Uber Do Brasil Tecnologia Ltda. x Frederico Peixoto Alencar Itabaiana
ID: 256540692
Tribunal: TRT10
Órgão: 1ª Turma
Classe: RECURSO ORDINáRIO - RITO SUMARíSSIMO
Nº Processo: 0000915-90.2024.5.10.0103
Data de Disponibilização:
15/04/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
JOSEANE DIAS MOREIRA
OAB/PB XXXXXX
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RAFAEL ALFREDI DE MATOS
OAB/BA XXXXXX
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PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA DO TRABALHO TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 10ª REGIÃO 1ª TURMA Relator: DORIVAL BORGES DE SOUZA NETO 0000915-90.2024.5.10.0103 : UBER DO BRASIL TECNOLOGIA LTDA. : F…
PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA DO TRABALHO TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 10ª REGIÃO 1ª TURMA Relator: DORIVAL BORGES DE SOUZA NETO 0000915-90.2024.5.10.0103 : UBER DO BRASIL TECNOLOGIA LTDA. : FREDERICO PEIXOTO ALENCAR ITABAIANA ROCESSO n.º 0000915-90.2024.5.10.0103 - RECURSO ORDINÁRIO - RITO SUMARÍSSIMO (11886) RELATOR : DESEMBARGADOR DORIVAL BORGES RECORRENTE: UBER DO BRASIL TECNOLOGIA LTDA. ADVOGADO : RAFAEL ALFREDI DE MATOS RECORRIDO : FREDERICO PEIXOTO ALENCAR ITABAIANA ADVOGADO : JOSEANE DIAS MOREIRA ORIGEM : 3ª VARA DO TRABALHO DE TAGUATINGA - DF JUÍZA : NOEMIA APARECIDA GARCIA PORTO EMENTA E RELATÓRIO Em se tratando de recurso ordinário em procedimento sumaríssimo, dispensados a ementa e o relatório na forma do artigo 852-I c/c artigo 895, §1º, IV, da CLT. VOTO ADMISSIBILIDADE Atendidos os pressupostos objetivos e subjetivos de admissibilidade, conheço do recurso. Contrarrazões em ordem. MÉRITO COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO. RELAÇÃO DE TRABALHO X RELAÇÃO COMERCIAL. O juízo originário rejeitou a preliminar de incompetência absoluta desta Justiça Especializada para julgar a relação estabelecida entre o reclamante e a empresa ré. A reclamada reafirma a incompetência da Justiça do Trabalho para processar e julgar o pedido de reconhecimento de vínculo empregatício, sob o argumento de que a relação entre as partes é de natureza comercial, e não de trabalho. Assim, requer a reforma da sentença de piso para declarar incompetência absoluta desta Justiça Especializada sobre o tema em questão. Vejamos. De início, é importante salientar que a discussão sobre a competência material não deve se confundir com o exame do mérito da causa. Mesmo que se adote a corrente que defende a extinção do processo por ausência de pressupostos processuais quando o juízo é considerado incompetente em razão da matéria, a análise deve ser abstrata, comparando o conteúdo da causa de pedir e do pedido com as competências do órgão jurisdicional. No caso específico, a ação envolve o pedido de reconhecimento de vínculo de emprego, o que, se não reconhecido, levaria à improcedência do pedido declaratório e, por consequência, dos pedidos condenatórios. Destaca-se que a resolução do mérito é prioritária no direito processual brasileiro, inclusive diante de nulidades processuais ou situações que justifiquem a extinção processual sem análise do mérito. Nesse contexto, a relação estabelecida entre o autor e a empresa de transporte por meio de uma plataforma digital é considerada uma parceria laboral. A Justiça do Trabalho, portanto, é competente para resolver as questões decorrentes do término desse contrato de parceria. A compreensão dessa relação de intermediação da mão de obra autônoma do prestador de serviços, no âmbito das novas relações de trabalho da era digital, é crucial. Mesmo que essas relações não se enquadrem na típica relação de emprego da CLT, elas mantêm a premissa laboral de retorno financeiro por meio da parceria entre o agente de mercado e o agente de trabalho. E a aplicação da Justiça do Trabalho a essas novas relações de trabalho é defendida não apenas como uma resposta histórica à autoridade dos direitos sociais, mas também como uma adaptação política que busca ressignificar os esforços dos trabalhadores em parcerias mais livres e descentralizadas. Ainda que essas relações inovadoras não se encaixem no modelo convencional de emprego formal, elas estão sujeitas à regulação estatal dos direitos sociais. A sindicabilidade desses direitos constitucionais, como o livre exercício da força de trabalho pelos parceiros laborais, está vinculada à história institucional dos direitos laborais, mas com uma perspectiva aberta e inovadora. Nessa linha, cito alguns julgados deste Tribunal Regional e do TST: "1. PRELIMINAR DE INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO. UBER DO BRASIL TECNOLOGIA LTDA. TRABALHO REALIZADO POR MEIO DE PLATAFORMA DIGITAL. 1.1. Quando se fala em relação de trabalho, por óbvio que não se pode fazer a leitura da realidade do Século XXI com as lentes desfocadas ou já ultrapassadas que foram adotadas para enxergar o mundo no Século XX. Querer entender e enquadrar o novo, o futuro, com o pensamento encarcerado no velho, no passado, é a receita mais eficiente para se incorrer no equívoco e no erro de percepção, porque se está a negar o princípio evolutivo que a tudo rege e governa. 1.2. "O trabalho contemporâneo vem sofrendo, rapidamente, uma transformação topológica, uma torção, em que já se percebem três tendências bem nítidas: (i) a crise de valor, sobretudo daquele decorrente do trabalho tradicional, como força de transformação (direta ou linear) da natureza material, (ii) os influxos da nova ciência das redes e a (iii) a desconcentração produtiva, impulsionada pelas inovações disruptivas" (JOSÉ EDUARDO DE RESENDE CHAVES JÚNIOR). 1.3. A despeito da pretensa inovação do modelo econômico trazido pelo trabalho on demand, o trabalho não deixou de se fazer presente, e prestado por uma pessoa humana de modo individual, o que não permite a recusa do status de trabalhador àquele que, com o suor de sua face, busca de forma honesta e digna prover a sua subsistência e a de sua família, conquistando o pão sofrido de cada dia, ainda que por intermédio de uma plataforma digital. 1.4. Em que pese ser defensável a percepção de que as relações travadas no âmbito desse novo modelo econômico habitam uma zona cinzenta, a merecer maiores estudos e uma legislação específica para a sua disciplina e proteção social, prevalece, no entanto, um certo consenso quanto ao fato de que há autêntica e inafastável relação de trabalho humano envolvida, que não pode ser tratada como uma mercadoria (de acordo com a Declaração de Filadélfia da OIT), coisificando a pessoa humana e retirando-lhe a própria dignidade. 1.5. E sendo relação de trabalho, a competência para dirimir as controvérsias dela decorrentes é inequivocamente da Justiça do Trabalho, na forma do art. 114, I, da CLT, conforme orientação mais abalizada da jurisprudência do TRT da 10ª Região e do colendo TST. (...)" (TRT10, ROT 0000468-28.2022.5.10.0021, 2ª Turma, Relatoria do Juiz Convocado Alexandre de Azevedo Silva, Julgado em 18/10/2023 e Publicado em 21/10/2023) "RECURSO DE REVISTA . ACÓRDÃO PUBLICADO NA VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.467/2017. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER CUMULADA COM REPARAÇÃO DE DANOS MATERIAIS AJUIZADA POR MOTORISTA DE APLICATIVO. TRANSCENDÊNCIA JURÍDICA RECONHECIDA. Constata-se, no caso, que a pretensão do autor, consistente na reativação de sua conta no aplicativo 99POP, bem como a condenação da empresa ao pagamento de lucros cessantes pelo suposto descredenciamento indevido, está relacionada à relação de parceria laboral travada com o aplicativo de ativação por demanda de usuários, pelo que emerge a competência jurisdicional da Justiça do Trabalho para dirimir a controvérsia em torno dos danos decorrentes da cessação do contrato de parceria firmado com a empresa prestadora dos serviços de transporte de particulares. É importante compreender essa relação de intermediação da mão de obra autônoma do prestador de serviços no contexto das novas relações de trabalho, que emergem como consequência do desenvolvimento tecnológico eruptivo da revolução 4.0. As relações de trabalho operadas pelos novos meios tecnológicos, à parte de não configurarem em essência a relação jurídica de emprego prevista na CLT, não se afastam da premissa laboral do retorno financeiro guiado pela parceria de trabalho entre agente de mercado e agente de labor, o que no caso das relações entre o aplicativo e o motorista credenciado se desenvolvem por um princípio geral de distribuição equitativa de lucros, incompatível com a relação tradicional de emprego, mas plenamente classificável como relação autônoma de parceria laboral, intermediada por meios digitais próprios das novas formas de oferecimento da mão de obra dinâmica dos trabalhadores não enquadrados no modelo nine-to-five (das nove às cinco), cujo crepúsculo coincide com a emergência das novas demandas de mercado que a citada revolução 4.0 fomenta no seio da relação entre capital, labor e consumo. O alvorecer de uma sociedade 5.0, focada no ser humano e na inventividade atrelada aos novos meios de trabalho, aponta para um progresso dignitário cuja inspiração se encontra atrelada à agenda de sustentabilidade socioambiental e aos modelos ESG ( Enviromental, Social and Governence ) de gestão, os quais tangenciam as boas práticas de mercado e, por conseguinte, refletem-se em novas práticas laborais. Focadas em parcerias produtivas de trabalho, tendentes à valorização das habilidades singulares dos parceiros laborais (e à maximização dos ganhos por critérios individuais de engajamento e retorno), essas novas práticas laborais não deixam de ser ancoradas na função social que rege a capitalização das oportunidades pelo critério de livre iniciativa, já que no mesmo preceito constitucional em que se erige tal pilar como princípio fundante da República coabita a valorização social do trabalho (art. 1º, IV, da Constituição), sendo certo que ambos os aspectos valorativos da norma estão intimamente imbricados à noção sistêmica de relação laboral. Desse modo, o enquadramento jurídico das novas relações de trabalho na seara da Justiça do Trabalho atende, a um só tempo, à premissa histórico-efeitual da autoridade dos direitos sociais, cuja defesa é sediada na Justiça do Trabalho, assim como ao argumento de vanguarda política que impulsiona uma ressignificação necessária dos esforços de trabalhadores em regimes de parceria disruptiva mais livres e descentralizadas de poderes diretivos mais imediatos da força de trabalho. Assim é que se conclui que, em que pese tais relações de trabalho inovadoras já não pertençam ao modelo de produção típico do século XX, forjado pelo emprego formal celetista, nem por isso estão fora do contexto de regulação estatal dos direitos sociais, de modo que a sindicabilidade de direitos constitucionais, entre eles o de livre disposição da força de trabalho pelo parceiro laboral, está imediatamente ligado à história institucional da narrativa dos direitos laborais, embora sob uma perspectiva dialeticamente aberta e nova, que rejeita a simples redução do trabalho ao modelo empírico do emprego. É bem verdade que o engajamento em plataformas de ativação por demanda de usuários está longe de reproduzir todas as dimensões inovadoras do chamado "trabalho 5.0", até porque a função de motorista encontra-se dentro dos critérios de obsolescência programada das atividades monológicas de trabalho. Mas, até por isso, deve ser reforçada a competência jurisdicional desse ramo laboral da Justiça para o exame de tais relações descentralizadas , mas igualmente focadas na matéria-prima labor como condicionante central do objeto contratual firmado entre as partes. Ora, se até mesmo em relações mais sofisticadas de parceria laboral é essencial reconhecer a competência desta Justiça especializada para o processamento de ações entre parceiros e agentes de mercado, com maior razão enxerga-se nessa nova forma de aproximação entre o trabalhador e as oportunidades de trabalho uma semente inexorável da relação de trabalho lato sensu , cuja competência para o exame decorre do critério fixado pelo inciso IX do art. 114 da Constituição Federal, o qual dispõe ser competência desta Justiça especializada o exame de causas que versem sobre "outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho, na forma da lei" . Sendo a relação de intermediação entre o agente de labor e a plataforma de serviço um autêntico contrato de parceria laboral, cuja origem do interesse comum é exatamente o agenciamento do trabalho de transporte pessoal fornecido a terceiros, não há como excluir da competência da Justiça do Trabalho o exame de controvérsia que envolva a hipótese de ruptura do contrato de parceira laboral, bem como os danos emergentes da cessação unilateral desse instrumento individual de contrato firmado com a empresa. Em termos simples, conclui-se que a relação contratual entre essa empresa e seus clientes é consumerista, ao passo que a sua relação com seus prestadores de serviço é uma relação de trabalho lato sensu , o que atrai a competência da Justiça do Trabalho para quaisquer controvérsias que se travem em torno da relação de parceria do trabalho firmada entre os trabalhadores credenciados e a plataforma de serviços. Fixada a competência deste ramo trabalhista o exame da presente causa judicial, merece reforma a decisão do Regional, a fim de que os autos sejam remetidos à Vara do Trabalho para regular processamento e julgamento do feito, como se entender de direito. Recurso de revista conhecido e provido" (RR-443-06.2021.5.21.0001, 5ª Turma, Relator Ministro Breno Medeiros, DEJT 16/12/2022). Ainda que se negue a tese de que existe uma parceria laboral lato sensu entre as partes, a Justiça do Trabalho permanece com a competência para decidir sobre a controvérsia. Isso porque a Justiça do Trabalho é competente para julgar as demandas que envolvem o reconhecimento de vínculo de emprego (artigo 114, I e IX, da CF/88). Se a relação empregatícia vai ser reconhecida ou não, pouco importa na determinação da competência jurisdicional. Afinal, a competência material é determinada pela natureza da causa de pedir e do pedido. Portanto, se o motorista de aplicativo requer direitos trabalhistas decorrentes de suposto vínculo empregatício, cabe à Justiça Trabalhista reconhecer ou negar a existência da relação trabalhista com a plataforma digital. Nesse sentido, transcrevo precedente do TST: "AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA. LEI Nº 13.467/2017. SUMARÍSSIMO. RECLAMADA TRANSCENDÊNCIA. COMPETÊNCIA MATERIAL DA JUSTIÇA DO TRABALHO. VÍNCULO DE EMPREGO DECORRENTE DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS INTERMEDIADA POR PLATAFORMA DIGITAL. TRANSPORTE DE PASSAGEIROS VIA APLICATIVO. 1 - Há transcendência jurídica quando se constata em exame preliminar discussão a respeito de questão nova, ou em vias de construção jurisprudencial, na interpretação da legislação trabalhista. 2 - A controvérsia cinge-se sobre a competência da Justiça do Trabalho para apreciar o feito. A reclamada alega que não se trata de relação de emprego ou de trabalho, de modo que a Justiça Especializada não possui competência material, devendo a ação ser remetida à Justiça Comum. Para o TRT, contudo, esta ação é oriunda de relação de trabalho (art. 114, I, Constituição Federal), tal como todas as demais ações em que haja postulação de declaração de existência de vínculo de emprego acompanhada dos pedidos condenatórios decorrentes dessa relação jurídica. 3 - À Justiça do Trabalho compete processar e julgar ações oriundas das relações de trabalho (art. 114, I, da Constituição Federal), o que compreende, não exclusivamente, mas com maior frequência, as relações de emprego. É patente que o pedido e a causa de pedir expõem, como ponto de partida, pretensão declaratória (art. 19, I, do CPC), à qual se subordinam pretensões condenatórias típicas das relações de emprego. Logo, como a competência para processar e julgar causas em que se pretenda a declaração de existência de vínculo de emprego pertence à Justiça do Trabalho, é este ramo do Poder Judiciário o competente para analisar se, no caso concreto, existe, ou não, relação empregatícia gravada pelos requisitos do art. 3º da CLT, ou elementos que atraiam a aplicação do art. 9º da CLT.4 - Registre-se que não é possível atrair ao debate sobre a competência da Justiça do Trabalho para processar e julgar a presente ação os precedentes que tratam de definição de competência criados para tratar de relações de trabalho distintas, como a do Transportador Autônomo de Cargas, regido pela Lei n. 11.442/2007, a exemplo de quaisquer outras. Afinal, a eficácia erga omnes e o efeito vinculante dos precedentes firmados em controle concentrado de constitucionalidade restringem-se ao dispositivo (art. 28 da Lei n. 9.868/1999), não se estendendo à fundamentação da respectiva ação, já que o ordenamento jurídico brasileiro não suporta a teoria de matriz alemã da transcendência dos motivos determinantes (tragende gründe). Ainda que tal teoria fosse aplicável, não existe, atualmente, precedente de eficácia erga omnes e efeito vinculante que contemple as razões de decidir indispensáveis ao exame da existência de vínculo de emprego entre motorista de aplicativos e empresa que gerencie, mediante algoritmos, plataforma digital de transportes. 5 - Nesses termos, considerando que a ação trata de pedido de reconhecimento de vínculo de emprego, correto o acórdão do TRT que reconheceu a competência da Justiça do Trabalho (...)." (TST - AIRR: 00104797620225150151, Relatora: Ministra Katia Magalhaes Arruda, 6ª Turma, Data de Publicação: DEJT 14/08/2023). Nego provimento. VÍNCULO EMPREGATÍCIO. CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. PLATAFORMAS DIGITAIS. O juízo originário reconheceu o vínculo empregatício entre o reclamante e a reclamada Uber do Brasil Tecnologia Ltda., determinando o pagamento das verbas trabalhistas correspondentes. O reclamante alega que trabalhou como motorista de aplicativo para a reclamada no período de 01/01/2020 a 21/03/2024, sendo posteriormente desligado sem o devido pagamento das verbas rescisórias e sem a anotação da CTPS. Requereu o reconhecimento do vínculo de emprego e a condenação da reclamada ao pagamento das parcelas trabalhistas devidas. A reclamada, por sua vez, argumenta que a relação jurídica entre as partes não configura vínculo empregatício, pois o reclamante tinha autonomia para definir seus horários de trabalho e aceitar ou não as viagens solicitadas pelo aplicativo. Defende, portanto, que a relação entre as partes é puramente comercial e não trabalhista. A sentença proferida pela 3ª Vara do Trabalho de Taguatinga/DF concluiu pelo reconhecimento do vínculo empregatício, entendendo que a Uber exerce ingerência sobre os motoristas, fixando o valor das corridas, controlando a prestação de serviços e aplicando penalidades, o que caracterizaria a subordinação jurídica. A reclamada interpôs recurso ordinário, reiterando a inexistência de vínculo empregatício e invocando precedentes do Tribunal Superior do Trabalho e do Supremo Tribunal Federal, que reconhecem a relação comercial e autônoma entre motoristas de aplicativos e as plataformas digitais. Vejamos. Inicialmente, cabe conceituar o que seja, na prática, a ora reclamada, se uma empresa de prestação de serviços, como definido na sentença, ou uma simples plataforma tecnológica, que faz a intermediação e a aproximação entre pessoas. Nesse particular, precisas são as lições doutrinárias de CAMILA DOS SANTOS REIS e EDILTON MEIRELES (in "O trabalho nas plataformas digitais de entrega delivery", na obra "Trabalho, reformas e Tecnologias", Retrabalho, 2020, p. 187): "[...] Para tanto, é preciso fazer uma distinção entre empresa, plataforma digital e aplicativo. O aplicativo é um programa de computador desenvolvido para instalação e uso nos smartphones. É ele que faz a conexão do usuário com a plataforma digital, responsável por conectar diversos grupos em rede e definir certas regras de governança. Já a plataforma digital é o próprio sistema algoritmo que é programado para controlar e definir as regras do trabalho. Por trás do aplicativo e da plataforma, subsiste uma empresa, responsável por criar, manter e investir nesse sistema de programação algorítmica, a qual suporta certos custos e aufere lucros, sendo ela que fornece as diretrizes de controle e gerenciamento do trabalho. Desse modo, é importante evitar utilizar esses conceitos como sinônimos; fazer esse exercício, seria reduzir o todo, a apenas uma parte (BRASIL, 2020)." As denominadas "plataformas digitais", portanto, são, de fato, "uma empresa de trabalho, não simplesmente uma startup tecnológica, o que significa que elas dependem da disponibilidade e abundância de trabalho barato e de um ambiente regulatório permissivo" (SCHOLZ). Evidenciada esta distinção e identificada a existência de uma empresa no comando e na exploração dessa plataforma digital de serviços, auferindo lucros, cabe, então, analisar se estão presentes os requisitos da relação de emprego, nos moldes perfilhados pela CLT. Além disso, a plataforma digital representa avanço tecnológico presente nas relações de consumo e de prestação de serviços, garantindo ao consumidor/cliente a segurança do serviço prestado ou do produto adquirido, e em contrapartida oferecendo ao vendedor/prestador a garantia do pagamento. As plataformas virtuais têm conquistado rápido e amplo papel nos diversos setores da vida moderna, incrementando e facilitando o acesso a setores ligados ao transporte, ao turismo, ao consumo, ao lazer, à prestação de serviços, sem que isso caracterize desvirtuamento das antigas práticas nas relações entre tomador e prestador de serviços. O fato preponderante a distinguir a relação empregatícia e a prestação de serviço é a subordinação. A subordinação significa um estado de dependência ou obediência que evidencie uma submissão ou sujeição ao poder de outros. Uma relação estabelecida entre pessoas e segundo a qual uma recebe ordens ou incumbências numa posição de dependência. A subordinação jurídica no contrato de trabalho traduz-se num comprometimento do empregado em sujeitar-se ao poder de direção empresarial no modo de realização de sua prestação de serviços. O empregador, em face dessa subordinação jurídica, detém a prerrogativa de determinar as condições para a utilização e aplicação concreta da força de trabalho do empregado, verificar o exato cumprimento da prestação dos serviços, e aplicar penas disciplinares, em caso de inadimplemento de obrigações contratuais. Destaco a independência do autor em aderir a esta ou a outra plataforma digital, ou se desvincular, não representando exclusividade ou limitação de sua autonomia. Outro ponto importante a destacar, mesmo em relação à primeira reclamada, o autor se mantinha no direito de se abster de ser incluído na escala ou de sua disponibilidade. Na oportunidade, convém lembrar que o empregado não detém tal possibilidade, posto que a força laboral é disponibilizada ao empregador, consoante poder diretivo. No caso concreto, verifica-se que a vinculação do autor ao contrato com a plataforma digital constitui adesão às normas desta para fins de colaboração com signatário, que se mantém na qualidade de prestador de serviço. Vale lembrar a independência deste em aderir a esta ou a outra plataforma digital, ou desvincular-se, não representando exclusividade ou limitação de sua autonomia. Outro ponto importante a destacar é a obtenção do lucro diretamente proporcional à atividade desempenhada pelo trabalhador autônomo, sendo que o valor percentual repassado à empresa desenvolvedora da plataforma virtual representa verdadeira parceria pela promoção da publicidade e angariação de clientes ao prestador, no caso, motorista de aplicativo. Nesse sentido seguem os recentes arestos do TST: "RECURSO DE REVISTA OBREIRO - VÍNCULO DE EMPREGO ENTRE O MOTORISTA DE APLICATIVO E A EMPRESA PROVEDORA DA PLATAFORMA DE TECNOLOGIA DA INFORMAÇÃO (UBER) - IMPOSSIBILIDADE DE RECONHECIMENTO DIANTE DA AUSÊNCIA DE SUBORDINAÇÃO JURÍDICA - TRANSCENDÊNCIA JURÍDICA RECONHECIDA - RECURSO DESPROVIDO. 1. Avulta a transcendência jurídica da causa (CLT, art. 896-A, § 1º, IV), na medida em que o pleito de reconhecimento do vínculo de emprego envolvendo os recentes modelos de contratação firmados entre motoristas de aplicativo e empresas provedoras de plataformas de tecnologia por eles utilizadas ainda é nova no âmbito desta Corte, demandando a interpretação da legislação trabalhista em torno da questão . 2. Ademais, deixa-se de aplicar o óbice previsto na Súmula 126 desta Corte, uma vez que os atuais modelos de contratação firmados entre as empresas detentoras da plataforma de tecnologia (Uber) e os motoristas que delas se utilizam são de conhecimento público e notório (art. 374, I, do CPC) e consona com o quadro fático delineado pelo Regional. 3. Em relação às novas formas de trabalho e à incorporação de tecnologias digitais no trato das relações interpessoais - que estão provocando uma transformação profunda no Direito do Trabalho, mas carentes ainda de regulamentação legislativa específica - deve o Estado-Juiz, atento a essas mudanças, distinguir os novos formatos de trabalho daqueles em que se está diante de uma típica fraude à relação de emprego, de modo a não frear o desenvolvimento socioeconômico do país no afã de aplicar regras protetivas do direito laboral a toda e qualquer forma de trabalho. 4. Nesse contexto, analisando, à luz dos arts. 2º e 3º da CLT, a relação existente entre a Uber e os motoristas que se utilizam desse aplicativo para obterem clientes dos seus serviços de transporte, tem-se que: a) quanto à habitualidade, inexiste a obrigação de uma frequência predeterminada ou mínima de labor pelo motorista para o uso do aplicativo, estando a cargo do profissional definir os dias e a constância em que irá trabalhar; b) quanto à subordinação jurídica, a par da ampla autonomia do motorista em escolher os dias , horários e forma de labor, podendo desligar o aplicativo a qualquer momento e pelo tempo que entender necessário, sem nenhuma vinculação a metas determinadas pela Uber ou sanções decorrentes de suas escolhas, a necessidade de observância de cláusulas contratuais (v.g.,valores a serem cobrados, código de conduta, instruções de comportamento, avaliação do motorista pelos clientes), com as correspondentes sanções no caso de descumprimento (para que se preserve a confiabilidade e a manutenção do aplicativo no mercado concorrencial), não significa que haja ingerência no modo de trabalho prestado pelo motorista, reforçando a convicção quanto ao trabalho autônomo a inclusão da categoria de motorista de aplicativo independente, como o motorista da Uber, no rol de atividades permitidas para inscrição como Microempreendedor Individual - MEI, nos termos da Resolução 148/2019 do Comitê Gestor do Simples Nacional; c) quanto à remuneração, o caráter autônomo da prestação de serviços se caracteriza por arcar, o motorista, com os custos da prestação do serviço (manutenção do carro, combustível, IPVA), caber a ele a responsabilidade por eventuais sinistros, multas, atos ilícitos ocorridos, dentre outros (ainda que a empresa provedora da plataforma possa a vir a ser responsabilizada solidariamente em alguns casos), além de os percentuais fixados pela Uber, de cota parte do motorista, entre 75% e 80% do preço pago pelo usuário , serem superiores ao que este Tribunal vem admitindo como suficientes a caracterizar a relação de parceria entre os envolvidos. 5. Já quanto à alegada subordinação estrutural, não cabe ao Poder Judiciário ampliar conceitos jurídicos a fim de reconhecer o vínculo empregatício de profissionais que atuam em novas formas de trabalho, emergentes da dinâmica do mercado concorrencial atual e, principalmente, de desenvolvimentos tecnológicos, nas situações em que não se constata nenhuma fraude, como é o caso das empresas provedoras de aplicativos de tecnologia, que têm como finalidade conectar quem necessita da condução com o motorista credenciado, sendo o serviço prestado de motorista, em si, competência do profissional e apenas uma consequência inerente ao que propõe o dispositivo. 6. Assim sendo, não merece reforma o acórdão regional que não reconheceu o vínculo de emprego pleiteado na presente reclamação, sob o fundamento de ausência de subordinação jurídica entre o motorista e a empresa provedora do aplicativo Uber. Recurso de revista desprovido." (Acórdão 4ª Turma - RR10555-54.2019.5.03.0179, Relator: Ministro Ives Gandra Martins Filho, julgamento: 2/3/2021, publicação: 5/3/2021). "AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO PELA RECLAMANTE. ACÓRDÃO REGIONAL PUBLICADO NA VIGÊNCIA DAS LEIS NºS 13.015/2014 E 13.467/2017. PROCEDIMENTO SUMARÍSSIMO. RELAÇÃO DE EMPREGO. RECONHECIMENTO DE VÍNCULO. TRABALHADOR AUTÔNOMO. MOTORISTA. APLICATIVO. UBER . IMPOSSIBILIDADE. TRANSCENDÊNCIA JURÍDICA RECONHECIDA. NÃO PROVIMENTO. I. Discute-se a possibilidade de reconhecimento de vínculo de emprego entre motorista profissional que desenvolve suas atividades com utilização do aplicativo de tecnologia "Uber" e a sua criadora, Uber do Brasil Tecnologia Ltda. II. Pelo prisma da transcendência, trata-se de questão jurídica nova, uma vez que se refere à interpretação da legislação trabalhista (arts. 2º, 3º, e 6º, da CLT) , sob enfoque em relação ao qual ainda não há jurisprudência consolidada no âmbito do Tribunal Superior do Trabalho ou em decisão de efeito vinculante no Supremo Tribunal Federal. Logo, reconhece-se a transcendência jurídica da causa (art. 896-A, § 1º, IV, da CLT). III. Na hipótese, o Tribunal Regional manteve, pelos próprios fundamentos, a sentença em que se reconheceu a condição de trabalhador autônomo do Reclamante . No particular, houve reconhecimento na instância ordinária de que o Reclamante ostentava ampla autonomia na prestação de serviços, sendo dele o ônus da atividade econômica. Registrou-se, ainda, a ausência de subordinação do trabalhador para com a Reclamada, visto que 'o autor não estava sujeito ao poder diretivo, fiscalizador e punitivo da ré'. Tais premissas são insusceptíveis de revisão ou alteração nessa instância extraordinária, conforme entendimento consagrado na Súmula nº 126 do TST. IV. A relação de emprego definida pela CLT (1943) tem como padrão a relação clássica de trabalho industrial, comercial e de serviços. As novas formas de trabalho devem ser reguladas por lei própria e, enquanto o legislador não a edita, não pode o julgador aplicar indiscriminadamente o padrão da relação de emprego. O contrato regido pela CLT exige a convergência de quatro elementos configuradores: pessoalidade, onerosidade, não eventualidade e subordinação jurídica. Esta decorre do poder hierárquico da empresa e se desdobra nos poderes diretivo, fiscalizador, regulamentar e disciplinar (punitivo) . O enquadramento da relação estabelecida entre o motorista de aplicativo e a respectiva plataforma deve se dar com aquela prevista no ordenamento jurídico com maior afinidade, como é o caso da definida pela Lei nº 11.442/2007, do transportador autônomo, assim configurado aquele que é proprietário do veículo e tem relação de natureza comercial. O STF já declarou constitucional tal enquadramento jurídico de trabalho autônomo (ADC 48, Rel. Min. Roberto Barroso, DJE nº 123, de 18/05/2020), a evidenciar a possibilidade de que nem todo o trabalho pessoal e oneroso deve ser regido pela CLT. V. O trabalho pela plataforma tecnológica - e não para ela -, não atende aos critérios definidos nos artigos 2º e 3º da CLT, pois o usuário-motorista pode dispor livremente quando e se disponibilizará seu serviço de transporte para os usuários-clientes, sem qualquer exigência de trabalho mínimo, de número mínimo de viagens por período, de faturamento mínimo, sem qualquer fiscalização ou punição por esta decisão do motorista, como constou das premissas fáticas incorporadas pelo acórdão Regional, ao manter a sentença de primeiro grau por seus próprios fundamentos, em procedimento sumaríssimo. VI. Sob esse enfoque, fixa-se o seguinte entendimento: o trabalho prestado com a utilização de plataforma tecnológica de gestão de oferta de motoristas-usuários e demanda de clientes-usuários, não se dá para a plataforma e não atende aos elementos configuradores da relação de emprego previstos nos artigos 2º e 3º da CLT, inexistindo, por isso, relação de emprego entre o motorista profissional e a desenvolvedora do aplicativo, o que não acarreta violação do disposto no art. 1º, III e IV, da Constituição Federal . VII . Agravo de instrumento de que se conhece e a que se nega provimento." (AC. 4ª Turma - AIRR 10575-88.2019.5.03.0003, Relator: Ministro Alexandre Luiz Ramos, julgamento: 9/9/2020, publicação: 11/9/2020). "AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA. ACÓRDÃO PUBLICADO NA VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.015/2014. VÍNCULO DE EMPREGO. MOTORISTA. UBER. AUSÊNCIA DE SUBORDINAÇÃO. Em razão de provável caracterização de ofensa ao art. 3º, da CLT, dá-se provimento ao agravo de instrumento para determinar o prosseguimento do recurso de revista. Agravo de instrumento provido. RECURSO DE REVISTA. ACÓRDÃO PUBLICADO NA VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.015/2014. VÍNCULO DE EMPREGO. MOTORISTA. UBER. AUSÊNCIA DE SUBORDINAÇÃO. TRANSCENDÊNCIA JURÍDICA RECONHECIDA. Destaque-se, de início, que o reexame do caso não demanda o revolvimento de fatos e provas dos autos, isso porque a transcrição do depoimento pessoal do autor no acórdão recorrido contempla elemento fático hábil ao reconhecimento da confissão quanto à autonomia na prestação de serviços. Com efeito, o reclamante admite expressamente a possibilidade de ficar " off line" , sem delimitação de tempo, circunstância que indica a ausência completa e voluntária da prestação dos serviços em exame, que só ocorre em ambiente virtual. Tal fato traduz, na prática, a ampla flexibilidade do autor em determinar sua rotina, seus horários de trabalho, locais que deseja atuar e quantidade de clientes que pretende atender por dia. Tal auto-determinação é incompatível com o reconhecimento da relação de emprego, que tem como pressuposto básico a subordinação, elemento no qual se funda a distinção com o trabalho autônomo. Não bastasse a confissão do reclamante quanto à autonomia para o desempenho de suas atividades, é fato incontroverso nos autos que o reclamante aderiu aos serviços de intermediação digital prestados pela reclamada, utilizando-se de aplicativo que oferece interface entre motoristas previamente cadastrados e usuários dos serviços. Dentre os termos e condições relacionados aos referidos serviços, está a reserva ao motorista do equivalente a 75% a 80% do valor pago pelo usuário , conforme consignado pelo e. TRT. O referido percentual revela-se superior ao que esta Corte vem admitindo como bastante à caracterização da relação de parceria entre os envolvidos, uma vez que o rateio do valor do serviço em alto percentual a uma das partes evidencia vantagem remuneratória não condizente com o liame de emprego. Precedentes. Recurso de revista conhecido e provido." (Ac. 5ª Turma - RR 1000123-89.2017.5.02.0038, Relator: Ministro Breno Medeiros, julgamento: 5/2/2020, publicação: 7/2/2020). "AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA. MOTORISTA APLICATIVO CABIFY. VÍNCULO EMPREGATÍCIO. O Tribunal Regional consignou que havia enorme autonomia na prestação de serviços do reclamante, incompatível com a existência de vínculo de emprego, concluindo que o recorrente não estava sujeito a um efetivo poder diretivo exercido pela reclamada, desempenhando suas atividades com autonomia e conforme sua conveniência. Decidir de maneira diversa encontra óbice na Súmula nº 126/TST. Assim, ilesos os arts. 2º, 3º e 818 da CLT. Agravo de instrumento conhecido e não provido." (AC. 8ª Turma - AIRR 1002011-63.2017.5.02.0048, Relatora: Ministra Dora Maria da Costa, julgamento: 23/10/2019, publicação: 25/10/2019). "AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA. MOTORISTA DE APLICATIVO. AUTONOMIA NA PRESTAÇÃO DOS SERVIÇOS. VÍNCULO EMPREGATÍCIO NÃO CONFIGURADO. O Tribunal Regional consignou que os elementos dos autos demonstram autonomia do reclamante na prestação dos serviços, especialmente pela ausência de prova robusta acerca da subordinação jurídica. Ademais, restando incontroverso nos autos que, 'pelos serviços prestados aos usuários, o motorista do UBER, como o reclamante aufere 75% do total bruto arrecadado como remuneração, enquanto que a quantia equivalente a 25% era destinada à reclamada (petição inicial - item 27 - id. 47af69d), como pagamento pelo fornecimento do aplicativo', ressaltou o Tribunal Regional que, 'pelo critério utilizado na divisão dos valores arrecadados, a situação se aproxima mais de um regime de parceria, mediante o qual o reclamante utilizava a plataforma digital disponibilizada pela reclamada, em troca da destinação de um percentual relevante, calculado sobre a quantia efetivamente auferida com os serviços prestados'. Óbice da Súmula nº 126 do TST. Incólumes os artigos 1º, III e IV, da Constituição Federal e 2º, 3º e 6º, parágrafo único, da CLT. Agravo de instrumento conhecido e não provido." (AC. 8ª Turma - AIRR 11199-47.2017.5.03.0185, Relatora: Ministra Dora Maria da Costa, julgamento: 18/12/2018, publicação: 31/1/2019). Nesse sentido, dou provimento ao recurso ordinário da reclamada, para reformar a sentença e afastar o reconhecimento do vínculo empregatício entre as partes, excluindo da condenação o pagamento das verbas trabalhistas e rescisórias, e da indenização por dano moral. CONCLUSÃO Pelo exposto, conheço do recurso ordinário da reclamada e, no mérito, dou provimento aos recursos patronais para afastar o reconhecimento do vínculo empregatício e, consequentemente, excluir da condenação o pagamento das verbas trabalhistas e rescisórias, e da indenização por dano moral, nos termos da fundamentação. Em razão do decidido, inverto o ônus da sucumbência e condeno o reclamante ao pagamento das custas processuais no importe de R$ 300,00, calculadas sobre o montante de R$ 15.000,00, valor atribuído à causa, dispensado do recolhimento por ser beneficiário da justiça gratuita, nos termos do art. 790-A da CLT. Acórdão ACORDAM os Desembargadores da Primeira Turma do Tribunal Regional do Trabalho da Décima Região, por unanimidade, conhecer do recurso ordinário da reclamada e, no mérito, por maioria, dar provimento ao recurso patronal para afastar o reconhecimento do vínculo empregatício e, consequentemente, excluir da condenação o pagamento das verbas trabalhistas e rescisórias. Em razão do decidido, inverte-se o ônus da sucumbência e condena-se o reclamante ao pagamento das custas processuais no importe de R$ 300,00, calculadas sobre o montante de R$ 15.000,00, valor atribuído à causa, dispensado do recolhimento por ser beneficiário da justiça gratuita, nos termos do art. 790-A da CLT. Tudo nos termos do voto do Desembargador Relator. Vencido o Des. Grijalbo Coutinho, que juntará declaração de voto. Julgamento ocorrido sob a Presidência do Desembargador Grijalbo Coutinho, com a participação dos Desembargadores André R. P. V. Damasceno, Dorival Borges e do Juiz convocado Luiz Henrique Marques da Rocha. Ausentes, justificadamente, as Desembargadoras Flávia Falcão (na direção da Escola Judicial), Elaine Vasconcelos (em licença médica) e o Juiz convocado Denilson B. Coêlho (em gozo de férias). Pelo MPT, o Dr. Erlan José Peixoto do Prado (Procurador Regional do Trabalho), que opinou pelo prosseguimento do recurso. Presente o advogado Dr. Felipe Maia. Sessão Ordinária Presencial de 9 de abril de 2025 (data do julgamento). DORIVAL BORGES Desembargador Relator DECLARAÇÃO DE VOTO Voto do(a) Des(a). GRIJALBO FERNANDES COUTINHO / Desembargador Grijalbo Fernandes Coutinho Destaquei para divergir e manter a sentença pelos seus próprios e jurídicos fundamentos a seguir transcritos de maneira literal,quanto ao RECONHECIMENTO DO VÍNCULO DE EMPREGO ENTRE O RECLAMANTE MOTORISTA E A UBER: "VÍNCULO DE EMPREGO Segundo os termos da inicial, o reclamante foi admitido pela reclamada em 01/01/2020 e foi desligado em 21/03/2024, sem justa motivação. Sua remuneração era de R$ 800,00. Postula o reconhecimento do vínculo de emprego e, por decorrência, o pagamento das parcelas que arrola. A reclamada se defende, refuta o vínculo de emprego e alega que apenas oferece uma plataforma digital, um aplicativo, no qual motoristas, que são trabalhadores independentes, com o intuito de incrementar seus ganhos, cadastram-se e passam a receber as solicitações de viagens dos usuários. Em suma, a tarefa da reclamada é apenas conectar motorista e clientes. Admitida a prestação de serviços, mas negada a relação de emprego, competia à reclamada comprovar o trabalho autônomo alegado em defesa, na forma dos artigos 818, da CLT e 373, II, do CPC. O contexto probatório dos autos é elucidativo quanto à inexistência da alegada economia de compartilhamento, segundo a qual a reclamada seria apenas a fornecedora de uma plataforma de conexão entre motorista e clientes. Trata-se, ao contrário, da "economia de bico" que, no caso do autor, sequer se verificou na medida em que sua dedicação ao trabalho de dirigir transportando clientes da reclamada era feito diariamente, em dias comerciais. Os clientes não eram do motorista, mas, sim, da Uber. Com efeito, a atividade econômica desenvolvida pela reclamada é a de oferecer ao consumidor um serviço de transporte por aplicativo. Para isso, cadastra na plataforma os diversos motoristas a que chama de "parceiros". A nomenclatura "parceiros" tem apenas o intuito de velar a existência de uma relação de trabalho dependente (art. 9º da CLT). Os termos contratuais impostos pela reclamada, entretanto, assemelham-se, em muito, ao conhecido contrato de adesão do direito do consumidor. A reclamada juntou aos autos como prova emprestada o depoimento da testemunha Walter Tadeu Martins, ouvida nos autos do processo 10200-28.2022.5.03.0021, em que afirmou que "não tem poder para definir valores a serem cobrados por viagens". Verifica-se, portanto, que o trabalhador não estabelece a precificação. A definição do preço está sob o comando da empresa de transporte de passageiros (Uber), elemento decisivo para afastar a hipótese de autonomia. Além disso, o depoimento da testemunha Anderson Machado da Silva nos autos do processo 664-31.2023.5.13.0004, juntado como prova emprestada pelo reclamante, indica que "se cancelar algumas corridas é bloqueado temporariamente e se continuar pode ser bloqueado definitivamente; [...] que se tiver avaliação baixa a Uber não manda corridas; que em João Pessoa não tem mais um prédio da Uber e esta não avisa o motivo de bloqueio; que tanto há punição para recusa, que é anterior à aceitação, e pelo cancelamento, que é posterior à aceitação; que por exemplo se aceitar e cancelar por ser área de risco recebe mensagem dizendo que será bloqueado; [...] que pode ter avaliação negativa em razão da taxa de aceitação, ou seja, se recusar corridas "sua avaliação vai lá para baixo";". Afirma, ainda, que "é necessário que o veículo esteja limpo e que no horário de pico o motorista esteja on line; que a empresa, nos horários de pico, e em que está tendo muita demanda, obriga o motorista a se deslocar sem passageiro para o referido local, e se não aceitar baixa a taxa de aceitação; que indagado se isso era uma sugestão ou determinação, respondeu que em tese é sugestão, mas se não atender a solicitação sua taxa fica baixa e as corridas são reduzidas". Ora, vê-se que o motorista não é livre para fixar o preço de seu serviço, tampouco o é quanto à aceitação ou não da corrida, já que há um limite para recusas. Na realidade, como os ganhos do reclamante estão atrelados ao número de corridas realizadas, a punição pela recusa com o bloqueio de acesso à plataforma implica em acentuado prejuízo aos seu parcos ganhos diários, compelindo-o indiretamente a aceitar várias corridas no decorrer da jornada. Não há liberdade para trabalhar e tirar folgas quando bem entender, mas um estímulo à realização de longas jornadas. O elemento da subordinação restou comprovado pela prova dos autos. No mais, destaque-se que o fato de o trabalhador ter liberdade de horário é elemento acessório e não central para a caracterização do vínculo de emprego. Há trabalhadores empregados com flexibilidade e que nem por isso deixam de ser empregados, como em alguns casos de trabalho a domicílio, teletrabalho ou trabalho externo. O que define a existência ou não do vínculo de emprego são os elementos centrais, e não acessórios. Diga-se, ainda, que a prestação de serviços eventual, englobando atividade com organização própria, é retrato absolutamente distante da realidade dos autos. Não houve assunção de riscos pelo trabalhador e, sim, o repasse, ilegal, dos riscos da atividade econômica àquele que não aufere lucro e não tem ingerência sobre a organização produtiva (art. 2º da CLT). Para além dos marcos representativos dos arts. 2º e 3º da CLT, o presente enquadramento autoriza trazer-se a lume o conceito de subordinação , referido pelo Exmo. Ministro Maurício Godinho Delgado, algorítmica no julgamento do RR - 100353-02.2017.5.01.0066, que bem se amolda ao caso presente: "Agregue-se, se não bastasse, uma quarta dimensão da subordinação, dita algorítmica - própria do novo contexto empresarial, em que o empresário passa a usar uma pletora de mecanismos telemáticos, computadorizados, internáuticos, hiper-minuciosos e sensíveis a quaisquer movimentos dos seres humanos e máquinas envolvidos na dinâmica ou órbita de interesse do empreendimento estruturado. Trata-se da denominada subordinação algorítmica , muito bem lembrada pelo Ministro Alberto Bresciani, componente da Terceira Turma do TST até o dia 22 de dezembro de 2021 - data de sua aposentadoria -, conforme exposto em seu voto vistor harmônico ao voto deste relator. Ao mencionar a subordinação algorítmica no caso concreto, o Ministro Alberto Bresciani enfatiza " destaque para o fato de que a flexibilidade na escolha do horário de trabalho não significa autonomia, constituindo mera cláusula do contrato de emprego. Tanto que o reclamante foi desligado como punição, com base em avaliações". Conforme exposto, no caso dos autos, os fatos retratados no acórdão regional demonstram que o trabalho do Reclamante era efetivamente controlado pela Empresa, que assumia integralmente a direção sobre a atividade econômica e sobre o modo de realização da prestação de serviço, inclusive com a manifestação disciplinar do poder empregatício. A esse respeito, destacam-se as seguintes premissas que se extraem do acórdão regional, incompatíveis com a suposta autonomia e liberdade do trabalhador na execução do trabalho: 1) a Reclamada organizava unilateralmente as chamadas dos seus clientes/passageiros e indicava os motoristas para prestar os serviços ; 2) exigia a permanência do Reclamante conectado à plataforma digital para prestar os serviços , sob risco de descredenciamento da plataforma digital (perda do trabalho); 3) avaliava continuamente a performance dos motoristas, por meio de um controle telemático e pulverizado da qualidade dos serviços a partir da tecnologia da plataforma digital e das notas atribuídas pelos clientes/passageiros ao trabalhador. Tal sistemática servia, inclusive, de parâmetro para o descredenciamento da plataforma digital - perda do trabalho -, caso o obreiro não alcançasse uma média mínima; 4) a prestação de serviços se desenvolveu diariamente, durante o período da relação de trabalho, com intenso controle da Reclamada sobre o trabalho prestado e a observância de suas diretrizes organizacionais, por meio da plataforma digital (meio telemático) e da participação difusa dos seus clientes/passageiros . Saliente-se ser fato notório (art. 337, I, do CPC/15) que a Reclamada é quem estabelece unilateralmente os parâmetros mais essenciais da forma de prestação dos serviços e da dinâmica de funcionamento da atividade econômica, como, por exemplo, a exigência de idade mínima dos automóveis utilizados pelos trabalhadores, bem como a definição do preço da corrida e do quilômetro rodado no âmbito de sua plataforma digital". Desse quadro, percebe-se a configuração da subordinação jurídica nas diversas dimensões: a) a clássica, em face da existência de ordens diretas da Reclamada promovidas por meios remotos e digitais (art. 6º, parágrafo primeiro, da CLT), demonstrando a existência da assimetria poder de direção/subordinação e, ainda, os aspectos diretivo, regulamentar, fiscalizatório e disciplinar do poder empregatício; b) a objetiva, tendo em vista o trabalho executado estritamente alinhado aos objetivos empresariais; c) a estrutural, mediante a inteira inserção do profissional contratado na organização da atividade econômica desempenhada pela Reclamada, em sua dinâmica de funcionamento e na cultura jurídica e organizacional nela preponderante; d) e, por fim, a subordinação algorítmica , em vista de a empresa valer-se de um sistema sofisticado de arregimentação, gestão, supervisão, avaliação e controle de mão de obra intensiva, à base de ferramentas computadorizadas, internáuticas, eletrônicas, de inteligência artificial e hiper-sensíveis, aptas a arquitetarem e manterem um poder de controle empresarial minucioso sobre o modo de organização e de prestação dos serviços de transportes justificadores da existência e da lucratividade da empresa reclamada. Saliente-se, por oportuno, que a suposta liberdade para definir seus horários de trabalho e de folgas, para manter-se ligado, ou não, à plataforma digital, bem como o fato de o Reclamante ser detentor e mantenedor de um instrumento de trabalho - no caso, o automóvel utilizado para o transporte de pessoas -, a par de um telefone celular, são circunstâncias que, considerado todo o contexto probatório, não têm o condão de definir o trabalho como autônomo e afastar a configuração do vínculo de emprego". A promessa constitucional é de uma proteção jurídica irradiante como forma de concretização do primado da dignidade humana. Neste contexto democrático, o trabalho não deve ser tratado como mero evento econômico, mas como expressão da liberdade e do exercício de um direito. Desse modo, a Constituição do Brasil aponta para um sistema jurídico que reconhece a proteção ao trabalho como direito fundamental. Imperioso, portanto, o reconhecimento da modalidade empregatícia, enquanto fonte de proteção jurídica ao trabalho humano desenvolvido, sob a administração, coordenação e poder da reclamada. Acrescente-se, ainda, que a prática adotada pela reclamada deve ser considerada nula e ilegal na esteira do já referido o art. 9º da CLT. Destaque-se que, em contestação, a reclamada reconhece que o autor prestou serviços como motorista pelo período de 19/08/2019 a 20/03/2024, conforme histórico de viagens juntado aos autos (Id. ee4c231). Destarte, observados os limites da inicial, reconheço a existência de vínculo de emprego pelo período de 01/01/2020 a 20/03/2024, acrescentando-se, ainda, que a prática adotada pela reclamada deve ser considerada nula e ilegal na esteira, ainda, do já referido o art. 9º da CLT." Conheço e nego provimento ao recurso da reclamada para manter a sentença pelos seus fundamentos antes transcritos literalmente. BRASILIA/DF, 14 de abril de 2025. ERIVELTO ANTONIO D ANUNCIACAO, Diretor de Secretaria
Intimado(s) / Citado(s)
- FREDERICO PEIXOTO ALENCAR ITABAIANA
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