Jose Henrique Braz Alves x Cascão Incorporações S/A
ID: 259508168
Tribunal: TJGO
Órgão: 3ª Câmara Cível
Classe: CONSIGNAçãO EM PAGAMENTO
Nº Processo: 5214513-89.2018.8.09.0051
Data de Disponibilização:
24/04/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
ANDRE LUIS MOREIRA SILVA
OAB/GO XXXXXX
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ALUIZIO GERALDO CRAVEIRO RAMOS
OAB/GO XXXXXX
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WILSON PIAZA DA SILVA
OAB/GO XXXXXX
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Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado de Goiás
3ª Câmara Cível
Gabinete do Desembargador
Fernando Braga Viggiano
DUPLA APELAÇÃO CÍVEL N. 5214513-89.2018.8.…
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado de Goiás
3ª Câmara Cível
Gabinete do Desembargador
Fernando Braga Viggiano
DUPLA APELAÇÃO CÍVEL N. 5214513-89.2018.8.09.0051
COMARCA : GOIÂNIA
RELATOR : DESEMBARGADOR FERNANDO BRAGA VIGGIANO
1º APELANTE : JOSÉ HENRIQUE BRAZ ALVES
2ª APELANTE : CASCÃO INCORPORAÇÕES S/A – EM RECUPERAÇÃO JUDICIAL
1ª APELADA : CASCÃO INCORPORAÇÕES S/A – EM RECUPERAÇÃO JUDICIAL
2º APELADO : JOSÉ HENRIQUE BRAZ ALVES
VOTO
Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço dos apelos interpostos.
Como visto, trata-se de dupla APELAÇÃO CÍVEL interposta, respectivamente, por JOSÉ HENRIQUE BRAZ ALVES (evento 160) e CASCÃO INCORPORAÇÕES S/A – EM RECUPERAÇÃO JUDICIAL (evento 161), nos autos da “ação de rescisão de contrato” movida pelo primeiro recorrente em desfavor do segundo, face à sentença proferida pelo Juiz de Direito da 25ª Vara Cível da comarca de Goiânia, Dr. Lionardo José de Oliveira (evento 145), integrada pelos embargos de declaração de evento 157.
O magistrado de primeiro grau julgou parcialmente procedentes os pedidos formulados, nos seguintes termos:
“1. JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos iniciais, com resolução do mérito (art. 487, I, do CPC), e:
a) DECLARO rescindido de pleno direito o contrato firmado entre as partes, e condenar a ré à restituição dos valores pagos pelo autor, em parcela única, com o desconto da multa contratual limitada a 10% (quinze por cento) sobre os valores efetivamente pagos, conforme fundamentação, que deverão ser corrigidos monetariamente pelo INPC a partir de cada desembolso, e acrescido dos juros de mora à razão de 1% (um por cento) ao mês desde a citação.
b). CONDENO ainda a reclamada na indenização pelas benfeitorias erigidas no terreno (observado o art. 1.220 CC), a ser apurada mediante perícia, em fase de liquidação, abatidas eventuais despesas necessárias para a eventual regularização da edificação.
Pela sucumbência recíproca, CONDENO as partes no pagamento das custas processuais, na proporção de 50% para cada uma, bem como em honorários advocatícios, na mesma proporção, os quais arbitro em 10% do valor atualizado da causa, o que faço com fundamento no artigo 85, §2º, I a IV do Código de Processo Civil, observada a justiça gratuita concedida à parte autora (art. 98, § 3°, CPC).
2. JULGO IMPROCEDENTES os pedidos veiculados nos autos da ação revisional nº 5214513-89.2018.8.09.0051, com resolução do mérito (art. 487, I, do CPC).
Pela sucumbência, CONDENO a parte autora no pagamento das custas processuais, bem como em honorários advocatícios, os quais arbitro em 10% do valor atualizado da causa, o que faço com fundamento no artigo 85, §2º, I a IV do Código de Processo Civil, observada a justiça gratuita concedida à parte autora (art. 98, § 3°, CPC).”
Os embargos de declaração opostos em face do pronunciamento foram rejeitados, consoante se observa do seguinte excerto:
“Ante o exposto, CONHEÇO, MAS NEGO PROVIMENTO ao segundo recurso de embargos de declaração.
Quanto ao primeiro recurso (evento de nº 148), da mesma forma, em nova análise do édito judicial embargado, sem razão.
Conforme citado na sentença, precedentes do Superior Tribunal de Justiça, admite-se a retenção, pelo vendedor, a título de multa, de percentual entre 10% e 25% do total da quantia já paga.
A jurisprudência hodierna - e o entendimento desde Juízo, após analisar os fatos e provas que acompanham os autos - firmou-se no sentido de que 10% é o percentual de retenção ideal, na medida em que atende aos princípios da razoabilidade e proporcionalidade, além de ser o suficiente à reparação dos prejuízos sofridos com o inadimplemento do pacto.
Logo, não há contradição no julgado.
Da mesma forma, sem motivação para alteração da distribuição dos honorários ante a sucumbência recíproca.
Ao teor do exposto, CONHEÇO, MAS NEGO PROVIMENTO ao recurso interposto e mantenho a decisão embargada tal qual lançada.
Por fim, uma vez não reconhecida a ocorrência de quaisquer dos vícios que ensejam a oposição dos embargos de declaração, é de se concluir que a decisão atacada é hígida, razão pela qual a mantenho nos exatos termos proferidos.” (evento 157)
Irresignado, JOSÉ HENRIQUE BRAZ ALVES exercitou recurso de apelação (evento 160), no bojo do qual pleiteia a reforma da sentença para: i) condenar a requerida ao pagamento de R$ 20.000,00 (vinte mil reais) a título de indenização por danos morais; ii) fixar os juros moratórios a partir da citação da requerida; iii) inverter a multa em razão do descumprimento contratual; iv) majorar os honorários recursais para o patamar de 20% (vinte por cento).
Por sua vez, CASCÃO INCORPORAÇÕES S/A – EM RECUPERAÇÃO JUDICIAL, no bojo do apelo de evento 161, pugna seja conhecido e provido o recurso para manter o patamar da multa contratual acordado, qual seja, de 23% (vinte e três por cento). Subsidiariamente, caso mantido o patamar de 10% (dez por cento), salienta que os juros de mora devem ter seu marco temporal inicial alterado para a partir do trânsito em julgado da sentença, ao invés da citação, ante a natureza constitutiva da sentença. Por fim, pugna pela condenação da autora a suportar o pagamento das custas processuais e honorários advocatícios sucumbenciais recursais.
Pois bem.
Estabelecida a premissa, passa-se à análise.
1. Recurso de apelação de JOSÉ HENRIQUE BRAZ ALVES
O recorrente afirma ser cabível a indenização por danos morais na espécie, devido ao atraso excessivo na entrega da infraestrutura básica do loteamento por parte da promitente vendedora.
Salienta existir obrigação legal do empreendimento em oferecer infraestrutura básica, como abastecimento de água potável e soluções para o esgotamento sanitário, no prazo máximo de 04 (quatro) anos, conforme previsão do artigo 9º, da Lei n. 6.766/79.
Narra que, em suas publicidades, a requerida afirma a existência de completa infraestrutura, gerando a expectativa na consumidora de que ao adquirir o imóvel teria todas as condições mínimas para estabelecer sua moradia digna. Nessa esteira, a inadimplência se caracteriza desde que escoado o prazo contratual para entrega da infraestrutura, sendo devida a reparação pelos danos sofridos, porque a avença foi firmada em 2013 e as obras somente foram entregues em meados de 2019 e 2020.
Reforça que a falta da infraestrutura básica do empreendimento, a indução a erro e a pressão psicológica exercida pela requerida causaram transtornos que excedem em muito o limite da razoabilidade, frustrando por completo a expectativa da parte autora em construir e realizar o sonho da casa própria.
Argumenta que a responsabilidade na hipótese prescinde de culpa, nos termos do artigo 14 do Código de Defesa do Consumidor, porque o fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.
Perquire-se.
A controvérsia a ser dirimida cinge-se a aferir se na hipótese estão demonstrados os pressupostos da responsabilidade civil suficientes a configurar ilícito civil a ser reparado, em virtude dos alegados transtornos e frustrações causados ao autor (comprador) que excedem o limite da razoabilidade, oriundos do excessivo atraso na entrega das obras de infraestrutura do loteamento.
Depreende-se do instrumento contratual colacionado no evento 1, arquivos 5 e 6, que há expressa previsão de prazo de 24 (vinte e quatro) meses para a conclusão das obras de infraestrutura, cuja cláusula pactuada estabelece que o marco inicial contar-se-á da data da assinatura do contrato, conforme se vê:
“1.1.1 – DAS OBRAS DE INFRA-ESTRUTURA: o(S, A, AS)PROMISSÁRIO(S,A, AS) COMPRADOR(ES,A, AS), desde já, declara(m) para todos os efeitos legais e contratuais, ter plena ciência de que o loteamento RESIDENCIAL FONTE DAS ÁGUAS contará com as seguintes infra-estruturas:a) demarcação de lotes e demais áreas; b) rede de energia elétrica e iluminação pública; c) rede de abastecimento de água; d) rede de captação de águas pluviais; e e) pavimentação asfáltica com meio-fio;
1.1.2 – As obras de infra-estrutura referidas no item 1.1.1. acima, são de responsabilidade da PROMITENTE VENDEDORA e serão implantadas no prazo máximo de 24 (vinte e quatro) meses, contados da data de assinatura deste instrumento. As mesmas serão entregues aos adquirentes na medida em que forem sendo concluídas, não cabendo, por conseguinte, quaisquer reclamações.
1.1.3 – As obras de infra-estrutura referidas no item 1.1.1. acima, são de responsabilidade da PROMITENTE VENDEDORA e serão implantadas no prazo máximo de 24(vinte e quatro) meses, contados da data da assinatura deste instrumento. As mesmas serão entregues aos adquirentes na medida em que forem sendo concluídas, não cabendo, por conseguinte, quaisquer reclamações”. (evento 1, arquivos 5 e 6)
Da leitura do conteúdo do sobredito instrumento contratual, firmado entre as partes em 16/07/2014, ressai-se que concernente ao sistema de esgoto, este ficou a cargo, de forma individual, a cada comprador (cláusula 1.1.4), e no que tange à distribuição de água potável consignou-se ser de responsabilidade da SANEAGO (cláusula 1.1.5), alegação que não foi impugnada pela ré na contestação.
Por sua vez, o Decreto Municipal n. 2.728/2009, pelo qual foi aprovado o Projeto de Parcelamento denominado Residencial Fonte das Águas, estabeleceu que o loteador deveria implantar as obras de infraestrutura no prazo máximo de 02 (dois) anos, a contar da data de aprovação do loteamento, que se deu em 30 de junho de 2009, conforme extrai-se do artigo 6º do Decreto referido:
“Art. 6º Conforme o art. 3°, incisos I e II e art. 8°, da Lei n° 7.222/93 e Decreto no 1.326, de 13 de abril de 2005, o interessado deverá implantar no prazo máximo de 02 (dois) anos, a contar da data de aprovação do loteamento:
a. rede de energia elétrica e pontos de iluminação pública nos cruzamentos, quando houver posteamento;
b. rede de distribuição e abastecimento de água potável;
c. abertura de vias de circulação;
d. demarcação dos lotes, quadras e áreas públicas;
e. obras de escoamento de águas pluviais, através de nivelamento e terraplenagem;
f. obras de pavimentação asfáltica, galerias de águas pluviais e sarjetas.”
Nota-se que acertadamente o juízo singular inverteu o ônus da prova (artigo 6º, inciso VIII, do Código de Defesa do Consumidor), razão pela qual incumbir-se-ia a ré comprovar que havia solucionado a questão relativa a interligação do empreendimento imobiliário ao sistema público de abastecimento de água, de sorte que não pairam dúvidas quanto ao descumprimento contratual por parte da apelada, uma vez que não demonstrou inequivocamente que disponibilizou a infraestrutura básica no empreendimento imobiliário atempadamente.
Lado outro, muito embora a ré intente eximir-se da culpa em relação ao atraso do fornecimento de água no loteamento em referência e imputar à SANEAGO a responsabilidade pela não conclusão de obras essenciais para o ligamento entre a infraestrutura de abastecimento interna e a rede pública de fornecimento de água, observa-se que não instruiu a contestação com nenhum documento emitido pela SANEAGO, portanto, não ficou evidenciado de que a infraestrutura foi efetivamente concluída e entregue no prazo contratual.
Na espécie, tem-se que está demonstrada indene de dúvida nos autos a responsabilidade da requerida pela implantação da rede de abastecimento de água. Desta feita, não subiste qualquer argumento de que a responsabilidade deve ser imputada à SANEAGO, pois sequer comprovou nos autos que teria deixado pronta a infraestrutura para receber o abastecimento de água, no prazo contratual e legal.
Com a inversão do ônus da prova, corolário da aplicação do Código de Defesa do Consumidor ao caso, competia à ré demonstrar que o contrário do alegado e demonstrado pelo autor, mas desse ônus não se desincumbiu.
Nesse toar, sendo a prestação de serviço de construção civil uma obrigação de resultado, sujeita à aplicação do artigo 14 do Código de Defesa do Consumidor, em que é assegurado que o imóvel será entregue na data aprazada, pode-se concluir que o atraso, sem que a ocorrência de caso fortuito ou de força maior tenha sido comprovada, se enquadra perfeitamente no conceito de serviço defeituoso, conforme disposto no § 1º, do dispositivo legal em epígrafe.
Assim, nesse ponto, deve ser reformada a sentença proferida no primeiro grau, devendo a ré ser condenada a indenizar o autor pelos danos morais suportados, posto que não se desvencilhou de desconstituir os fatos alegados, de acordo com a regra estabelecida no inciso II do artigo 373 do Código de Processo Civil, de modo que é notório o atraso na entrega do imóvel, fato que também não foi negado, e por consequência deve arcar com os reflexos advindos da mora.
Corroborando o quanto afirmei, veja-se o seguinte julgado desta Corte de Justiça:
DUPLA APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO REVISIONAL DE CLÁUSULAS CONTRATUAIS C/C REPARAÇÃO DE DANOS. PRELIMINAR DE NULIDADE DE SENTENÇA. PRELIMINAR DE CERCEAMENTO DE DEFESA. INDEFERIMENTO DE PROVAS. SÚMULA Nº 28 DO TJGO. JUROS E CORREÇÃO MONETÁRIA. CUMULAÇÃO POSSÍVEL. AUSÊNCIA DE CAPITALIZAÇÃO. REVISÃO DE CONTRATO DE CONSUMO. ADESÃO. INCIDÊNCIA DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. PROMESSA DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL. MÁ PRESTAÇÃO DO SERVIÇO. ATRASO NA ENTREGA DA INFRAESTRUTURA SANITÁRIA DO LOTEAMENTO. DANO MORAL CONFIGURADO. SENTENÇA MANTIDA. 1.Inexiste nulidade de sentença por ausência de fundamentação quando referido édito judicial é proferido de forma objetiva e sucinta com cotejo dos fatos e aplicação da legislação e entendimento jurisprudencial pertinente. 2.Afasta-se a preliminar de cerceamento de defesa, suscitada em razão do julgamento antecipado da lide, quando existirem nos autos provas suficientes à formação do convencimento do juiz e a parte interessada não se desincumbe do ônus de demonstrar o seu prejuízo, sem o qual não há que se falar em nulidade (Súmula 28, TJGO). 3.Taxa de juros de 6% a.a. não indica onerosidade excessiva, devendo ser mantida, inexistindo óbice à sua cumulação com correção monetária, por possuírem naturezas jurídicas diversas, sendo que a estipulação desta pelo índice IGPM/FGV também não se indica abusividade. Precedentes TJGO. 4.Considerando a ausência de pactuação expressa ou implícita não há de se falar em afastamento da capitalização mensal de juros. 5.Diante das características do negócio de compra e venda de imóvel, bem como do teor do instrumento contratual celebrado entre as partes, revela-se autêntica a existência de relação de consumo, cumprindo-se reconhecer a incidência do Código de Defesa do Consumidor. 6.Revela-se adequada e possível a mitigação do princípio do pacta sunt servanda, especialmente com lastro na codificação consumerista, cujo escopo precípuo se volta ao amparo das partes hipossuficientes na relação de consumo, não se vislumbrando, na hipótese em comento, qualquer violação ao princípio em tela. 7.Tratando-se de resolução do contrato de compra e venda de imóvel em construção pautado em pedido ou por culpa do consumidor emerge o direito de retenção pelo vendedor de determinado percentual sobre o valor pago como forma de indenizá-lo pelos prejuízos e encargos inerentes ao empreendimento. 8.A jurisprudência deste Tribunal de Justiça tem se firmado no sentido de que 10% (dez por cento) é o percentual de retenção ideal, na medida em que atende aos princípios da razoabilidade e proporcionalidade, além de permitir a indenização devida à vendedora pelas despesas gerais do rompimento unilateral do contrato sem lhe ocasionar o enriquecimento sem causa. 9.De acordo com a distribuição do ônus probatório no caso concreto, competia à construtora demonstrar que havia solucionado a questão relativa a interligação do empreendimento imobiliário ao sistema público de abastecimento de água, nada obstante não se desincumbira do encargo. 10.Para a configuração de dano moral indenizável decorrente do atraso da obra de infra-estrutura básica deve-se levar em conta especialmente a expectativa gerada no comprador em ter para si o bem imóvel na data aprazada, bem como o desgaste diante dos planos desfeitos em razão do atraso, que extrapolou o razoável (02 anos), razão pela qual deve o loteador responder pelo ônus decorrente da sua desídia, o que faz solidificar o seu dever de indenizar. 11.Ante o desprovimento do apelo, bem como a prévia condenação ao pagamento da sucumbência honorária, resta impositiva a majoração da respectiva verba nesta sede recursal, na forma do art. 85, §11º, do CPC. RECURSOS DE APELAÇÕES CÍVEIS CONHECIDOS E DESPROVIDOS. (TJGO, Apelação Cível, Relator Desembargador ANDERSON MÁXIMO DE HOLANDA, 3ª Câmara Cível, DJe de 07/06/2023) – destaquei.
Passo à fixação do valor da verba indenizatória.
Inexiste critério legal para a fixação da verba indenizatória. O objetivo da indenização por dano moral é dar à pessoa lesada uma satisfação diante da situação dolorosa, aflitiva constrangedora que vivenciou, buscando, em contrapartida, desestimular o ofensor à prática de novos atos lesivos, daí seu caráter pedagógico.
Assim, a reparação deve ser aplicada em montante que não enseje o enriquecimento ilícito, nem frustre a intenção da lei (prevenção e reparação), atentando para os princípios da proporcionalidade e razoabilidade.
Nesse sentido, temos o seguinte julgado:
DUPLO RECURSO DE APELAÇÃO. AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE DÉBITO C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. EMPRÉSTIMO CONSIGNADO REALIZADO POR PESSOA ANALFABETA. ASSINATURA A ROGO, NA PRESENÇA DE DUAS TESTEMUNHAS, OU POR PROCURADOR PÚBLICO. NULIDADE RECONHECIDA. RESTITUIÇÃO. DANO MORAL CONFIGURADO. SUCUMBÊNCIA RECÍPROCA AFASTADA. ALTERAÇÃO DO CRITÉRIO DE FIXAÇÃO DA VERBA HONORÁRIA. (…) 6. Para a fixação da indenização a título de dano moral, há de considerar-se a proporcionalidade, razoabilidade e moderação, evitando-se o enriquecimento ilícito da parte e a reprimenda inócua para o causador do dano. No caso concreto, arbitra-se a reparação no equivalente a R$ 3.000,00 (três mil reais). 7. O acolhimento da condenação em quantia inferior à postulada na inicial não implica em sucumbência mínima ou recíproca, motivo pelo qual o banco deve arcar com a integralidade das verbas sucumbenciais, cujos honorários advocatícios devem ser fixados em 12% (doze por cento) sobre o valor atualizado da causa, uma vez observadas as circunstâncias elencadas nos incisos do § 2º do art. 85 do CPC e já considerada a regra prevista no § 11 do mesmo dispositivo. RECURSOS CONHECIDOS, PRIMEIRO APELO PROVIDO E SEGUNDO DESPROVIDO. (TJGO, Apelação Cível 5038800- 51.2020.8.09.0174, Relator Desembargador KISLEU DIAS MACIEL FILHO, 5ª Câmara Cível, DJe de 14/02/2022) – destaquei;
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE RESCISÃO DE CONTRATO C/C INDENIZAÇÃO. PROMESSA DE COMPRA VENDA. RESIDENCIAL FONTE DAS ÁGUAS. ATRASO NA ENTREGA DAS OBRAS DE INFRAESTRUTURA. CULPA DA PROMITENTE VENDEDORA. DANO MORAL CONFIGURADO. QUANTUM REDUZIDO. MULTA EM CASO DE DESCUMPRIMENTO. MANTIDA, COM REDUÇÃO DO VALOR E LIMITAÇÃO DE SUA INCIDÊNCIA. SENTENÇA PARCIALMENTE REFORMADA. 1. No caso dos autos, comprovado que o atraso sem justificativa das obras de infraestrutura já havia extrapolado o prazo legal, segundo afirmou o julgador a quo na sentença e o apelante sequer tentou demonstrar que a execução das obras tivessem ocorrido dentro do prazo estabelecido no contrato, ou apresentar argumentos e provas, no sentido de justificar o atraso, o que é causa bastante a justificar a rescisão do contrato, ainda que no curso da ação, parte das obras estruturais tenham sido concluídas. 2. A conduta ilícita do apelante, consubstanciada no descumprimento do cronograma referente à infraestrutura do "loteamento
Fonte das Águas" implicou afronta ao direito de personalidade dos apelados, configurando o nexo causal entre a ação e o resultado, impondo-se o dever de reparação do dano. 3. O atraso das obras superou quatro anos e durante esse tempo a apelada não teve acesso a serviços básicos, frustrando a sua expectativa, em razão do descumprimento do contrato por parte do apelante. 4. O quantum indenizatório deve ser razoável e proporcional às peculiaridades do caso concreto, na tentativa de desestimular a reiteração da conduta ilícita, sem, contudo, ensejar o enriquecimento sem causa da vítima. Na hipótese, deve ser minorado o valor indenizatório para R$ 5.000,00 (cinco mil reais) para cada apelado, porquanto afigura-se equitativo, proporcional e razoável. 5. Dessarte, considerando a extensão da obra e a capacidade financeira do condenado, denota-se razoável a redução da multa diária para R$ 3.000,00 (três mil reais). Contudo, mister limitar a multa diária fixada ao período de 30 (trinta) dias, sob pena de enriquecimento ilícito da outra parte. APELAÇÃO CONHECIDA E PARCIALMENTE PROVIDA. (TJGO, Apelação Cível 0284341- 68.2015.8.09.0051, Relator Desembargador ÁTILA NAVES AMARAL, 3ª Câmara Cível, DJe de 19/05/2022) – destaquei.
Desse modo, diante das peculiaridades do caso concreto, considerando a situação socioeconômica das partes, e que durante o atraso das obras, que superou quatro anos, o autor não teve acesso a serviços básicos, frustrando sua legítima expectativa; considerando o descaso da ré com o autor; considerando que o valor a ser arbitrado não deve ensejar o enriquecimento ilícito, nem frustrar a intenção da lei; considerando os princípios da proporcionalidade e razoabilidade, entendo plausível a fixação do valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) a título de reparação por danos morais.
Sobre o valor da condenação por danos morais, em razão das alterações promovidas pela Lei n. 14.905/2024 no Código Civil, até 29/08/2024, incidirá correção monetária pelo INPC, desde a data do arbitramento (Súmula 362 do Superior Tribunal de Justiça) e juros de mora de 1% (um por cento) ao mês, a partir da citação (artigo 405 do Código Civil). A partir de 30/08/2024, incidirá correção monetária pelo IPCA-IBGE, na forma do artigo 389, parágrafo único, do Código Civil, e juros de mora pela taxa SELIC, deduzida a atualização pelo IPCA-IBGE, observando-se o artigo 406 do Código Civil.
Prosseguindo, a parte autora pretende a inversão da cláusula penal em seu favor, com o fito de manter o equilíbrio contratual e possibilitar a adequada reparação do dano.
Razão não lhe assiste.
É que, apesar do atraso na entrega da infraestrutura do loteamento, a hipótese vertente versa sobre rescisão contratual por culpa do promitente comprador, o qual deixou de pagar as parcelas avençadas entre as partes.
Nesse espeque, o enunciado sumular 543 do Superior Tribunal de Justiça permite a restituição parcial das parcelas pagas quando o promitente comprador deu causa à resolução contratual (caso dos autos), com a retenção de determinados valores pelo promitente vendedor para a hipótese de desfazimento do pacto.
A pena convencional, ao mesmo tempo em que atua como meio de coerção, compelindo o devedor ao cumprimento da obrigação, também tem a função de prefixar as perdas e danos devidas em razão do inadimplemento do contrato.
Sobre a cláusula penal, estabelecem os artigos 408 e 409 do Código Civil, in verbis:
“Art. 408. Incorre de pleno direito o devedor na cláusula penal, desde que, culposamente, deixe de cumprir a obrigação ou se constitua em mora.
Art. 409. A cláusula penal estipulada conjuntamente com a obrigação, ou em ato posterior, pode referir-se à inexecução completa da obrigação, à de alguma cláusula especial ou simplesmente à mora.”
Dessa maneira, não há que se falar em inversão cláusula penal, impossibilitada ante a culpa do comprador, que não pagou as prestações convencionadas.
Veja-se o posicionamento do Superior Tribunal de Justiça sobre o tema:
AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. DIREITO DO CONSUMIDOR. AÇÃO DE RESCISÃO CONTRATUAL CUMULADA COM PERDAS E DANOS. PROMESSA DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL. DESFAZIMENTO DO CONTRATO POR CULPA DO PROMITENTECOMPRADOR. AUSÊNCIA DE INDICAÇÃO DO DISPOSITIVO TIDO POR VIOLADO. DEFICIÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO. SÚMULA 284/STF. CLÁUSULA PENAL. RETENÇÃO DE PARTE DOS VALORES PAGOS PELO ADQUIRENTE. POSSIBILIDADE. COMPENSAÇÃO PELA FRUIÇÃO DO IMÓVEL. LEGALIDADE. RECURSO NÃO PROVIDO. 1. A ausência de particularização dos dispositivos de lei federal em tese violados pelo acórdão recorrido caracteriza deficiência de fundamentação, conforme pacífico entendimento desta Corte Superior, fazendo incidir, por analogia, o óbice da Súmula 284/STF. 2. A Segunda Seção do STJ, ao apreciar o REsp 1.723.519/SP, da Relatoria da Ministra ISABEL GALLOTTI, estabeleceu, no tocante à cláusula penal fixada no contrato, nas hipóteses de rescisão de promessa de compra e venda de imóvel por inadimplemento do comprador, que o percentual de retenção pelo vendedor pode ser de até 25% do total da quantia paga. Precedente: EAg 1.138.183/PE, Rel. Ministro SIDNEI BENETI, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 27/06/2012, DJe de 04/10/2012 (AgInt no AREsp 1.568.920/GO, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, julgado em 03/03/2020, DJe de 25/03/2020). 3. Nos termos da jurisprudência desta Corte, a cobrança de valores correspondentes ao período de fruição do bem pelo comprador não é abusiva e se mostra necessária para evitar o enriquecimento ilícito da parte. Assim, "Decretada a resolução do contrato de compra e venda de imóvel, com a restituição das parcelas pagas pelo comprador, o retorno das partes ao estado anterior implica o pagamento de indenização pelo tempo em que o comprador ocupou o bem, desde a data em que a posse lhe foi transferida" (AgInt no REsp 1.216.477/RS, Rel. p/ acórdão Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, QUARTA TURMA, DJe de 07/06/2018). 4. Agravo interno não provido. (STJ, AgInt no AREsp: 1378049 SE 2018/0262602-0, Relator Ministro RAUL ARAÚJO, Data de Julgamento: 10/08/2020, Quarta Turma, Data de Publicação: DJe 26/08/2020) – destaquei.
2. Recurso de apelação de CASCÃO INCORPORAÇÕES S/A – EM RECUPERAÇÃO JUDICIAL
A apelante aduz em suas razões que “[…] a cláusula 7.3 do contrato de compra e venda não se mostra abusiva e, portanto, não há que se falar em supressão do pacta sunt servanda. […] o entendimento do Superior Tribunal de Justiça é no sentido de que é válido o percentual de retenção, pelo vendedor, de até 25% (vinte e cinco por cento) das prestações pagas, nas hipóteses de rescisão do contrato de compra e venda por culpa do comprador”.
Estuda-se.
Com efeito, a sentença julgou os pedidos exordiais parcialmente procedentes de modo a rescindir o contrato e condenar a ré à restituição dos valores pagos pelo autor, em parcela única, com o desconto da multa contratual limitada a 10% (dez por cento) sobre os valores efetivamente pagos.
Em proêmio, a respeito da observância do postulado do pacta sunt servanda, destaca-se que os contratos enquanto fontes obrigacionais geram efeitos vinculantes entre as partes, residindo neste elemento obrigacional o princípio basilar da sua função jurídico econômica.
Na espécie, a avença firmada pelos litigantes integra a espécie dos contratos de adesão (artigo 54 do Código de Defesa do Consumidor), nos quais a autonomia da vontade dos contratantes é mitigada de forma relevante, a fim de submeter os aderentes à predisposição de cláusulas uniformes e unilateralmente impostas pelos contratados, não se permitindo a discussão prévia e equânime de seus termos.
Tem-se como adequada e possível a mitigação do princípio mencionado, especialmente com lastro na codificação consumerista, diploma integrante do microssistema de tutela coletiva, cujo escopo precípuo se volta ao amparo das partes hipossuficientes na relação de consumo.
Não se vislumbra, portanto, qualquer violação ao princípio em tela diante da evidente existência de relação de consumo entre as partes, já que presentes a figura do fornecedor e do consumidor o qual contratou a entrega de produto (imóvel) na condição de destinatário final, a teor das disposições do Código de Defesa do Consumidor, vide:
“Art. 2º – Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final. (…)”
“Art. 3º – Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção e transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços. (…)”
Sobre o tema, já se manifestou o Superior Tribunal de Justiça:
“AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. OCORRÊNCIA DE GRUPO ECONÔMICO E PREJUÍZO DAS EMPRESAS CAUSADOS AOS CONSUMIDORES. CABIMENTO DA DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. QUESTÕES QUE PERPASSAM PELA ANÁLISE DE MATÉRIA FÁTICA. SÚMULA 7/STJ. EXISTÊNCIA DE RELAÇÃO DE CONSUMO. AQUISIÇÃO DE IMÓVEIS. SÚMULAS 5 E 7/STJ. CABIMENTO DA APLICAÇÃO DO CDC. SÚMULA 83/STJ. INVIABILIDADE DE INCIDÊNCIA DO ART. 942, § 3º, II, DO NOVO CPC. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. SÚMULA 83/STJ. AGRAVO INTERNO DESPROVIDO. 1. (...). 4. A aplicação das normas do CDC também foi feita com amparo em fatos, provas e termos contratuais (Súmulas 5 e 7/STJ). Com efeito, estampou-se que a ação objeto do cumprimento de sentença (ação de conhecimento) versou sobre a aquisição de unidade imobiliária. 5. Já decidiu esta Corte Superior que o Código de Defesa do Consumidor incide nos contratos de compra e venda em que a incorporadora se obriga à construção das unidades imobiliárias, mediante financiamento. Precedentes. 6. (...). 8. Agravo interno desprovido.” (STJ, AgInt no REsp 1854579/DF, Relator Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, Terceira Turma, DJe 21/09/2020) – destaquei
As normas consumeristas regem o caso em análise, em especial as relativas à tutela da relação contratual rescindido pela sentença objurgada, de modo que não há qualquer ilegalidade no édito judicial que determina a revisão dos seus termos quando verificada a violação aos ditames de proteção a parte vulnerável, qual seja, o consumidor.
Lado outro, depreende-se dos autos que as partes firmaram contrato de promessa de compra e venda de imóvel, tendo o autor se comprometido a pagar o preço ajustado, bem como antecipou valores a título de sinal.
Estabelecida esta premissa, insta observar que a matéria controvertida fora pacificada pelo enunciado n. 543 da súmula de jurisprudência do colendo Superior Tribunal de Justiça nos seguintes termos:
“Enunciado nº 543 – Na hipótese de resolução de contrato de promessa de compra e venda de imóvel submetido ao Código de Defesa do Consumidor, deve ocorrer a imediata restituição das parcelas pagas pelo promitente comprador – integralmente, em caso de culpa exclusiva do promitente vendedor/construtor, ou parcialmente, caso tenha sido comprador quem deu causa ao desfazimento.” - destaquei
Portanto, o ponto fulcral para a resolução da lide repousa em perquirir a culpa pela rescisão do contrato.
Na espécie, resta incontroverso dos autos que a rescisão fora do tipo “vazia”, ou seja, por iniciativa do consumidor e sem culpa imputável à requerida, de modo que o autor foi o responsável pelo desfazimento do negócio.
Estabelecida a responsabilidade pela rescisão, emerge o direito de retenção pelo vendedor de determinado percentual sobre o valor pago, como forma de indenizá-lo pelos prejuízos e encargos inerentes ao empreendimento.
A esse respeito, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça consolidou-se no sentido de permitir retenções da multa penal condenatória nos percentuais entre 10% (dez por cento) a 25% (vinte e cinco por cento) dos montantes despendidos pelo comprador quando houver resolução do compromisso de compra e venda por solicitação (ou culpa) do compromitente, como ocorre no caso sob exame.
Corroborando a afirmação, hauro a seguinte ementa:
AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL. CONTRATO DE COMPRA DE IMÓVEL. DESFAZIMENTO. VALOR PAGO. PERCENTUAL DE RETENÇÃO. MATÉRIA FÁTICO-PROBATÓRIA. CLÁUSULAS CONTRATUAIS. REEXAME. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULAS Nº 5 E 7/STJ. CORREÇÃO MONETÁRIA. TERMO INICIAL. DESEMBOLSO. 1. Recurso especial interposto contra acórdão publicado na vigência do Código de Processo Civil de 2015 (Enunciados Administrativos nºs 2 e 3/STJ). 2. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, nas hipóteses de rescisão de contrato de promessa de compra e venda de imóvel por inadimplemento do comprador, tem admitido a flutuação do percentual de retenção pelo vendedor entre 10% (dez por cento) e 25% (vinte e cinco por cento) do total da quantia paga. (AgInt no REsp 1791907/SP, Relator Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, Terceira Turma, julgado em 08/03/2021, DJe 12/03/2021) – destaquei.
Esse entendimento também se encontra estampado na jurisprudência desta Corte de Justiça, confira-se:
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE RESCISÃO CONTRATUAL C/C DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE CLÁUSULA E DEVOLUÇÃO DE QUANTIAS PAGAS. COMPRA E VENDA DE IMÓVEL. DISTRATO. REDUÇÃO DA MULTA RESCISÓRIA. POSSIBILIDADE. CLÁUSULA ABUSIVA. ÔNUS SUCUMBENCIAIS. OMISSÃO SENTENCIAL SOBRE PEDIDOS INICIAIS. PRONUNCIAMENTO PELO TRIBUNAL. 1- Tratando-se de rescisão de contrato de promessa de compra e venda de imóvel por culpa do comprador, o entendimento jurisprudencial admite a retenção entre 10 a 25% do total da quantia paga pelo consumidor, a título de indenização pelas despesas administrativas ou prejuízos suportados pelo ao empreendedor, de acordo com as especificidades do caso concreto. 2. APELO DESPROVIDO. SENTENÇA RETIFICADA DE OFÍCIO. (TJGO, Apelação Cível 5197110-78.2016.8.09.0051, Relator Desembargador CARLOS HIPOLITO ESCHER, 4ª Câmara Cível, DJe de 22/02/2021) – destaquei
Noutro giro, pelo simples fato de o comprador ter dado causa à rescisão do contrato (por culpa ou a requerimento) não é admissível imputar-lhe onerosidade excessiva.
Com supedâneo no Código de Defesa do Consumidor, a multa penal deve ser equitativa e deve permitir vantagem razoável ao fornecedor, evitando assim a abusividade e a ofensa ao equilíbrio contratual.
Deste modo, levando-se em consideração as especificidades do caso em testilha e tendo em vista que a vendedora (requerida) ficará com a propriedade do imóvel, podendo renegociá-lo, constata-se que é devida a redução da cláusula penal ao percentual de 10% (dez por cento) do valor total pago, o que se mostra razoável e proporcional, com o fito de evitar a onerosidade excessiva.
Nesse toar, a retenção do percentual de 10% (dez por cento) do montante pago pelo autor permite a indenização devida pelas despesas gerais do rompimento unilateral do contrato sem ocasionar o enriquecimento sem causa da requerida.
Acerca do tema, a jurisprudência desta Corte de Justiça já se firmou, senão vejamos:
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE RESCISÃO CONTRATUAL CUMULADA COM RESTITUIÇÃO DE IMPORTÂNCIAS PAGAS. COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL. RETENÇÃO DE 10%. RAZOÁVEL. JUROS MORATÓRIOS. TERMO A QUO. TRÂNSITO EM JULGADO. COMISSÃO DE CORRETAGEM. AUSÊNCIA DE PREVISÃO EXPRESSA. MULTA PELA FRUIÇÃO DO IMÓVEL NO PERÍODO DE INADIMPLEMENTO. INOVAÇÃO RECURSAL. HONORÁRIOS RECURSAIS. 1. Na hipótese de rescisão do contrato de compromisso de compra e venda por culpa do comprador, mesmo que haja cláusula contratual expressa contendo outros percentuais, revela-se razoável e proporcional a retenção de 10% (dez por cento) dos valores pagos a título de multa penal compensatória pelas despesas inerentes à negociação realizada. 2. A jurisprudência deste Tribunal de Justiça tem se firmado no sentido de que 10% (dez por cento) é o percentual de retenção ideal, na medida em que atende aos princípios da razoabilidade e proporcionalidade. 3. (...). APELAÇÃO PARCIALMENTE CONHECIDA E DESPROVIDA. (TJGO, Apelação Cível 5271691-90.2019.8.09.0170, Relator Desembargador JAIRO FERREIRA JUNIOR, 6ª Câmara Cível, DJe de 01/03/2021) – destaquei;
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE RESCISÃO CONTRATUAL CUMULADA COM RESTITUIÇÃO DE IMPORTÂNCIAS PAGAS. COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL. RETENÇÃO DE 30%. NÃO RAZOÁVEL. 1- Na hipótese de rescisão do contrato de compromisso de compra e venda por culpa da compradora, mesmo que haja cláusula contratual expressa contendo outros percentuais, revela-se razoável e proporcional a retenção de 10% (dez por cento) dos valores pagos a título de multa penal compensatória pelas despesas inerentes à negociação realizada. 2- A jurisprudência deste Tribunal de Justiça tem se firmado no sentido de que 10% (dez por cento) é o percentual de retenção ideal, na medida em que atende aos princípios da razoabilidade e proporcionalidade. APELAÇÃO CONHECIDA E PROVIDA. (TJGO, Apelação Cível 5251921-80.2019.8.09.0051, Relator Desembargador JAIRO FERREIRA JÚNIOR, 6ª Câmara Cível, DJe de 26/11/2020) – destaquei;
DUPLO APELO. AÇÃO DE RESCISÃO CONTRATUAL C/C RESTITUIÇÃO DE IMPORTÂNCIAS PAGAS. PRIMEIRO APELO. RETENÇÃO DE 25%. IMPOSSIBILIDADE. SEGUNDO APELO. CERCEAMENTO DE DEFESA. AFASTADO. RETENÇÃO DE 10%. CABÍVEL. (...) Na hipótese de rescisão do contrato de compromisso de compra e venda por culpa do comprador, mesmo que haja cláusula contratual expressa contendo outros percentuais, revela-se razoável e proporcional a retenção de 10 % (dez por cento) dos valores pagos a título de multa penal compensatória pelas despesas inerentes à negociação realizada. Primeiro apelo conhecido e desprovido. Segundo apelo conhecido e parcialmente provido. Sentença reformada em parte. (TJGO, Apelação Cível 0351260-73.2014.8.09.0051, Relator Desembargador ITAMAR DE LIMA, 3ª Câmara Cível, julgado em 22/09/2020, DJe de 22/09/2020) – destaquei.
Consoante entendimento jurisprudencial supracitado, a sentença fustigada desmerece reforma neste capítulo posto que a redução da retenção das parcelas adimplidas pelo consumidor em caso de arrependimento deste ao patamar de 10% (dez por cento) está de acordo com o entendimento desta corte de justiça.
Prosseguindo, também não assiste razão ao apelante quanto ao pleito de incidência dos juros de mora a partir do trânsito em julgado da sentença, vez que o termo inicial, em caso de responsabilidade contratual e obrigação ilíquida (mora ex persona), como é o caso dos autos, é a própria citação (artigo 405 do Código Civil).
Portanto, a sentença não merece reforma no ponto.
Em relação aos honorários recursais previstos no artigo 85, § 11º, do Código de Processo Civil, colaciono as balizas estabelecidas pelo Superior Tribunal de Justiça a respeito da matéria:
“[…] É devida a majoração da verba honorária sucumbencial, na forma do art. 85, § 11, do CPC/15, quando estiverem presentes, simultaneamente, os seguintes requisitos: a) decisão recorrida publicada a partir de 18.3.2016, quando entrou em vigor o Código de Processo Civil de 2015; b) recurso não conhecido integralmente ou não provido, monocraticamente ou pelo órgão colegiado competente, e c) condenação em honorários advocatícios desde a origem no feito em que interposto. 5. Agravo interno não provido.” (STJ, Terceira Turma, Ag. Int. no AREsp. 1259419/GO, DJe de 03.12.2018).
Na hipótese, a sucumbência recíproca foi delineada nos seguintes termos pelo magistrado de origem:
“Pela sucumbência recíproca, CONDENO as partes no pagamento das custas processuais, na proporção de 50% para cada uma, bem como em honorários advocatícios, na mesma proporção, os quais arbitro em 10% do valor atualizado da causa, o que faço com fundamento no artigo 85, §2º, I a IV do Código de Processo Civil, observada a justiça gratuita concedida à parte autora (art. 98, § 3°, CPC).”
Isso posto, parcialmente provido o apelo do autor, não há que se falar em majoração dos honorários nesta instância. Por sua vez, desprovido o apelo da requerida, majora-se os honorários para 12% (doze por cento) sobre o valor da causa, na forma do artigo 85, § 11, do Código de Processo Civil.
Ao teor do exposto, CONHEÇO dos apelos, NEGO PROVIMENTO ao segundo e DOU PARCIAL PROVIMENTO ao primeiro, para fixar o valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) a título de reparação por danos morais em favor do autor.
Sobre o valor da condenação por danos morais, em razão das alterações promovidas pela Lei n. 14.905/2024 no Código Civil, até 29/08/2024, incidirá correção monetária pelo INPC, desde a data do arbitramento (Súmula 362 do Superior Tribunal de Justiça) e juros de mora de 1% (um por cento) ao mês, a partir da citação (artigo 405 do Código Civil). A partir de 30/08/2024, incidirá correção monetária pelo IPCA-IBGE, na forma do artigo 389, parágrafo único, do Código Civil, e juros de mora pela taxa SELIC, deduzida a atualização pelo IPCA-IBGE, observando-se o artigo 406 do Código Civil.
É o voto.
Documento datado e assinado digitalmente.
Fernando Braga Viggiano
Desembargador
Relator
8
DUPLA APELAÇÃO CÍVEL N. 5214513-89.2018.8.09.0051
COMARCA : GOIÂNIA
RELATOR : DESEMBARGADOR
1º APELANTE : JOSÉ HENRIQUE BRAZ ALVES
2ª APELANTE : CASCÃO INCORPORAÇÕES S/A – EM RECUPERAÇÃO JUDICIAL
1ª APELADA : CASCÃO INCORPORAÇÕES S/A – EM RECUPERAÇÃO JUDICIAL
2º APELADO : JOSÉ HENRIQUE BRAZ ALVES
DIREITO CIVIL. DUPLA APELAÇÃO CÍVEL. RESCISÃO CONTRATUAL. COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA. CULPA DO COMPRADOR. LIMITAÇÃO DA CLÁUSULA PENAL. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS POR ATRASO NA ENTREGA DA INFRAESTRUTURA. SENTENÇA REFORMADA EM PARTE.
I. CASO EM EXAME
1. Dupla apelação cível interposta contra sentença que declarou rescindido contrato de compra e venda de loteamento, determinando a restituição dos valores pagos, com retenção de 10% a título de multa contratual. O primeiro apelante pleiteia a inversão da cláusula penal e a condenação da requerida por danos morais pelo atraso na entrega da infraestrutura do loteamento. A segunda apelante busca a manutenção do percentual de retenção da cláusula penal em 23%, conforme contrato, e a alteração do marco inicial dos juros de mora para o trânsito em julgado da sentença.
II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO
2. A questão em discussão consiste em: (i) saber se o percentual de retenção da multa contratual deve ser mantido em 10% ou alterado para 23%; (ii) verificar se há dano moral indenizável pelo atraso na entrega da infraestrutura do loteamento; (iii) definir o marco inicial dos juros de mora sobre a restituição dos valores pagos.
III. RAZÕES DE DECIDIR
3. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça admite a retenção entre 10% e 25% do total da quantia paga pelo promitente comprador, considerando razoável o percentual de 10%, por observar os princípios da razoabilidade e proporcionalidade.
4. O atraso na entrega da infraestrutura básica do loteamento configura falha na prestação do serviço essencial e gera dano moral indenizável, pois comprometeu a utilização do imóvel dentro das expectativas do adquirente.
5. A inversão da cláusula penal para penalizar exclusivamente a parte vendedora não se justifica, pois os contratos devem manter equilíbrio entre as partes, e a hipótese trata de rescisão por culpa do comprador.
6. O marco inicial dos juros de mora deve ser mantido na citação.
IV. DISPOSITIVO E TESE
7. Recursos conhecidos. Segundo apelo desprovido e primeiro apelo parcialmente provido, para condenar a requerida ao pagamento de indenização por danos morais.
Tese de julgamento:
"1. A retenção da multa contratual em 10% sobre os valores pagos pelo comprador é razoável e proporcional ao caso concreto. 2. O atraso na entrega da infraestrutura básica do loteamento, comprometendo sua fruição, configura dano moral indenizável. 3. O marco inicial dos juros de mora sobre a restituição dos valores pagos é a data da citação."
Dispositivos relevantes citados: Constituição Federal, artigo 5º, inciso XXXII; Código de Defesa do Consumidor, artigos 6º, inciso VI, e 14; Código Civil, artigos 389, 394 e 402.
Jurisprudência relevante citada: STJ, AgInt no REsp 1.899.556/SP, Relator Ministro Moura Ribeiro, Terceira Turma, j. 15.03.2021; STJ, REsp 1.498.484/SP, Relator Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, Terceira Turma, j. 08.09.2015.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os presentes autos da DUPLA APELAÇÃO CÍVEL N. 5214513-89.2018.8.09.0051.
Acorda o Tribunal de Justiça do Estado de Goiás, pela Quarta Turma Julgadora de sua Terceira Câmara Cível, por unanimidade de votos, em CONHECER DOS RECURSOS DE APELAÇÃO CÍVEL, PROVER PARCIALMENTE O PRIMEIRO E DESPROVER O SEGUNDO, tudo nos termos do voto do Relator.
Votaram, além do Relator Desembargador Fernando Braga Viggiano, o Desembargador Gilberto Marques Filho e o Desembargador Murilo Vieira de Faria.
Presidiu a sessão de julgamento o Excelentíssimo Senhor Desembargador Fernando Braga Viggiano.
Esteve presente à sessão o representante da Procuradoria-Geral de Justiça, Doutora Rúbian Corrêa Coutinho.
Goiânia, datado e assinado digitalmente.
Fernando Braga Viggiano
Desembargador
Relator
Av. Assis Chateaubriand, Nº 195, Setor Oeste, CEP:74130-011, Fone: (62) 3216-2254
gab.fbviggiano@tjgo.jus.br
DIREITO CIVIL. DUPLA APELAÇÃO CÍVEL. RESCISÃO CONTRATUAL. COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA. CULPA DO COMPRADOR. LIMITAÇÃO DA CLÁUSULA PENAL. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS POR ATRASO NA ENTREGA DA INFRAESTRUTURA. SENTENÇA REFORMADA EM PARTE.
I. CASO EM EXAME
1. Dupla apelação cível interposta contra sentença que declarou rescindido contrato de compra e venda de loteamento, determinando a restituição dos valores pagos, com retenção de 10% a título de multa contratual. O primeiro apelante pleiteia a inversão da cláusula penal e a condenação da requerida por danos morais pelo atraso na entrega da infraestrutura do loteamento. A segunda apelante busca a manutenção do percentual de retenção da cláusula penal em 23%, conforme contrato, e a alteração do marco inicial dos juros de mora para o trânsito em julgado da sentença.
II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO
2. A questão em discussão consiste em: (i) saber se o percentual de retenção da multa contratual deve ser mantido em 10% ou alterado para 23%; (ii) verificar se há dano moral indenizável pelo atraso na entrega da infraestrutura do loteamento; (iii) definir o marco inicial dos juros de mora sobre a restituição dos valores pagos.
III. RAZÕES DE DECIDIR
3. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça admite a retenção entre 10% e 25% do total da quantia paga pelo promitente comprador, considerando razoável o percentual de 10%, por observar os princípios da razoabilidade e proporcionalidade.
4. O atraso na entrega da infraestrutura básica do loteamento configura falha na prestação do serviço essencial e gera dano moral indenizável, pois comprometeu a utilização do imóvel dentro das expectativas do adquirente.
5. A inversão da cláusula penal para penalizar exclusivamente a parte vendedora não se justifica, pois os contratos devem manter equilíbrio entre as partes, e a hipótese trata de rescisão por culpa do comprador.
6. O marco inicial dos juros de mora deve ser mantido na citação.
IV. DISPOSITIVO E TESE
7. Recursos conhecidos. Segundo apelo desprovido e primeiro apelo parcialmente provido, para condenar a requerida ao pagamento de indenização por danos morais.
Tese de julgamento:
"1. A retenção da multa contratual em 10% sobre os valores pagos pelo comprador é razoável e proporcional ao caso concreto. 2. O atraso na entrega da infraestrutura básica do loteamento, comprometendo sua fruição, configura dano moral indenizável. 3. O marco inicial dos juros de mora sobre a restituição dos valores pagos é a data da citação."
Dispositivos relevantes citados: Constituição Federal, artigo 5º, inciso XXXII; Código de Defesa do Consumidor, artigos 6º, inciso VI, e 14; Código Civil, artigos 389, 394 e 402.
Jurisprudência relevante citada: STJ, AgInt no REsp 1.899.556/SP, Relator Ministro Moura Ribeiro, Terceira Turma, j. 15.03.2021; STJ, REsp 1.498.484/SP, Relator Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, Terceira Turma, j. 08.09.2015.
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