Processo nº 1001932-16.2025.4.01.3508
ID: 330884451
Tribunal: TRF1
Órgão: Vara Federal Cível e Criminal da SSJ de Itumbiara-GO
Classe: PROCEDIMENTO COMUM CíVEL
Nº Processo: 1001932-16.2025.4.01.3508
Data de Disponibilização:
22/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
DIOVANA HENRIQUE BASTOS DE SOUZA
OAB/MG XXXXXX
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Subseção Judiciária de Itumbiara/GO Vara Federal Cível e Criminal da SSJ de Itumbiara/GO PROCESSO: 1001932-16.2025.4.01.3508 CLASSE: PROCEDIMENTO COMUM CÍVEL (7) AUTOR: VANILSON RODRIGUES DO NASCIMEN…
Subseção Judiciária de Itumbiara/GO Vara Federal Cível e Criminal da SSJ de Itumbiara/GO PROCESSO: 1001932-16.2025.4.01.3508 CLASSE: PROCEDIMENTO COMUM CÍVEL (7) AUTOR: VANILSON RODRIGUES DO NASCIMENTO Advogado do(a) AUTOR: DIOVANA HENRIQUE BASTOS DE SOUZA - MG130513 REU: CAIXA ECONOMICA FEDERAL - CEF DECISÃO Trata-se de ação de anulação de negócio jurídico, ajuizada por VANILSON RODRIGUES DO NASCIMENTO em face da CAIXA ECONÔMICA FEDERAL, com pedido de tutela provisória antecipada para obstar o réu de alienar o imóvel a terceiros e expropriar o bem imóvel tutelado no qual o autor reside com a sua família. A parte autora sustenta que: a) celebrou com a instituição financeira, em 28 de junho de 2010, contrato de financiamento habitacional com garantia por alienação fiduciária, no âmbito do Programa Minha Casa, Minha Vida, utilizando recursos do FGTS. O bem financiado está situado na Rua 105, nº 242, Bairro Jardim Leonora II, no município de Itumbiara/GO; b) em razão de dificuldades financeiras supervenientes à contratação, deixou de adimplir algumas parcelas do financiamento, situação que culminou com a consolidação da propriedade do imóvel em nome da instituição ré e com a designação de leilões extrajudiciais para os dias 29/07/2025 e 01/08/2025, às 10h; c) não foi regularmente notificado para purgar a mora, conforme exigido pelo artigo 26 da Lei nº 9.514/1997, o que viciaria todo o procedimento extrajudicial. Reforça que a intimação pessoal é condição essencial para validade do procedimento de consolidação, e que a sua ausência acarreta nulidade da execução promovida pela CEF; d) a ausência de oportunidade para renegociação da dívida ou para retomada do contrato, somada à falta de notificação prévia sobre a consolidação e os leilões, caracteriza violação ao devido processo legal, à ampla defesa e à dignidade da pessoa humana, sendo, por isso, passível de anulação o ato de expropriação. Invoca diversos precedentes do Tribunal Regional Federal da 1ª Região e do Superior Tribunal de Justiça para embasar seu pleito. e) a parte autora pleiteia, em sede liminar, a suspensão dos leilões designados, o restabelecimento do contrato de financiamento, a manutenção da posse do imóvel, bem como a anulação da consolidação da propriedade registrada na matrícula nº 24187, do Cartório de Registro de Imóveis da 2ª Circunscrição de Itumbiara/GO; f) requer ainda que a CEF apresente planilha atualizada do débito, a fim de viabilizar a purgação da mora; g) ressalta que o contrato firmado está sujeito às normas do Código de Defesa do Consumidor e que a ausência de negociação e a imposição unilateral de condições pelo agente financeiro configuram cláusulas abusivas; h) aponta, por fim, a inaplicabilidade retroativa da Lei nº 13.465/2017 ao caso concreto, por ter o contrato sido celebrado sob a vigência da Lei nº 9.514/1997, invocando, para tanto, os princípios constitucionais da irretroatividade e da segurança jurídica. Juntou documentos. Brevemente relatado, decido. A tutela de urgência tem por fim dar aplicação ao princípio da proporcionalidade em matéria processual, de modo que os efeitos da demora, própria do processo judicial, não recaiam sempre sobre a parte autora. Como pressupostos para sua concessão, necessária a presença concomitante da plausibilidade do direito invocado (fumus boni iuris) e do fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação (periculum in mora). No caso com o dos autos, a análise dos requisitos para concessão de tutela antecipada deve ser feita concomitantemente com a análise das condições para inversão do ônus da prova, a fim de melhor compreender a incumbência de cada uma das partes durante o exame do pedido de tutela. De pronto, reputo prudente tecer comentários sobre o procedimento de execução extrajudicial e a inversão do ônus da prova. a) Alienação fiduciária. Purgação da mora. Possibilidade. Consolidação da Propriedade. Cancelamento. Lei n. 9.514/1997. Decreto nº 70/1966. Jurisprudência. O Instituto da Alienação Fiduciária, sob a ótica da Lei 9.514/97, é o negócio jurídico pelo qual alguém (devedor-fiduciante) contrata, a título de garantia, a transferência da propriedade a outrem (credor-fiduciário), sob condição resolutória do adimplemento das obrigações pactuadas. Com a constituição da propriedade fiduciária, a posse é desdobrada tornando-se o devedor-fiduciante o possuidor direto e o credor-fiduciário, o possuidor indireto do imóvel. Por meio dessa operação, possibilita-se ao credor-fiduciário a manutenção da propriedade resolúvel de um bem até o momento da quitação total da dívida pelo mutuário, viabilizando-se, contudo, a satisfação do crédito de modo célere no caso de inadimplemento, mediante a venda do bem dado em garantia, após a consolidação da propriedade. Nessa perspectiva, tratando-se de bem imóvel objeto de alienação fiduciária, nos moldes da Lei 9.514/97, vencida e não paga, no todo ou em parte, a dívida, e constituído em mora o fiduciante, consolidar-se-á a propriedade em nome do credor fiduciário. Para que este efeito seja alcançado, todavia, ainda segundo referido diploma legal, é necessária a intimação do fiduciante pelo oficial do Cartório de Registro de Imóveis, a satisfazer, no prazo de 15 (quinze) dias, as prestações vencidas e as que vencerem até a data do pagamento, os juros convencionais, as penalidades e os demais encargos contratuais, os encargos legais, inclusive tributos, as contribuições condominiais imputáveis ao imóvel, além das despesas de cobrança e de intimação (Lei 9.514/97 – 26 §§ 1º e 7º). Nesse sentido: TRF1, AC 200433000109990, Sexta Turma, Maria Isabel Gallotti Rodrigues, DJe 11/06/2007; TRF1, AC 1005964-71.2019.4.01.3800, Quinta Turma, Roberto Carlos de Oliveira (conv.), Quinta Turma, PJe 29/06/2021. No entanto, apesar de consolidada a propriedade, não se extingue de pleno direito o contrato de mútuo, pois o credor fiduciário deve providenciar a venda do bem, mediante leilão, ou seja, a partir da consolidação da propriedade do bem em favor do agente fiduciário, inaugura-se uma nova fase do procedimento de execução contratual, conforme explanado alhures. Portanto, no âmbito da alienação fiduciária de imóveis em garantia, o contrato que serve de base para a existência da garantia não se extingue por força da consolidação da propriedade, mas, sim, pela alienação em leilão público do bem objeto da alienação fiduciária, a partir da lavratura do auto de arrematação. Entretanto, indigitado diploma legal assegura expressamente, em seu art. 39, inciso II, a aplicação subsidiária das disposições dos arts. 29 a 41 do Decreto nº 70/1966, onde é garantido, especialmente no artigo 34, ao devedor/mutuário a possibilidade de purgar a mora em 15 (quinze) dias após a devida notificação ou, ainda, a qualquer tempo, até a assinatura do auto de arrematação. O tema foi enfrentado pelo Tribunal da Cidadania, sendo pacífico o entendimento de ser permitido ao devedor a retomada do bem em momento posterior à consolidação da propriedade, desde que o fizesse antes da assinatura do auto arrematação e mediante pagamento integral do débito, inclusive dos encargos legais e contratuais, entendimento esse fruto da aplicação subsidiária das disposições do Decreto-Lei 70/66, artigo 34, o que acarretaria, por óbvio, no cancelamento da consolidação da propriedade . Nesse sentido, já decidiram nossos Tribunais: STJ, 4ª Turma, AgInt no AREsp 1132567/PR, Luis Felipe Salomão, DJe 06/11/2017; TRF1, AC 0000681-29.2015.4.01.3508, Juiz Federal Convocado Roberto Carlos de Oliveira, 6ª Turma, DJe 24/11/2021. b) Aplicabilidade da Lei nº 13.465/2017. Alteração legislativa. Lei nº 9.514/1997. Inovação jurisprudencial. Direito de preferência. A Lei nº 13.465/2017, com vigência em 12/07/2017, introduziu no art. 27 da Lei nº 9.514/1997 o § 2º-B e alterou a redação do inciso II de seu art. 39, que agora dispõe expressamente sobre o direito de preferência do devedor na reaquisição do imóvel, mediante pagamento do valor integral da dívida e das despesas efetuadas com a consolidação da propriedade e realização do leilão extrajudicial. Infere-se da alteração legislativa que, não se aplicando mais o DL nº 70/66 aos procedimentos de execução garantidos por alienação fiduciária, a possibilidade de purgação da mora até a assinatura do auto de arrematação só é possível se a consolidação da propriedade do imóvel e a purgação da mora (ou tentativa de purgação recusada pela CEF) ocorreram antes de 12/07/2017. Após esta data, cabe ao devedor fiduciante, apenas, o direito de preferência para adquirir o imóvel por preço correspondente ao valor da dívida. Neste sentido: STJ, REsp 1818156/PR, Paulo de Tarso Sanseverino, Terceira Turma, DJe 18/06/2021; STJ, REsp 1649595/RS, Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, DJe 16/10/2020; TRF1, AC 1000252-46.2018.4.01.3506, Sexta Turma, Daniel Paes Ribeiro, PJe 25/08/2022 ; TRF4, AG 5015200-46.2019.4.04.0000, Cândido Alfredo Silva Leal Junior, Quarta Turma, Data de Julgamento 03/06/2019; TRF4, AG 5002908-24.2022.4.04.0000, Vivian Josete Pantaleão Caminha, Quarta Turma, Data de Julgamento 31/01/2022; TRF4, AC 5094156-19.2019.4.04.7100, Vânia Hack De Almeida, Terceira Turma, Data de Julgamento 01/02/2022. Insta clarear que, para assegurar o exercício do direito de preferência pelo devedor, foi incluído pela Lei 13.465/17 o § 2º-A ao art. 27 da Lei 9.514/97, que prevê a obrigatoriedade de notificação do devedor, informando as datas, horários e locais dos leilões, observando-se os endereços constantes do contrato, inclusive os eletrônicos. Destaco que, antes do advento da Lei 13.465/17, por aplicação subsidiária do art. 34 do Decreto-lei 70/66, admitia-se que o devedor, a qualquer momento, até a assinatura do auto de arrematação, purgasse o débito, conforme acima explanado. Entretanto, a Lei 13.465/17 expressamente afastou a possibilidade de purgação da mora após a consolidação da propriedade em favor do credor fiduciário ao dar nova redação ao art. 39, II, da Lei 9.514/97, garantindo-lhe apenas o direito de preferência, consoante acima alinhavado. Por fim, para fins de exercício desse direito, deve haver o depósito do preço correspondente ao valor da dívida e demais despesas indicadas no § 2º-B do art. 27 da Lei 9.514/97. Em arremate, antes de adentrar-me ao caso concreto e, após tecidas as devidas considerações acerca da intertemporalidade dos diplomas legais que regem a matéria, reputo necessário fazer um breve distinguishing entre o “direito de purgar a mora” e o “direito de preferência” acima mencionados. Sobre o direito de purgar a mora, prevista no art. 401 do CC/02, este não se confunde com o cumprimento da obrigação propriamente dito, isto é, não há a presunção da quitação integral das parcelas vencidas e vincendas. Ao contrário, indigitada normativa exige, para a purgação da mora, apenas a ‘oferta da prestação’, referindo-se apenas às parcelas vencidas e alcançadas pela mora. Nesse sentido é o magistério dos professores Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald que diferenciam a purgação da mora (oferta da prestação) do cumprimento da obrigação em si (Curso de Direito Civil: Obrigações. 13ª ed., Salvador: JusPodivm, 2019, p. 611). Importante destacar, nesse contexto que, para fins de purgação da mora, deve haver o depósito integral de todas as prestações vencidas e alcançadas pela mora, os juros convencionais, as penalidades e os demais encargos contratuais, os encargos legais, inclusive tributos, as contribuições condominiais imputáveis ao imóvel, além das despesas de cobrança e de intimação, conforme estabelece o § 1º do art. 26 da Lei 9514/97, além dos valores correspondentes ao imposto sobre transmissão inter vivos, pagos para efeito de consolidação da propriedade fiduciária no patrimônio do credor fiduciário, e às despesas inerentes ao procedimento de cobrança e leilão, incumbindo, também, ao devedor fiduciante o pagamento dos encargos tributários e despesas exigíveis para a nova aquisição do imóvel, inclusive custas e emolumentos, uma vez que tais despesas surgiram em razão de sua mora. Por sua vez, o direito de preferência do devedor, trazido pela Lei 13.465/17, apresenta, essencialmente, o contrário do acima exposto. Isso porque, após a consolidação da propriedade, a Lei 9.514/97, com as alterações implementadas pela Lei 13.465/17, somente prevê a possibilidade de o devedor fiduciante exercer o direito de preferência para adquirir o imóvel por preço correspondente ao valor da dívida, acrescido das demais despesas e encargos previstos no § 2º-B ao art. 27 da Lei 9514/97. Ademais, segundo entendimento do STJ, a ausência ou vício na intimação do mutuário pode gerar a nulidade do procedimento de execução extrajudicial, incluindo os atos posteriores praticados, como a arrematação do bem por terceiro (STJ, AgInt no REsp n. 1.803.468/RS, Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, DJe de 14/6/2021; AgInt nos EDcl no AREsp n. 1.998.722/TO, Quarta Turma, Maria Isabel Gallotti, DJe de 16/3/2023). c) Ônus da prova e a possibilidade de inversão. De início, o regime jurídico regente da relação jurídica em questão. Quanto à aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor (Lei n. 8.078/1990, DOU 12/09/1990) aos contratos regidos pelo Sistema Financeiro de Habitação - SFH, o STJ possui firme o entendimento de que não se aplica aos contratos celebrados antes da sua entrada em vigor e aos contratos de mútuo com vinculação ao Fundo de Compensação de Variações Salariais – FCVS (AgInt no REsp n. 1.851.846/SE, Quarta Turma, Raul Araújo, DJe de 14/12/2022; AgInt no AREsp n. 2.161.489/RJ, Segunda Turma, Francisco Falcão, DJe de 1/12/2022; AgInt no REsp n. 1.852.301/SE, Terceira Turma, Moura Ribeiro, DJe de 1º/6/2022). Além disso, quando reconhecida a aplicabilidade do CDC, suas normas incidem desde que comprovada a existência de ilegalidade ou abusividade a justificar a intervenção no contrato, eventual ônus excessivo para fins de inversão, desvantagem exagerada, enriquecimento ilícito, ofensa aos princípios da boa-fé e da transparência, ou mesmo qualquer outra irregularidade capaz de saneamento pelas normas consumeristas. No caso, trata-se de discussão acerca do procedimento de alienação fiduciária (Lei n. 9.514/1997), cujo contrato habitacional fora firmado posteriormente à vigência do CDC e não se encontra vinculado ao FCVS, de modo a incidir as normas consumeristas (TRF1, AC 1004019-13.2018.4.01.3500, Sexta Turma, Daniel Paes Ribeiro, PJe 08/06/2023; TRF1, AC 0012834-48.2016.4.01.3803, Quinta Turma, Daniele Maranhão Costa, PJe 25/09/2022). Outrossim, deixo consignado que a inversão do ônus da prova, nos termos do art. 6º, VIII, do CDC, não deve ser feita de maneira automática; é necessária a constatação da verossimilhança das alegações e da hipossuficiência do consumidor, requisitos cumulativos, consoante entendimento majoritário do STJ (AgInt no AREsp 1370593/SP, Raul Araújo, Quarta Turma, DJe: 12/09/2019; AgInt no AREsp n. 2.245.830/SP, Maria Isabel Gallotti, Quarta Turma, DJe de 20/10/2023; AgInt no AREsp n. 2.357.274/SP, Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, DJe de 16/10/2023). É bem verdade, no entanto, que se entende pela excepcionalidade da compreensão alternativa dos requisitos de forma excepcional, como se extrai do STJ (AgInt no AREsp n. 2.357.274/SP, relator Ministro Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, julgado em 9/10/2023, DJe de 16/10/2023), calcada na doutrina majoritária que entende pela alternativade como regra (NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de Direito do Consumidor: direito material e processual. Volume único. 5º. ed. São Paulo: Método, 2016, p. 696/697). Neste ponto, necessário trazer à baila os ensinamentos dos nobres doutrinadores Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart, que definem a verossimilhança das alegações como sendo “uma convicção que se funda nas provas que puderam ser realizadas no processo, mas, diante da natureza da relação de direito material, devem ser consideradas suficientes para fazer crer que o direito pertence ao consumidor” e a hipossuficiência como “a impossibilidade de prova – ou de esclarecimento da relação de causalidade – trazida ao consumidor pela violação de uma norma que lhe dá proteção – por parte do fabricante ou do fornecedor.” (Manual do Processo de Conhecimento, 4ª ed. rev. at. amp., RT, 2005, p. 274). Necessário dizer que a hipossuficiência deve ser compreendida sob os aspectos econômicos, técnicos ou científicos que tornam o consumidor o elo mais fraco da corrente comercial. Destarte, ainda que não seja possível, nos termos acima explanados, vislumbrar-se o direito material do requerente, pelas provas já produzidas, basta a constatação da dificuldade daquele, conquanto consumidor que é, em produzir as provas necessárias para comprovar o direito alegado, para ensejar a inversão do ônus da prova. Em outras palavras, presente a verossimilhança das alegações, não se pode exigir do consumidor a produção de prova de fato negativo, a comprovar sua hipossuficiência. Nesse sentido: STJ, AgInt no AREsp n. 2.271.223/SP, Raul Araújo, Quarta Turma, DJe de 25/5/2023; AgInt no AREsp n. 935.811/SE, Raul Araújo, Quarta Turma, DJe de 23/11/2023. Consigne-se que é possível ao magistrado, ainda, determinar a inversão do ônus da prova de ofício, norteado pelos princípios basilares do Direito do Consumidor (AC 200038010029341/MG, 6ª Turma, TRF da 1ª Região, Rel. Des. Federal Souza Prudente, julgamento em 13/12/2004, DJe: 01/02/2005). Constada a possibilidade da inversão do ônus da prova, resta analisar-se o momento em que o magistrado deve se pronunciar sobre o tema. Pois bem. De acordo com a sistemática proposta pelo CPC/2015, no §1º do art. 357, tem-se a faculdade do juiz de analisar a inversão do ônus da prova antes da sentença. A esse respeito, o artigo 357, inciso III do CPC estabelece que na decisão de saneamento e de organização do processo, o magistrado deve definir a distribuição dinâmica do ônus da prova. Sobre o assunto, a orientação jurisprudencial do STJ é no sentido de que a inversão do ônus da prova prevista no art. 6º, VIII, do CDC, é regra de instrução e não regra de julgamento, sendo que a decisão que a determinar deve, preferencialmente, ocorrer durante o saneamento do processo ou, quando proferida em momento posterior, garantir a parte a quem incumbia esse ônus a oportunidade de apresentar suas provas. Veja-se: REsp 1395254/SC, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 15/10/2013, DJe 29/11/2013; EREsp 422.778/SP, Rel. Ministro João Otávio de Noronha, Rel. p/ Acórdão Ministra Maria Isabel Gallotti, Segunda Seção, julgado em 29/02/2012, DJe 21/06/2012., AgRg no REsp 1450473 / SC, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, 23.09.2014. Por fim, registre-se que a inversão não pode ocorrer como uma regra de julgamento, surpreendendo o réu e ferindo o princípio do contraditório. É exatamente por essa razão que o CPC, conforme dito alhures, garante a oportunidade ao réu de desincumbir-se do ônus que lhe fora atribuído. d) Hipóteses já verificadas e a resposta jurisdicional para cada uma delas Ao examinar o ônus da prova e a possibilidade de inversão para fins de exame do pedido de tutela, registro ser necessário, então, a análise do periculum in mora e do fumus boni iuris, este último representado pela verossimilhança (qualidade da alegação ser crível ou próximo da realidade) e a hipossuficiência (dificuldade de fazer a prova). Perpassando pelo periculum in mora, sua averiguação deve ser feita com base nos dados do processo, a exemplo da constatação de leilão designado ou procedimento extrajudicial em curso com gravame à parte autora. Caso patente a ausência desse requisito, a liminar pode ser denegada sem necessidade de avançar para o tópico seguinte. Confirmada a presença do periculum in mora, surgem três situações que devem ser examinadas no âmbito do fumus boni iuris, a saber: i) não constatada a verossimilhança das alegações da parte autora, a liminar será indeferida por ausência de fumus boni iuris; ii) verificada a verossimilhança das alegações da parte autora, mas não estando elas provadas (a exemplo de não constar nos autos cópia do procedimento extrajudicial que demonstre o vício alegado) nem verificado o perecimento imediato do direito (a exemplo de leilão não designado para os próximos dias), deverá a liminar ser indeferida, retirada a urgência e facultado à parte autora juntar cópia do procedimento administrativo de venda extrajudicial ou comprovar a recusa, oportunidade na qual deverá requerer novamente urgência na apreciação, observados os parâmetros aqui esclarecidos; e, iii) verificada a verossimilhança das alegações da parte autora, mas não estando elas provadas (a exemplo de não constar nos autos cópia do procedimento extrajudicial que demonstre o vício alegado), havendo, contudo, possibilidade de perecimento imediato do direito (a exemplo de leilão designado para os próximos dias, em tempo que não permitirá ao autor obter da CEF o procedimento administrativo ou comprovar a recusa do fornecimento pela CEF), deverá a liminar ser deferida em parte para: iii.a) determinar o depósito judicial do valor de eventual arrematação do bem no leilão com a informação de que sobre tal valor haverá imediata deliberação judicial; iii.b) ordenar à CEF a imediata juntada do procedimento administrativa direcionada, direcionando-se intimação direta com cominação de multa a quem o custodia; e, iii.c) determinar nova conclusão dos autos com a juntada dos documentos para redefinição dos limites da liminar concedida. Firmadas tais compreensões, volvo-me ao caso concreto. Registro, primeiramente, ser aplicável as alterações promovidas pela Lei n. 13.465/17 na Lei n. 9.514/1997, uma vez que a consolidação da propriedade em favor da Caixa, sob o imóvel dado em garantia fiduciária no contrato habitacional se deu em 19/03/2025 (Id 2198126161), já na vigência das referidas disposições. No que tange à verossimilhança, conquanto as alegações sejam próximas à realidade, não há nenhum início de prova das nulidades alegadas. Por outro lado, vislumbro possibilidade de perecimento imediato do direito, visto que os leilões estão marcados para os próximos dias. Noutra banda, o quesito da hipossuficiência, entendido como a ‘possibilidade do consumidor produzir a prova’, não está devidamente exaurido, já que ausente a demonstração de recusa da instituição financeira e do Cartório de Imóveis no fornecimento da documentação alhures. Em contrapartida, tenho que o caso dos autos deve ser excepcionada a essa exigência em questão, visto que não haverá tempo hábil para a providência referida. Isso suficiente apenas para permitir o acautelamento do resultado de eventual arrematação, à vista do perigo da demora caracterizado pela possível venda já nos próximos dias. Sobre o ponto relativo à notificação acerca dos leilões, é possível constatar, a partir do própria redação da inicial destes autos que a parte autora tem ciência inequívoca dos leilões, antes mesmo de suas realizações. Assim, estaria suprida eventual ausência de notificação pessoal a respeito dos leilões, conforme entendimento da jurisprudência nacional (STJ, QUARTA TURMA, AgInt no AgInt no AREsp: 1897413 SP 2021/0141367-2, Data de Julgamento: 27/06/2022, Data de Publicação: DJe 01/07/2022; (STJ, TERCEIRA TURMA, AgInt no AREsp n. 1.678.642/SP, relator Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, julgado em 1/3/2021, DJe de 9/3/2021). Por fim, registro que, no julgamento do Tema 982 RG, o STF concluiu pela constitucionalidade do procedimento da Lei nº 9.514/1997 para a execução extrajudicial da cláusula de alienação fiduciária em garantia, haja vista sua compatibilidade com as garantias processuais previstas na Constituição Federal Ante o exposto, DEFIRO PARCIALMENTE e, por ora, o pedido de tutela de urgência para: (i) manter os leilões extrajudiciais designados do imóvel “Lote 098” do edital (bem nº 8555503037314 - Id 2198126180, p. 41); (ii) ordenar que seja oficiado ao leiloeiro, via e-mail e contato telefônico (Id 2198126180), para que, caso haja arrematação do imóvel, o valor seja depositado em conta judicial vinculada a este processo, sendo proibido efetuar a transferência do imóvel, com comunicação a este Juízo; (iii) haverá a imediata deliberação judicial da ordem acima, após a adoção das seguintes providências: a) a parte autora fica autorizada a entregar a presente decisão, no prazo de 05 (cinco) dias, diretamente ao cartório registral competente (Id 2198126161), para obter a integralidade do procedimento de consolidação, no que assinalo ao cartório o prazo de 24 horas para fornecimento; b) recebida a documentação do cartório, a parte autora deverá juntar a respectiva cópia nestes autos, no prazo de 24 horas, sob pena de revogação da liminar; c) em sequência, concluam os autos para reapreciação da liminar. Eventual audiência de conciliação será designada após manifestação de interesse da CEF em contestação. Independentemente do cumprimento das determinações acima, cite-se o réu para ciência de todos os atos e termos da presente ação e ainda para, querendo, apresentar contestação no prazo legal, nos moldes do artigo 335 do CPC, oportunidade em que deverá apresentar cópia integral do procedimento de execução extrajudicial. Apresentada a contestação, em ato contínuo, intime-se a parte autora para, no prazo de 15 (quinze) dias, impugná-la, oportunidade em que também deverá especificar as provas que pretende produzir, justificando qual questão de fato trazida na inicial será dirimida por cada prova especificada, advertindo-a de que requerimento genérico ou sua ausência implicarão na preclusão do direito de produzir novas provas nestes autos, ou informar se pretende o julgamento do feito na fase em que se encontra. Em caso de produção de prova documental, esta deverá ser acostada aos autos, no mesmo prazo. Após, intime-se a parte requerida para especificar provas, nos mesmos termos. Caso apresentem prova testemunhal, deverão informar se pretendem que as testemunhas sejam ouvidas neste Juízo Federal, comprometendo-se para tanto a trazê-las a este juízo, em audiência de instrução e julgamento a ser designada pela Secretaria da Vara. Ato contínuo, façam-me os autos conclusos. Defiro os benefícios da Justiça Gratuita. Intimem-se. Cumpra-se. Itumbiara/GO, (data da assinatura eletrônica). (assinado eletronicamente) FRANCISCO VIEIRA NETO Juiz Federal DRS
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