Processo nº 1000956-10.2024.8.11.0023
ID: 330817825
Tribunal: TJMT
Órgão: Primeira Câmara de Direito Privado
Classe: APELAçãO CíVEL
Nº Processo: 1000956-10.2024.8.11.0023
Data de Disponibilização:
22/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
GABRIEL RAMOS PAIANO
OAB/MT XXXXXX
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ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO PRIMEIRA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO Número Único: 1000956-10.2024.8.11.0023 Classe: APELAÇÃO CÍVEL (198) Assunto: [Empréstimo consignado, Análise de Crédito] Rel…
ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO PRIMEIRA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO Número Único: 1000956-10.2024.8.11.0023 Classe: APELAÇÃO CÍVEL (198) Assunto: [Empréstimo consignado, Análise de Crédito] Relator: Des(a). SEBASTIAO BARBOSA FARIAS Turma Julgadora: [DES(A). SEBASTIAO BARBOSA FARIAS, DES(A). CLARICE CLAUDINO DA SILVA, DES(A). MARCIO APARECIDO GUEDES] Parte(s): [ALDENOR NUNES BARRETO - CPF: 514.580.801-10 (APELANTE), VICTORIA CRISTINA RAMOS PAIANO - CPF: 040.364.261-25 (ADVOGADO), IRINEU PAIANO FILHO - CPF: 058.878.698-52 (ADVOGADO), GABRIEL RAMOS PAIANO - CPF: 040.364.241-81 (ADVOGADO), BANCO SANTANDER (BRASIL) S.A. - CNPJ: 90.400.888/0001-42 (APELADO), DENIO MOREIRA DE CARVALHO JUNIOR - CPF: 445.479.356-53 (ADVOGADO)] A C Ó R D Ã O Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a PRIMEIRA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência Des(a). CLARICE CLAUDINO DA SILVA, por meio da Turma Julgadora, proferiu a seguinte decisão: POR UNANIMIDADE, DEU PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO. E M E N T A DIREITO CIVIL E DO CONSUMIDOR. APELAÇÃO CÍVEL. PRELIMINAR DE CERCEAMENTO DE DEFESA REJEITADA. CONTRATO DE EMPRÉSTIMO CONSIGNADO DIGITAL. AUTOR ANALFABETO. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO VÁLIDA DA CONTRATAÇÃO. RELAÇÃO JURÍDICA INEXISTENTE. DEVOLUÇÃO SIMPLES DOS VALORES DESCONTADOS. I. Caso em exame 1. Apelação contra sentença que julgou improcedente pedido de declaração de inexistência de débito, repetição de indébito e danos morais em razão de descontos em benefício previdenciário oriundos de contrato de empréstimo consignado alegadamente não contratado. II. Questão em discussão 2. A questão em discussão consiste em saber se houve contratação válida de empréstimo consignado digital, considerando a condição de analfabeto do autor e a ausência de comprovação suficiente por parte da instituição financeira. III. Razões de decidir 3. A condição de analfabeto do autor foi documentalmente comprovada, exigindo formalidades específicas para validade do contrato. 4. Inversão do ônus da prova (CDC, art. 6º, VIII) exige que a instituição financeira comprove a regularidade da contratação. 5. A prova apresentada é frágil: contrato eletrônico sem assinatura com certificação digital ICP-Brasil e ausência de contrato originário do refinanciamento. 6. Restando dúvidas quanto à manifestação de vontade válida, reconhece-se a inexistência da relação jurídica. 7. Determina-se a devolução simples dos valores descontados, ante a ausência de prova de má-fé do banco. 8. Indevido o pedido de danos morais, por inexistência de abalo concreto à dignidade da parte autora. IV. Dispositivo e tese 9. Recurso parcialmente provido. Tese de julgamento: "1. O contrato eletrônico de empréstimo consignado firmado com pessoa analfabeta exige formalidades específicas para sua validade. 2. A ausência de contrato originário inviabiliza o refinanciamento, e a instituição financeira não comprovando a contratação válida, impõe-se a declaração de inexistência da relação jurídica." Dispositivos relevantes citados: CF/1988, art. 5º, XXXII; CC, arts. 107 e 595; CDC, arts. 6º, VIII; 14; 39, IV; CPC, arts. 373, I e II; 370, parágrafo único. Jurisprudência relevante citada: STJ, Tema 1061; REsp 1868099/CE; REsp 1.907.394/MT; TJMT, Apelação 1000678-26.2021.8.11.0019. R E L A T Ó R I O Trata-se de recurso de apelação interposto por ALDENOR NUNES BARRETO, contra r. sentença proferida pelo Juízo da 2ª Vara da Comarca de Peixoto de Azevedo/MT, na Ação Declaratória de inexistência de débito c/c repetição de indébito e danos morais, com pedido de tutela de urgência nº 1000956-10.2024.8.11.0023, ajuizada em face do BANCO SANTANDER (BRASIL) S.A., que JULGOU IMPROCEDENTE o pedido da exordial com resolução de mérito (art. 487, inc. I do CPC), bem como, revogou a tutela anteriormente deferida, condenando a parte autora ao pagamento das custas e despesas processuais, fixando os honorários de sucumbência em 10% (dez por cento) sobre o valor da causa, nos termos do art. 85, § 2º do CPC, observando o benefício de justiça gratuita, tornando a exigibilidade do crédito suspensa pelo prazo de 5 (cinco) anos, conforme o art. 98, § 3º do CPC. Inconformada, a apelante em recurso (ID 288897862), alega preliminarmente, cerceamento de defesa, ressaltando o indeferimento indevido de prova pericial e testemunhal. Em suas razões recursais assevera que estão ausentes requisitos legais específicos à contratação, em razão do analfabetismo (art. 595 do CC e art. 5º da IN INSS/PREV nº 28/2008). bem como, a fragilidade da assinatura digital eletrônica via selfie. Afirma serem falsos dados constantes no contrato, ressaltando igualmente ausentes dados acerca do IP e a Geolocalização da suposta assinatura digital, dessa forma, requer acolhimento da preliminar, ou subsidiariamente reconhecer a invalidade do contrato às irregularidades. Não houve apresentação de contrarrazões, pela apelada, bem como, houve decurso do prazo em 17/05/2025, conforme ID. É o relatório. V O T O R E L A T O R VOTO – PRELIMINAR DE CERCEAMENTO DE DEFESA Sustenta o apelante que houve cerceamento de defesa, pois o juízo de origem indeferiu pedido de prova pericial e testemunhal, que seria útil para comprovar sua condição de analfabeto e a ausência de consentimento válido na suposta contratação. De fato, consta dos autos requerimento expresso nesse sentido (ID 288897858). No entanto, a alegação não merece acolhimento, pelos seguintes fundamentos, independente de fundamentação de “prova diabólica” constante no ID. 288897860. Ou seja, o RG do autor e a Escritura Pública juntados aos autos comprovam, de forma documental, inequívoca e suficiente, sua condição de analfabeto, dispensando a produção de prova técnica; A hipossuficiência é fato incontroverso e não depende de dilação probatória; O indeferimento da prova, neste contexto, não causou prejuízo à defesa, estando dentro da autorização do art. 370, parágrafo único, do CPC, que permite o indeferimento de prova impertinente ou desnecessária. Assim, REJEITO a preliminar de cerceamento de defesa. VOTO - MÉRITO A controvérsia reside em saber se há relação jurídica válida entre as partes, considerando que o autor nega a contratação de empréstimo consignado e sustenta que os descontos mensais são indevidos, de outro lado, a instituição financeira sustenta que a contratação foi válida, sendo um refinanciamento realizado por meio digital, com autenticação facial (via SERPRO/DataValid) e token por SMS. Ressalte-se que a parte apelada, regularmente intimada (ID. 288897865), não apresentou contrarrazões ao recurso de apelação interposto. Nos termos do art. 1.010, §3º, do CPC, a ausência de contrarrazões não obsta o regular prosseguimento do recurso, tampouco restringe a apreciação do mérito pela instância revisora, não se configurando qualquer preclusão ou confissão ficta, razão pela qual o julgamento prossegue com base nos elementos probatórios constantes dos autos. Pois bem. Antes de tudo, convém frisar que a condição de analfabetismo não retira a capacidade civil da pessoa, e a validade do contrato de empréstimo consignado celebrado por um analfabeto é garantida se as formalidades legais forem cumpridas. Sendo relação de consumo, incide a inversão do ônus da prova prevista no art. 6º, VIII, do CDC, especialmente quando identificada a hipossuficiência da parte autora, como no presente caso (ônus da prova invertido conforme ID. 288895434). Logo, considerando tratar-se de ação declaratória de inexistência de negócio jurídico, compete à instituição financeira comprovar a regularidade da contratação, e não à autora demonstrar fato negativo (não contratação), acerca do Contrato de Refinanciamento de empréstimo consignado n° 204079792 (CCB n° a1be81b2-2741-49dd-9ed6- 6d926ac31053) - ID. 288895440. Nesse sentido é o entendimento consolidado pelo Superior Tribunal de Justiça no julgamento do Tema 1061/STJ: "Cabe à instituição financeira demonstrar a existência do negócio jurídico e a efetiva contratação pelo cliente, em casos nos quais é questionada a existência de relação jurídica entre consumidor e instituição financeira, como ocorre nas hipóteses de lançamentos indevidos em conta corrente ou cartão de crédito, aquisição de produtos ou serviços não contratados, inscrição em órgão de proteção ao crédito por débito não reconhecido e outros casos de fraude bancária". Avançando, temos que a prova documental apresentada pela apelada mostra-se frágil e insuficiente para comprovar a manifestação válida de vontade, notadamente porque: a) O contrato eletrônico não possui assinatura com certificação ICP-Brasil, conforme exige a MP 2.200-2/2001, art. 10, §2º; b) a mera selfie, desacompanhada de elementos técnicos exigidos pelos sistemas de validação biométrica conforme padrões da ICP-Brasil, e do proprio SERPRO, não atende aos requisitos de autenticidade, segurança e rastreabilidade; c) A contratação foi digital, e o autor sendo analfabeto reconhecido oficialmente, o que torna inválido qualquer consentimento prestado sem formalização adequada (escritura pública ou assinatura a rogo com duas testemunhas). Nessa esteira, é o entendimento jurisprudência do C. STJ, conforme ementa abaixo transcrita: RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE CUMULADA COM REPETIÇÃO DE INDÉBITO. EMPRÉSTIMO CONSIGNADO FIRMADO COM ANALFABETO. 1. VIOLAÇÃO DO ART. 1.022 DO CPC/2015. FUNDAMENTAÇÃO DEFICIENTE. ENUNCIADO N. 284/STF. 2. ÔNUS DA PROVA. QUESTÃO ADSTRITA À PROVA DA DISPONIBILIZAÇÃO FINANCEIRA. APRECIAÇÃO EXPRESSA PELO TRIBUNAL LOCAL. REEXAME DE FATOS E PROVAS. INVIABILIDADE. 3. VALIDADE DE CONTRATO FIRMADO COM CONSUMIDOR IMPOSSIBILITADO DE LER E ESCREVER. ASSINATURA A ROGO, NA PRESENÇA DE DUAS TESTEMUNHAS, OU POR PROCURADOR PÚBLICO. EXPRESSÃO DO LIVRE CONSENTIMENTO. ACESSO AO CONTEÚDO DAS CLÁUSULAS E CONDIÇÕES CONTRATADAS. 4. RECURSO ESPECIAL PARCIALMENTE CONHECIDO E, NESSA EXTENSÃO, DESPROVIDO.1. É deficiente a fundamentação do recurso especial em que a alegação de violação do art. 1.022 do CPC/2015 se faz de forma genérica, sem a demonstração exata dos pontos pelos quais o acórdão tornou-se omisso, contraditório ou obscuro. Aplica-se, na hipótese, o óbice da Súmula n. 284/STF.2. Modificar o entendimento do Tribunal local acerca do atendimento do ônus probatório não prescinde do reexame de matéria fático-probatória, o que é inviável devido ao óbice da Súmula 7/STJ.3. A liberdade de contratar é assegurada ao analfabeto, bem como àquele que se encontre impossibilitado de ler e escrever.4. Em regra, a forma de contratação, no direito brasileiro, é livre, não se exigindo a forma escrita para contratos de alienação de bens móveis, salvo quando expressamente exigido por lei.5. O contrato de mútuo, do qual o contrato de empréstimo consignado é espécie, se perfaz mediante a efetiva transmissão da propriedade da coisa emprestada.6. Ainda que se configure, em regra, contrato de fornecimento de produto, a instrumentação do empréstimo consignado na forma escrita faz prova das condições e obrigações impostas ao consumidor para o adimplemento contratual, em especial porque, nessa modalidade de crédito, a restituição da coisa emprestada se faz mediante o débito de parcelas diretamente do salário ou benefício previdenciário devido ao consumidor contratante pela entidade pagadora, a qual é responsável pelo repasse à instituição credora (art. 3º, III, da Lei n. 10.820/2003).7. A adoção da forma escrita, com redação clara, objetiva e adequada, é fundamental para demonstração da efetiva observância, pela instituição financeira, do dever de informação, imprescindíveis à livre escolha e tomada de decisões por parte dos clientes e usuários (art. 1º da Resolução CMN n. 3.694/2009).8. Nas hipóteses em que o consumidor está impossibilitado de ler ou escrever, acentua-se a hipossuficiência natural do mercado de consumo, inviabilizando o efetivo acesso e conhecimento às cláusulas e obrigações pactuadas por escrito, de modo que a atuação de terceiro (a rogo ou por procuração pública) passa a ser fundamental para manifestação inequívoca do consentimento.9. A incidência do art. 595 do CC/2002, na medida em que materializa o acesso à informação imprescindível ao exercício da liberdade de contratar por aqueles impossibilitados de ler e escrever, deve ter aplicação estendida a todos os contratos em que se adote a forma escrita, ainda que esta não seja exigida por lei.10. A aposição de digital não se confunde, tampouco substitui a assinatura a rogo, de modo que sua inclusão em contrato escrito somente faz prova da identidade do contratante e da sua reconhecida impossibilidade de assinar.11. Reconhecida pelas instâncias ordinárias a existência de assinatura a rogo no caso concreto, a alteração do acórdão recorrido dependeria de reexame de fatos e provas, inadmissível nesta estreita via recursal.12. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa extensão, não provido. (STJ - REsp 1868099 / CE, Relator(a): Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE (1150), T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Julgamento: 14/12/2020, Data de Publicação: 17/12/2020) Ademais, não há presunção de validade do refinanciamento sem a presença do contrato matriz, por se tratar de contrato acessório dependente de vínculo anterior válido, ou seja, a ausência do contrato anterior compromete a prova da própria origem do direito invocado pela instituição financeira (art. 373, II, do CPC). Essa omissão compromete a coerência da cadeia contratual, pois é insuficiente para sustentar o lastro fático-probatório. Somente operar a juntada do contrato de refinanciamento (ID. 288895440) somado à mera menção no campo "CARACTERÍSTICA DO CONTRATO", acerca da numeração do contrato anterior (861797151-3/862011373-1), não é suficiente para validar a relação contratual. A análise do contrato de refinanciamento e dos extratos de pagamento deve ser feita de forma mais detalhada, considerando a autorização expressa para a pactuação do contrato, a similitude de assinatura, bem como, prova de que o valor foi depositado na conta do apelante, para afastar qualquer alegação de fraude. Portanto, a validade do contrato deve ser confirmada com base em provas robustas e não em menções superficiais. O apelado, não comprova a existência da relação jurídica contratual válida na origem, bem como, sua legitimidade. A propósito: RECURSO INOMINADO - RELAÇÃO DE CONSUMO - AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS - CONTRATO DE REFINANCIAMENTO – EMPRÉSTIMO ORIGINÁRIO NÃO COMPROVADO - NEGATIVA DE CONTRATAÇÃO – NÃO IMPUGNAÇÃO ESPECÍFICA - DESCONTO DE VALORES INDEVIDOS EM FOLHA DE PAGAMENTO - FALHA NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO CONFIGURADA - DANO MORAL CONFIGURADO - DANO MATERIAL DEVIDO – SENTENÇA MANTIDA – RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. Em que pese a juntada do contrato de refinanciamento de empréstimo consignado nº 335826249, constata-se que não restou comprovado nos autos o instrumento do empréstimo originário, qual seja, o contrato de nº 328682491-1, tampouco o comprovante de transferência do valor supostamente contratado. Ademais, embora trazida a informação em sentença, a recorrente não faz impugnação específica a respeito em sede de recurso. (TJMT - 1031157-50.2021.8.11.0003, Relator(a): EULICE JAQUELINE DA COSTA SILVA CHERULLI, Primeira Turma Recursal, Data de Julgamento: 15/10/2023, Data de Publicação: 19/10/2023) (Destaquei) Ou seja, a ausência do nexo de causa pode resultar na nulidade do contrato de refinanciamento, uma vez que a instituição financeira não consegue comprovar a relação entre o novo contrato e o contrato originário. Importa ressaltar que, embora a instituição financeira não tenha comprovado de forma segura a contratação digital (virtual), a conduta do autor também não é isenta de observação técnica-jurídica, pois não evidenciam uma incontestável boa-fé objetiva. Com efeito, os autos revelam que o autor possuía múltiplos contratos consignados ativos anteriormente (ID. 288895424), o que demonstra familiaridade com essa modalidade de crédito, ainda que com auxílio de terceiros. Por conseguinte, entende-se jurisprudencialmente o seguinte, in verbis: DIREITO CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE NEGÓCIO JURÍDICO C/C PEDIDOS DE RESTITUIÇÃO DE VALORES E COMPENSAÇÃO POR DANOS MORAIS. CONTRATO DE EMPRÉSTIMO CONSIGNADO FIRMADO POR IDOSO INDÍGENA ANALFABETO. VALIDADE. REQUISITO DE FORMA. ASSINATURA DO INSTRUMENTO CONTRATUAL A ROGO POR TERCEIRO, NA PRESENÇA DE DUAS TESTEMUNHAS. ART. 595 DO CC/02. PROCURADOR PÚBLICO. DESNECESSIDADE. 1. Ação ajuizada em 20/07/2018. Recurso especial interposto em 22/05/2020 e concluso ao gabinete em 12/11/2020. 2. O propósito recursal consiste em dizer acerca da forma a ser observada na contratação de empréstimo consignado por idoso indígena que não sabe ler e escrever (analfabeto). 3. Os analfabetos, assim como os índios, detêm plena capacidade civil, podendo, por sua própria manifestação de vontade, contrair direitos e obrigações, independentemente da interveniência de terceiro. 4. Como regra, à luz dos princípios da liberdade das formas e do consensualismo, a exteriorização da vontade dos contratantes pode ocorrer sem forma especial ou solene, salvo quando exigido por lei, consoante o disposto no art. 107 do CC/02. 5. Por essa razão, em um primeiro aspecto, à míngua de previsão legal expressa, a validade do contrato firmado por pessoa que não saiba ler ou escrever não depende de instrumento público. 6. Noutra toada, na hipótese de se tratar de contrato escrito firmado pela pessoa analfabeta, é imperiosa a observância da formalidade prevista no art. 595 do CC/02, que prevê a assinatura do instrumento contratual a rogo por terceiro, com a subscrição de duas testemunhas. 7. Embora o referido dispositivo legal se refira ao contrato de prestação de serviços, deve ser dada à norma nele contida o máximo alcance e amplitude, de modo a abranger todos os contratos escritos firmados com quem não saiba ler ou escrever, a fim de compensar, em algum grau, a hipervulnerabilidade desse grupo social. 8. Com efeito, a formalização de negócios jurídicos em contratos escritos – em especial, os contratos de consumo – põe as pessoas analfabetas em evidente desequilíbrio, vista sua dificuldade de compreender as disposições contratuais expostas em vernáculo. porque, intervindo no negócio jurídico terceiro de confiança do analfabeto, capaz de lhe certificar acerca do conteúdo do contrato escrito e de assinar em seu nome, tudo isso testificado por duas testemunhas, equaciona-se, ao menos em parte, a sua vulnerabilidade informacional. 9. O art. 595 do CC/02 se refere a uma formalidade a ser acrescida à celebração de negócio jurídico por escrito por pessoa analfabeta, que não se confunde com o exercício de mandato. O contratante que não sabe ler ou escrever declara, por si próprio, sua vontade, celebrando assim o negócio, recorrendo ao terceiro apenas para um auxílio pontual quanto aos termos do instrumento escrito. 10. O terceiro, destarte, não celebra o negócio em representação dos interesses da pessoa analfabeta, como se mandatário fosse. Por isso, não é necessário que tenha sido anteriormente constituído como procurador. 11. Se assim o quiser, o analfabeto pode se fazer representar por procurador, necessariamente constituído mediante instrumento público, à luz do disposto no art. 654, caput, do CC/02. Nessa hipótese, típica do exercício de mandato, não incide o disposto no art. 595 do Código e, portanto, dispensa-se a participação das duas testemunhas. 12. Recurso especial conhecido e provido.” (REsp n. 1.907.394/MT, 3ª Turma, Rel. Min. Nancy Andrighi, j. 04.05.2021) (Destaquei) Extraímos igualmente, que o contrato impugnado se refere, segundo a ré, a um refinanciamento, e embora o banco não tenha juntado o contrato originário, a operação se deu na mesma margem, com valores liberados por TED (ID 288895442); O apelante não trouxe prova cabal de que não recebeu os valores, nem impugnou a movimentação da conta corrente na qual foram depositados; optando por imputar a fraude exclusivamente à instituição. Contudo, mesmo diante da facilidade em contratação de empréstimo via digital, seja com possível selfie ou Biometria em ambiente virtual, não afasta a hipervulnerabilidade do apelante. Desta forma, temos que o CDC, no art. 39, IV, expressamente veda ao fornecedor "prevalecer-se da fraqueza ou ignorância do consumidor, tendo em vista sua idade, saúde, conhecimento ou condição social, para impingir-lhe seus produtos ou serviços". Ainda nesse sentido já decidi, vejamos: RECURSO DE AGRAVO DE INSTRUMENTO – AÇÃO DE DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO COM REPARAÇÃO DE DANOS MATERIAIS, DANOS MORAIS E REPETIÇÃO DE INDÉBITO – TUTELA DE URGÊNCIA DEFERIDA PELO JUÍZO A QUO – FORMAÇÃO DO CONTRATO EM AMBIENTE VIRTUAL E POR MEIO DE BIOMETRIA FACIAL – CONSUMIDORA IDOSA E NÃO ALFABETIZADA – DECISÃO MANTIDA – RECURSO DESPROVIDO. [...] Exatamente por reconhecer a presença dos requisitos autorizadores da medida de urgência requerida pela Agravada na instância inicial, lhe foi deferida a medida pretendida, se mostrando acertada a decisão do Magistrado a quo, especialmente por se tratar de negativa de formalização de contrato de empréstimo consignado realizado em ambiente virtual, sendo a consumidora pessoa idosa e não alfabetizada. (TJ-MT - AGRAVO DE INSTRUMENTO: 1012119-90.2023.8.11 .0000, Relator.: SEBASTIAO BARBOSA FARIAS, Data de Julgamento: 14/11/2023, Primeira Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 16/11/2023) (Destaquei) Esse panorama revela um cenário de dúvida objetiva quanto à origem da contratação, sendo, pois, o caso de declarar a inexistência da relação jurídica, afastando a presunção absoluta de má-fé por parte da instituição ré, mas também impedindo o reconhecimento de dano moral ou a repetição em dobro dos valores. Destaco ante toda celeuma, consoante dispõe o art. 14, do CDC, que “O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.”. Dessa forma, configurada a falha na prestação do serviço da instituição, pois, a teor do que preceitua o art. 373, I, do CPC, ao réu incumbia o ônus de comprovar a existência e a validade do contrato, como estabelece o inciso II do mesmo artigo. A devolução dos valores descontados se impõe, contudo, de forma simples, pois, não restou demonstrada má-fé da instituição, bem como, que, havendo liberação dos valores contratados por TED, a dúvida razoável quanto à contratação afasta a incidência do art. 42, parágrafo único, do CDC, bem como, considerando do paradigma EAREsp 676.608, de 2020, julgado pelo Col. STJ. Destarte, quanto ao aludido ponto, a decisão fustigada deve ser modificada, podendo ser abatido o valor depositado via TED ao apelante, em liquidação de sentença. Quanto ao dano moral, inexiste prova de abalo concreto. A situação vivenciada pela parte autora não ultrapassou o mero dissabor cotidiano, que configure efetiva lesão à sua dignidade, tampouco conduta abusiva ou dolosa da ré, razão pela qual o pedido deve ser indeferido, conforme orientação pacífica do STJ. Nesse sentido: APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO ORDINÁRIA DESCONTOS EM FOLHA DE PAGAMENTO ABUSIVIDADE REPETIÇÃO DE INDÉBITO E DANOS MORAIS - EMPRÉSTIMO CONSIGNADO - DESCONTOS EM BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO - CONTRATO FIRMADO COM PESSOA ANALFABETA - ASSINATURA A ROGO COM A PRESENÇA DE DUAS TESTEMUNHAS - ART. 595 DO CÓDIGO CIVIL - CONTRATAÇÃO NÃO COMPROVADA PELO BANCO - REQUISITOS NÃO PREENCHIDOS - INEXISTÊNCIA DA RELAÇÃO JURÍDICA - RESTITUIÇÃO NA FORMA SIMPLES DOS VALORES DESCONTADOS INDEVIDAMENTE - SENTENÇA REFORMADA - RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. “No contrato de prestação de serviço, quando qualquer das partes não souber ler, nem escrever, o instrumento poderá ser assinado a rogo e subscrito por duas testemunhas” (Art. 595, do Código Civil). Configura falha na prestação do serviço a conduta da instituição financeira que realiza descontos no benefício previdenciário do consumidor, relativos a contrato de empréstimo consignado, cuja contratação não foi comprovada. Se ausente comprovação da origem da dívida questionada, é caso de declarar a inexistência da relação jurídica, bem como determinar a restituição dos valores descontados indevidamente, na forma simples. A devolução em dobro tem por pressuposto a má-fé daquele que indevidamente recebeu e não se visualizam elementos capazes de assegurar tenha a Instituição Financeira agido com propósito maldoso, a ponto de justificar a devolução com essa pesada punição. O fracionamento de demandas com o mesmo fundamento e contra o mesmo réu configura demanda predatória e, portanto, é indevida a indenização por dano moral, sob pena de enriquecimento ilícito. (TJMT - 1000678-26.2021.8.11.0019, Relator(a): GUIOMAR TEODORO BORGES, Quarta Câmara de Direito Privado, Data de Julgamento: 30/05/2023, Data de Publicação: 30/05/2023) (Destaquei) Ante o exposto, conheço do recurso, e DOU PARCIAL PROVIMENTO à apelação para: a) Declarar a inexistência de relação jurídica entre o autor e o banco, relativamente ao contrato nº 204079792; b) Condenar o banco à devolução simples dos valores descontados (R$ 3.686,85), com correção monetária desde cada desconto e juros legais desde a citação, observada a devida compensação de valores dispostos via TED na conta da autora, em apuração/liquidação de sentença; c) Julgar improcedente o pedido de repetição em dobro; d) Julgar improcedente o pedido de indenização por danos morais. e) Fica o réu condenado ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, fixados em 10% sobre o valor da condenação, nos termos do art. 85, §2º, do CPC. Ao arremate, visando evitar a oposição de embargos declaratórios e, desde logo, para viabilizar eventual acesso às vias extraordinária e especial, considera-se prequestionada toda matéria infraconstitucional e constitucional, observado o pacífico entendimento do Superior Tribunal de Justiça no sentido de que, tratando-se de prequestionamento, é desnecessária a citação numérica dos dispositivos legais, bastando que a questão posta tenha sido decidida (EDROMS 18.205/SP, Eminente Ministro Felix Fischer, DJ 08/05/2006, p. 240) É como voto. Data da sessão: Cuiabá-MT, 15/07/2025
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