Processo nº 1005295-59.2025.4.01.0000
ID: 329801935
Tribunal: TRF1
Órgão: Gab. 32 - DESEMBARGADOR FEDERAL NEWTON RAMOS
Classe: AGRAVO DE INSTRUMENTO
Nº Processo: 1005295-59.2025.4.01.0000
Data de Disponibilização:
21/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
SARA PEREIRA LEAL
OAB/DF XXXXXX
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JUSTIÇA FEDERAL Tribunal Regional Federal da 1ª Região PROCESSO: 1005295-59.2025.4.01.0000 PROCESSO REFERÊNCIA: 1000271-35.2025.4.01.3400 CLASSE: AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) POLO ATIVO: UNIÃO FEDERAL…
JUSTIÇA FEDERAL Tribunal Regional Federal da 1ª Região PROCESSO: 1005295-59.2025.4.01.0000 PROCESSO REFERÊNCIA: 1000271-35.2025.4.01.3400 CLASSE: AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) POLO ATIVO: UNIÃO FEDERAL POLO PASSIVO:SARA PEREIRA LEAL REPRESENTANTES POLO PASSIVO: SARA PEREIRA LEAL - DF82043 RELATOR(A):NEWTON PEREIRA RAMOS NETO PODER JUDICIÁRIO Tribunal Regional Federal da 1ª Região Gab. 32 - DESEMBARGADOR FEDERAL NEWTON RAMOS AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) 1005295-59.2025.4.01.0000 AGRAVANTE: UNIÃO FEDERAL AGRAVADO: SARA PEREIRA LEAL Advogado do(a) AGRAVADO: SARA PEREIRA LEAL - DF82043 RELATÓRIO O Exmo. Sr. Desembargador Federal NEWTON RAMOS (Relator): Trata-se de agravo de instrumento interposto pela UNIÃO FEDERAL contra decisão que concedeu tutela de urgência, determinando a inclusão da parte autora na lista de candidatos negros aprovados no Concurso Nacional Unificado (CNU). Em suas razões, a parte agravante alega, em síntese, que a decisão recorrida violou os critérios legais e editalícios aplicáveis ao procedimento de heteroidentificação, porquanto baseou-se exclusivamente em autodeclaração e em provas fotográficas, desconsiderando o parecer técnico da banca designada para avaliação fenotípica, nos moldes definidos pela legislação e jurisprudência dominante. Sustenta que não restaram preenchidos os requisitos legais para a concessão da tutela de urgência, especialmente quanto à probabilidade do direito, inexistente no caso concreto, dada a ausência de elementos robustos que confirmassem o enquadramento da parte autora como pessoa parda. Afirma ainda que a decisão impugnada possui efeitos irreversíveis, o que inviabiliza a concessão da tutela de natureza antecipada, conforme prevê o §3º do art. 300 do CPC. Aduz, ainda, que a medida liminar concedida viola os princípios da segurança jurídica, da legalidade e da isonomia entre os candidatos, além de afrontar a jurisprudência consolidada do STF e do STJ, que reconhecem a legitimidade da banca de heteroidentificação e limitam a atuação do Poder Judiciário ao controle de legalidade dos atos administrativos. Contrarrazões apresentadas pugnando pela manutenção da decisão. É o relatório. Desembargador Federal NEWTON RAMOS Relator PODER JUDICIÁRIO Tribunal Regional Federal da 1ª Região Gab. 32 - DESEMBARGADOR FEDERAL NEWTON RAMOS AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) 1005295-59.2025.4.01.0000 AGRAVANTE: UNIÃO FEDERAL AGRAVADO: SARA PEREIRA LEAL Advogado do(a) AGRAVADO: SARA PEREIRA LEAL - DF82043 VOTO O Exmo. Sr. Desembargador Federal NEWTON RAMOS (Relator): A controvérsia em questão cinge-se à análise da legalidade da decisão administrativa que excluiu o candidato do sistema de cotas raciais em concurso público. Verifica-se que a parte agravante se insurge contra a decisão interlocutória que deferiu pedido de tutela de urgência, na qual a parte autora pleiteia a reclassificação nas vagas destinadas à população negra no Concurso Nacional Unificado (CNU). Insta consignar, de início, que a tutela de urgência poderá ser concedida quando presentes elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo (art. 300, caput, do CPC). Com efeito, a probabilidade do direito, informada pela lei processual, refere-se a situações em que a parte autora demonstra, por meio da norma e/ou em razão do quadro probatório existente, que o direito alegado provavelmente existe e lhe é devido. Destaca-se aqui a relevância das cotas raciais como instrumento de políticas públicas voltado à ampliação do acesso da população negra ao ensino superior e ao serviço público, mostrando-se essenciais à promoção da inclusão social e à democratização de oportunidades, ao inserir essa parcela da população em espaços de decisão e construção do conhecimento. No âmbito da Administração Pública Federal, das autarquias, das fundações públicas, das empresas públicas e das sociedades de economia mista controladas pela União, a Lei nº 12.990/2014 estabelece a reserva de 20% das vagas de concursos públicos aos candidatos negros, assim entendidos como aqueles que se autodeclararam pretos ou pardos, conforme o quesito cor ou raça utilizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE (art. 2º, caput). Além disso, o Estatuto da Igualdade Racial (Lei nº 12.288/2010) também reconhece como pertencentes à população negra aqueles que se identificam como pretos ou pardos, ou que adotam autodefinição análoga. Nesse ponto, faz-se necessário um breve esclarecimento quanto ao entendimento anteriormente por mim adotado, no qual considerava incabível a intervenção do Judiciário nas decisões da comissão de heteroidentificação, salvo em casos de ilegalidade manifesta, como a ausência de fundamentação. Em uma análise mais aprofundada sobre a aplicação das políticas de cotas raciais, entendo ser necessária uma abordagem mais cautelosa, que resguarde a primazia da autodeclaração do candidato, que deve ser considerada a referência principal, sendo afastada apenas quando existirem indícios concretos de fraude ou abuso. É dizer: ainda não me parece que caiba ao Judiciário proceder à valoração de quem deve ou não ser enquadrado como negro ou pardo – seja a partir de fotografias, laudos médicos ou outros elementos probatórios -, mas tão somente privilegiar a teleologia normativa. Passo a expor os fundamentos que embasaram essa mudança de entendimento, analisando, sobretudo, os princípios constitucionais e a finalidade das políticas de ação afirmativa. O tema envolve um debate complexo sobre o direito fundamental à autodeterminação do indivíduo, especialmente no contexto das cotas raciais, que transita por dimensões filosóficas, jurídicas e sociais. Esse debate reflete a tensão entre liberdade individual de se definir e a necessidade de implementar ações afirmativas para corrigir desigualdades históricas. A autodeterminação refere-se ao direito de uma pessoa definir sua própria identidade e trajetória de vida sem interferência externa indevida. No contexto social, isso levanta a questão de quem pode se identificar como pertencente a um determinado grupo étnico ou racial, especialmente em sociedades marcadas por miscigenação, como o Brasil. A aplicação das cotas raciais, enquanto política pública, exige critérios objetivos para identificar os indivíduos aptos a se beneficiar dessas vagas, visando corrigir desigualdades históricas e promover a inclusão de grupos marginalizados no ensino superior e no mercado de trabalho. Ocorre que a exigência de tais critérios, muitas vezes, entra em conflito com o direito à autodeterminação, pois há situações em que o indivíduo se autodeclara de determinada raça com o intuito de obter vantagens indevidas, gerando dúvidas sobre a legitimidade de sua identidade racial. Para evitar declarações oportunistas, algumas instituições têm adotado comissões que avaliam a aparência do candidato para confirmar sua identidade racial, o que tem gerado críticas sobre a imposição de critérios externos à identidade individual. Embora a autodeclaração seja um princípio fundamental, no contexto das cotas, ela pode ser limitada quando há indícios de que está sendo usada de forma oportunista. Por outro lado, a implementação de critérios que considerem não apenas a aparência física, mas também a trajetória de vida do candidato, incluindo experiências de discriminação e pertencimento social, surge como uma possível solução para resolver as ambiguidades e os conflitos gerados pela aplicação das cotas. O debate continua equilibrando o direito à autodeterminação com a necessidade de garantir que políticas de ação afirmativa cumpram seu propósito de reparar desigualdades raciais. O sociólogo Oracy Nogueira (1985)1 explica que, na sociedade brasileira, predomina o preconceito racial de marca, no qual a definição da raça de um indivíduo é determinada de acordo com suas características fenotípicas – como tom de pele, traços faciais e textura dos cabelos –, independentemente da ascendência genealógica. Esse processo reflete o imaginário social, historicamente construído, que define o pertencimento a determinados grupos étnico-raciais com base na maneira como o indivíduo é enxergado pela sociedade. A pesquisa realizada pelo sociólogo, na década de 1950, aponta que a discriminação racial na sociedade brasileira se manifesta de forma diversa à observada nos Estados Unidos. Na sociedade norte-americana, historicamente, construiu-se o entendimento de que qualquer pessoa com ascendência negra, por menor que fosse, seria suficiente para determinação da identidade racial do indivíduo (one-drop rule, ou regra da gota única). Embora essa regra não tenha mais força legal, ela influenciou a maneira como a identidade racial é percebida nos EUA. Nos EUA, os programas de ações afirmativas consideram, como regra, a declaração emitida pelo candidato quanto à sua raça, baseando-se nas categorias estabelecidas pelo Censo dos EUA, que classifica "negros ou afro-americanos" como pessoas com origem em qualquer um dos grupos raciais negros da África (United States Census Bureau). Para a sociedade brasileira, as características fenotípicas do indivíduo é que o colocam como alvo de discriminação e invisibilização social e, portanto, como sujeito de direito às políticas afirmativas de inclusão racial. É nesse ponto que se evidencia a problemática envolvendo o acesso à política pública pela parcela de candidatos autodeclarados pardos. A categoria “pardo” faz parte do conceito de população negra, conforme adotado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). De acordo com essa classificação, pardos são indivíduos de ancestralidade miscigenada que apresentam características fenotípicas que os aproximam da população negra. Por essa razão, também estão sujeitos à discriminação racial (IBGE, Critérios de Classificação Racial). Para a socióloga e professora brasileira Maria Helena de Castro Lima (2020)2, o conceito de pardo não se limita a uma identidade intermediária entre brancos e negros, mas se refere a um grupo racial que compartilha a experiência de exclusão e racismo estrutural, justificando sua inclusão nas políticas de cotas. Observa-se, ainda, que a atuação das comissões tem apresentado desafios para a confirmação dos candidatos autodeclarados pardos, uma vez que a subjetividade nas avaliações, a falta de fundamentação nas decisões, a ausência de transparência e a exigência de relatos sobre experiências de racismo são fatores que descredibilizam a autodeclaração dos candidatos, pondo em xeque o acesso de parte da população-alvo da política pública de inclusão racial. Essas questões geram críticas, pois colocam a comissão na posição de julgadora de narrativas que ela, para além de não ter recebido competência legal, não possui meios idôneos de investigar. A propósito, as comissões de heteroidentificação foram criadas como mecanismos de controle para evitar fraudes e garantir a integridade das políticas de cotas raciais. Esse controle tem fundamento na Lei nº 12.990/2014, que estabelece a reserva de vagas em concursos públicos para candidatos que se autodeclarem pretos ou pardos e prevê a eliminação do candidato caso seja constatada declaração falsa, garantindo-lhe o direito ao contraditório e à ampla defesa (art. 2º, parágrafo único). Destaque-se que a heteroidentificação não pode ser confundida com heteroatribuição, anulando a autodeclaração do candidato, sem que haja indícios de fraude ou desvirtuamento das políticas afirmativas. De acordo com o professor Ronilson Ednilson de Jesus (2021)³, em sua obra “Quem quer (pode) ser negro no Brasil?”, baseada em sua experiência na presidência da Comissão de Heteroidentificação da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), o procedimento de heteroidentificação, como princípio fundamental, não se define como uma busca pela verdade, já que se trata de um procedimento complementar à autodeclaração, a qual possui presunção de veracidade. Cuida-se, pois, de procedimento para “identificar aqueles candidatos socialmente vistos como pessoas negras, considerando-se a variabilidade interna desse grupo (pretos e pardos)”, restringindo-se, para tanto, “ao conjunto de características fenotípicas visíveis no corpo dos(as) candidatos(as)”. Ademais, o autor destaca que “é a autodeclaração que instaura a necessidade e a possibilidade da heteroidentificação, evidenciando a prevalência da primeira sobre a segunda”. É importante ressaltar que as Comissões de Heteroidentificação têm sua legitimidade reconhecida pelo Poder Judiciário. Entretanto, sua atuação deve ser subsidiária à autodeclaração, destinando-se a coibir manifestações fraudulentas e não a estabelecer uma nova normatividade racial arbitrária. No julgamento da Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 186, o então Relator, Ministro Ricardo Lewandowski, pontuou que as bancas de heteroidentificação constituem procedimento complementar à autodeclaração, possuindo, essa última, presunção de veracidade. Acrescente-se que, no julgamento da Ação Direta de Constitucionalidade (ADC) nº 41, o Ministro Relator Luís Roberto Barroso destacou que, em casos de dúvida razoável sobre a classificação racial do candidato, deve prevalecer a presunção em seu favor, evitando exclusões indevidas que comprometam a efetividade das ações afirmativas. 68. É por isso que, ainda que seja necessária a associação da autodeclaração a mecanismos de heteroidentificação, para fins de concorrência pelas vagas reservadas nos termos Lei nº 12.990/2014, é preciso ter alguns cuidados. Em primeiro lugar, o mecanismo escolhido para controlar fraudes deve sempre ser idealizado e implementado de modo a respeitar a dignidade da pessoa humana dos candidatos. Em segundo lugar, devem ser garantidos os direitos ao contraditório e à ampla defesa, caso se entenda pela exclusão do candidato. Por fim, deve-se ter bastante cautela nos casos que se enquadrem em zonas cinzentas. Nas zonas de certeza positiva e nas zonas de certeza negativa sobre a cor (branca ou negra) do candidato, não haverá maiores problemas. Porém, quando houver dúvida razoável sobre o seu fenótipo, deve prevalecer o critério da autodeclaração da identidade racial. Desse modo, a jurisprudência firmada pela Corte Suprema reconhece a legitimidade da autodeclaração como critério para definição do pertencimento racial no Brasil, assim como a utilização das comissões de heteroidentificação, com o objetivo de garantir a efetividade da política pública, coibindo eventuais fraudes ou desvios do propósito que o legislador conferiu ao mecanismo de inclusão. A intervenção judicial, portanto, pode ser necessária não apenas para corrigir ilegalidades formais, mas também para garantir que os critérios adotados pela Comissão estejam em consonância com a finalidade constitucional das políticas de ação afirmativa. Embora o controle judicial sobre atos administrativos de heteroidentificação deva ser excepcional, o Poder Judiciário não está impedido de revisar decisões que apresentem ilegalidades flagrantes, como ausência de motivação, critérios arbitrários ou desvio de finalidade. Assim, seguindo o entendimento do Ministro Luís Roberto Barroso no julgamento da ADC 41, em casos de dúvida razoável sobre a classificação racial de um candidato, deve prevalecer a presunção em favor do candidato. Objetivamente, entendo que: (1) se a decisão da Comissão de Heteroidentificação não apresentar fundamentos claros e objetivos, a exemplo de classificação superficial e genérica, sem justificativa adequada, há vício de legalidade passível de correção judicial; (2) se a decisão da Comissão não for unânime, configura-se de plano um cenário de dúvida razoável, devendo prevalecer o princípio da presunção em favor do candidato; (3) nos chamados "casos de zona cinzenta", em que há dúvida sobre a classificação racial do candidato, deve-se privilegiar a autodeclaração, salvo se houver elementos concretos que evidenciem fraude manifesta. O combate a fraudes e abusos no sistema de cotas é um aspecto fundamental para sua efetividade. No sentido vernacular, "fraude" pode ser entendida como qualquer ato intencional de engano ou falsificação para obter vantagem indevida. No caso das cotas raciais, isso ocorre quando um candidato que não é socialmente reconhecido como negro ou pardo se autodeclara dessa forma apenas para usufruir do benefício, contrariando o objetivo da política afirmativa. Porém, como é cediço, fraude não se presume. Daí o prestígio que se deve dar à autodeclaração no contexto racial. Ao menos nesse momento processual, o conjunto probatório permite a caracterização de dúvida razoável em favor da parte agravada. Isso porque a banca examinadora indeferiu o recurso interposto pela candidata contra o resultado provisório no procedimento de verificação da condição autodeclarada para concorrer às vagas reservadas a candidatos negros, limitando-se a informar “não enquadrado (após recurso)” (Id. 2165404957 dos autos de origem). Observa-se que a decisão em questão carece de fundamentação adequada, uma vez que apenas afirma que a candidata não foi enquadrado como cotista, sem, contudo, indicar os critérios objetivos que embasaram tal juízo de valor. Assim, em sede de cognição sumária, a parte autora logrou êxito em comprovar a probabilidade do direito invocado que justifique a manutenção da tutela de urgência concedida nos autos de origem. Com tais razões, voto por negar provimento ao agravo de instrumento. Desembargador Federal NEWTON RAMOS Relator ________________________________________________ [1] NOGUEIRA, Oracy. Tanto preto quanto branco: Estudos das relações raciais. São Paulo. T.A Queiroz, 1985, pp 229 e ss. [2] LIMA, Maria Helena de Castro. Cotas Raciais e Fenótipo: Os Desafios das Comissões de Heteroidentificação. Revista de Políticas Públicas, 2020. [3] JESUS, Rodrigo Ednilson de. Quem quer (pode) ser negro no Brasil? Belo Horizonte: Autêntica, 2021. VOTO-VOGAL A JUÍZA FEDERAL CONVOCADA CLARA DA MOTA SANTOS PIMENTA ALVES: Conforme entendimentos orais manifestados em sessões da 11ª Turma, alinho-me à posição que prestigia o entendimento das comissões de heteroidentificação, afastando a possibilidade de avaliação fenotípica por parte do Poder Judiciário. Entendo que essa é a compreensão que melhor se amolda ao quanto estatuído, pelo Supremo Tribunal Federal, no âmbito da ADC/41. Nesse sentido, invoco precedente: CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. CONCURSO PÚBLICO. LEI N. 12.990/2014. SISTEMA DE COTAS RACIAIS. REPROVAÇÃO NO PROCEDIMENTO DE HETEROIDENTIFICAÇÃO. ELIMINAÇÃO DO CERTAME. POSSIBILIDADE. PREVISÃO EDITALÍCIA. ATO VINCULANTE TANTO PARA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA QUANTO PARA O CANDIDATO. 1. A controvérsia devolvida ao exame deste Tribunal cinge-se à verificação da legalidade da cláusula editalícia que determina a eliminação de candidato do certame público, em razão de não ter sido considerada pessoa preta ou parda pela comissão de heteroidentificação. 2. Em se tratando de concurso público, prevalece no ordenamento jurídico pátrio que o edital, considerado verdadeira lei interna do certame, é o instrumento orientador da relação jurídica entre a Administração e os candidatos, vinculando-os. 3. Dessa forma, tendo em vista previsão do edital acerca da possibilidade de eliminação do candidato reprovado na fase de heteroidentificação, não há que se falar em direito líquido e certo da impetrante de constar na lista de aprovados da ampla concorrência, ainda que tenha obtido nota suficiente para tal. 4. Não se trata de presumir a má-fé do candidato que não teve sua autodeclaração aprovada, pois a sua eliminação não é uma sanção, mas decorrência lógica do seu não enquadramento fenotípico, por não satisfazer uma condição da lei e do edital, que é a pertença étnico-racial. Não sendo sanção, não há que se falar em exigência de má-fé ou dolo. A não validação da autodeclaração é o ato administrativo que pressupõe estar-se diante de declaração falsa, pois não há outra forma de análise de sua veracidade, senão pela heteroidentificação. 5. Não se mostra razoável que o Judiciário, ignorando ritos e critérios administrativos com respaldo em lei e no edital, autorize, de forma isolada, que um candidato dobre os meios disponíveis de ingresso no serviço público e, sem nenhuma consequência, se mantenha no concurso, sob pena de esvaziar a finalidade da política afirmativa de cotas raciais e afrontar princípios caros do Estado de Direito, como da legalidade e isonomia. 6. Apelação e remessa necessária a que se dá provimento. (AMS 1010558-62.2022.4.01.3400, DESEMBARGADORA FEDERAL ROSANA NOYA ALVES WEIBEL KAUFMANN, TRF1 - DÉCIMA-SEGUNDA TURMA, PJe 08/11/2024 PAG.) Com essas singelas razões, voto pelo provimento do agravo de instrumento. PODER JUDICIÁRIO Tribunal Regional Federal da 1ª Região Gab. 32 - DESEMBARGADOR FEDERAL NEWTON RAMOS AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) 1005295-59.2025.4.01.0000 AGRAVANTE: UNIÃO FEDERAL AGRAVADO: SARA PEREIRA LEAL Advogado do(a) AGRAVADO: SARA PEREIRA LEAL - DF82043 EMENTA DIREITO CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. CONCURSO PÚBLICO. COTAS RACIAIS. PARECER DA COMISSÃO DE HETEROIDENTIFICAÇÃO. AUSÊNCIA DE MOTIVAÇÃO. PRESUNÇÃO EM FAVOR DA AUTODECLARAÇÃO. AGRAVO DESPROVIDO. I. CASO EM EXAME 1. Agravo de instrumento interposto contra decisão que concedeu tutela de urgência determinando a inclusão da parte autora na lista de candidatos negros aprovados no Concurso Nacional Unificado (CNU). 2. A agravante alega que a decisão recorrida violou os critérios legais e editalícios aplicáveis ao procedimento de heteroidentificação, ao considerar apenas a autodeclaração e registros fotográficos, em detrimento do parecer da banca avaliadora. Sustenta, ainda, a ausência dos requisitos legais para concessão da tutela de urgência e a irreversibilidade dos efeitos da medida. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO 3. A controvérsia em questão cinge-se à análise da legalidade do ato administrativo que excluiu a parte agravada do sistema de cotas raciais no concurso público, com fundamento na avaliação realizada pela comissão de heteroidentificação. III. RAZÕES DE DECIDIR 4. O sistema de cotas raciais no Brasil tem fundamento constitucional e se destina à correção de desigualdades históricas que afetam a população negra e parda, garantindo o acesso a espaços de formação e decisão. 5. A autodeclaração do candidato é o ponto de partida para o acesso ao sistema de cotas, possuindo presunção de veracidade. No entanto, a fim de evitar que candidatos que não pertencem aos grupos beneficiários acessem indevidamente essas vagas, a legislação permitiu a criação de comissões de heteroidentificação para validar a declaração dos candidatos, desde que respeitados o contraditório e a ampla defesa. Essa previsão está expressa na Lei nº 12.990/2014 e tem sido reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal (STF) como um mecanismo legítimo de controle. 6. A jurisprudência do STF, em especial nos julgamentos da ADPF nº 186 e ADC nº 41, reconhece a validade das comissões de heteroidentificação, desde que garantidos o contraditório e a ampla defesa, bem como a necessidade de que a exclusão do candidato esteja devidamente fundamentada. 7. Neste ponto, ressalte-se a mudança de entendimento desta relatoria quanto à possibilidade de intervenção do Poder Judiciário nos atos administrativos das comissões de heteroidentificação. Anteriormente, o posicionamento adotado era no sentido de que o Judiciário apenas poderia intervir quando houvesse ilegalidade manifesta, como ausência de motivação. No entanto, diante de uma análise mais aprofundada sobre a matéria e a jurisprudência, reconhece-se que o controle judicial deve abranger também a verificação da coerência dos critérios aplicados pela comissão com a finalidade constitucional das políticas afirmativas. Dessa forma, a intervenção judicial não se limita a sanar ilegalidades formais, mas deve garantir que os procedimentos administrativos respeitem a essência das ações afirmativas, assegurando que a exclusão de candidatos não ocorra de forma arbitrária ou desproporcional. 8. A existência de subjetividade no processo de heteroidentificação não pode conduzir à adoção de decisões arbitrárias que prejudiquem candidatos que efetivamente se enquadram no grupo beneficiado pela política pública. A literatura sociológica aponta que, no Brasil, a discriminação racial ocorre predominantemente pelo critério do preconceito de marca, ou seja, pela percepção social da cor da pele e dos traços fenotípicos do indivíduo. Assim, a exclusão de candidatos que se autodeclaram pardos sem que haja uma motivação clara e específica representa um risco à própria efetividade das ações afirmativas. 9. Ainda que as comissões de heteroidentificação sejam legítimas, sua atuação deve ser subsidiária à autodeclaração, servindo como um mecanismo de verificação para coibir fraudes e não como um instrumento de reinterpretação racial dos candidatos. O controle judicial sobre esses atos administrativos deve ser excepcional, mas pode ser exercido quando houver violação aos princípios da legalidade, da motivação e do contraditório. 10. No caso, o parecer da comissão, ao se restringir a uma afirmação genérica sem indicar quais critérios objetivos foram utilizados para afastar a autodeclaração, apresenta fragilidade jurídica e viola os princípios da motivação e da razoabilidade. 11. Havendo dúvida razoável sobre a classificação racial do candidato, sem que houvesse comprovação de falsidade ou fraude na sua autodeclaração, impõe-se a anulação do ato administrativo que impediu a candidata de concorrer às vagas destinadas ao sistema de cotas, conforme entendimento do STF na ADC nº 41. 12. Presentes os requisitos legais, justifica-se a manutenção da tutela de urgência deferida no juízo de origem. IV. DISPOSITIVO E TESE 13. Agravo de instrumento desprovido. Tese de julgamento: "1. A concessão de tutela de urgência exige a demonstração da probabilidade do direito e do perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo, nos termos do art. 300, caput, do CPC. 2. A atuação das Comissões de Heteroidentificação deve ser complementar à autodeclaração, limitando-se a coibir fraudes e desvios de finalidade. 3. A decisão da Comissão de Heteroidentificação deve ser fundamentada de forma clara e objetiva, sob pena de nulidade. 4. Havendo dúvida razoável sobre a classificação racial do candidato, deve prevalecer a presunção em favor da autodeclaração". Legislação relevante citada: Lei nº 12.990/2014, art. 2º; Lei nº 12.288/2010, art. 1º. Jurisprudência relevante citada: STF, ADPF 186, Relator: Ricardo Lewandowski, Tribunal Pleno, Julgado em 26-04-2012, Acórdão Eletrônico Dje-205 Divulg 17-10-2014 Public 20-10-2014 Rtj Vol-00230-01 Pp-00009; STF - ADC : 41 DF 0000833-70.2016.1.00.0000, Relator.: Roberto Barroso, Data de julgamento: 08/06/2017, Tribunal Pleno, Data de publicação: 17/08/2017. ACÓRDÃO Decide a 11ª Turma, por maioria, negar provimento ao agravo de instrumento, nos termos do voto do Relator. Brasília/DF. Desembargador Federal NEWTON RAMOS Relator
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