou tentado - art. 171, CP) não pode invocar a seu favor privacidade oponível à real titular dos dados. Ademais, ao que parece, aludidos dados foram cedidos pela autora por pessoas que teriam mantido aludidas conversas, dando ensejo à aplicação do precedente
Magri
-STF.
2.48. Elementos de convicção veiculados nos autos:
Com a peça inicial, a prte autora apresentou cópia de extrato de tela do sistema bancário:
(...)
Apresentou fatura do cartão de crédito, CEF, indicando débito na ordem de R$ 7.358,96, posicionados em 17 de agosto de 2023. Apresentou extrato indicando as operações impugnadas; comprovantes de efetivação de PIX a favor de CELCOIN PAGAMENTOS - 29 de junho de 2023, valor de R$ 1.046,00, acrescidos de outros comprovantes de realização de operações pix.
Por seu turno, a CEF apresentou extratos bancários e indicação do registro da senha pessoal:
Ela indicou os dispositivos eletrônicos de uso cadastrado, em nome do autor:
Esses são os elementos de convicção pertinentes.
2.2.29 Exame precário:
A solução desta demanda pressupõe a conferência: (a) se foi comprovada a ocorrência do alegado dano; (b) apurar se os prejuízos teriam sido provocados pela CEF; (c) aferir se a CEF teria violado dever de impedi-los; (d) examinar se, caso comprovado tal contexto, isso teria dado causa a prejuízos suscetíveis de serem considerados danos morais; (e) em caso positivo, apurar o valor da indenização cabível.
Trata-se de aferir eventual negligência do banco ou se teria se tratado de fato de terceiro. Sabe-se que, a rigor,
"
O fato de terceiro, como excludente da responsabilidade pelo fato do serviço (art. 14, § 3º, II, do CDC), deve surgir como causa exclusiva do evento danoso para ensejar o rompimento do nexo causal
."
(MIRAGEM, Bruno e outros.
Comentários ao Código de Defesa do Consumidor.
RT. comentário ao art. 16).
Direito do consumidor – Responsabilidade civil – Site Orkut – Página contendo informações ofensivas ao usuário – Inexistência de dever legal ou contratual de fiscalização ou monitoramento do conteúdo das páginas pessoais – Fato de terceiro – Dever de indenizar inexistente. (...) A Google Brasil Internet Ltda. é parte legítima para figurar no polo passivo da ação indenizatória que tem como fundamento ato ilícito praticado nos domínios do sítio eletrônico denominado Orkut. (...)
Não havendo obrigação legal ou contratual do provedor ou responsável por site de relacionamento de controlar o conteúdo nem de monitorar os atos praticados pelos usuários, inexiste dever de reparação de danos oriundos da adulteração de dados promovida por outros usuários ou por terceiros. (...) Inexistente ação ou omissão imputável ao provedor ou responsável pelo site de relacionamento, não pode ser considerado defeituoso o serviço que se circunscreve à disponibilização de uma plataforma virtual de comunicação. (...) Sem a configuração do defeito do serviço esvai-se um dos requisitos imprescindíveis à caracterização da responsabilidade civil objetiva prevista no art. 14 do CDC
(TJDFT – Ap. Civ. 20060110068265ACJ – 1.ª T. Recursal dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais do Distrito Federal – j. 31.10.2006 – rel. James Eduardo Oliveira).
"Processual civil – Recurso especial – Ação indenizatória – Acidente de trânsito envolvendo ônibus em passagem de nível – Previsibilidade – Fato de terceiro não reconhecido. I –
Na linha da jurisprudência deste Tribunal, o fato de terceiro que exclui a responsabilidade do transportador é aquele imprevisto e inevitável, que nenhuma relação guarda com a atividade inerente à transportadora
. II – Não afasta a responsabilidade objetiva da ré o fato de terceiro, equiparado a caso fortuito, que guarda conexidade com a exploração do transporte. No caso, está dentro da margem de previsibilidade e risco o acidente provocado por abalroamento entre ônibus e vagão em passagem de nível. Recurso especial não conhecido." (STJ – REsp 427582/MS – rel. Min. Castro Filho – 3.ª T. – j. 28.10 2004 – DJ 17. 12.2004 – p. 515).
Deve-se apurar, portanto, se os alegados desvios teriam decorrido de falhas no sistema informatizado da CEF; se teria ocorrido de fatores de risco internos à sua atividade. Ou se, pelo contrário, isso teria decorrido de fatores externos - a exemplo de fraudes cometidas por terceiros -, ou ainda por conta de eventual descuido do próprio requerente.
2.2.30. Diligências probatórias:
Acolho o pedido do autor, no que toca à notificação da CEF para, querendo, apresentar nos autos cópia dos documentos que comprovem que as operações bancárias em questão, impugnadas pelo autor, teriam sido promovidas com o uso da senha dele e com o uso de aparelho registrado em nome do requerente. Quanto ao tópico, anoto cuidar-se de demonstração a cargo da requerida, na forma do art. 373, II, Código de Processo Civil.
Deixo de promover a requisição para os fins do art. 438, CPC, eis que a questão se resolve em termos de ônus probatório. Caso aludidos elementos não sejam encartados nos autos, a alegação da CEF quanto ao tópico será reputada não demonstrada.
Registro que ela apresentou, com a resposta, lista de aparelhos vinculados ao nome do autor e também detalhes quanto ao registro de senha de uso pessoal. No caso, porém, examina-se a alegação de que as operações teriam sido promovidas com a senha do demandante e com o uso de aparelho vinculado ao seu nome - ou seja, por ele cadastrado eletronicamente junto à instituição bancária.
III - DISPOSITIVO
3.1. DECLARO a competência do presente Juízo para o processo e julgamento desta demanda e a sua submissão à alçada dos Juizados Especiais.
3.2.SUBLINHO que não diviso conexão desta demanda com algum outro processo, para fins de reunião e solução conjunta, na forma do art. 55, §1, CPC/15, e leitura
a contrario sensu
da súmula 235, STJ.
3.3. ACRESCENTO que a presente demanda não incorre em
bis in idem,
dado que não há sinais de violação à garantia da coisa julgada, prevista no art. 5, XXXVI, Constituição/88 e art. 508, CPC/15, tampouco incorrendo em litispendência, definida no art. 337, §2, CPC. Nâo é caso, ademais, de suspensão da demanda, na forma do art. 313, CPC.
3.4. DESTACO que as partes estão legitimadas para a demanda, não ser caso de litisconsórcio necessário envolvendo terceiros. A requerente atua com interesse processual, na forma do art. 17, CPC.
3.5. REGISTRO que a pretensão deduzida na peça inicial não foi atingida pela prescrição, prazo definido no art. 27, CDC, conforme fundamentação acima. O direito invocado pelo(a) autor(a) não decaiu.
3.6. TECI considerações, com cognição PRECÁRIA, a respeito de alguns tópicos relevantes para equacionamento desta demanda.
3.7. REGISTREI, ademais, as narrativas dos fatos, controvertidas entre as partes, ao tempo em que detalhei os elementos de convicção veiculados nos autos.
3.8. REPUTO incabível, no caso, a inversão da distribuição do ônus da prova. Anoto que não está em causa a autenticidade de documentos bancários, em cujo âmbito tal inversão seria devida.
3.9. INTIME-SE a CEF para que, querendo, apresente nos autos comprovantes da sua alegação, no que toca à pretensa utilização da senha pessoal e intransferível do autor e de equipamento eletrônico cadastrado em seu nome, junto àquele banco, para uso das operações bancárias impugnadas neste processo. Prazo de 15 dias úteis, contados da intimação.
3.10. ACRESCENTO que, caso audidos documentos não sejam encartados nos autos, isso poderá ensejar a rejeição da narrativa dos fatos promovida pela CEF, quanto ao tópico, conforme art. 373, II, CPC. Deixo, por conta disso, de requisitar a documentação, de modo peremptório, na forma do art. 438, CPC, ao tempo em que faculto à CEF sua apresentação.
3.11. APRECIAREI em sentença a suficiência da documentação em causa para corroborarem as narrativas das partes.
3.12. INTIME-SE a parte autora para, querendo, manifestar-se a respeito da documentação, tão logo venha a ser encargtada nos autos pela CEF. Prazo de 15 dias úteis, contados da intimação.
3.13. VOLTEM-ME conclusos para prolação de sentença, caso aludidos documentos não sejam encartados no prazo assinalado, ou caso - sendo apresentados -, sobrevenha manifestação da parte autora no prazo registrado acima; ou ainda, caso, tendo sido intimada, a aparte autora deixe de se manifestar no aludido lapso de 15 dias úteis.
3.14. INTIMEM-SE as partes a respeito deste despacho para os fins do art. 357, §2, CPC. Prazo comum de 5 dias úteis, parte autora e parte requerida, na medida em que a CEF está submetida ao regime de direito privado (art. 172, §2, CF), não fazendo jus à duplicação de prazos do art. 183, CPC
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