Processo nº 5000424-71.2016.4.03.6144
ID: 256021669
Tribunal: TRF3
Órgão: Gab. 29 - JUÍZA CONVOCADA RAECLER BALDRESCA
Classe: APELAçãO CíVEL
Nº Processo: 5000424-71.2016.4.03.6144
Data de Disponibilização:
14/04/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
WALTER BARBOSA DA SILVA
OAB/SP XXXXXX
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JOSE JORGE DE OLIVEIRA BITTENCOURT
OAB/RJ XXXXXX
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PODER JUDICIÁRIO Tribunal Regional Federal da 3ª Região 8ª Turma APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5000424-71.2016.4.03.6144 RELATOR: Gab. 29 - JUÍZA CONVOCADA RAECLER BALDRESCA APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO…
PODER JUDICIÁRIO Tribunal Regional Federal da 3ª Região 8ª Turma APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5000424-71.2016.4.03.6144 RELATOR: Gab. 29 - JUÍZA CONVOCADA RAECLER BALDRESCA APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS APELADO: SILVIA SPENCER RAMOS SALOMAO CORREA ESPOLIO: SHIRLEY VIEIRA DA CUNHA REPRESENTANTE: BRUNO JOSE CUNHA CORREA Advogados do(a) ESPOLIO: WALTER BARBOSA DA SILVA - SP323158-A, Advogado do(a) APELADO: JOSE JORGE DE OLIVEIRA BITTENCOURT - RJ159979-A OUTROS PARTICIPANTES: D E C I S Ã O Trata-se de recurso de apelação interposto pelo INSS em face de sentença que julgou procedente o pedido da parte autora para concessão do benefício de pensão por morte, previsto na Lei nº 8213/91. Sustenta a autarquia previdenciária a inexistência de comprovação suficiente da união estável entre a parte autora e o de cujus. Alega a inviabilidade jurídica do reconhecimento de relações paralelas, à luz da jurisprudência firmada pelo Supremo Tribunal Federal no Tema 529. Solicita, subsidiariamente, a cessação do benefício da esposa do falecido instituidor do benefício. Requer, assim, a reforma da sentença recorrida. Sem contrarrazões das partes recorridas. Decido. Da possibilidade de julgamento monocrático De início, cumpre destacar a possibilidade de apreciação monocrática da matéria devolvida à apreciação desta Corte Regional, considerando a existência de entendimento dominante acerca do tema. Aplicação, na espécie, do entendimento firmado na Súmula 568 do c. STJ, em homenagem ao princípio da celeridade processual e em prestígio aos precedentes judiciais, cumprindo destacar, ainda, a possibilidade de controle do julgado unipessoal por meio de agravo interno, ex vi das disposições do artigo 1.021 do CPC, o que, em última instância, garante o princípio da colegialidade. Da prescrição quinquenal Na espécie, considerando que a presente ação foi ajuizada há menos de 5 (cinco) anos do óbito do segurado (ou do indeferimento do requerimento administrativo), não há prescrição. Superadas tais questões, passo à análise do mérito. Da pensão por morte O benefício de pensão por morte encontra-se previsto constitucionalmente no artigo 201, inciso V, da Constituição Federal nos seguintes termos: “Art. 201. A previdência social será organizada sob a forma do Regime Geral de Previdência Social, de caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial, e atenderá, na forma da lei, a: (…) V - pensão por morte do segurado, homem ou mulher, ao cônjuge ou companheiro e dependentes, observado o disposto no § 2º. (…) § 2º Nenhum benefício que substitua o salário de contribuição ou o rendimento do trabalho do segurado terá valor mensal inferior ao salário mínimo.” De seu turno, a Lei nº 8.213/91 disciplina o aludido benefício em seus artigos 74 a 78, sendo possível extrair da legislação de regência que, à concessão da pensão por morte, necessário que seja comprovado, cumulativamente: i) o óbito (ou morte presumida) do segurado; ii) a condição de segurado do “de cujus”; e iii) a existência de dependentes assim considerados, na forma da lei. Registre-se, ainda, a possibilidade de concessão de pensão morte aos dependentes do “de cujus” que perdeu a qualidade de segurado quando já preenchidos os requisitos necessários à concessão de aposentadoria – artigo 102, § 2º, da Lei nº 8.213/91. No que diz respeito, especificamente, aos dependentes, há de ser observado o quanto disposto no artigo 16 da LBPS, verbis: “Art. 16. São beneficiários do Regime Geral de Previdência Social, na condição de dependentes do segurado: I - o cônjuge, a companheira, o companheiro e o filho não emancipado, de qualquer condição, menor de 21 (vinte e um) anos ou inválido ou que tenha deficiência intelectual ou mental que o torne absoluta ou relativamente incapaz, assim declarado judicialmente; II - os pais; III - o irmão não emancipado, de qualquer condição, menor de 21 (vinte e um) anos ou inválido ou que tenha deficiência intelectual ou mental que o torne absoluta ou relativamente incapaz, assim declarado judicialmente. (…) § 1º A existência de dependente de qualquer das classes deste artigo exclui do direito às prestações os das classes seguintes. § 2º O enteado e o menor tutelado equiparam-se a filho mediante declaração do segurado e desde que comprovada a dependência econômica na forma estabelecida no Regulamento. (Redação dada pela Lei nº 9.528, de 1997) § 3º Considera-se companheira ou companheiro a pessoa que, sem ser casada, mantém união estável com o segurado ou com a segurada, de acordo com o § 3º do art. 226 da Constituição Federal. § 4º A dependência econômica das pessoas indicadas no inciso I é presumida e a das demais deve ser comprovada. § 5º As provas de união estável e de dependência econômica exigem início de prova material contemporânea dos fatos, produzido em período não superior a 24 (vinte e quatro) meses anterior à data do óbito ou do recolhimento à prisão do segurado, não admitida a prova exclusivamente testemunhal, exceto na ocorrência de motivo de força maior ou caso fortuito, conforme disposto no regulamento. (Incluído pela Lei nº 13.846, de 2019) § 6º Na hipótese da alínea c do inciso V do § 2º do art. 77 desta Lei, a par da exigência do § 5º deste artigo, deverá ser apresentado, ainda, início de prova material que comprove união estável por pelo menos 2 (dois) anos antes do óbito do segurado. (Incluído pela Lei nº 13.846, de 2019) § 7º Será excluído definitivamente da condição de dependente quem tiver sido condenado criminalmente por sentença com trânsito em julgado, como autor, coautor ou partícipe de homicídio doloso, ou de tentativa desse crime, cometido contra a pessoa do segurado, ressalvados os absolutamente incapazes e os inimputáveis.” (destaquei) Quanto à concessão de pensão por morte ao companheiro, a comprovação de eventual união estável exige início de prova material contemporânea aos fatos, produzido em período não superior a 24 (vinte e quatro) meses anteriores à data do óbito, não sendo admitida prova exclusivamente testemunhal (cf. § 5º do artigo 16 da Lei nº 8.213/91). E, uma vez comprovada a existência de união estável que, a teor do artigo 1.723 do Código Civil configura-se como a convivência pública, contínua e duradoura, estabelecida com o objetivo de constituir família, e sendo a dependência, em casos tais, presumida (v. § 4º do artigo 16 da Lei nº 8.213/91), a concessão do benefício de pensão por morte se impõe. Acerca do tema, confiram-se os seguintes julgados desta Corte Regional: “PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. REQUISITOS PREENCHIDOS. BENEFICIO CONCEDIDO. I. CASO EM EXAME 1. Ação previdenciária objetivando a concessão do benefício de pensão por morte, decorrente do óbito de companheira II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO 2. Comprovação da união estável para fins de concessão de pensão por morte. III. RAZÕES DE DECIDIR 3. Quanto à comprovação da dependência econômica, o autor alega que vivia em união estável com a falecida por 06 (seis) anos. Para comprovar o alegado, o autor acostou aos autos cópia de sentença proferida em 11/01/2019 nos autos do processo nº 1009682-03.2017.8.26.0604, reconhecendo a existência de união estável no período de 2008 até a data de falecimento da sua companheira, contrato de compra de veículo em nome do casal em 2009, com o mesmo endereço, contrato de locação de imóvel em 2008, além de contas de consumo. Ademais, as testemunhas ouvidas foram uníssonas em comprovar o alegado, destacando que o autor e a falecida permaneceram em união matrimonial até a data do seu óbito. 4. Comprovada a união estável, a dependência econômica do autor com relação à falecida é presumida, nos termos do § 4º, do artigo 16, da Lei nº 8.213/91, por se tratar de dependentes arrolados no inciso I do mesmo dispositivo. 5. No que tange à qualidade de segurado, restou igualmente comprovada, visto que a falecida era beneficiária de aposentadoria por idade desde 23/05/2010, conforme extrato do sistema CNIS/DATAPREV. 6. Preenchidos os requisitos legais, reconhece-se o direito do autor ao benefício de pensão por morte a partir do requerimento administrativo (01/02/2017), conforme determinado pelo juiz sentenciante, de forma vitalícia. IV. DISPOSITIVO 7. Apelação do INSS desprovida.” (TRF 3ª Região, 8ª Turma, ApelRemNec - APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA - 5016102-73.2021.4.03.6105, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL TORU YAMAMOTO, julgado em 10/12/2024, DJEN DATA: 13/12/2024) “PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. ARTIGOS 74 E SEGUINTES DA LEI 8.213/91. QUALIDADE DE SEGURADO. DEPENDÊNCIA ECONÔMICA PRESUMIDA. REQUISITOS PRESENTES. BENEFÍCIO DEVIDO. - Consoante jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, o fato gerador para a concessão do benefício de pensão por morte é o óbito do segurado, devendo, pois, ser aplicada a lei vigente à época de sua ocorrência. - Para a concessão do benefício de pensão por morte é necessário o preenchimento dos seguintes requisitos: qualidade de dependente, nos termos da legislação vigente à época do óbito; comprovação da qualidade de segurado do de cujus, ou, em caso de perda da qualidade de segurado, o preenchimento dos requisitos para a concessão da aposentadoria (artigos 15 e 102 da Lei nº 8.213/91, com a redação dada pela Lei nº 9.528/97; Lei nº 10.666/03). - A qualidade de segurado do falecido restou comprovada, uma vez que ele esteve em gozo de benefício de aposentadoria por invalidez até a data do óbito - Dessa forma, a partir da vigência da Lei 13.135/2015, a pensão por morte que antes era paga de forma vitalícia, independentemente da idade do beneficiário, passou a ter sua duração máxima variável, conforme a idade e o tipo do beneficiário, bem como passou a ser exigida a comprovação de dois anos de casamento ou de união estável. - Comprovada a condição de companheira, a dependência econômica é presumida, nos termos do § 4º artigo 16 da Lei n.º 8.213/91, por período superior a dois anos. - Presentes os requisitos, é devida a concessão do benefício de pensão por morte vitalícia, em decorrência do óbito de seu companheiro (artigo 74 e 77, §2º, inciso V, 'c', 6, da Lei 8213/91 da Lei nº 8.213/91). 7. Honorários advocatícios a cargo do INSS, fixados nos termos do artigo 85, §§ 3º e 4º, II, do Código de Processo Civil/2015, e da Súmula 111 do STJ, devendo o percentual ser definido somente na liquidação do julgado, com a majoração de 1%, em razão da sucumbência recursal, a teor do § 11 do art. 85. - Apelação do INSS não provida.” (TRF 3ª Região, 8ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 5008136-59.2021.4.03.6105, Rel. Desembargador Federal SILVIA MARIA ROCHA, julgado em 25/11/2024, DJEN DATA: 28/11/2024) “PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. PENSÃO POR MORTE. DEPENDÊNCIA ECONÔMICA. UNIÃO ESTÁVEL COMPROVADA. 1. A concessão do benefício, em princípio, depende do reconhecimento da presença de três requisitos básicos: o óbito, a qualidade de segurado do falecido e a dependência econômica em relação a ele na data do falecimento. 2. Demonstrados o óbito e a qualidade de segurado do instituidor do benefício. 3. A união estável é reconhecida constitucionalmente como entidade familiar (art. 226, § 3º da CR) e seus parâmetros estão previstos no artigo 1.723 do Código Civil. 4. O conjunto probatório é hábil a demonstrar que autora e falecido conviveram em união estável por tempo superior a dois anos, nos moldes do artigo 1.723 do Código Civil, tendo perdurado até o dia do passamento, estando cabalmente comprovada a dependência econômica dela, por ser presumida. 5. Recurso não provido.” (TRF 3ª Região, 10ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL 5004265-08.2023.4.03.9999, Desembargador Federal LEILA PAIVA, julgado em 28/09/2023, DJEN DATA: 04/10/2023) Dispensa-se a demonstração do período de carência, nos termos do art. 26, inciso I, da Lei n.° 8.213/91, conquanto sua duração possa variar conforme a quantidade de contribuições recolhidas pelo instituidor, consoante o disposto no art. 77 do mesmo diploma legal. Do caso concreto Em atenção ao princípio tempus regit actum e a teor da súmula 340 do Colendo Superior Tribunal de Justiça (STJ), a pensão por morte reger-se-á pela lei vigente na data do falecimento, aplicando-se ao caso as normas dos artigos 16, 26, e 74 a 79, todos da Lei nº 8.213, de 24/07/1991. Na espécie, o óbito do instituidor do benefício ocorreu em 06/10/2015 (ID. 5093857, pág. 4). Por outro lado, restou incontroverso o preenchimento do requisito da qualidade de segurado do de cujus quando de seu falecimento, haja vista que o INSS não apresentou qualquer impugnação a este respeito em sede de apelação (ID. 308920070). Outrossim, com base nos registros constantes do Sistema DATAPREV-CNIS, restou demonstrada a condição de segurado do falecido à época do óbito (ID. 5093857, pág. 11). A controvérsia diz respeito à condição de dependente da parte autora e à viabilidade jurídica de uniões afetivas paralelas. Com relação à dependência econômica da autora em relação ao instituidor, restou comprovada nos autos, como bem decidido na r. sentença. O pedido funda-se em documentos, dentre os quais destaco em nome da autora falecida Shirley Vieira da Cunha: - Registro de nascimento de filho havido em comum, BRUNO JOSÉ CUNHA CORREA, em 16.12.1992 – ID 279211 - Pág. 1; - Conversas de aplicativo WhatsApp, de 18.08.2015 a 06.10.2015, aparentemente entre a autora e JOSÉ JOAQUIM COELHO CORREA – ID 279216 - Pág. 1; - Recibos de entrega de Declaração de Imposto de Renda da Pessoa Física (DIRPF) do ex-segurado, exercícios 2014 e 2015, anos-calendários 2013 e 2014, ambas entregues em 20.07.2015, constando endereço na Alameda Pinta roxo, n. 207, Aldeia da Serra, Barueri-SP – ID 279217 - Pág. 2-3; - Correspondência de cobrança Claro S/A, em nome do ex-segurado, para o mesmo endereço, em 16.09.2015 – ID 279217 - Pág. 21-22; - Nota fiscal de compra de urna mortuária para o sepultamento de JOSE JOAQUIM COELHO CORREA, efetuada por SHIRLEY VIEIRA DA CUNHA – ID 279218 - Pág. 1; - Cartões de crédito Carrefour Internacional, em nome da autora, do ex-segurado e do sucessor, com validade até 2017 – ID 279218 - Pág. 4; - Recibos de pagamentos de utilização de capela para velório e sepultamento de JOSÉ JOAQUIM COELHO CORREA, efetuados pela autora – ID 279218 - Pág. 9; - Boleto da Revista Arautos do Evangelho, em nome da autora, para pagamento em 02.10.2014, com o mesmo endereço – ID 4982957 - Pág. 39; - Fatura de cartão de crédito em nome da autora, com o mesmo endereço, vencimento em 10.08.2013 – ID 4982957 - Pág. 45; - Escritura pública de doação de nua propriedade com reserva e instituição de usufruto vitalício de imóvel urbano, datada de 22.08.2005, referente ao prédio residencial inscrito como lote 11, quadra 33, Alameda Pintarroxo, n. 207, Aldeia da Serra, Residencial Morada dos Pássaros, Barueri-SP, sendo doador JOSÉ JOAQUIM COELHO CORREA, donatário BRUNO JOSÉ CUNHA CORREA e usufrutuária SHIRLEY VIEIRA DA CUNHA, qualificado o ex-segurado como separado consensualmente – ID 4982957 - Pág. 55-60; e - Escritura do imóvel acima referido, matrícula n. 75609, folha 001, adquirido pelo falecido em 09.01.2002, qualificado como separado consensualmente – ID 4982957 - Pág. 61-65. A parte requerente produziu prova oral. A informante Estela Alba Duca, apesar de sua proximidade com a autora, descreveu minuciosamente a convivência pública, contínua e duradoura entre Shirley e o de cujus, narrando episódios de vida comum, viagens, convivência com amigos e familiares, e a ausência de vínculo conjugal com a Sra. Sílvia, a quem o falecido se referia como ex-esposa. A testemunha Márcio André da Costa Ferreira, zelador do prédio em Niterói onde residia o casal, relatou que Shirley morava com o Sr. Correa desde, ao menos, 1997, sendo publicamente reconhecida como sua esposa. Confirmou a coabitação estável, a rotina comum e a dependência econômica, atestando não haver conhecimento de outra mulher na vida do falecido. Já a testemunha Eilton Rodrigues Silva, agente de segurança do condomínio em Barueri, declarou conhecer o casal há mais de duas décadas, referindo a convivência pública, a apresentação mútua como marido e mulher e o sustento provido exclusivamente pelo Sr. Correa. Diante da harmonia entre a prova documental acostada e os depoimentos colhidos em juízo, reputa-se comprovada a união estável e a dependência econômica da requerente em relação ao instituidor do benefício. Cumpre proceder à análise das relações simultâneas mantidas pelo instituidor do benefício, notadamente o vínculo matrimonial com a Sra. Sílvia e a alegada união estável com a Sra. Shirley. A corré Sílvia Spencer Ramos Salomão Correa instruiu os autos com elementos probatórios que evidenciam a existência de vínculo conjugal formal com o falecido, sob a égide do matrimônio civil. Dentre os documentos acostados, consta a certidão de óbito de José Joaquim Coelho Correa, na qual figura como casado e residente na Alameda Pintarroxo, nº 207, Morada dos Pássaros, Barueri/SP (ID 5093857, pág. 4), bem como o assento de casamento celebrado no exterior (ID 5093857, pág. 24). Destaca-se, ainda, a propositura, pela referida corré, da ação judicial de n. 8.422/2016, perante a 1ª Vara de Família, objetivando a retificação do registro de óbito do de cujus, a fim de fazer constar seu estado civil como casado. Conforme consignado na r. sentença (ID. 308920069), em depoimento pessoal o sucessor da autora falecida, Bruno José Cunha Correa, informa que: “[...] ela já vivia com seu pai, JOSÉ JOAQUIM COELHO CORREA, alguns anos antes do filho em comum nascer, tendo o casal convivido maritalmente até a data do óbito de JOSÉ JOAQUIM. Disse que a família morava em São Paulo, e, como o pai tinha empresa transportadora no Rio de Janeiro, a família ia para lá. Referiu que o pai possuía um apartamento em Niteroi-RJ, na Rua Tavares de Macedo, não se recordando o número, mas que a casa principal ficava em Barueri, Alameda Pintarroxo, 207, Morada dos Pássaros, Aldeia da Serra, Barueri-SP. Relatou que vieram para São Paulo em 2000, quando o depoente tinha 7 ou 8 anos de idade, sendo que viveram em Alphaville, depois adquiriram casa em Aldeia da Serra. Mencionou que é filho único do casal e que José Joaquim teve outros filhos, José Antonio e Lúcia, com a Sílvia. Reportou que os irmãos conviveram com o depoente e a mãe dele, em almoços e jantares, tanto no RJ, quanto em SP. Narrou que seus pais se apresentavam como marido e mulher; que os amigos participavam do ambiente; que frequentavam casa de amigos; que funcionários do pai sabiam quem era a mãe do depoente, sabiam da relação; que a mãe do depoente já esteve na empresa; que viajavam muito de carro; e que todos sabiam do relacionamento, não era algo escondido para ninguém. Afirmou que todo fim de semana saiam para comer pizza no centro comercial de Aldeia da Serra; que gostavam muito de uma pizzaria; que faziam programas normais de pais e filhos; e que iam ver jogo de futebol, cinema e atividades normais do cotidiano. Asseverou que não houve fase de separação antes do óbito. Relatou que a mãe não trabalhava na época do óbito, era dona de casa. Narrou que, quando aconteceu o incidente, o pai estava indo para o RJ e teve que ir para o hospital; que o depoente estava em provas na faculdade; que a mãe do depoente foi acompanhar todo o incidente junto com o pai; que o genitor teve umas paradas cardíacas dirigindo rumo ao Rio de Janeiro; que tinha funcionário com ele no carro; que esteve no hospital e a aorta dele não aguentou; e que o pai teve outros incidentes no hospital e acabou não suportando. Acrescentou que Silvia nunca aceitou a relação dos pais do depoente; que a irmã frequentava a casa deles em Niteroi; que o outro filho, José Antonio, frequentava a casa de Aldeia e o apartamento de Alphaville; que, depois do óbito do pai, isso mudou bastante; que não mais mantém contato com os irmãos unilaterais; que tentou manter contato com a irmã, mas sem condições; e que eles não quiseram a amizade do depoente.”. Nos termos delimitados na sentença (ID. 308920069), em depoimento pessoal a corré Sílvia Spencer Ramos Salomão Correa relata que: “[...] foi sempre casada com José Joaquim, em 53 anos de casamento legal; que tiveram 2 filhos: Lúcia Salomão Correa e José Antonio Salomão Correa; que nunca houve separação entre o casal, nem divórcio; que a depoente e o ex-segurado sempre viveram na mesma casa; que trabalhou no início do casamento, quando os filhos eram pequenos; que o casal veio da África; que, depois que nasceu a segunda filha, Lúcia, a depoente deixou de trabalhar porque tinha 2 filhos e era difícil trabalhar fora; que sempre dependeu economicamente de José JOAQUIM; que ignorou o relacionamento de José com Shirley; que toda esposa desconfia que o marido está “pulando a cerca”, mas a depoente ignorou qualquer fato; que ambos se amavam; que não teve crise no relacionamento da depoente, nunca; que somente briguinhas de casal, que passam rapidamente, mas nunca separação, nem nada; que JOSÉ ia e voltava entre SP e RJ; que, em SP, tinha filial da empresa, e, no Rio de Janeiro, a matriz; que, quando precisava, ele ia a São Paulo por causa do trabalho; que, depois do óbito do Sr. José, a depoente nunca teve outro relacionamento, mantendo-se sempre fiel a ele; que não teve conhecimento de outros relacionamentos do Sr. José, além da D. Shirley; que trabalhou desde que vieram da África, em uma firma de transportes chamada Ipiranga, o que ocorreu antes do nascimento da filha, que nasceu em 1970; que depois trabalhou na Firma Tintex; que veio da África em 05.04.1963, grávida; que em junho de 1963 nasceu o filho; que cada um dos membros do casal trabalhava em um serviço; que a depoente trabalhava em escritório e José na parte comercial, na mesma firma, em 1966; que trabalhavam para outra pessoa, numa empresa de transportes; que a depoente não trabalhou nas empresas do falecido; que era apenas dona de casa, cuidando da casa, das crianças e dele; que, quando ele teve o problema de saúde que acarretou a morte, a depoente não ficou sabendo de nada, somente no dia seguinte soube que ele tinha falecido; que ele vinha de carro de São Paulo e teve aneurisma cerebral no carro; que, de um dia para o outro, ele faleceu; que, quando a depoente soube do falecimento, quem providenciou o sepultamento foi o Bruno e a mãe dele, porque a família da depoente não teve conhecimento; que compareceu no velório e no sepultamento com os filhos; que requereu a pensão depois de uma semana do falecimento, porque estava monetariamente arrasada; que teve que juntar documentos à Previdência Social; que mandou vir documentos de Portugal; que solicitou documentos de Guiné Bissau e outros documentos para comprovar que era esposa; que foi concedido o benefício; que faltava a certidão de casamento original de Portugal; que pediu a pensão uma única vez; que o INSS só pediu a juntada de documentos; que é inventariante, mas, ao que sabe, está estacionado o inventário; que o inventário foi proposto na 1ª Vara de Família de Niteroi; que soube que o processo foi transferido para Barueri, não sabendo a razão; e que não recorreu da decisão, porque não foi instruída por seu advogado.”. Constata-se que a corré Sílvia Spencer Ramos Salomão Correa declarou, no bojo da ação de execução ajuizada pelo Banco Bradesco S/A (autos nº 1018646-92.2016.8.16.0224), estar separada de fato do instituidor do benefício há mais de duas décadas. A prova oral colhida em juízo revela, de forma inequívoca, que o falecido mantinha com a parte autora convivência pública, contínua e duradoura, com aparência de casamento, sendo esta a única relação reconhecida pelos depoentes, que sequer mencionaram a existência da corré Sílvia em suas declarações. As testemunhas Márcio André da Costa Ferreira e Eilton Rodrigues Silva foram uníssonas ao afirmar que o de cujus vivia maritalmente com a autora há cerca de vinte anos, período que coincide com aquele indicado como de separação fática entre o falecido e sua esposa legal no processo judicial nº 1018646-92.2016.8.16.0224. Tais elementos, somados aos indícios constantes dos autos da execução supramencionada, corroboram a tese da ruptura de fato do vínculo conjugal, ainda que não formalizada judicialmente. Conquanto o Código Civil preveja a impossibilidade quanto ao reconhecimento da existência de união estável entre pessoas casadas (art. 1.723, § 1º, c/c 1.521, inciso VI do CC), é certo que também prevê uma exceção a essa regra, na hipótese em que o indivíduo casado se encontre separado de fato: "Art. 1723 (...) § 1º A união estável não se constituirá se ocorrerem os impedimentos do art. 1.521; não se aplicando a incidência do inciso VI no caso de a pessoa casada se achar separada de fato ou judicialmente." Não se desconhece que o STF, ao julgar os Temas de n.º 526 e 529, submetidos à sistemática da repercussão geral, firmou as seguintes teses: Tema 526: “É incompatível com a Constituição Federal o reconhecimento de direitos previdenciários (pensão por morte) à pessoa que manteve, durante longo período e com aparência familiar, união com outra casada, porquanto o concubinato não se equipara, para fins de proteção estatal, às uniões afetivas resultantes do casamento e da união estável”. (STF. Plenário. RE 883168, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 3/8/2021). Tema 529: “A preexistência de casamento ou de união estável de um dos conviventes, ressalvada a exceção do artigo 1.723, § 1º, do Código Civil, impede o reconhecimento de novo vínculo referente ao mesmo período, inclusive para fins previdenciários, em virtude da consagração do dever de fidelidade e da monogamia pelo ordenamento jurídico-constitucional brasileiro.” (STF. Plenário. RE 1045273, Rel. Min. Alexandre de Moraes, julgado em 18/12/2020 (Repercussão Geral – Tema 529) In casu, contudo, incide a exceção do art. 1.723, § 1º, do Código Civil (separação de fato do indivíduo casado). Nesse sentido, seguem julgados desta C. Oitava Turma: "PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. ART. 74 DA LEI N.º 8.213/91. COMPROVAÇÃO DOS REQUISITOS NECESSÁRIOS. CONCESSÃO DO BENEFÍCIO. CASAMENTO E UNIÃO ESTÁVEL.TEMAS 526 e 529 DO STF, SUBMETIDOS À SISTEMÁTICA DA REPERCUSSÃO GERAL. HABILITAÇÃO TARDIA. TERMO INICIAL. - Não conhecimento do reexame necessário, conforme disposto no art. 496, § 3.º, inciso I, do Código de Processo Civil, que afasta a exigência do duplo grau de jurisdição quando a condenação ou o proveito econômico for inferior a 1.000 salários mínimos. - Nos termos do artigo 74 da Lei nº 8.213/91, dois são os requisitos para a concessão do benefício de pensão por morte, quais sejam: a qualidade de segurado do falecido e a dependência econômica do beneficiário postulante. - Conforme preceitua o tema 526 do STF, é incompatível com a Constituição Federal o reconhecimento de direitos previdenciários (pensão por morte) à pessoa que manteve, durante longo período e com aparência familiar, união com outra casada, porquanto o concubinato não se equipara, para fins de proteção estatal, às uniões afetivas resultantes do casamento e da união estável. - A teor do Tema 529 do STF, a preexistência de casamento ou de união estável de um dos conviventes, impede o reconhecimento de novo vínculo referente ao mesmo período, inclusive para fins previdenciários, ressalvada a exceção do artigo 1.723, § 1º, do Código Civil. - O segurado falecido era separado de fato, restando possível reconhecer a união estável. - A prova produzida é suficiente para ensejar a concessão do benefício vindicado, eis que demonstrada a qualidade de segurado do falecido e a convivência da autora com o de cujus. - Nos termos do art. 76, caput, da Lei n.º 8.213/91, tendo o INSS pago anteriormente o valor integral da pensão por morte do segurado para os filhos deste, não pode ser compelido a arcar com importância superior à integralidade do valor do benefício pela inclusão posterior de nova dependente, sob pena de causar prejuízo a toda a sociedade. - O termo inicial dos efeitos financeiros do benefício deverá ser contado do dia seguinte à data de cessação da pensão pelo alcance da maioridade da filha. - Apelação do INSS parcialmente provida". (TRF 3ª Região, 8ª Turma, ApelRemNec - APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA - 5002016-89.2020.4.03.9999, Rel. Desembargador Federal VANESSA VIEIRA DE MELLO, julgado em 12/12/2023, Intimação via sistema DATA: 15/12/2023) "PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. ART. 74 DA LEI N.º 8.213/91. COMPROVAÇÃO DOS REQUISITOS NECESSÁRIOS. CONCESSÃO DO BENEFÍCIO. CASAMENTO E UNIÃO ESTÁVEL.TEMAS 526 e 529 DO STF, SUBMETIDOS À SISTEMÁTICA DA REPERCUSSÃO GERAL. - Conforme preceitua o tema 526 do STF, é incompatível com a Constituição Federal o reconhecimento de direitos previdenciários (pensão por morte) à pessoa que manteve, durante longo período e com aparência familiar, união com outra casada, porquanto o concubinato não se equipara, para fins de proteção estatal, às uniões afetivas resultantes do casamento e da união estável. - A teor do Tema 529 do STF, a preexistência de casamento ou de união estável de um dos conviventes, impede o reconhecimento de novo vínculo referente ao mesmo período, inclusive para fins previdenciários, ressalvada a exceção do artigo 1.723, § 1º, do Código Civil. - O segurado falecido era separado de fato, restando possível reconhecer a união estável. - A prova produzida é suficiente para ensejar a concessão do benefício vindicado, eis que demonstrada a carência exigida, a qualidade de segurado do falecido e a convivência da autora com o de cujus. - Reconhecimento da procedência do pedido formulado. - Em que pese a inicial não ser um primor de técnica e precisão, a sua leitura permite concluir que a autora objetivava a cessação da pensão por morte indevidamente concedida à esposa, o que foi confirmado na réplica à contestação da litisconsorte, não havendo que se falar em decisão ultra petita. Ademais, tal cessação é decorrência intrínseca do que foi apurado na presente ação, posto restar comprovado que o falecido e sua esposa estavam separados de fato quando do óbito, não fazendo a litisconsorte jus ao benefício em testilha. - A questão do termo inicial dos efeitos financeiros do benefício deverá ser apreciada pelo juízo da execução e de acordo com o que restar decidido no julgamento do Tema n.º 1.124 pelo STJ, - Apelação do INSS e da litisconsorte passiva". (TRF 3ª Região, 8ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 5062103-40.2022.4.03.9999, Rel. Desembargador Federal THEREZINHA ASTOLPHI CAZERTA, julgado em 14/02/2023, DJEN DATA: 17/02/2023) Destarte, ante a presunção de dependência econômica da parte autora e da qualidade de segurado do de cujus, patente o direito pretendido nesta demanda à obtenção do benefício de pensão por morte. Evidenciado que o falecido e sua esposa se encontravam separados de fato à época do óbito, e não tendo a litisconsorte Sílvia Spencer comprovado vínculo de dependência econômica superveniente, inexiste fundamento jurídico que sustente a sua permanência como beneficiária da pensão por morte, razão pela qual impõe-se a cessação do benefício NB 177.795.479-4. No que tange à restituição dos valores percebidos indevidamente, é legítima a pretensão do INSS de buscar o ressarcimento ao erário, em consonância com o princípio que veda o enriquecimento sem causa. Tal restituição pode ser promovida, a critério da Administração, tanto pela via administrativa, nos termos dos artigos 115, II, da Lei nº 8.213/1991, e 154, § 3º, do Decreto nº 3.048/1999, quanto pela via judicial (TRF 3ª Região, 9ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 0037864-43.2011.4.03.9999, Rel. Desembargador Federal DALDICE MARIA SANTANA DE ALMEIDA, julgado em 24/11/2022, DJEN DATA: 30/11/2022). Diante do exposto, acolho o pleito subsidiário formulado pelo INSS, para determinar a cessação do benefício de pensão por morte em favor da cônjuge supérstite, bem como a restituição dos valores por ela indevidamente percebidos. Da atualização do débito A correção monetária e os juros de mora incidirão nos termos previstos pelo Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal. Da condenação em honorários Consoante orientação firmada pela C. Oitava Turma desta Corte, nas ações de natureza previdenciária, a verba honorária deve ser fixada em 10% sobre o valor da condenação, até a sentença que concedeu o benefício em prol da parte autora (Súmula nº 111 do STJ). Da sucumbência recursal Deixo de majorar os honorários advocatícios fixados na sentença em razão da aplicação do quanto decidido pelo Superior Tribunal de Justiça no Tema no 1059: “A majoração dos honorários de sucumbência prevista no art. 85, § 11, do CPC pressupõe que o recurso tenha sido integralmente desprovido ou não conhecido pelo tribunal, monocraticamente ou pelo órgão colegiado competente. Não se aplica o art. 85, § 11, do CPC em caso de provimento total ou parcial do recurso, ainda que mínima a alteração do resultado do julgamento ou limitada a consectários da condenação.”. Prequestionamento Quanto ao prequestionamento suscitado pelo INSS, assinalo não haver qualquer infringência à legislação federal ou a dispositivos constitucionais. Dispositivo Ante o exposto, dou provimento parcial ao recurso de apelação do INSS, nos termos da fundamentação. Intimem-se. Após, baixem os autos à Vara de origem, observadas as formalidades legais. São Paulo/SP, data da assinatura digital.
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