Processo nº 1001203-92.2023.8.11.0033
ID: 314061864
Tribunal: TJMT
Órgão: 2ª VARA DE SÃO JOSÉ DO RIO CLARO
Classe: PROCEDIMENTO COMUM CíVEL
Nº Processo: 1001203-92.2023.8.11.0033
Data de Disponibilização:
02/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
THALES DO VALLE BARBOSA ANJOS
OAB/MT XXXXXX
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ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO 2ª VARA DE SÃO JOSÉ DO RIO CLARO Processo n° 1001203-92.2023.8.11.0033 SENTENÇA 1. RELATÓRIO Trata-se de AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE ATO ADMINISTTRATIVO C/…
ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO 2ª VARA DE SÃO JOSÉ DO RIO CLARO Processo n° 1001203-92.2023.8.11.0033 SENTENÇA 1. RELATÓRIO Trata-se de AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE ATO ADMINISTTRATIVO C/C REPARAÇÃO DE DANOS COM PEDIDO DE TUTELA DE URGÊNCIA ajuizada por APUI CONSTRUTORA DE OBRAS LTDA em face de MUNICÍPIO DE SÃO JOSÉ DO RIO CLARO-MT, devidamente qualificados. Na exordial (Id. 124477244), narra a parte autora que: a) foram firmados com o Município de São José do Rio Claro/MT três contratos, sendo eles n. 038/2020 em 29/06/2020, n. 044/2020 em 20/07/2020, e n.007/2021 em 01/02/2021, para prestação de serviços de pavimentação asfáltica em TSD e obras complementares nos bairros Santa Terezinha I e II, bairros Planalto e Progresso; b) durante a execução dos serviços, as partes firmaram aditivos contratuais prorrogando a data de término dos referidos contratos; c) ainda durante a vigência dos aditivos contratuais, o Município rescindiu unilateralmente todos os contratos firmados, sob a justificativa de má qualidade da obra e de suposto descumprimento do prazo de execução do contrato; d) não houve prévia instauração de procedimento administrativo, a fim de que fosse oportunizado contraditório e ampla defesa da prestadora de serviços. Assim sendo, pediu a tutela jurisdicional para suspender os efeitos do ato administrativo que decretou a rescisão dos aditivos contratuais, bem como a suspensão das penalidades previstas nos contratos. Ao final, requereu a procedência da ação, declarando nulas as decisões administrativas que rescindiram os contratos n.038/2020, n.044/2020 e n.007/2021, condenando o réu ao pagamento de multa contratual e indenização pelos danos materiais e morais sofridos. Estando em termos, a inicial foi recebida, indeferindo-se a tutela de urgência e determinando a citação do réu (Id. 128901266). Contestação ao Id. 133480966, refutando as alegações contidas na exordial, ao fundamento da justa causa para a rescisão dos contratos administrativos, requerendo a improcedência dos pedidos iniciais. Impugnação à contestação rebatendo os argumentos defensivos e reiterando os argumentos da inicial (Id. 136087961). Oportunizada às partes a especificação de provas (Id. 139394407), manifestou a autora pelo julgamento antecipado (Id. 141379403), ao passo que o réu permaneceu silente. Vieram-me os autos conclusos. É o relatório. DECIDO. 2. FUNDAMENTAÇÃO. 2.1. Do julgamento antecipado do mérito. Consoante fundamentação infra, a solução do mérito independe da produção de quaisquer outras provas que não aquelas de natureza documental já oportunamente angariadas aos autos, até porque o magistrado é o destinatário último das provas. Impõe-se, por consequência lógica, o julgamento antecipado do mérito, nos moldes do art. 355, I, do Código de Processo Civil, ao qual ora procedo, inclusive em prestígio à duração razoável do processo. Não há preliminares ou outras questões processuais pendentes a decidir. As partes são legítimas, a representação regular e não há nulidades a declarar. 2.2. Da rescisão contratual. Trata-se de ação declaratória e indenizatória cujo objetivo é declarar a nulidade da rescisão unilateral dos contratos administrativos n. 038/2020, n. 044/2020 e n. 007/2021, condenando o Município réu ao pagamento de multa contratual e danos morais e materiais. Inicialmente, impende ressaltar que é assente no Superior Tribunal de Justiça o entendimento de que a intervenção do Poder Judiciário nos atos administrativos se restringe ao exame do efetivo respeito aos princípios do contraditório, da ampla defesa e do devido processo legal, sendo vedado adentrar no mérito administrativo, ressalvados os casos de comprovada violação dos princípios da legalidade, razoabilidade e proporcionalidade, sob pena de invasão à competência reservada ao Poder Executivo. Ressai dos autos que a parte autora participou de 3 (três) processos de licitação na modalidade Tomada de Preço, promovida pelo Município de São José do Rio Claro-MT, sagrando-se vencedora para realizar a pavimentação asfáltica dos bairros Santa Terezinha I (n. 038/2020), Planalto e Progresso (n. 044/2020) e Santa Terezinha II (n. 007/2021). Consta que, após o decurso do prazo para execução da obra, foram firmados aditivos contratuais em cada contrato de prestação dos serviços (Ids. 124477249, 124477250, 124477251), prorrogando-se apenas o prazo para conclusão dos trabalhos, mantendo os demais termos contratuais. Durante a vigência de tais prazos, contudo, a Administração Municipal rescindiu unilateralmente os pactos, sem a instauração de processo administrativo, argumentando que, durante a execução das obras foram constatadas diversas irregularidades, razão pela qual notificou a empresa prestadora dos serviços para que prestasse os esclarecimentos, vindo a Administração Pública a rescindir unilateralmente os contratos. Pois bem. O cerne da questão reside na (i)legalidade da rescisão unilateral dos aditivos contratuais realizada pelo Município de São José do Rio Claro-MT, sem a instauração de prévio processo administrativo que assegurasse ao contratado o exercício do contraditório e da ampla defesa. No caso em comento, o Município réu alegou que a rescisão contratual se fundamentou no descumprimento reiterado do objeto do contrato e que, após as diversas notificações à empresa autora a fim de que se manifestasse a respeito das irregularidades e paralizações da obra, decidiu por bem rescindir os aditivos contratuais. Aduziu que tentou de todas as formas que a autora cumprisse voluntariamente a obrigação para qual se sagrou vencedora nos processos de licitação, contudo, não obteve êxito, sendo obrigada a rescindir os contratos e relicitar as obras. Em completo, argumentou que não houve ausência de contraditório e ampla defesa, visto que foi oportunizado à contratada por meio das notificações que sanasse as irregularidades e/ou apresentasse justificativa a elas, o que não sucedeu, razão pela qual, diante da inércia, chegou-se à rescisão dos contratos, estando de acordo com o que preconiza o ordenamento jurídico pátrio. Não se olvida que os contratos administrativos possuem cláusulas exorbitantes, sendo elas: a) alteração unilateral do contrato; b) rescisão unilateral; c) fiscalização da execução dos contratos; d) aplicação de sanções; e) ocupação provisória de bens móveis, imóveis, pessoal e serviços vinculados ao objeto do contrato, quando o ajuste visa à prestação de serviços essenciais. Embora a lei autorize a rescisão unilateral do contrato administrativo e a aplicação de sanções, contudo, exige-se de forma expressa a observância do devido processo legal. A nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos, em seu art. 137, elenca as hipóteses que constituem motivo para rescisão do contrato. Dentre elas, encontram-se o não cumprimento ou o cumprimento irregular de cláusulas contratuais, a lentidão na execução do contrato e o atraso injustificado no início do serviço, desatendimento das determinações regulares emitidas pela autoridade designada para acompanhar e fiscalizar sua execução ou por autoridade superior. O caput do referido dispositivo é o que aqui é mais relevante à discussão, pois estabelece expressamente que "constituirão motivos para extinção do contrato, a qual deverá ser formalmente motivada nos autos do processo, assegurados o contraditório e a ampla defesa". E mais: o § 1º do art. 138 complementa tal previsão ao ditar que "A extinção determinada por ato unilateral da Administração e a extinção consensual deverão ser precedidas de autorização escrita e fundamentada da autoridade competente e reduzidas a termo no respectivo processo.". Nesse contexto, é crucial compreender que a rescisão unilateral do contrato administrativo, ainda que fundamentada em suposto descumprimento contratual, não dispensa a instauração de processo administrativo prévio, no qual seja assegurado ao contratado o exercício do contraditório e da ampla defesa. A jurisprudência é pacífica no sentido de que a rescisão unilateral de contrato administrativo deve ser precedida de procedimento administrativo, com ampla defesa. Vejamos: REMESSA NECESSÁRIA - MANDADO DE SEGURANÇA - RESCISÃO UNILATERAL DE CONTRATO ADMINISTRATIVO PELA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA - AUSÊNCIA DE PRÉVIA INSTAURAÇÃO DE PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO - VIOLAÇÃO A DIREITO LÍQUIDO E CERTO - SENTENÇA RATIFICADA. Em que pese a Administração Pública possua prerrogativa de rescindir unilateralmente os contratos (art. 78, Lei 8.666/93), não pode fazê-lo sem prévia instauração do processo administrativo competente, em que se garanta o devido processo legal, contraditório e ampla defesa. (N.U 1000411-60.2020.8.11.0093, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PÚBLICO, MARIA APARECIDA RIBEIRO, Primeira Câmara de Direito Público e Coletivo, Julgado em 05/02/2024, Publicado no DJE 06/03/2024). REMESSA NECESSÁRIA - MANDADO DE SEGURANÇA – MUNICÍPIO DE GUIRATINGA – RESCISÃO UNILATERAL DO CONTRATO ADMINISTRATIVO Nº 145/2019 - EXECUÇÃO DE SERVIÇOS – NECESSIDADE DE ASSEGURAR O CONTRADITÓRIO E AMPLA DEFESA – INEXISTÊNCIA DE PROCESSO ADMINISTRATIVO – VIOLAÇÃO A DIREITO LÍQUIDO E CERTO – SENTENÇA RATIFICADA. 1. Nos termos do art. 5º, LV, da Constituição Federal “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”. 2. Segundo a Lei nº 8.666/93 – art. 78, a Administração Pública detém a prerrogativa de rescindir, unilateralmente, o contrato de prestação de serviço firmado com o particular, com amparo no interesse público, observado o contraditório e a ampla defesa, por força do artigo 5º, LV, da Constituição/88. 3. Logo, mostra-se ilegal e abusivo o ato administrativo de rescisão contratual unilateral, por direta ofensa aos ditames constitucionais e infraconstitucionais, na hipótese em que não fora oportunizado à parte contratada o contraditório e a ampla defesa. 4. Sentença ratificada em remessa necessária. (N.U 1000138-24.2021.8.11.0036, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PÚBLICO, EDSON DIAS REIS, Primeira Câmara de Direito Público e Coletivo, Julgado em 15/08/2023, Publicado no DJE 31/08/2023). RECUROS DE APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE ATO ADMINISTRATIVO C/C RESTITUIÇÃO DE VALORES – RESCISÃO UNILATERAL DE CONTRATO ADMINISTRATIVO DE ALIENAÇÃO DE BEM IMÓVEL – REVERSÃO AO PATRIMÔNIO DO MUNICÍPIO SEM DIREITO À INDENIZAÇÃO PELAS BENFEITORIAS – REGULARIDADE DO PROCEDIMENTO – ILEGALIDADE NÃO DEMONSTRADA – SENTENÇA REFORMADA PARA JULGAR TOTALMENTE IMPROCEDENTE A DEMANDA – INVERSÃO DO ÔNUS DA SUCUMBÊNCIA – RECURSO DA PARTE AUTORA CONHECIDO E NÃO PROVIDO – APELO DA FAZENDA PÚBLICA PROVIDO. 1. Como cediço, a Administração Pública detém a prerrogativa de rescindir, unilateralmente, o contrato de prestação de serviço firmado com o particular, com amparo no interesse público, desde que observado o contraditório e a ampla defesa. 2. Evidenciado o descumprimento do contrato administrativo, com observância do contraditório e da ampla defesa, justificada a rescisão unilateral do negócio jurídico com a consequente aplicação das penalidades previstas contratualmente. 3. No que concerne ao pedido de restituição pela rescisão contratual, não é devida a indenização se havendo cláusula contratual expressa que afaste o seu pagamento e, principalmente, se não comprovada que se trata de benfeitorias necessárias. 4. Nos casos em que o Tribunal provê o recurso e reforma a sentença, reconhecendo a improcedência total da demanda, ocorre a inversão do ônus da sucumbência. In casu, em que pese o réu tenha apresentado nos autos diversas notificações sobre as irregularidades apontadas pelo setor de fiscalização durante a execução da obra, conforme se observa dos Ids. 133480967, 133480968, 133480969, vê-se que não logrou êxito em demonstrar a instauração de um verdadeiro processo administrativo, de forma prévia à rescisão contratual, no qual tivesse sido oportunizado à empresa contratada o exercício do contraditório e da ampla defesa. As notificações enviadas à contratada, apontando as irregularidades na prestação dos serviços, não suprem a necessidade do devido processo legal administrativo. O poder da Administração Pública de rescindir unilateralmente os contratos administrativos, embora seja prerrogativa legítima, não pode ser exercido de forma arbitrária ou abusiva. A discricionariedade administrativa encontra limites nos princípios da legalidade, da razoabilidade e da proporcionalidade, os quais devem nortear todos os atos da Administração Pública. Não se pode olvidar que os contratos administrativos são regidos pelo princípio da supremacia do interesse público. Contudo, tal princípio não autoriza a Administração a agir à margem da lei ou em desrespeito às garantias fundamentais dos administrados. O interesse público é melhor atendido quando a Administração age em estrita observância aos preceitos legais e constitucionais. A doutrina não discrepa: “Não se nega à Administração o poder de rescindir unilateralmente o contrato, tanto por inadimplência do contratado como por interesse público na cessação de sua normal execução. Todavia, em ambas as hipóteses exige-se justa causa e oportunidade de defesa para o rompimento do ajuste, pois a rescisão administrativa não é discricionária, mas vinculada aos motivos que a norma legal ou o contrato consignam como ensejadores desse excepcional distrato.” (HELY LOPES MEIRELLES, “Licitação e Contrato Administrativo”, Malheiros Ed., 14ª edição, págs. 271-272). Com essas considerações, e tendo em vista a ausência da instauração do devido processo administrativo, o caso é de reconhecimento da nulidade dos atos administrativos de rescisão dos contratos de nºs 038/2020, 044/2020 e 007/2021 e seus aditivos contratuais. Tendo em vista, entretanto, o tempo já decorrido desde os referidos atos, e a declarada (nestes autos) ausência de interesse de quaisquer das partes na execução do remanescente contratual, assim também a insubsistência da rescisão unilateral promovida pelo Município, fica reconhecida a culpa exclusiva da Administração Pública na rescisão, ao impossibilitar o exaurimento dos objetos contratuais. 2.3. Dos danos materiais e da multa contratual. A controvérsia a ser analisada nos presentes autos, além da alegada nulidade dos atos administrativos uniliterais, cinge-se a respeito da possibilidade de condenação do Município à indenização pelos danos emergentes e lucros cessantes em razão da rescisão unilateral dos contratos de prestação de serviços, bem como o arbitramento de multa. De fato, o § 2º do art. 138 da Lei nº 14.133/21 assim estabelece: Art. 138. [...] § 2º Quando a extinção decorrer de culpa exclusiva da Administração, o contratado será ressarcido pelos prejuízos regularmente comprovados que houver sofrido e terá direito a: I - devolução da garantia; II - pagamentos devidos pela execução do contrato até a data de extinção; III - pagamento do custo da desmobilização. Assim, durante a vigência dos aditivos contratuais, informa a autora que foram executados alguns serviços que, diante da rescisão unilateral, não foram adimplidos pelo ente público, conduzindo à caracterização de danos emergentes. Na sua versão, o ente municipal deixou de adimplir com os seguintes pagamentos: "a. Serviços executados do contrato 007/2021, solicitado na 1ª medição, no valor de R$ 84.199,19 (DOC. 11); b. Serviços de escavação para regularização da rede de água (serviço que era para Águas São José realizar) + horas máquinas paradas devido a estes serviços, no valor de R$ 28.827,77), conforme protocolo nº 15.879 (DOC. 12); Pague os serviços extras no valor de R$ 57.655,57, referente as horas maquina trabalhada e paradas no Bairro Planalto e Progresso, solicitado via planilha, no dia 13/07/2021, conforme protocolo 15.880 – Contrato 044/2020 (DOC. 13); Pague os serviços extras no valor de R$ 26.839,77 (hora maquina trabalhada e paradas) solicitado via planilha dia 04/02/2021. Serviços realizados no Bairro Planalto e Progresso – Contrato 038/2020 (DOC. 14)." Os danos emergentes totalizariam o montante de R$197.596,71 (cento e noventa e sete mil quinhentos e noventa e seis reais e setenta e um centavos). Além do amparo legal acima citado, o Superior Tribunal de Justiça firmou entendimento de que, em caso de rescisão unilateral de contrato administrativo, o contratado tem direito à indenização pelos prejuízos, bem como pelos lucros cessantes, fundado no § 2º do art. 79 da Lei nº 8.666/93, e condicionado à comprovação da existência dos referidos prejuízos, bem como do nexo causal entre os danos e o fim do contrato ( AgRg no REsp 929.310/RS, Rel. Ministra DENISE ARRUDA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 20/10/2009, DJe 12/11/2009). Por sua vez, sabe-se que é de responsabilidade do autor a comprovação dos prejuízos sofridos decorrentes da rescisão do contrato administrativo, bem com o do respectivo nexo de causalidade, em consonância com o art. 373, I, do Código de Processo Civil, Nessa linha, em relação ao pedido de indenização por danos emergentes, entendo que, da análise dos documentos colacionados aos autos, verifica-se que não restaram devidamente comprovados, uma vez que os gastos apresentados ao Id. 124477256 e demais documentos de Ids. 124477258, 124477259, constam apenas de documentos unilateralmente produzidos, referindo-se a supostos gastos com a execução da obra sem demonstração, por meio de documentos confiáveis, tais como notas fiscais, laudos ou de outra maneira, de sua real composição ou mesmo do nexo de causalidade entre os citados gastos e a execução da obra. Não há qualquer mínima demonstração da efetiva execução de serviços não pagos, ou mesmo de que a autora tenha suportado algum custo de desmobilização ou com aquisição de materiais, ferramentas, maquinários ou outros bens não aproveitáveis. Não há sequer uma nota fiscal, fotografia, laudo pericial ou qualquer outra prova consistente quanto aos danos pretendidos. Noutro segmento, aduz que deixou de receber lucros em razão da rescisão unilateral, indicando-os no montante de 30% (trinta por cento) de cada contrato firmado (n. 038/2020; n.044/2020; n. 007/2021), perfazendo o valor total de R$ 690.328,76 (seiscentos e noventa mil trezentos e vinte e oito reais e setenta e seis centavos). No tocante aos lucros cessantes, observa-se que também não foram devidamente comprovados, sequer explicada sua composição. Realmente, tudo o que a autora expõe na exordial é que os lucros cessantes devem ser fixados em 30% (trinta por cento) do valor de cada contrato, mas sem jamais explicar de onde extraiu tal percentual, ou qual a sua vinculação com a execução contratual. Não fosse por isso, não há demonstração concreta de que a parte autora deixou de obter qualquer lucro com a rescisão contratual - ou seja, de que não tenha passado a executar serviços em outro local utilizando os maquinários -, ou de qual seria seu lucro diário, mensal, enfim, para fins de apuração de um patamar justo de indenização, se fosse cabível. O domínio sobre a produção dos meios de prova estava ao seu inteiro alvedrio. Nesse aspecto, tinha a autora a seu dispor todos os meios que a legislação processualista lhe faculta para desincumbir-se de seu ônus, demonstrando a existência dos danos emergentes e dos lucros cessantes que alega ter sofrido, já que, afinal de contas, como dita a literalidade do art. 369 do Código de Processo Civil, “[...] As partes têm o direito de empregar todos os meios legais, bem como os moralmente legítimos, ainda que não especificados neste Código, para provar a verdade dos fatos em que se funda o pedido ou a defesa e influir eficazmente na convicção do juiz.”. Poderia a autora ter apresentado notas fiscais de serviços realizados. Poderia ter exibido registros fotográficos das obras que alega ter concluído. Poderia ter postulado pela produção de prova pericial ou oral a fim de demonstrar a existência dos danos de forma real e concreta. Poderia, enfim, ter trazido documentos ou quaisquer outras provas que subsidiassem a sua versão dos fatos. Nada disso fez. Limitou-se a alegar, sem provar. Com isso, não demonstrou a existência dos danos, sendo de aplicar-se, pois, a conhecida parêmia romana prestigiada pela jurisprudência atual: “o que não está nos autos, não está no mundo” (Supremo Tribunal Federal, Habeas Corpus nº 73.565/SC, Segunda Turma, Relator Ministro Maurício Corrêa, publicação em 20 de setembro de 1996), ou, por outros termos, “ao juiz cabe decidir considerando os elementos de fato e de direito constantes nos autos, pois, como máxima já consagrada, o que não está nos autos não está no mundo” (Tribunal de Alçada do Estado de Minas Gerais, Apelação Cível nº 310.339-5, Sexta Câmara Cível, Relator Dárcio Lopardi Mendes, julgamento em 08 de junho de 2000, publicação em 21 de junho de 2000). Ou, recordando um outro conhecidíssimo brocardo, “em direito, é consabido, alegar e não provar é o mesmo que não alegar (allegare nihil et allegatum non probare paria sunt)” (Tribunal Regional Federal da Quarta Região, Apelação Cível nº 555527/RS, Primeira Turma, Relator Luiz Carlos de Castro Lugon, julgamento em 11 de junho de 2003, publicação em 16 de julho de 2006. No mesmo sentido: Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina, Apelação Cível nº 2003.022787-3, Terceira Câmara de Direito Civil, Relator Desembargador José Volpato, julgamento em 16 de abril de 2004, publicação em 05 de maio de 2004; Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, Apelação Cível nº 2002.001.24734, Décima Câmara Cível, Relator Desembargador Ivan Cury, julgamento em 18 de fevereiro de 2003; Tribunal de Alçada do Estado de Minas Gerais, Apelação nº 0400353-4, Quarta Câmara Cível, Relator Paulo Cézar Dias, julgamento em 03 de setembro de 2003). Assim, não restando devidamente comprovados os danos emergentes e os lucros cessantes pela parte autora, entendo não ser cabível a condenação do Município à indenização pleiteada. Requer a autora, ainda, aplicação da multa que trata das – “Das sanções e Penalidades”, com fundamento na cláusula 9.3 - “A desistência da contratada de executar a obra acarreta para a mesma multa de R$20.000,00 (vinte mil reais)”. Não assiste razão à parte autora. A cláusula mencionada é expressa ao estabelecer a sanção pecuniária para a hipótese de desistência da execução da obra pela parte contratada. Não há nela, ou em qualquer outra cláusula dos contratos, a previsão de sanções pecuniárias aplicáveis à Administração Pública, e não há qualquer respaldo à pretendida "inversão" da sanção em desfavor do Município, que é rechaçada pela jurisprudência. Ademais, apesar da irregularidade do procedimento de extinção contratual, há de se considerar os motivos que a ela conduziram, consistentes em supostas irregularidades na atuação da contratada, não havendo de se falar em desistência de execução das obras. 2.4. Dos danos morais. Em decorrência da rescisão contratual unilateral, a parte autora em suas razões apontou que houve a violação de sua honra objetiva, a ensejar o arbitramento de danos extrapatrimoniais. Quanto aos danos morais pleiteados, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é consolidada no sentido de que “o dano moral à pessoa jurídica não é presumível, motivo pelo qual deve estar demonstrado nos autos o prejuízo ou abalo à imagem comercial” (STJ - AgInt no REsp: 1850992 RJ 2019/0164204-4, Relator: Ministro BENEDITO GONÇALVES, Data de Julgamento: 25/05/2020, T1 - PRIMEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 27/05/2020). Registre-se que a tutela da personalidade da pessoa jurídica, que não possui honra subjetiva, restringe-se à proteção de sua honra objetiva, a qual é vulnerada sempre que os ilícitos afetarem seu bom nome, sua fama e reputação. A distinção entre o dano moral da pessoa natural e o da pessoa jurídica acarreta uma diferença de tratamento, revelada na necessidade de comprovação do efetivo prejuízo à valoração social no meio em que a pessoa jurídica atua (bom nome, credibilidade e reputação). Ademais, é necessário sempre lembrar ser certo que, salvo em casos excepcionais, não cabe o arbitramento de danos morais para o simples descumprimento contratual, ainda mais quando a ofensa à moral sequer foi devidamente provada. A jurisprudência é pacífica no sentido de que: O mero descumprimento de cláusula contratual não gera indenização por dano moral (Superior Tribunal de Justiça, Agravo Regimental no Recurso Especial nº 1.136.524/DF, Quarta Turma, Relator Ministro João Otávio de Noronha, julgamento em 22 de março de 2011, publicação em 31 de março de 2011. No mesmo sentido: Superior Tribunal de Justiça, Reconsideração de Despacho no Agravo de Instrumento nº 1.241.356/RS, Quarta Turma, Relator Ministro João Otávio de Noronha, julgamento em 09 de novembro de 2010, publicação em 17 de novembro de 2010; Superior Tribunal de Justiça, Recurso Especial nº 803.950/RJ, Terceira Turma, Relatora Ministra Nancy Andrighi, julgamento em 20 de maio de 2010, publicação em 18 de junho de 2010; Superior Tribunal de Justiça, Recurso Especial nº 876.527/RJ, Quarta Turma, Relator Ministro João Otávio de Noronha, julgamento em 01 de abril de 2008, publicação em 28 de abril de 2008) De forma que, a não ser nos casos em que o dano venha a extrapolar “o simples descumprimento de cláusula contratual ou a esfera do mero aborrecimento, agravando a situação de aflição psicológica e de angústia no espírito” (Superior Tribunal de Justiça, Agravo Regimental no Agravo de Instrumento nº 884832/RJ, Terceira Turma, Relator Ministro Sidnei Beneti, julgamento em 26 de outubro de 2010, publicação em 09 de novembro de 2010. No mesmo sentido: Superior Tribunal de Justiça, Agravo Regimental no Agravo de Instrumento nº 913432/SP, Terceira Turma, Relator Ministro Sidnei Beneti, julgamento em 28 de setembro de 2010, publicação em 14 de outubro de 2010), não é cabível a indenização a título de danos morais. Em análise dos argumentos aduzidos pela parte autora, apesar de ter alegado que a conduta da ré tenha lhe acarretado prejuízos extrapatrimoniais em decorrência da rescisão unilateral, sem observância do contraditório e ampla defesa, verifico que, no contexto fático delineado, não há nenhuma prova ou indício da ocorrência de lesão à imagem, bom nome e reputação da autora, pois não foi evidenciado prejuízo sobre sua valoração social no meio (econômico) em que atua. É, portanto, impossível ao julgador avaliar a existência e a extensão de danos morais supostamente sofridos pela pessoa jurídica sem qualquer tipo de comprovação, apenas alegando sua existência a partir do cometimento do ato supostamente ilícito pelo ofensor. Diante disso, não havendo qualquer comprovação nesse sentido - prejuízo ou abalo à imagem comercial -, não se mostra cabível a condenação do Município ao pagamento de danos morais à autora. 3. DISPOSITIVO Ante o exposto, julgo extinto o processo, com resolução do mérito, na forma do art. 487, I, do Código de Processo Civil, e acolho em parte os pedidos formulados na ação, tão somente para declarar a nulidade da rescisão contratual ante a ausência de instauração do processo administrativo referente aos contratos n.038/2020, 044/2020 e 007/2021 e seus aditivos, bem como da aplicação de quaisquer penalidades à parte autora, rejeitando os demais pedidos formulados, nos termos da fundamentação retro. Tendo ocorrido sucumbência recíproca (art. 86, caput, do Código de Processo Civil), condeno as partes a pagarem meio a meio as custas e despesas processuais, inclusive aquelas porventura antecipadas (art. 82, §2º), observada a isenção da parte requerida (art. 3º, I, da Lei nº 7.603/01). Arbitro os honorários advocatícios (art. 85, caput) em 8% (dez por cento) do valor atualizado da causa (a contar da data do ajuizamento – Súmula nº 14 do Superior Tribunal de Justiça), na forma do art. 85, §§ 2º e 3º, considerando o grau de zelo dos procuradores da parte adversa, o lugar de prestação dos serviços profissionais, a natureza e a importância da causa e o trabalho e tempo despendidos por aqueles profissionais, cabendo dessa rubrica 50% (cinquenta por cento) ao patrono da autora e 50% (cinquenta por cento) ao patrono da ré. Na eventualidade de recurso de apelação interposto pelas partes, deve a Secretaria, por meio de ato ordinatório, intimar a parte contrária para apresentação de contrarrazões e, em seguida, remeter os autos ao Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, nos termos do art. 1.010 do Código de Processo Civil e do art. 148, XIX, do Código de Normas Gerais da Corregedoria-Geral da Justiça. Oportunamente, arquivem-se os autos com as cautelas de estilo. Publique-se. Registre-se. Intimem-se. São José do Rio Claro – MT, data da assinatura digital. (assinado digitalmente) PEDRO ANTONIO MATTOS SCHMIDT Juiz de Direito
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