Processo nº 5236104-18.2025.8.09.0066
ID: 316902287
Tribunal: TJGO
Órgão: Goiás - Juizado Especial Cível
Classe: PROCEDIMENTO DO JUIZADO ESPECIAL CíVEL
Nº Processo: 5236104-18.2025.8.09.0066
Data de Disponibilização:
04/07/2025
Polo Ativo:
Advogados:
PAULO EDUARDO SILVA RAMOS
OAB/RS XXXXXX
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PODER JUDICIÁRIOTribunal de Justiça do Estado de GoiásGoiás - Juizado Especial Cívelgabvarjudgoias@tjgo.jus.brAção: PROCESSO CÍVEL E DO TRABALHO -> Processo de Conhecimento -> Procedimento de Conheci…
PODER JUDICIÁRIOTribunal de Justiça do Estado de GoiásGoiás - Juizado Especial Cívelgabvarjudgoias@tjgo.jus.brAção: PROCESSO CÍVEL E DO TRABALHO -> Processo de Conhecimento -> Procedimento de Conhecimento -> Procedimento do Juizado Especial CívelProcesso n.: 5236104-18.2025.8.09.0066Polo Ativo: Maria Aparecida Pereira CardosoPolo Passivo: Facta Financeira S.a. Credito, Financiamento E Investimento SENTENÇA Trata-se de “ação declaratória de inexistência de relação contratual c/c ação de repetição de indébito e ação de danos morais” ajuizada por Maria Aparecida Pereira Cardoso em desfavor de Facta Financeira S/A Credito, Financiamento e Investimento, ambos qualificados.A autora narra em sua inicial que recebe dois benefícios previdenciários, notando, em ambos, descontos indevidos. Posteriormente, descobrira, que os descontos seriam provenientes de um empréstimo na modalidade cartão de crédito consignado. Diante desse contexto fático, ajuizou a presente ação visando a declaração de nulidade dos contratos de adesão ao cartão de crédito consignado, a devolução, em dobro, dos valores indevidamente descontados e a condenação da reclamada ao pagamento de indenização. Em sua contestação, a reclamada sustenta que a reclamante estava ciente da modalidade de empréstimo contratada. Aduz, ainda, que a parte autora teria efetuado saques utilizando o cartão de crédito. Defendeu a ausência de danos morais e danos materiais (ev. 20). É o breve relatório, embora dispensável por força do art. 38 da Lei n. 9.099/95. Decido.O feito encontra apto para julgamento, sendo dispensada a incursão do processo na fase instrutória, razão pela qual procedo ao julgamento antecipado do mérito, como autorizado no art. 355, inciso I, do Código de Processo Civil. O processo encontra-se em ordem, não havendo irregularidades ou nulidades a serem sanadas.Ressalto que o processo teve tramitação normal e foram observados os interesses dos sujeitos da relação processual quanto ao contraditório e ampla defesa. E, ainda, que estão presentes os pressupostos processuais e as condições da ação.I. PreliminaresIncompetência dos Juizados Especiais A parte reclamada suscita a incompetência deste Juizado Especial Cível, sob a alegação de que há necessidade de prova pericial, o que evidenciaria a complexidade da demanda e, por conseguinte, afastaria a competência do Juízo nos termos do art. 3º da Lei n. 9.099/95.Contudo, tal alegação não merece acolhimento. Os elementos constantes dos autos são suficientes para a adequada formação do convencimento, não havendo controvérsia técnica que justifique a produção de laudo pericial. A prova requerida mostra-se desnecessária e, no contexto, representaria medida protelatória.Dessa forma, afasto a preliminar de incompetência deste Juízo, mantendo-se a tramitação do feito no âmbito do Juizado Especial Cível.SupressioInicialmente, não deve prosperar o pedido de aplicação do instituto da supressio ao caso, pois a mera aceitação ao depósito realizado não pode se constituir como prova de regularidade da contratação já que, em suas razões, a requerente afirma não ter contratado o empréstimo na modalidade cartão de crédito consignado.Sendo assim, não é crível esperar que o recebimento do crédito lhe causaria estranheza, se a aquisição foi por ela efetuada e reconhecida, ainda que em modalidade diversa da realmente concretizada.Por isso, afasto a preliminar aventada.II. MéritoA relação jurídica existente entre as partes é qualificada como de consumo, nos termos do art. 2° e 3°, ambos do CDC. Tal diploma legal assegura a facilitação da defesa dos direitos do consumidor (art. 6°, inciso VIII, do CDC) e estabelece que na formação de contrato entre consumidor e fornecedor, deve ser observado os princípios da informação e da transparência, para possibilitar uma relação contratual menos danosa para ambas as partes, conforme inciso III do art. 6° do CDC.Ademais, conforme entendimento já sumulado: “STJ. Súmula 297. O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras.”a) Benefício de aposentadoria por idade n. 155.610.818-1Inicialmente, tem-se que a discussão cinge-se em torno da legalidade e licitude da natureza do negócio jurídico celebrado entre as partes, o qual trata-se de "cartão consignado de benefício (RCC)", modalidade diversa do "cartão de crédito consignado (RMC)".No que pertine a contratação de cartão consignado de benefício (RCC), cediço que é um produto financeiro disponibilizado aos segurados do INSS desde 10 de novembro de 2022 e que, para ter acesso a esse serviço, o beneficiário precisa fazer uma Reserva de Cartão Consignado - RCC, na margem consignável, sendo que a Instrução Normativa PRESS/INSS n. 138, de 10 de novembro de 2022, estabelece:Seção I Das Definições BásicasArt. 3º O crédito consignado, cujas parcelas contratadas são deduzidas diretamente do pagamento mensal do benefício, compreende as seguintes modalidades:I - empréstimo pessoal;II - cartão de crédito; eIII - cartão consignado de benefício.Art. 4º Para os fins desta Instrução Normativa, considera-se:I - empréstimo pessoal: a modalidade de crédito concedida exclusivamente por instituição financeira para empréstimo de dinheiro, cujo pagamento é realizado por desconto de parcelas mensais fixas no benefício do contratante;II - Reserva de Margem Consignável - RMC: indica a contratação de um cartão de crédito;III - Reserva de Cartão Consignado - RCC: indica contratação de cartão consignado de benefício;IV - cartão de crédito: a modalidade de crédito concedida por instituição consignatária acordante ao titular do benefício, para ser movimentado até o limite previamente estabelecido, por meio do respectivo cartão;V - cartão consignado de benefício: a forma de operação concedida por instituição consignatária acordante para contratação e financiamento de bens, de despesas decorrentes de serviços e saques, e concessão de outros benefícios vinculados ao respectivo cartão;[…] Seção II Da Reserva de Margem Consignável - RMC, do Cartão de Crédito, da Reserva de Cartão Consignado - RCC e do Cartão Consignado de BenefícioArt. 15. Os beneficiários, sem limite de idade, poderão constituir RMC para utilização de cartão de crédito e RCC para utilização do cartão consignado de benefício, observados os seguintes critérios pela instituição consignatária acordante:I - a constituição de RMC/RCC está condicionada à solicitação formal firmada pelo titular do benefício, por reconhecimento biométrico;II - em todos os casos deverá ser utilizado o Termo de Consentimento Esclarecido - TCE, nos termos da decisão homologatória de acordo firmado na Ação Civil Pública nº 0106890-28.2015.4.01.3700, que constará de página única reservada exclusivamente para este fim, constituindo-se instrumento apartado para formalização desta contratação, o qual deverá conter as informações descritas no Anexo I;III - deverá ser feito o envio, no ato da contratação, do material informativo para melhor compreensão do produto;IV - o limite máximo concedido no cartão para o pagamento de despesas contraídas com a finalidade de compras e saques é de 1,60 (um inteiro e sessenta centésimos) vez o valor da renda mensal do benefício;V - o valor disponível para saque é de até 70% (setenta por cento) do limite do cartão;VI - a taxa de juros não poderá ser superior a 3,06% (três inteiros e seis centésimos por cento) ao mês, e deverá expressar o custo efetivo total (CET);VII - a entrega do cartão, em meio físico, deverá ser feita ao titular do benefício;VIII - enviar, mensalmente, fatura em meio físico ou eletrônico, respeitada a opção do beneficiário, com informações essenciais mínimas em destaque, descrição detalhada das operações realizadas, na qual conste o valor de cada operação e, sendo o caso, a quantidade de parcelas, o local onde foram efetivadas, bem como o número de telefone e o endereço para a solução de dúvidas;[…] § 4º No cartão consignado de benefício, a liquidação do saldo da fatura:I - dos saques, será em parcelas mensais de mesmo valor, limitado ao número de prestações, conforme previsto no inciso VI do art. 5º, e no momento da contratação, obrigatoriamente, seja dada plena ciência dos prazos, taxas de juros e valores, sendo vedado o crédito rotativo; eII - das compras, quando não realizada integralmente no vencimento da fatura, somente pode ser objeto de crédito rotativo até o vencimento da fatura subsequente, após será em parcelas mensais de mesmo valor, limitado ao número de prestações, conforme previsto no inciso VI do art. 5º.§ 5º Nos casos do uso de saque no cartão consignado de benefício, o valor deverá ser obrigatoriamente depositado integralmente, sem descontos, salvo nos casos de refinanciamento e repactuação do próprio cartão consignado de benefício, ou compensação de outras dívidas com a própria instituição consignatária emissora do referido cartão. […]Desse modo, cartão consignado de benefício (RCC), além da possibilidade da contratação de créditos e financiamentos, é permitido, ainda, aos titulares, realizar compras e saques.No caso em apreço, embora a autora alegue desconhecer a contratação, a proposta de adesão juntada no ev. 20, arq. 06, demonstra que o contrato foi assinado digitalmente por ela, constando geolocalização indicativa desta Comarca (-15.935449482714104,-50.142974922294044). Ainda, houve a apresentação da fotografia do rosto da autora, no momento da assinatura do cartão. Assim, entendo que há relação contratual válida entre as partes.Ademais, é incontestável que o valor referente ao empréstimo foi depositado em conta bancária de titularidade da parte autora, conforme comprovante de pagamento juntado ao ev. 20, arq. 08, fato que não foi impugnado pelo autor.À vista disso, no presente caso, nota-se que a autora, em verdade, tinha a intenção de contratar um empréstimo consignado pessoal e não cartão de crédito consignado vinculado ao seu benefício.O art. 46 do CDC garante que:Art. 46. Os contratos que regulam as relações de consumo não obrigarão os consumidores, se não lhes for dada à oportunidade de tomar conhecimento prévio de seu conteúdo, ou se os respectivos instrumentos forem redigidos de modo a dificultar a compreensão de seu sentido e alcance.O art. 6º, inciso III, do CDC estabelece que é direito básico do consumidor receber informação clara, adequada e com especificação correta, de modo a resguardá-lo nos negócios jurídicos submetidos à norma consumerista. Tal exigência também decorre de um dos deveres anexos ao princípio da boa-fé objetiva, previsto no art. 422 do CC.Esse requisito visa compatibilizar o princípio da livre manifestação de vontade com a natureza específica das relações de consumo, nas quais o consumidor se encontra em situação de evidente vulnerabilidade técnica, econômica e jurídica. Assim, é dever das instituições financeiras fornecerem informações suficientes sobre o produto contratado, de modo que o consumidor possa utilizá-lo de forma consciente e segura.E, ainda, o art. 31 do CDC:Art. 31. A oferta e apresentação de produtos ou serviços devem assegurar informações corretas, claras, precisas, ostensivas e em língua portuguesa sobre suas características, qualidades, quantidade, composição, preço, garantia, prazos de validade e origem, entre outros dados, bem como sobre os riscos que apresentam à saúde e segurança dos consumidores.Desse modo, no presente caso, embora os termos de adesão façam menção à contratação de cartão de crédito consignado com Reserva de Margem Consignável (RCC), não restou demonstrado que a parte autora tenha realizado compras ou saques por meio do referido cartão, porquanto não houve a juntada de faturas pela parte reclamada. Ressalte-se que a Transferência Eletrônica de Dinheiro (TED) não se equipara a saque, pois não evidencia, o uso típico e rotativo de um cartão de crédito.Diante disso, o contrato em análise deve ser interpretado como contrato de crédito pessoal consignado, uma vez que se trata de desconto em folha de pagamento, devendo-se observar a real natureza da operação para restabelecer o equilíbrio na relação entre fornecedor e consumidor.Nesse sentido:Apelação – Ação declaratória cumulada com pedido indenizatório – Empréstimo realizado via cartão consignado de benefício, com reserva de cartão consignado (RCC) – Autor que acreditava ter assinado apenas contrato de empréstimo consignado e se viu surpreendido com descontos mensais em seus proventos de aposentadoria – Não comprovação de uso do plástico - Empréstimo firmado entre as partes realizado por meio de transferência bancária, sem uso do cartão - Descontos mensais que abatem minimamente a dívida principal - Eternização do débito - Falha na prestação do serviço - Onerosidade excessiva para o consumidor – Incidência do disposto pelo artigo 51, inciso IV, da Lei nº 8.078/1990, para declarar a ilegalidade do contrato – Conversão do contrato controvertido (cartão consignado de benefício) em empréstimo consignado, com aplicação da taxa média de juros vigentes à época da contratação e descontos mensais que não superem 30% dos rendimentos líquidos da autora (limite vigente à época da contratação) – Descabimento, todavia, da pretensão de repetição de valores – Ante a existência de hígidos contratos de mútuos consignados, os valores já descontados devem ser abatidos dos saldos devedores em aberto - Dano moral evidenciado – Recurso a que se dá parcial provimento. (TJ-SP - Apelação Cível: 1024444-95.2023 .8.26.0577 São José dos Campos, Relator.: Mauro Conti Machado, Data de Julgamento: 26/04/2024, 16ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 26/04/2024) (grifei)DIREITO DO CONSUMIDOR E BANCÁRIO. APELAÇÃO CÍVEL. CONTRATAÇÃO DE CARTÃO DE CRÉDITO CONSIGNADO (RCC). VÍCIO DE CONSENTIMENTO CONFIGURADO . CONVERSÃO DO CONTRATO PARA EMPRÉSTIMO CONSIGNADO. REPETIÇÃO EM DOBRO. INEXISTÊNCIA DE DANO MORAL. RECURSO DO AUTOR PROVIDO EM PARTE . I. CASO EM EXAME 1. Recurso de apelação interposto contra sentença que julgou improcedente pedido de declaração de nulidade de contrato de cartão de crédito consignado, cumulada com restituição de valores e indenização por dano moral. O autor alega ausência de consentimento válido na contratação do cartão e requer a nulidade do contrato ou sua conversão para empréstimo consignado comum . II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO 1. Há três questões em discussão: (i) saber se houve vício de consentimento na contratação de cartão de crédito consignado (RCC); (ii) se é cabível a declaração de nulidade do contrato ou sua conversão para empréstimo consignado comum; (iii) se o autor faz jus à repetição em dobro do indébito; e (iv) se está configurado o dano moral. III . RAZÕES DE DECIDIR 2. Reconhecimento do vício de consentimento na contratação do cartão de crédito consignado, especialmente pela ausência de comprovação de recebimento do cartão ou de sua utilização do cartão para compras e saques complementares. 3. Considerando o princípio da preservação dos contratos, autoriza-se a conversão do contrato de cartão de crédito consignado para a modalidade de empréstimo consignado, conforme art . 170 do CC. 4. Foi determinada a repetição em dobro dos valores indevidamente cobrados, conforme parágrafo único do art. 42 do CDC, tendo em vista que a cobrança contraria a boa-fé objetiva . 5. Ausência de dano moral, uma vez que o autor não nega ter utilizado o crédito ofertado e não comprovou ofensa direta à sua personalidade. IV. DISPOSITIVO E TESE 6 . Apelação parcialmente provida, para determinar a conversão do contrato para empréstimo consignado comum e condenar o réu à repetição em dobro dos valores pagos em excesso. Tese de julgamento: "1. Configura-se vício de consentimento quando o consumidor, por falta de informação adequada, contrata modalidade diversa da pretendida. 2 . O contrato de cartão de crédito consignado pode ser convertido em empréstimo consignado, em atenção ao princípio da preservação dos contratos. 3. A repetição de valores cobrados em excesso deve ocorrer em dobro, conforme o art. 42, parágrafo único, do CDC" . Dispositivos relevantes citados: CDC, arts. 6º, III, 39, V, 42, parágrafo único, e 51, IV; CC, arts. 368 e 170; art. 14, da IN nº 138/2022. Jurisprudência relevante citada: STJ, EAREsp nº 676.608/RS; TJSP, Apelação Cível 1000623-55.2023.8 .26.0062; TJSP, Apelação Cível 1005248-53.2024.8 .26.0562. (TJ-SP - Apelação Cível: 10296827720238260001 São Paulo, Relator.: Gilberto Franceschini, Data de Julgamento: 22/01/2025, Núcleo de Justiça 4.0 em Segundo Grau – Turma III (Direito Privado 2), Data de Publicação: 22/01/2025) (grifei)Sendo assim, reconheço a existência de vício de consentimento na contratação em análise, com a consequente conversão do contrato em empréstimo pessoal consignado, observadas as condições aplicáveis às operações da mesma natureza.Deve-se aplicar a taxa média de juros remuneratórios vigente à época da contratação, conforme divulgada pelo Banco Central do Brasil — sendo de 1,95% ao mês —, promovendo-se a devida amortização dos valores já descontado do benefício aposentadoria por idade n. 155.610.818-1 da parte autora em relação à proposta n. 9865927.Contudo, não há que se falar em rescisão contratual, uma vez que o reconhecimento de vício de vontade na contratação da Reserva de Cartão Consignado (RCC) não autoriza, por si só, a rescisão do contrato. Devem prevalecer os demais termos contratuais, que devem ser interpretados sob a ótica de um empréstimo pessoal consignado, cabendo a apuração de eventual débito ou saldo a ser restituído na fase de cumprimento de sentençab) Benefício previdenciário pensão por morte n. 145.552.041-09A parte autora alega que desconhece os descontos realizados em seu benefício de pensão por morte, porquanto não efetuou a contratação de empréstimo na modalidade cartão de crédito consignado. Em contrapartida, a requerida afirma que a contratação é válida, pois a autora estaria ciente de todas as cláusulas contratuais. A controvérsia reside em saber se há relação jurídica contratual entre as partes e se esta obedeceria às normas da legislação regente.Da análise do conjunto probatório, observa-se que a parte autora afirma não ter celebrado qualquer negócio jurídico com a parte demandada, especificamente no que se refere à contratação de cartão de crédito consignado. Trata-se, portanto, de alegação de fato negativo, cuja prova é, por natureza, de difícil ou impossível produção pela parte autora, razão pela qual não se pode exigir-lhe o ônus de demonstrar a inexistência da relação contratual alegada.Nessas circunstâncias, o ônus da prova recai sobre a parte ré, que detém os meios necessários para demonstrar a efetiva contratação, como, por exemplo, a apresentação do respectivo instrumento contratual. No entanto, embora devidamente intimada a apresentar o contrato, a parte requerida permaneceu inerte, não juntando documento hábil a comprovar a existência da relação jurídica contratual com a parte autora refente ao desconto efetuado em seu benefício de pensão por morte n. 145.552.041-09.Acrescento que o contrato juntado em sede de contestação faz referência apenas ao benefício n. 155.610.818-1 (ev. 20, arq. 06).Neste sentido, é o entendimento do Tribunal de Justiça de Goiás:AÇÃO DECLARATÓRIA C/C OBRIGAÇÃO DE FAZER E REPARAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. CONTRATO DE EMPRÉSTIMO CONSIGNADO COM DESCONTO EM BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. AUSÊNCIA DE PROVAS ROBUSTAS QUANTO À PACTUAÇÃO. 1. [...] 3. DA APLICAÇÃO DO CDC E DA RESPONSABILIDADE OBJETIVA. A matéria discutida autoriza a aplicação do Código de Defesa do Consumidor, já que evidentes a figura do fornecedor de serviços, do consumidor e da relação de consumo. A instituição financeira prestadora de serviços é responsável pelos danos causados ao consumidor independentemente de culpa, por se tratar de responsabilidade objetiva decorrente do risco da atividade. 4. DA INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA. DA AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO QUANTO À CONTRATAÇÃO DO EMPRÉSTIMO CONSIGNADO QUESTIONADO. Em atenção aos comandos dos artigos 373, II, do Código de Processo Civil, e 6º, VIII, do Código de Defesa do Consumidor, competia à instituição financeira a obrigação de provar a regular contratação do empréstimo questionado, ônus do qual não se desincumbiu, haja vista que deixou de juntar documentos e provas robustas que comprovassem a regularidade da pactuação. 5. DAS TELAS DE SISTEMA INTERNO. DOCUMENTOS UNILATERAIS. AUSÊNCIA DE PROVAS IDÔNEAS. As telas de computador anexadas (prints), produzidas unilateralmente, não são idôneas para atestar a relação contratual invocada. 6. RESTITUIÇÃO DE VALORES EM DOBRO. A repetição do indébito, nos termos do parágrafo único do art. 42 do CDC, deve ocorrer em dobro apenas quanto aos descontos que ocorreram após a publicação do acórdão proferido no EAREsp nº 676.608/RS do STJ (Tema 929), que se deu em 30/03/2021, e anterior a tal data aplica-se de forma simples. 7. DANO MORAL. CONFIGURADO. MANUTENÇÃO DO QUANTUM. Preenchidos todos os aspectos delimitadores do dever indenizatório, devida é a reparação por danos morais, notadamente por ter restado comprovado nos autos que as cobranças do empréstimo questionado são indevidas, posto que não pactuadas, e a consequente responsabilidade da parte autora pelo débito. O valor de R$ 3.000,00 (três mil reais) aplicado a título de dano moral mostra-se suficiente e em consonância com os princípios da razoabilidade e proporcionalidade. 8. DA INCIDÊNCIA DOS JUROS REFERENTE À INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. O marco inicial para incidência dos juros de mora, no caso de responsabilidade contratual, é a data da citação (art. 405, do CC). APELAÇÕES CÍVEIS CONHECIDAS, SENDO A PRIMEIRA PARCIALMENTE PROVIDA E A SEGUNDA DESPROVIDA. SENTENÇA REFORMADA. (APELAÇÃO CÍVEL Nº.: 5705313-20.2022.8.09.0064. Relatora TELMA APARECIDA ALVES MARQUES. 3ª Câmara Cível. Publicado em 21/05/2024)À vista disso, incumbia à requerida provar a veracidade de suas alegações na qualidade de fornecedora de serviços, seja em razão da inversão do ônus da prova, seja porque as suas assertivas são fatos extintivos de direito, nos termos do art. 373, inciso II, do CPC. No entanto, a demandada não se desincumbiu do seu ônus probatório, pois não trouxe aos autos documentos que comprovasse a contratação.Dessa forma, evidente que os valores descontados no benefício de pensão por morte n. 145.552.041-09 são indevidos, devendo, portanto, ser declarada a inexistência da relação jurídica entre as partes.III. RestituiçãoNo que tange à restituição do valor descontado de forma indevida, a autora requereu a devolução em dobro.Quanto à restituição dos valores, dispõe o art. 42 do CDC, que “o consumidor cobrado em quantia indevida tem direito à repetição do indébito, por valor igual ao dobro do que pagou em excesso, acrescido de correção monetária e juros legais, salvo hipótese de engano justificável”.Desse dispositivo, extrai-se que para configuração do direito de restituição em dobro, são necessários cumulativamente: 1) cobrança indevida, 2) pagamento indevido e 3) inexistência de engano justificável.Destaca-se, por oportuno, que o Superior Tribunal de Justiça pacificou o entendimento de que a restituição em dobro dos valores exigidos do consumidor independe da comprovação de dolo ou má-fé do fornecedor na cobrança, sendo suficiente a comprovação de violação da boa-fé objetiva. Não obstante, foi estabelecida regra de modulação dos efeitos da decisão, que consignou que a aplicação do entendimento deverá valer para os débitos exigidos indevidamente após a publicação do acórdão, o que se deu em 30/03/2021.Nesse sentido, cito a ementa do referido julgado:CONSUMIDOR E PROCESSUAL CIVIL. SERVIÇOS BANCÁRIOS. COBRANÇA INDEVIDA. CULPA DA CONCESSIONÁRIA. DEVOLUÇÃO EM DOBRO. ART. 42, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CDC. PRESSUPOSTO. MÁ-FÉ. PRESCINDIBILIDADE. DEFINIÇÃO DO TEMA PELA CORTE ESPECIAL DO STJ (EARESP 600.663/RS, DJE DE 30.3.2021). MODULAÇÃO DOS EFEITOS. PREVISÃO DE QUE OS RETROMENCIONADOS EARESP SÓ PRODUZIRIAM EFEITOS AOS INDÉBITOS POSTERIORES À DATA DE PUBLICAÇÃO DE SEU ACÓRDÃO. SOLUÇÃO EXCEPCIONAL NO CASO CONCRETO. INDÉBITO E ACÓRDÃO EMBARGADO ANTERIORES À PUBLICAÇÃO DO ACÓRDÃO DOS EARESP 600.663/RS. HISTÓRICO DA DEMANDA 1. Nos presentes Embargos, discute-se a prescindibilidade ou não de se aferir a má-fé como condição essencial para se exigir a restituição em dobro de quantia cobrada indevidamente, nos termos do art. 42, parágrafo único, do Código de Defesa do Consumidor. DISCIPLINA DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR 2. Consoante o art. 42, parágrafo único, do CDC, na relação de consumo, o pagamento de cobrança indevida, a restituição do indébito dar-se-á em dobro, salvo se o fornecedor provar, no caso concreto, o engano justificável. A norma analisada não exige culpa, dolo ou má-fé do fornecedor quando este cobra - e recebe - valor indevido do consumidor. Ao fornecedor, a imputação que se lhe faz a lei é objetiva, independentemente de culpa ou dolo. DEFINIÇÃO PELA DA CORTE ESPECIAL DO STJ 3. A Corte Especial do STJ definiu a questão, em data posterior à prolação do acórdão embargado, no julgamento dos EAREsp 600.663/RS (Rel. Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Rel. para acórdão Ministro Herman Benjamin, Corte Especial, DJe de 30.3.2021.). Assentou a tese: "A repetição em dobro, prevista no parágrafo único do art. 42 do CDC, é cabível quando a cobrança indevida consubstanciar conduta contrária à boa-fé objetiva, ou seja, deve ocorrer independentemente da natureza do elemento volitivo". MODULAÇÃO DOS EFEITOS 4. A regra geral é a devolução, na forma dobrada, dos valores debitados. Contudo, no caso concreto, há um detalhe, em especial, que o exime da aplicação do entendimento prevalecente no STJ. É o fato de os anteditos EAREsp 600.663/RS terem trazido critério de modulação de efeitos na aplicação de sua tese. Consoante os itens 24 a 27 da sua ementa, ficou estabelecido que, não obstante a regra geral, "o entendimento aqui fixado seja aplicado aos indébitos de natureza contratual não pública cobrados após a data da publicação deste acórdão". 5. Ora, a data dos indébitos (a partir de 03.2014), ou mesmo a publicação do acórdão ora embargado (17.12.2019), são anteriores ao julgamento e publicação do acórdão dos EAREsp 600.663/RS, da Corte Especial do STJ (DJe de 30.3.2021). 6. Portanto, excepcionalmente, a solução do caso concreto contará com comando distinto do atual posicionamento vigente no STJ, por atender ao critério de modulação previsto nos EAREsp 600.663/RS. Logo, o embargado não deverá devolver, de forma dobrada, os valores debitados na conta da embargante. CONCLUSÃO 8. Embargos de Divergência não providos. (EAREsp n. 1.501.756/SC, relator Ministro Herman Benjamin, Corte Especial, julgado em 21/2/2024, DJe de 23/5/2024) (grifei)Ressai-se do julgado acima citado que os efeitos da decisão proferida foram modulados, de modo que o entendimento fixado seja aplicado aos indébitos de natureza contratual privados cobrados após a data da publicação do acórdão, que ocorreu em 30/03/2021.Logo, a restituição dos descontos mensais variáveis de R$ 50,37, efetuado no benefício previdenciário n. 145.552.041-09, realizados desde abril de 2023 até março de 2025 (ev. 01, arq. 07), deverá ser realizada de maneira dobrada. A restituição referente aos descontos efetuados no benefício previdenciário n. 15561081-81, deverá ser apurada na fase de cumprimento de sentença, levando-se em conta a amortização entre o valor pago pela parte autora a título de RCC e o valor objeto de empréstimo em discussão.IV. Danos moraisA autora pugnou ainda pelo pagamento de indenização moral no valor de R$ 8.000,00. Nesse tocante, importa analisar se a conduta ilícita gerou dano passível de reparação, ou seja, se a falha na prestação do serviço causou transtornos ao consumidor, que refogem aos aborrecimentos habituais e corriqueiros, importando em violação aos direitos integrantes da personalidade.No presente caso, vislumbro a ocorrência de dano moral indenizável, nos moldes do direito consumerista, assentado na existência do ato ilícito – falha de prestação de serviços, visualizando a responsabilidade objetiva da reclamada no episódio.Isso porque a autora sofreu descontos em seu benefício previdenciário pensão por morte n. 145.552.041-09 - ainda que em valor ínfimo – durante anos, descontos estes que foram realizados sem a efetiva contratação de qualquer serviço, uma vez que a requerida deixou de juntar o contrato assinado pela autora aos autos. Denota-se que a situação retratada não se insere nos dissabores da hodierna vida em sociedade. Houve frustração quanto aos descontos realizados sem que a parte autora recebesse a contraprestação por parte da requerida. Para a fixação do dano moral em casos análogos, adota-se o entendimento de que a indenização não deve importar em vantagem desproporcional ao ofendido, tampouco ser inexpressiva a ponto de não cumprir sua função pedagógica e inibitória da conduta lesiva por parte da fornecedora. Assim, arbitro, a título de reparação por danos morais, o valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), quantia que, no caso concreto, se mostra compatível com os princípios da razoabilidade e proporcionalidade.V. DispositivoAnte o exposto, nos termos do art. 487, inciso I, do CPC, JULGO PROCEDENTES os pedidos iniciais para:a) DECLARAR inexistente a contratação do empréstimo na modalidade no benefício previdenciário n. 145.552.041-9;b) DECLARAR a abusividade da cláusula contratual atinente ao desconto mensal da reserva de margem consignável referente ao empréstimo-cartão de proposta n. 59865927, inserido no benefício n. 155.610.818-1;c) DETERMINAR a conversão do empréstimo-cartão de proposta n. 59865927 na modalidade de empréstimo pessoal consignado, respeitada as condições para as operações de igual natureza, devendo incidir, desde o início da adesão, a taxa média de juros remuneratórios aplicada em operações de empréstimo consignado (taxa do BACEN de 1,95% à época da contratação) ao mês, com o consequente cancelamento das taxas descontadas mensalmente, cuja amortização de valor indevido pago deverá ser apurada na fase de cumprimento de sentença, considerando o valor pago pela parte autora a título de RCC e o valor objeto de empréstimo em discussão, no prazo de 30 (trinta) dias, sob pena de multa diária fixa no valor de R$ 1.000,00 (mil reais) limitada ao trigésimo dia;d) CONDENAR a requerida à restituição dos descontos realizados no benefício n. 145.552.041-9 no valor variável de R$ 50,37 (cinquenta reais e trinta e sete centavos), de maneira dobrada, referente ao período de abril de 2023 até março de 2025.O valor a ser restituído deverá ser corrigido monetariamente pelo IPCA (art. 389, parágrafo único, do CC) desde a data de cada desconto, e de juros de mora pela taxa Selic, deduzido o índice de atualização monetária (art. 406, § 1º, do CC) a partir da data da citação. e) CONDENAR a requerida ao pagamento de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) a título de danos morais, acrescido de juros de mora pela taxa Selic, calculados a partir do evento danoso (data do primeiro desconto indevido no benefício previdenciário n. 145.552.041-9), nos termos da Súmula 54 do STJ, e corrigido monetariamente pelo IPCA (art. 389, parágrafo único, do CC), a partir do arbitramento (Súmula 362 do STJ).f) CONFIRMAR a tutela provisória de urgência de ev. 07.Sem custas e honorários, na forma dos arts. 54 e 55 da Lei n. 9.099/95.Com o trânsito em julgado, nada sendo requerido, arquivem-se os autos com as cautelas de praxe. Sentença publicada e registrada eletronicamente.Intimem-se. Cumpra-se. GOIÁS, data constante da movimentação processual.G4Izabela Cândida Brito SilvaJuíza de Direito(Assinado Eletronicamente)
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