Processo nº 1017085-28.2025.8.11.0000
ID: 310038437
Tribunal: TJMT
Órgão: Quinta Câmara de Direito Privado
Classe: AGRAVO DE INSTRUMENTO
Nº Processo: 1017085-28.2025.8.11.0000
Data de Disponibilização:
27/06/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
SAMUEL JUNIO PEREIRA
OAB/GO XXXXXX
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ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO QUINTA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO Número Único: 1017085-28.2025.8.11.0000 Classe: AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Assunto: [Contratos Bancários] Relator: Des(a). SEB…
ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO QUINTA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO Número Único: 1017085-28.2025.8.11.0000 Classe: AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Assunto: [Contratos Bancários] Relator: Des(a). SEBASTIAO DE ARRUDA ALMEIDA Turma Julgadora: [DES(A). SEBASTIAO DE ARRUDA ALMEIDA, DES(A). LUIZ OCTAVIO OLIVEIRA SABOIA RIBEIRO, DES(A). MARCOS REGENOLD FERNANDES] Parte(s): [BRUNO HENRIQUE DE OLIVEIRA VANDERLEI - CPF: 032.062.184-70 (ADVOGADO), COOPERATIVA DE CREDITO DE LIVRE ADMISSAO DE ASSOCIADOS DO ARAGUAIA E XINGU - SICREDI ARAXINGU - CNPJ: 33.021.064/0001-28 (AGRAVANTE), JONISON SIPAUBA COSTA - CPF: 005.213.671-07 (AGRAVADO), DHIENNIFY MARQUES TOBIAS SIPAUBA - CPF: 046.290.801-12 (AGRAVADO), SAMUEL JUNIO PEREIRA - CPF: 942.085.571-68 (ADVOGADO)] A C Ó R D Ã O Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a QUINTA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência Des(a). SEBASTIAO DE ARRUDA ALMEIDA, por meio da Turma Julgadora, proferiu a seguinte decisão: POR UNANIMIDADE, DESPROVEU O RECURSO. E M E N T A AGRAVANTE: COOPERATIVA DE CRÉDITO DE LIVRE ADMISSAO DE ASSOCIADOS DO ARAGUAIA E XINGU - SICREDI ARAXINGU AGRAVADO: JONISON SIPAUBA COSTA DHIENNIFY MARQUES TOBIAS SIPAUBA AUTOS DE ORIGEM: 1000793-14.2025.8.11.0017 EMENTA. DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. LEI N.º 9.514/1997. AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE CONSOLIDAÇÃO DA ÚNICA PROPRIEDADE C/C PEDIDO DE TUTELA PROVISÓRIA DE URGÊNCIA CAUTELAR. CONTRATO DE MÚTUO. CÉDULA DE CRÉDITO BANCÁRIO. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA DE BEM IMÓVEL EM GARANTIA. NOTIFICAÇÃO PESSOAL PARA PURGAÇÃO DA MORA. RECUSA DO DEVEDOR EM APOR CIÊNCIA. DECLARAÇÃO DO OFICIAL DE REGISTRO QUE GOZA DE FÉ PÚBLICA. BEM DE FAMÍLIA. ART. 1º DA LEI N.º 8.009/1990. ENTENDIMENTO DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. IMPENHORABILIDADE. PROBABILIDADE DO DIREITO VERIFICADA. PROXIMIDADE DE ATOS EXPROPRIATÓRIOS. PERIGO DE DANO VERIFICADO. PERICULUM IN MORA INVERSO. DETERMINAÇÃO DO JUÍZO A QUO PARA DEPÓSITO DAS PARCELAS EM ATRASO ACRESCIDAS DE DESPESAS SUPORTADAS PELA CREDORA. AUSÊNCIA DE PERIGO DE DANO EM DESFAVOR DA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA CREDORA. DECISÃO MANTIDA. DESPROVIMENTO. I. CASO EM EXAME 1. Agravo de instrumento interposto contra decisão que, em sede de ação declaratória de nulidade de consolidação da única propriedade, cumulada com pedido de tutela provisória de urgência cautelar, determinou a suspensão de atos expropriatórios relativos a imóvel residencial adquirido por alienação fiduciária, a manutenção da posse pelos autores, a averbação da existência da demanda na matrícula do bem e o depósito das parcelas vencidas acrescidas das despesas de consolidação. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO 2. As seguintes questões são submetidas à apreciação quanto à probabilidade do direito e ao periculum in mora: (i) se houve regular notificação pessoal dos devedores para a purgação da mora, nos termos do art. 26, §3º, da Lei n.º 9.514/1997; (ii) se o imóvel objeto da consolidação pode ser enquadrado como bem de família, atraindo a proteção da impenhorabilidade prevista na Lei n.º 8.009/1990; (iii) se há perigo de dano aos devedores, ora agravados, e se, por outro lado, há risco de dano à credora, ora agravante. III. RAZÕES DE DECIDIR 3. A certidão do Oficial de Registro que atesta a recusa do devedor em apor ciência da notificação possui presunção de veracidade por fé pública, sendo, em princípio, elemento idôneo para fins do procedimento de consolidação da propriedade fiduciária. Inteligência do art. 3º da Lei n.º 8.935/94 e art. 405 do Código de Processo Civil. 4. Todavia, a probabilidade do direito justificador da tutela cautelar, na hipótese em apreço, decorre da plausibilidade da alegação de que o imóvel objeto da consolidação constitui o único bem da entidade familiar e é destinado à moradia, o que autoriza, em juízo de cognição sumária, a incidência da impenhorabilidade prevista no art. 1º da Lei n.º 8.009/1990. 5. O perigo de dano resta evidenciado pela proximidade de atos expropriatórios que poderão comprometer de forma irreversível o direito à moradia dos agravados. 6. A alegação de periculum in mora inverso não se sustenta, porquanto a decisão agravada condicionou a manutenção da posse ao depósito das parcelas vencidas e das despesas de consolidação, preservando o interesse econômico da instituição financeira. 7. A multa cominatória imposta por descumprimento foi limitada ao valor de R$ 30.000,00, em observância aos princípios da razoabilidade e proporcionalidade. IV. DISPOSITIVO E TESE 8. Recurso desprovido. Teses de julgamento: “A certidão do Oficial de Registro que atesta a recusa do devedor em apor ciência da notificação pessoal para purgação da mora goza de fé pública e, desse modo, atende ao requisito legal previsto no art. 26, §3º, da Lei n.º 9.514/1997.” “É admissível a concessão de tutela cautelar para suspender atos expropriatórios relativos a imóvel dado em garantia fiduciária quando demonstrado, em juízo de cognição sumária, que se trata do único bem da entidade familiar utilizado como residência, atraindo a proteção da impenhorabilidade legal.” ________ Dispositivos relevantes citados: Lei n.º 9.514/1997, art. 26, §3º; Lei n.º 8.009/1990, art. 1º; CPC, art. 300. Jurisprudência relevante citada: STJ, AgInt no REsp n. 1.769.898/PR, relator Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, julgado em 24/2/2025; TJ-MT - AGV: 00103813120168110000 10381/2016, Relator.: DES. SEBASTIÃO DE MORAES FILHO, Data de Julgamento: 02/03/2016; TJMT, RAI 1009432-09.2024.8.11.0000, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PRIVADO, MARILSEN ANDRADE ADDARIO, Segunda Câmara de Direito Privado, Julgado em 22/07/2024; TJ-PR 00012697720238160186 Ampére, Relator: Pericles Bellusci de Batista Pereira, Data de Julgamento: 29/07/2024. R E L A T Ó R I O RELATÓRIO EXMO. SR. DES. SEBASTIÃO DE ARRUDA ALMEIDA EGRÉGIA CÂMARA: Trata-se de AGRAVO DE INSTRUMENTO COM PEDIDO DE ANTECIPAÇÃO DE TUTELA RECURSAL, interposto por COOPERATIVA DE CRÉDITO DE LIVRE ADMISSÃO DE ASSOCIADOS DO ARAGUAIA E XINGU - SICREDI ARAXINGU, contra a decisão proferida (ID. 191895774 autos de processo n. 1000793-14.2025.8.11.0017) pelo Juízo da 2ª Vara da Comarca de São Felix do Araguaia-MT que, na Ação Declaratória de Nulidade de Consolidação da Única Propriedade c/c Pedido de Tutela Provisória de Urgência Cautelar Antecedente Deferiu Tutela de Urgência movida por JONISON SIPAUBA COSTA e DHIENNIFY MARQUES TOBIAS SIPAUBA, determinou a suspensão de quaisquer atos expropriatórios relativos ao imóvel de matrícula nº 16.814 do Oficial de Registro de Imóveis da Comarca de São Félix do Araguaia/MT, mantendo os autores na posse do referido imóvel, além de ter determinado a averbação da existência da ação na matrícula e o depósito das parcelas em atraso no prazo de cinco dias, sob os seguintes fundamentos: [...] Recebo a inicial e os documentos que a instruem. Defiro os benefícios da Justiça Gratuita, na esteira do disposto no artigo 98 do Código de Processo Civil. 1. Da tutela de urgência cautelar A análise do pedido de tutela de urgência exige a verificação dos requisitos previstos no artigo 300 do Código de Processo Civil, quais sejam, a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo. No caso em tela, entendo que a probabilidade do direito invocado pelos autores se revela presente. A Lei nº 9.514/97, que dispõe sobre o Sistema de Financiamento Imobiliário, estabelece em seu artigo 26 o procedimento para a consolidação da propriedade em nome do credor fiduciário em caso de inadimplemento do devedor fiduciante. Em especial, o § 3º do referido artigo determina que a intimação para purgação da mora seja feita pessoalmente ao fiduciante, ou ao seu representante legal ou procurador regularmente constituído, podendo ser promovida por oficial do Registro de Imóveis, oficial de Registro de Títulos e Documentos, ou pelo correio, com aviso de recebimento. A alegação dos autores de que não foram pessoalmente notificados acerca da consolidação da propriedade, tendo tomado ciência do fato apenas por meio do débito de IPTU, e que a instituição financeira se recusou a receber o pagamento das parcelas em atraso, configura, em princípio, descumprimento do requisito legal da notificação pessoal, o que pode acarretar a nulidade do procedimento extrajudicial. Ademais, a questão relativa à caracterização do imóvel como bem de família, e, portanto, impenhorável, demanda maior dilação probatória, mas, em sede de cognição sumária, a certidão de matrícula do imóvel e a declaração de imposto de renda reforçam a tese de que se trata do único bem imóvel dos autores, utilizado para moradia. O perigo de dano, por sua vez, reside na iminência de realização de atos expropriatórios, como a venda direta do imóvel, o que poderá causar prejuízos irreparáveis aos autores, que poderão perder sua moradia. Ainda, quanto ao pedido de pagamento das parcelas vencidas, entendo plausível em sede de antecipação de tutela, uma vez que é direito do autor/comprador não possuir qualquer óbice ao pagamento que lhe compete. Por fim, quanto à averbação desta ação à matrícula do imóvel, importa para fins de dar publicidade a terceiros sobre a existência da presente ação, de forma a garantir segurança jurídica de relações jurídicas envolvendo o imóvel, portanto, a defiro. Diante do exposto, presentes os requisitos do artigo 300 do Código de Processo Civil, defiro o pedido de tutela de urgência cautelar, para: a) SUSPENDER de quaisquer atos expropriatórios (venda direta) em relação ao imóvel de matrícula nº 16.814 do Oficial de Registro de Imóveis da Comarca de São Félix do Araguaia - MT, situado na Rua D s/n, Qd. 04 Lt. 14 – Setor Ceccatto – Alto Boa Vista – Mato Grosso – MT, por conseguinte, a manutenção dos autores na posse do referido imóvel até ulterior deliberação deste Juízo; b) DETERMINAR o prazo de 05 dias para que a parte autora efetue o depósito das parcelas em atraso, somadas às despesas que a instituição financeira obteve para a consolidação; e c) DETERMINAR a averbação da existência da ação nas margens da matrícula do imóvel identificado objeto desta lide, em conformidade com o disposto no artigo 109 do Código de Processo Civil de 2015. Fixo multa diária de R$ 1.000,00 em caso de descumprimento desta decisão, limitada, por ora, a R$ 30.000,00. 2. Da audiência de conciliação e citação Determino o agendamento da audiência de conciliação/mediação, a qual será realizada perante o CEJUSC, nos termos do enunciado 27 do FONAMEC. Cite-se a parte requerida para comparecimento, devendo o mandado conter apenas os dados necessários à audiência e estar desacompanhado de cópia da petição inicial (art. 695, §1º, CPC). Na audiência, as partes deverão estar acompanhadas de seus advogados ou de defensores públicos (art. 695, §4º, CPC). Não realizado o acordo, passarão a incidir, a partir de então, as normas do procedimento comum, observado o art. 335 do CPC, hipótese em que o prazo para defesa se iniciará da data da audiência inicial de conciliação/mediação (art. 697, CPC) ou da última sessão de conciliação, quando qualquer parte não comparecer ou, comparecendo, não houver autocomposição. O não comparecimento injustificado da parte Autora ou da parte Requerida à audiência de conciliação é considerado ato atentatório à dignidade da justiça e será sancionado com multa de até dois por cento da vantagem econômica pretendida ou do valor da causa, revertida em favor da União ou do Estado (art. 334, §8º). Havendo desinteresse na autocomposição, a parte Requerida deverá fazê-la, por petição, apresentada com 10 (dez) dias de antecedência, contados da data da audiência (art. 334, §8º). A audiência somente não se realizará se ambas as partes manifestarem, expressamente, desinteresse na composição consensual (art. 334, §4º, I). [...] [grifos nossos e do original] Em sua minuta recursal (ID. 289311865), a agravante sustenta as seguintes teses: Notificação válida e ausência de purgação da mora no prazo legal A tutela de urgência recursal foi indeferida, nos termos da decisão de ID. 289913359 proferida por este Relator. Os agravados, por sua vez, apresentaram contraminuta recursal (ID. 292574364) na qual rebatem as alegações da agravante. Tentativa infrutífera de mediação e conciliação, por meio do CEJUSC, em razão da ausência dos agravados à audiência (ID. 292677372). Dispensado o Parecer Ministerial em razão da matéria. Recurso tempestivo, conforme aba de expedientes dos autos de origem (decisão-39787705), e preparo pago, nos termos do comprovante juntado ao ID. 289883355. É o relatório. Sebastião de Arruda Almeida Desembargador V O T O R E L A T O R AGRAVANTE: COOPERATIVA DE CRÉDITO DE LIVRE ADMISSAO DE ASSOCIADOS DO ARAGUAIA E XINGU - SICREDI ARAXINGU AGRAVADO: JONISON SIPAUBA COSTA DHIENNIFY MARQUES TOBIAS SIPAUBA AUTOS DE ORIGEM: 1000793-14.2025.8.11.0017 VOTO EXMO. SR. DES. SEBASTIÃO DE ARRUDA ALMEIDA EGRÉGIA CÂMARA: Inicialmente, verifico a presença dos requisitos intrínsecos e extrínsecos de admissibilidade recursal. Reitero que se trata de recurso de Agravo de Instrumento interposto contra decisão interlocutória, proferida pelo Juízo da 2ª Vara da Comarca de São Felix do Araguaia-MT que, na Ação Declaratória de Nulidade de Consolidação da Única Propriedade c/c Pedido de Tutela Provisória de Urgência Cautelar Antecedente Deferiu Tutela de Urgência movida pelos ora agravados, determinou a suspensão de quaisquer atos expropriatórios relativos ao imóvel de matrícula nº 16.814 do Oficial de Registro de Imóveis da Comarca de São Félix do Araguaia/MT, mantendo os autores na posse do referido imóvel, além de ter determinado a averbação da existência da ação na matrícula do bem e o depósito das parcelas em atraso no prazo de cinco dias. Em síntese, o Juízo a quo asseverou e concluiu que a probabilidade do direito invocado pelos autores se fazia presente diante da alegação de ausência de notificação pessoal para a purgação da mora no procedimento de consolidação da propriedade fiduciária, o que, em tese, poderia acarretar a nulidade do referido procedimento. Destacou, ainda, que a documentação juntada aos autos indicava tratar-se do único imóvel dos autores, destinado à moradia, o que atrairia, em cognição sumária, a proteção conferida ao bem de família. Por fim, considerou presente o perigo de dano, consubstanciado na iminência de atos expropriatórios, e deferiu a tutela de urgência cautelar para suspender referidos atos, permitir o depósito das parcelas vencidas e determinar a averbação da ação na matrícula do imóvel. A seguir, passo ao exame das teses sustentadas pela agravante. 1. Notificação válida e ausência de purgação da mora no prazo legal A agravante sustenta que os agravados descumpriram seu dever de boa-fé e informação na relação contratual. Argumentam que os próprios agravados reconhecem o inadimplemento por motivos de desemprego e dificuldades financeiras e não demonstraram diligência para purgar a mora. A recorrente assevera que tentou contato telefônico com os agravados, por diversas vezes e, sem êxito, requereu, em 19/06/2024, a intimação dos devedores através do Oficial do Registro de Imóveis da Comarca de São Felix do Araguaia-MT. Porém, assevera que um dos devedores, em 08/08/2024, conforme certidão juntada ao ID. 289311872, se recusou a exarar sua ciência na notificação. Assim, a agravante sustenta que cumpriu integralmente a Lei nº 9.514/97, pois realizou a prévia notificação e somente requereu a consolidação da propriedade após o decurso do prazo legal para a purgação da mora. Assim, argumenta que não houve qualquer vício no procedimento, sendo infundada a alegação de nulidade da consolidação da propriedade. Ressalta que a responsabilidade pelo inadimplemento é exclusivamente dos agravados, que ignoraram as notificações e não procuraram o Banco para negociação. Desse modo, sustenta que a situação se enquadra na hipótese do art. 14, §3º, I, do Código de Defesa do Consumidor, que prevê que a culpa exclusiva do consumidor afasta eventual responsabilidade do fornecedor. Quanto ao periculum in mora, a agravante sustenta que o valor arbitrado a título de multa por descumprimento, sem limitação, pode levar a execução a valores astronômicos. Os agravados, por sua vez, asseveram que não há que se falar em notificação pessoal válida. Ressaltam que a notificação pessoal é pressuposto de validade do procedimento de consolidação da propriedade fiduciária, nos termos do art. 26, §3º, da Lei n.º 9.514/97. E no caso em exame, se insurgem contra a alegação de recusa em assinar e destacam que não há comprovação documental idônea do fato sustentado pela agravante, qual seja, AR assinado ou certidão do oficial com ciência pessoal. Portanto, sustentam que a ausência de notificação pessoal acarreta nulidade absoluta do procedimento, justificando a medida suspensiva deferida pelo juízo. Ademais, argumentam que o imóvel objeto da lide é o único bem imóvel dos agravados e é utilizado para moradia familiar e, portanto, deve ser aplicada a impenhorabilidade do bem de família. Nesse sentido, destacam que os documentos juntados aos autos de origem (matrícula e declaração de imposto de renda) confirmam essa condição. Ademais, quanto ao periculum in mora, asseveram que a medida deferida é de natureza cautelar conservativa, e não compromete o direito de crédito do banco, pois permitiu o depósito das parcelas vencidas e apenas suspendeu, e não revogou, a consolidação da propriedade. Pois bem. Não se pode olvidar que, em matéria de agravo de instrumento, a análise é restrita ao acerto, ou desacerto, do ato recorrido, sob pena de caracterizar supressão de instância, isso sem descurar do caráter de cognição não exauriente que impera nesta fase processual. Ressai dos autos que, em 28/09/2022, as partes firmaram contrato de mútuo, representado por Cédula de Crédito Bancário (ID. 191314847) no valor de R$ 385.000,00, com vencimento da 1ª parcela em 10/10/2022 e o da última previsto para 10/09/2027 (ID. 191314850). Verifica-se que foi constituída, para garantida da dívida, a alienação fiduciária de um lote urbano de propriedade dos agravados, registrado sob a matrícula n.º 16.814, na 1ª Serventia Registral da Comarca de São Felix do Araguaia-MT, no valor de R$ 850.000,00 (ID. 191314856). A inadimplência, por sua vez, segundo os agravados, decorreu de problemas financeiros e desemprego e, por outro lado, sustentam a nulidade da notificação pessoal. Como é cediço, o art. 26, §3º, da Lei n.º 9.514/97, dispõe que [...] 3º A intimação será feita pessoalmente ao devedor e, se for o caso, ao terceiro fiduciante, que por esse ato serão cientificados de que, se a mora não for purgada no prazo legal, a propriedade será consolidada no patrimônio do credor e o imóvel será levado a leilão nos termos dos arts. 26-A, 27 e 27-A desta Lei, conforme o caso, hipótese em que a intimação poderá ser promovida por solicitação do oficial do registro de imóveis, por oficial de registro de títulos e documentos da comarca da situação do imóvel ou do domicílio de quem deva recebê-la, ou pelo correio, com aviso de recebimento, situação em que se aplica, no que couber, o disposto no art. 160 da Lei nº 6.015, de 31 de dezembro de 1973 (Lei de Registros Públicos). (Redação dada pela Lei nº 14.711, de 2023) [...] [grifo nosso] Assim, no que tange à questão da validade ou não da notificação pessoal dos agravados, assevera-se que há nos autos certidão lavrada por escrevente, Oficial do Registro da 1ª Serventia Registral da Comarca de São Felix do Araguaia-MT, cuja declaração goza de fé-pública, inclusive quanto à alegada recusa do devedor em exarar ciência, nos termos do art. 405 do Código de Processo Civil e do art. 3º da Lei n.º 8.935/94, in verbis: Código de Processo Civil Art. 405. O documento público faz prova não só da sua formação, mas também dos fatos que o escrivão, o chefe de secretaria, o tabelião ou o servidor declarar que ocorreram em sua presença. [grifo nosso] Lei n.º 8.935/94 Art. 3º Notário, ou tabelião, e oficial de registro, ou registrador, são profissionais do direito, dotados de fé pública, a quem é delegado o exercício da atividade notarial e de registro. [grifo nosso] No mesmo sentido, cita-se ementas de julgado deste egrégio Tribunal de Justiça e de outros Tribunais pátrios: AGRAVO REGIMENTAL – DECISÃO MONOCRÁTICA – CAUTELAR INOMINADA – ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA – NOTIFICAÇÃO EXTRAJUDICIAL DO DEVEDOR POR MEIO DO CARTÓRIO DE TÍTULOS E DOCUMENTOS - RECUSA DA PARTE EM APOR CIÊNCIA - DECLARAÇÃO DO OFICIAL DO CARTÓRIO QUE GOZA DE FÉ PÚBLICA - RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. 1. Muito embora o agravante sustente a irregularidade na notificação extrajudicial, sob a alegação de que foi enviada ao endereço do agravante constante do contrato, no tempo em que a agravada tinha ciência de que o recorrente estava residindo no endereço do imóvel financiado, não se pode olvidar que a notificação extrajudicial efetuada pessoalmente por cartorário, cuja certidão acerca de sua realização goza de fé pública, basta para a comprovação da mora do devedor. 2 . A Lei n. 9.514/97 exige que a formalidade de notificação (e diversos atos decorrentes) ocorra por oficial do Registro de Imóveis, justamente porque os agentes de serventias extrajudiciais são dotados de fé pública e velam pela autenticidade e segurança dos atos e negócios jurídicos, conferindo-lhes publicidade e eficácia, não havendo, pois, que serem questionadas as notificações exaradas na hipótese, com respaldo da segurança e certeza do serviço registral (Precedente: STJ - REsp 1172025/PR, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 07/10/2014, DJe 29/10/2014) . 3. Decisão monocrática mantida. (TJ-MT - AGV: 00103813120168110000 10381/2016, Relator.: DES. SEBASTIÃO DE MORAES FILHO, Data de Julgamento: 02/03/2016, SEGUNDA CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 09/03/2016) [grifo nosso] APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO ANULATÓRIA. PEDIDO INICIAL DE NULIDADE DA CONSOLIDAÇÃO DA PROPRIEDADE EM NOME DA FIDUCIÁRIA E DOS LEILÕES. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. MANUTENÇÃO. 1. INTIMAÇÃO PARA PURGAÇÃO DA MORA ANTES DA CONSOLIDAÇÃO DA PROPRIEDADE. ART. 26, § 1º, LEI Nº 9.514/97. NOTIFICAÇÃO PELO SERVIÇO DE REGISTRO DE IMÓVEIS. FÉ-PÚBLICA E PRESUNÇÃO DE LEGITIMIDADE CONFORME DISPOSTO NO ART. 405 DO CPC. A declaração do oficial do Cartório de Registro de Imóveis possui fé-pública e presunção de legitimidade conforme disposto no art. 405 do CPC. Era ônus da autora desconstituir o documento público, o que não fez. Assim, se considera regular a notificação pessoal, não havendo nulidade a ser reconhecida. 2. INTIMAÇÃO PRÉVIA AOS LEILÕES. CIÊNCIA INEQUÍVOCA DA DEVEDORA SOBRE AS DATAS DE REALIZAÇÃO. NULIDADE NÃO VERIFICADA. PRECEDENTES DO STJ. - Não se desconhece a necessidade de intimação e/ou notificação pessoal da parte devedora acerca das datas de sua realização. Ocorre que o entendimento do STJ é no sentido de que não se decreta a nulidade do leilão por ausência de intimação pessoal quando evidenciada a ciência inequívoca da parte. Recurso de apelação não provido. (TJ-PR 00012697720238160186 Ampére, Relator.: Pericles Bellusci de Batista Pereira, Data de Julgamento: 29/07/2024, 18ª Câmara Cível, Data de Publicação: 29/07/2024) [grifo nosso] RECURSO DE AGRAVO DE INSTRUMENTO - AÇÃO ANULATÓRIA DE LEILÃO EXTRAJUDICIAL - TUTELA DE URGÊNCIA INDEFERIDA - SUSPENSÃO DOS ATOS SUBSEQUENTES À ARREMATAÇÃO – ALEGADA AUSÊNCIA DE INTIMAÇÃO DO DEVEDOR FIDUCIANTE PARA A CONSOLIDAÇÃO DA MORA E PARA A DATA DO LEILÃO – DESACOLHIMENTO – AVERBAÇÃO DA MATRÍCULA CERTIFICANDO A REGULARIDADE DA NOTIFICAÇÃO DO ART.26, §7º, DA LEI N. 9.514/97 – FÉ PÚBLICA E PRESUNÇÃO JURIS TANTUM DE VERACIDADE – INTIMAÇÃO PREVISTA NO ART.27, §§2º-A E 2º-B DA LEI - EXERCÍCIO DO DIREITO DE PREFERÊNCIA – FINALIDADE ATINGIDA QUANDO O DEVEDOR PROMOVEU A NOTIFICAÇÃO DO BANCO CREDOR PARA A NÃO ULTIMAÇÃO DA PENHORA – PROVA DA CIÊNCIA INEQUÍVOCA QUANTO A DATA E HORÁRIO DO LEILÃO – ANOTAÇÃO DA EXISTÊNCIA DA AÇÃO NA MATRÍCULA DO IMÓVEL – RECURSO PROVIDO EM PARTE. Constando da matrícula do imóvel objeto da garantia fiduciária a certidão pelo oficial do registro – que goza de fé pública e presunção, ainda que juris tantum de veracidade –, no sentido de que o devedor fiduciante foi regularmente notificado de sua mora, na forma do art.26, §7º, da Lei n. 9.514/97, incumbe ao devedor – postulante à declaração da nulidade da consolidação da propriedade do bem em favor do credor fiduciário – a apresentação de provas ou elementos indiciários da inveracidade da certificação. Ao notificar o banco credor a não promover a alienação do bem em leilão extrajudicial, através de seu procurador, o agravante demonstrou ter ciência do leilão, assim como da data e do horário de sua designação, presumindo-se cumpridos os requisitos para a alienação, haja vista que atingida a finalidade teleológica da intimação/notificação prevista §2º-A e §2º-B, ambos do art.27 da Lei n. 9.514/97, que não é outra se não permitir ao devedor fiduciante o exercício do direito de preferência na arrematação do imóvel. A anotação da existência de ação questionando a propriedade do imóvel constitui uma cautela amparada na art. 167, inciso I, Item “21” e inciso II, Item “12”, da Lei n. 6.015/73, com vistas a resguardar terceiros potencialmente interessados, dando ciência erga omines de que a alienação do imóvel, em procedimento executivo extrajudicial, se encontra sub judice, cuja anotação, contudo, deve ser procedida às expensas de quem a postula. (TJMT, RAI 1009432-09.2024.8.11.0000, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PRIVADO, MARILSEN ANDRADE ADDARIO, Segunda Câmara de Direito Privado, Julgado em 22/07/2024, Publicado no DJE 22/07/2024) [grifo nosso] Todavia, em cognição não exauriente, assiste razão aos agravados no que tange à probabilidade do direito concernente à impenhorabilidade do bem de família, ainda que gravado com alienação fiduciária. Isso porque, a princípio, conforme Declarações do Imposto de Renda dos agravados, o imóvel em questão seria o único imóvel residencial da entidade familiar, não podendo responder por dívida cível ou sofrer atos expropriatórios, nos termos do art. 1º da Lei n.º 8.009/1990, in verbis: Art. 1º O imóvel residencial próprio do casal, ou da entidade familiar, é impenhorável e não responderá por qualquer tipo de dívida civil, comercial, fiscal, previdenciária ou de outra natureza, contraída pelos cônjuges ou pelos pais ou filhos que sejam seus proprietários e nele residam, salvo nas hipóteses previstas nesta lei. Parágrafo único. A impenhorabilidade compreende o imóvel sobre o qual se assentam a construção, as plantações, as benfeitorias de qualquer natureza e todos os equipamentos, inclusive os de uso profissional, ou móveis que guarnecem a casa, desde que quitados. A corroborar o entendimento, cita-se ementa de julgado do colendo Superior Tribunal de Justiça: AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. DIREITO PROCESSUAL CIVIL. BEM IMÓVEL. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA EM GARANTIA. DIREITOS DO DEVEDOR FIDUCIANTE. PENHORA. CRÉDITO DE TERCEIROS. IMPOSSIBILIDADE. BEM DE FAMÍLIA LEGAL. LEI Nº 8.009/1990. 1. Incide a garantia da impenhorabilidade nos termos do art. 1º da Lei nº 8.009/1990 em todos os direitos que o devedor fiduciante possuir com fundamento no contrato de alienação fiduciária de imóvel em garantia, desde que tal imóvel seja o único utilizado pelo devedor fiduciante ou por sua família para moradia permanente. Precedentes. 2. Agravo interno não provido. (STJ, AgInt no REsp n. 1.769.898/PR, relator Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, julgado em 24/2/2025, DJEN de 5/3/2025.) [grifo nosso] Ademais, no que tange ao periculum in mora, o risco de dano, aos agravados, manifesta-se na proximidade de eventuais atos expropriatórios, a exemplo da alienação direta do bem, o que pode resultar em prejuízos de difícil reparação aos autores, inclusive com a perda de sua residência. Outrossim, verifica-se a inexistência do periculum in mora inverso em relação à credora, ora agravante, uma vez que a decisão recorrida adotou providências suficientes para mitigar eventuais riscos, ao condicionar a manutenção dos agravados na posse do imóvel ao depósito das parcelas em atraso, acrescidas das despesas suportadas pela agravante com a consolidação da propriedade, afastando-se, assim, o risco de inadimplemento continuado sem qualquer contrapartida. Destaca-se, ainda, que não assiste razão à agravante ao sustentar que o periculum in mora decorreria da ausência de limite máximo para a multa diária por descumprimento, porquanto a decisão objurgada expressamente estabeleceu referido limite, conforme cita-se: [...] Fixo multa diária de R$ 1.000,00 em caso de descumprimento desta decisão, limitada, por ora, a R$ 30.000,00. [...] ((ID. 191895774, autos de origem n.º 1000793-14.2025.8.11.0017) [grifo nosso] Portanto, quanto à tutela cautelar em favor dos ora agravados, verifica-se a presença dos requisitos cumulativos exigidos pelo art. 300 do Código de Processo Civil, a saber: a probabilidade do direito alegado e o perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo. Diante do exposto, conheço do recurso e NEGO-LHE PROVIMENTO. Sem majoração dos honorários de sucumbência, pois não foram arbitrados na decisão recorrida, sob a inteligência do art. 85, §11, do Código de Processo Civil. É como voto. Sebastião de Arruda Almeida Desembargador Relator Data da sessão: Cuiabá-MT, 24/06/2025
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