Processo nº 0004697-71.2023.8.27.2737
ID: 315171105
Tribunal: TJTO
Órgão: NÚCLEO DE APOIO AS COMARCAS - NACOM
Classe: USUCAPIãO
Nº Processo: 0004697-71.2023.8.27.2737
Data de Disponibilização:
03/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
GUSTAVO ANTÔNIO FERES PAIXÃO
OAB/RJ XXXXXX
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Usucapião Nº 0004697-71.2023.8.27.2737/TO
AUTOR
: INVESTCO SA
ADVOGADO(A)
: GUSTAVO ANTÔNIO FERES PAIXÃO (OAB RJ095502)
SENTENÇA
Trata-se de Ação Usucapião proposta por INVESTCO S.A em face do
ESPÓL…
Usucapião Nº 0004697-71.2023.8.27.2737/TO
AUTOR
: INVESTCO SA
ADVOGADO(A)
: GUSTAVO ANTÔNIO FERES PAIXÃO (OAB RJ095502)
SENTENÇA
Trata-se de Ação Usucapião proposta por INVESTCO S.A em face do
ESPÓLIO DE ROSEMIRA CARDOSO DA SILVA
, representado por seus herdeiros, ADELÇO CARDOSO DE FRANÇA e MARIANA CARDOSO DE FRANÇA.
Em síntese aduz a parte autora que ser concessionária do Aproveitamento Hidrelétrico Lajeado, no Rio Tocantins, com área de 1.049 km² declarada de utilidade pública (Resolução ANEEL nº 167/1998).
Desde 2000/2001, a área de 175 m² está ocupada pelo reservatório, sem oposição de terceiros. A Investco adquiriu direitos sobre o imóvel de boa-fé e exerce posse mansa e pacífica há mais de 15 anos, preenchendo os requisitos para usucapião.
Ao final requer:
ao fim, o julgamento de integral procedência dos pedidos, para declarar a aquisição da propriedade do imóvel descrito no bojo da presente em favor da Investco, servindo a r. sentença como título para registro perante o Cartório de Registro de Imóveis;
O Estado do Tocantins e Município de Porto Nacional – TO, manifestaram no evento 21 e 25 pela ausência de interesse na presente causa.
O requerido Adelço Cardoso de França e sua esposa
Vanda Maria Pinto Cardoso
apresentaram contestação (evento 51).
Ao final requer a improcedência presente demanda, pois demonstrada a boa fé da parte requerida e demais argumentos esposados, visto foi não foi apresentada Escritura Pública lavrada ás fls. 83, do livro nº 25-A, em 14/02/1989, contendo a outorga da cessão de direitos de ADELÇO CARDOSO DE FRANÇA para REMILSON AIRES CAVALCANTE;
Réplica à contestação (evento 72).
É o relatório. Decido.
FUNDAMENTAÇÃO.
O processo está apto a receber a sentença com resolução do mérito, nos termos do artigo 487, I do Código de Processo Civil. Passo ao mérito.
Conheço o mérito da lide, eis que já não há questões processuais a serem analisados, decido pela improcedência dos pedidos.
Pois bem. Os bens objeto da Usucapião são públicos e impossíveis de serem adquiridos por usucapião.
Antes, porém, e desde logo, importa apontar as súmulas editadas pelo Supremo Tribunal Federal:
Súmula n. 340:
“
Desde a vigência do Código Civil, os bens dominicais
,
como os demais bens públicos, não podem ser adquiridos por usucapião
.”
Súmula 479:
"As
margens dos rios navegáveis são domínio público, insuscetíveis de expropriaçã
o e, por isso mesmo, excluídas de indenização."
O imóvel indicado na inicial deixou de possuir natureza privada desde que foram cobertos pelas águas do reservatório, incluindo tanto os imóveis alagados quanto aqueles situados na faixa de segurança do reservatório.
Não existe propriedade privada submersa em corrente de água navegável e muito menos quando essa corrente de água serve à geração de energia elétrica
(afetação a um serviço público da União)
e deve ser protegida e rigorosamente monitorada por concessionária federal.
O registro do imóvel, desde sempre, apenas teve uma presunção relativa de prova da propriedade. A partir da formação do lago, os titulares do registro passaram a ter tão somente um abstrato direito à indenização, pois jamais poderiam se opor ao
ius imperium
e impedir a formação do lago no qual suas terras encontram-se submersas.
Qualquer terra situada abaixo de águas públicas - chamada de
álveo
- pertence ao poder público, sempre. Aqui há uma relação de acessoriedade, reconhecida por lei recepcionada pela Constituição Federal.
A Constituição Federal consignou:
"Art. 20. São bens da União:
I - os que atualmente lhe pertencem e os que lhe vierem a ser atribuídos;
II - as terras devolutas indispensáveis à defesa das fronteiras, das fortificações e construções militares, das vias federais de comunicação e à preservação ambiental, definidas em lei;
III - os lagos, rios e quaisquer correntes de água em terrenos de seu domínio,
ou que banhem mais de um Estado, sirvam de limites com outros países, ou se estendam a território estrangeiro ou dele provenham, bem como os terrenos marginais e as praias fluviais;
IV as ilhas fluviais e lacustres nas zonas limítrofes com outros países; as praias marítimas; as ilhas oceânicas e as costeiras, excluídas, destas, as que contenham a sede de Municípios,
exceto aquelas áreas afetadas ao serviço público e a unidade ambiental federal
, e as referidas no art. 26, II;
(...)
Art. 26. Incluem-se entre os bens dos Estados:
I - as águas superficiais ou subterrâneas, fluentes, emergentes e em depósito,
ressalvadas, neste caso
, na forma da lei,
as decorrentes de obras da União;
II - as áreas, nas ilhas oceânicas e costeiras, que estiverem no seu domínio, excluídas aquelas sob domínio da União, Municípios ou terceiros;
III - as ilhas fluviais e lacustres não pertencentes à União;
IV - as terras devolutas não compreendidas entre as da União.
“Art. 183.
(...)
§ 3º Os
imóveis públicos não serão adquiridos por usucapião.”
“Art. 191. (...)
Parágrafo único.
Os imóveis públicos não serão adquiridos por usucapião.”
O
Decreto Nº 24.643
, de 10 de julho de 1934
, Código de Águas
, determina o seguinte:
“Art. 1º As águas públicas podem ser de uso comum ou dominicais.
Art. 2º
São águas públicas de uso comum:
(...)
b) as correntes, canais,
lagos e lagoas navegáveis
ou flutuáveis;
c)
as correntes de que se façam estas águas;
d) as fontes e
reservatórios públicos
;
e) as nascentes quando forem de tal modo consideráveis que, por si só, constituam o "caput fluminis";
f)
os braços de quaisquer correntes públicas
,
desde que os mesmos influam na navegabilidade
ou flutuabilidade.
(...)
Art. 9º Álveo é a superfície que as águas cobrem sem transbordar para o sólo natural e ordinariamente enxuto.
(...)
Art. 27.
Se a mudança da corrente se fez por utilidade pública
,
o prédio ocupado pelo novo álveo deve ser indenizado
,
e o álveo abandonado passa a pertencer ao expropriante para que se compense da despesa feita.
(...)
"Art. 29. As águas públicas de uso comum,
bem como o seu álveo
, pertencem:
I –
A União
:
a) quando marítimas;
b) quando situadas no Território do Acre, ou em qualquer outro território que a União venha a adquirir, enquanto o mesmo não se constituir em Estado, ou for incorporado a algum Estado;
c) quando servem de limites da República com as nações vizinhas ou se extendam a território estrangeiro;
d) quando situadas na zona de 100 kilometros contigua aos limites da República com estas nações;
e) quando sirvam de limites entre dois ou mais Estados;
f) quando percorram parte dos territórios de dois ou mais Estados.
II – Aos Estados:
a) quando sirvam de limites a dois ou mais Municípios;
b)
quando percorram parte dos territórios de dois ou mais Municípios.”
A lei 9.433, de 8 de janeiro de 1997
, que institui a política nacional de recursos hídricos determina o seguinte:
“Art. 1º A Política Nacional de Recursos Hídricos baseia-se nos seguintes fundamentos:
I - a água é um bem de domínio público;”
O
Decreto-lei Nº 852,
de 11 de novembro de 1938 determina:
Art. 3º.
São públicas de uso comum
, em toda a sua extensão,
as águas dos lagos
, bem como dos cursos d'água naturais, que em algum trecho,
sejam flutuáveis ou navegáveis por um tipo qualquer de embarcação."
O regime adotado desde o Código de Águas é o de que quaisquer correntes de água que sejam
navegáveis
, são necessariamente públicas pelo fato de que são vias de acesso a porções do território e cuja
navegabilidade
jamais poderá ser concebida como algo privado, até porque inerente à soberania nacional.
O Superior Tribunal de Justiça tem importante repositório jurisprudencial acerca do tema, decidindo, apenas a título de exemplo, o seguinte:
PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. DESAPROPRIAÇÃO. RECURSOS HÍDRICOS. MARGEM DE RIO. TERRENO RESERVADO. DOMÍNIO PARTICULAR. IMPOSSIBILIDADE. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. ART. 27, § 1º, DO DL 3.365/1941. LEI 9.433/1997. 1. Hipótese em que se discute, em Ação de Desapropriação, o direito a indenização em relação a área situada em margem de rio (terreno reservado). 2. A solução integral da controvérsia, com fundamento suficiente, não caracteriza ofensa ao art. 535 do CPC. 3.
O Código de Águas
(Decreto 24.643/1934) deve ser interpretado à luz do sistema da Constituição Federal de 1988 e da Lei 9.433/1997 (Lei da Política Nacional de Recursos Hídricos),
que admitem apenas domínio público sobre os recursos hídricos.
4.
Na forma dos arts. 20, III, e 26, I, da Constituição, abolida está a propriedade privada de lagos, rios, águas superficiais ou subterrâneas, fluentes, emergentes ou em depósito, bem como a de quaisquer correntes de água.
5. Nesse sentido, a interpretação do art. 31 do Código de Águas, segundo o qual
"pertencem aos Estados os terrenos reservados às margens das correntes e lagos navegáveis, se, por algum título, não forem do domínio federal, municipal ou particular",
implica a propriedade do Estado sobre todas as margens dos rios estaduais, tais como definidos pelo art. 26 da CF, excluídos os federais (art. 20 da CF), tendo
em vista que já não existem rios municipais nem particulares.
6. O título legítimo em favor de particular, previsto nos arts. 11 e 31 do Código de Águas, que poderia, em tese, subsidiar pleito do particular, é apenas o decorrente de enfiteuse ou concessão, jamais dominial, pois juridicamente impossível. Precedentes do STJ (REsp 508.377/MS, rel. Min. João Otávio de Noronha, j. 23.10.2007; REsp 995.290/SP, Rel. Min. Castro Meira, j. 11.11.2008; REsp 763.591/MS, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, DJe 23.10.2008). 7. Conforme a Súmula 479/STF, "
as margens dos rios navegáveis são de domínio público, insuscetíveis de expropriação e, por isso mesmo, excluídas da indenização"
. 8. Tendo em vista que o art. 27, § 1º, do DL 3.365/1941 em sua atual redação já estava em vigor ao tempo em que proferida a sentença, os honorários advocatícios devem respeitar o limite máximo de 5% do valor da diferença entre a oferta inicial e o montante da indenização fixado. 9. Recurso Especial parcialmente provido. (STJ - REsp: 1352673 SP 2012/0233411-0, Relator: Ministro HERMAN BENJAMIN, Data de Julgamento: 06/05/2014, T2 - SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJe 07/11/2016).
ADMINISTRATIVO. DESAPROPRIAÇÃO. TERRENOS RESERVADOS. PRETENSÃO DE INDENIZABILIDADE. DESCABIMENTO. 1. Os terrenos reservados nas margens das correntes públicas, como o caso dos rios navegáveis, são, na forma do art. 11 do Código de Águas, bens públicos dominiais, salvo se por algum título legítimo não pertencerem ao domínio particular. 2. O título que legitima a propriedade particular deve provir do poder competente, no caso, o Poder Público,
quando se tratar de bens públicos às margens dos rios navegáveis
. Isto significa que os terrenos marginais presumem-se de domínio público, podendo, excepcionalmente, integrar o domínio de particulares, desde que objeto de concessão legítima, expressamente emanada da autoridade competente. 3. In casu, concluiu as instâncias ordinárias, com base em laudo de avaliação elaborado pelo perito judicial e em documento oriundo da Capitania dos Portos, que o Rio Cabuçu de Cima
não constitui via navegável, e, portanto, as suas áreas marginais não configuram terrenos reservados, na forma prevista pelos arts. 11 e 14 do Código de Águas,
(...) (STJ - REsp: 812153 SP 2006/0006867-1, Relator: Ministro LUIZ FUX, Data de Julgamento: 20/11/2007, T1 - PRIMEIRA TURMA, Data de Publicação: DJ 25/02/2008 p. 272 REVFOR vol. 398 p. 373 RT vol. 872 p. 183).
"O bem pertencente a concessionária de serviço público,
mas não afeto ao serviço
,
pode ser usucapido
, por ser privado.... Ademais,
a jurisprudência desta Corte
perfilha o entendimento de que
os bens da sociedade de economia mista estão sujeitos ao instituto da prescrição
,
a não ser que estejam afetados à algum serviço público.
" (STJ - AREsp: 1369526 ES 2018/0248217-9, Relator: Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, Data de Publicação: DJ 18/02/2020)
O Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, a propósito do tema, decidiu que:
APELAÇÃO CÍVEL.
USUCAPIÃO. BEM PÚBLICO. INDEFERIMENTO DA INICIAL. ÁREA DESAPROPRIADA PELO PODER PÚBLICO PARA FORMAÇÃO DE RESERVATÓRIO DE USINA HIDRELÉTRICA. EMPRESA PRIVADA. DESTINAÇÃO PÚBLICA DO IMÓVEL. IMPOSSIBILIDADE DE USUCAPIR.
PRECEDENTE DESTA CÂMARA.
Pretensão de usucapir área de terras localizada dentro do todo maior
,
que vem sendo utilizada por sociedade privada que atua como concessionária de uso de bem público para produção de energia elétrica
. Imóvel objeto de desapropriação amigável, com objetivo de integrar bacia de acumulação do aproveitamento da energia hidráulica.
A utilização de parcela da área de terras previamente desapropriada
,
com declaração de utilidade pública
,
não conduz à usucapião
,
pois a área está diretamente subordinada à prestação de serviço público essencial
.
Logo
,
rege-se pelas regras do direito público
.
A impossibilidade de bens públicos sejam comuns
,
de uso especial
ou dominicais tornar-se objeto de aquisição por usucapião, é inarredável, ex vi do disposto nos artigos 183, § 3º e 191, da Constituição Federal e Súmula 340 do STF
. Sentença confirmada.NEGARAM PROVIMENTO. UNÂNIME. (TJ-RS - AC: 70043333053 RS, Relator: Nelson José Gonzaga, Data de Julgamento: 15/12/2011, Décima Oitava Câmara Cível, Data de Publicação: 18/01/2012)
Constou na fundamentação do voto acolhido à unanimidade que:
“Descabida a tese de que o imóvel deveria ser considerado particular, uma vez que a empresa que explora a energia se trata de sociedade privada.
Ora, considerando que o local é utilizado para permitir a formação do Reservatório da Usina Hidrelétrica de Ita, dúvidas não há de que se trata de bem público, ou seja, que se presta à execução de serviços públicos, com destinação exclusiva à fruição pelo Poder Público ou a seu serviço.
Assim já decidiu esta Câmara, em caso análogo, também movido contra a empresa ora demandada, no julgamento do recurso de apelação n. 70035101344, de Relatoria do Eminente Desembargador Pedro Celso Dal Prá, cujos fundamentos peço vênia para transcrever, pois dizem respeito diretamente à matéria em exame, in verbis:
Consoante se vê dos autos (fl. 45, v.), as terras sobre as quais recai o litígio foram objeto de declaração de utilidade pública, para fins de desapropriação, instrumentalizada pelo Decreto Federal n.º 65.504/69, que dispôs em seu Art. 1º:
Art. 1º. Ficam declaradas de utilidade pública para fins de desapropriação, diversas áreas e benfeitorias destinadas à bacia de acumulação do aproveitamento da energia hidráulica de um trecho do rio Passo Fundo, nos Municípios de Nonoai, Ronda Alta, São Valentim, Campinas do Sul, Jacutinga e Erechim, no Estado do Rio Grande do Sul, cuja concessão foi outorgada pelo Decreto n.º 64.395, de 23 de3 abril de 1969, às Centrais Elétricas do Sul do Brasil. S/A.
E prossegue o Decreto:
Art. 3º. Fica autorizada à Centrais Elétricas do Sul do Brasil S.A. a promover a desapropriação das referidas áreas de terra, na forma da legislação vigente.
E com a desapropriação, por utilidade pública, a área situada na orla de segurança da bacia, com a cota de 598,50 metros (Escritura Pública de desapropriação fl. 45), foi retirada da esfera patrimonial privada (o que restou formalizado quando da transcrição da transmissão junto ao registro de Imóveis do Município de Sarandi fl. 48),
passando à condição de bem afetado à prestação de serviços públicos essenciais
.
Comungo com a posição jurisprudencial e doutrinária (capitaneada por Di Pietro, José Arthur Diniz Borges, Hely Lopes Meirelles, Celso Antônio Bandeira de Mello e Odete Medauar),
segundo a qual, em virtude do próprio caráter público do serviço concedido, não obstante eventualmente a parte detenha personalidade jurídica de direito privado, o que se apresenta irrelevante, os bens que diretamente estejam subordinados à prestação do serviço público essencial se subordinam, ipso facto, a regras de direito público, como a impenhorabilidade, indisponibilidade, imprescritibilidade
(e outros), como consectário do próprio princípio da continuidade dos serviços públicos.
Aliás, sobre este aspecto, é da lição de Hely Lopes Meirelles que os bens que se destinam especialmente à execução dos serviços públicos,
como têm uma finalidade pública permanente
,
são também chamados bens patrimoniais indisponíveis
.
A mesma visão detém Maria Sylvia Zanella Di Pietro, para quem, "dentre as entidades da Administração Indireta, grande parte presta serviços públicos; desse modo, a mesma razão que levou o legislador
a imprimir regime jurídico publicístico aos bens de uso especial
,
pertencentes à União, Estados e Municípios
,
tornando-os inalienáveis
,
imprescritíveis
,
insuscetíveis de usucapião
e de direitos reais,
justifica a adoção de idêntico regime para os bens de entidades da Administração Indireta
afetados à realização de serviços públicos
.
É precisamente essa afetação que fundamenta a indisponibilidade desses bens
, com todos os demais corolários. Com relação às autarquias e fundações públicas, essa conclusão tem sido aceita pacificamente.
Mas ela é também aplicável às entidades de direito privado
,
com relação aos seus bens afetados à prestação de serviços públicos
. É sabido que a Administração Pública está sujeita a uma série de princípios, dentre os quais o da continuidade dos serviços públicos. Se fosse possível às entidades da Administração Indireta, mesmo empresas públicas, sociedades de economia mista e concessionárias de serviços públicos, alienar livremente esses bens, ou se os mesmos pudessem ser penhorados, hipotecados, adquiridos por usucapião,
haveria uma interrupção do serviço público
. E o serviço é considerado público precisamente porque atende às necessidades essenciais da coletividade.
Daí a impossibilidade da sua paralisação e daí a sua submissão a regime jurídico publicístico
. Por isso mesmo, entende-se que,
se a entidade presta serviço público
,
os bens que estejam vinculados à prestação do serviço não podem ser objeto de penhora
, ainda que a entidade tenha personalidade jurídica de direito privado. (...)
Portanto
,
são bens públicos de uso especial os bens
das autarquias, das fundações públicas
e os das entidades de direito privado prestadoras de serviços públicos
,
desde que afetados diretamente a essa finalidade
..
Noutro passo,
qualquer dúvida
quanto à natureza pública do bem, que ainda remanesça,
é dissipada
,
em definitivo, pela particularidade de o serviço público direcionado
ao aproveitamento energético dos cursos de água ser de competência exclusiva da União
,
nos precisos termos do art. 21 da Constituição Federal
, que reza:
Art. 21. Compete à União:
(...)
XII -
explorar
,
diretamente ou mediante autorização
,
concessão ou permissão
:
(...)
b) os serviços e instalações de energia elétrica
e o aproveitamento energético dos cursos de água
, em articulação com os Estados onde se situam os potenciais hidroenergéticos;
É atributo da concessão dos serviços públicos
, em especial o de energia elétrica, dentre outros,
o da reversibilidade
, pois, tão-logo findo o prazo,
reverte ao Ente concedente (no caso, a União)
toda a propriedade do concessionário em função de seu serviço de eletricidade
(art. 44).
A cláusula especial de reversão está prevista no art. 88 e no art. 89 do Decreto n.º 41.189/57, que regulamenta a prestação de serviços de energia elétrica.
Também
,
a propósito
,
é do ensinamento de Hely Lopes Meirelles que
,
findo o prazo da concessão
,
deve reverter ao poder concedente os direitos e bens vinculados à prestação do serviço
Evidente, assim, que o imóvel objeto da presente demanda qualifica-se, induvidosamente, como bem público.
E sob esse enfoque, de
área de domínio público
(bem público),
é que a questio deve ser analisada e solucionada
.
Nessa conformidade,
não se sustenta o pedido de usucapião da área (exceção de usucapião veiculada pela parte demandada), por se estar diante de bem público, cuja natureza o torna insuscetível de usucapião
, ante expressa vedação constitucional, contida no art. 183, § 3º, da Carta Política de 1988, reproduzido pelo art. 102 do Código Civil vigente.”
No mesmo sentido:
CIVIL. ADMINISTRATIVO. AÇÃO DE MANUTENÇÃO DE POSSE.
DESVIO DO LEITO DE CURSO D'ÁGUA EM RAZÃO DA REALIZAÇÃO DE OBRA PÚBLICA. ACESSÃO. ÁREA PERTENCENTE AO ENTE PÚBLICO.
ACORDO ENTRE PARTICULARES TRANSFERINDO A PROPRIEDADE DO IMÓVEL EM QUESTÃO. POSSE MANSA E PACÍFICA. IRRELEVÂNCIA. - Comprovado que a área em litígio retrata álveo abandonado decorrente do
desvio do leito curso d'água para execução da obra pública
, incide o art. 27, do Código de Águas, segundo o qual "
se a mudança da corrente se fez por utilidade pública, o prédio ocupado pelo novo álveo deve ser indenizado, e o álveo abandonado passa a pertencer ao expropriante para que se compense da despesa feita
." - Desta forma, é irrelevante que a posse dos apelantes seja mansa e pacífica desde os idos de 1982, pois os bens públicos são insuscetíveis de usucapião, sendo, ademais, írrito e de nenhum valor frente ao Município de Montes Claros eventual acordo/doação/transação celebrado entre particulares, ainda que registrado em cartório, dispondo sobre o destino da área pública em questão. (TJ-MG - AC: 10433082503551001 Montes Claros, Relator: Alberto Vilas Boas, Data de Julgamento: 26/09/2017, Câmaras Cíveis / 1ª CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 04/10/2017)
APELAÇÃO.
AÇÃO INDENIZATÓRIA POR DESAPROPRIAÇÃO INDIRETA.
MUNICÍPIO DE SUMIDOURO. IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO. IRRESIGNAÇÃO.
DESVIO DO CURSO DO RIO PAQUEQUER, BEM PÚBLICO DE DOMÍNIO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
,
PELO ENTE FEDERATIVO MUNICIPAL, QUE PASSAVA À MARGEM DO TERRENO DA PARTE AUTORA
, DEIXANDO TRECHOS ALAGADIÇOS E PANTANOSOS NO LOCAL DO ANTIGO LEITO.
ÁLVEO ABANDONADO POR OBRA DO PODER PÚBLICO, QUE PERTENCE AO EXPROPRIANTE.
INCIDÊNCIA DAS DISPOSIÇÕES DO CÓDIGO DE ÁGUAS, MAIS ESPECIFICAMENTE DE SEU ART. 27. MUDANÇA DA CORRENTE QUE, SEGUNDO ALEGADO, SE DEU POR UTILIDADE PÚBLICA, PARA POSSIBILITAR A INSTALAÇÃO DE UMA EMPRESA INDUSTRIAL NA REGIÃO E GERAR EMPREGOS DIRETOS PARA A POPULAÇÃO. INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. SUPOSTOS PREJUÍZOS EXPERIMENTADOS QUE PODEM EVENTUALMENTE SER RECLAMADOS, SE EXISTENTES E DEVIDAMENTE COMPROVADOS EM DEMANDA DE RESPONSABILIDADE CIVIL, COM FULCRO NO ART. 37, § 6º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. MODIFICAÇÃO DA SENTENÇA, QUE SE FAZ DE OFICIO, PARA JULGAR EXTINTO O PROCESSO, SEM O EXAME DO MÉRITO, POR AUSÊNCIA DE INTERESSE DE AGIR. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO, APENAS PARA QUE A SOLUÇÃO DE 1º GRAU CONTENHA NATUREZA TERMINATIVA. (TJ-RJ - APL: 00001807920108190060 202100154163, Relator: Des(a). MAURO DICKSTEIN, Data de Julgamento: 25/11/2021, DÉCIMA SEXTA CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 03/12/2021)
No julgado restou motivado que...
Como cediço,
uma vez caracterizada a desapropriação indireta
, que pode ser definida como uma das formas de intervenção do Estado na propriedade privada, impossibilitando seu uso e gozo, ou dela retirando o seu conteúdo econômico, resta impositivo o dever de indenizar, nos termos do disposto no art. 35, do Decreto nº 3.365/1941 1 , sendo justamente este o ponto em debate no presente apelo.
Importante deixar registrado que mesmo se num futuro distópico, próximo ou distante, esse
álveo
se torne
abandonado
, ou seja, se o lago tiver seu curso de água alterado ou secar, por qualquer razão que seja, o terreno que ali aparecer à superfície continuará pertencendo ao domínio público do órgão expropriante. Assim, para resumir, uma vez álveo será sempre de domínio público, pois caso se torne
álveo abandonado
permanecerá no domínio público.
1
Claro que isso se analisa apenas e tão somente por amor ao debate e puramente em caráter
obter dicta
, pois a sentença não pode criar um julgamento que vai depender de fato futuro e incerto (Art. 492, parágrafo único, CPC) sobre eventual e posterior abandono de álveo, cuja previsão ninguém pode fazer nesse momento.
2
No momento só existe uma certeza: o imóvel que se quer usucapir é público.
Processo Civil. Agravo no Recurso Especial. Ação de divisão. Desvio do curso do rio. Utilidade pública.
Álveo abandonado. Propriedade do Estado
. Código de Águas, art. 27. Litigância de má-fé. Atentado à verdade dos fatos. Reexame de prova. Prova do prejuízo e julgamento extra petita. Prequestionamento. Ausência.
-
Se o rio teve seu curso alterado por ingerência do Poder Público
,
e não por fato exclusivo da natureza
,
pertence ao expropriante a fração de terra correspondente ao
álveo abandonado.
(...) (STJ - AgRg no REsp 431698/SP; Relatora Ministra Nancy Andrighi; Terceira Turma; Julgado em 27/08/2002)
"1. De uso comum do povo, o rio é bem público (Cód. Civil, art. 66, I). 2. No caso de mudança da corrente pública pela força das águas ou da natureza,
o álveo abandonado é regido pelo disposto no art. 26 do Cód. de Águas
.
3. Mas,
no caso de mudança da corrente pública por obra do homem, o leito velho, ou o álveo abandonado pertence ao órgão público
(atribui-se"a propriedade do leito velho a entidade que, autorizada por lei, abriu para o rio um leito novo"). Cód. de Águas, art. 27.
4.
Em tal caso de desvio artificial do leito
,
a acessão independe do prévio pagamento de eventuais indenizações
. Conforme o acórdão estadual, "Não é premissa dessa aquisição que o poder público indenize previamente o proprietário do novo álveo".
5. Recurso especial pela alínea a (alegação de ofensa aos arts. 26 e 27), de que a 3a Turma não conheceu. (STJ - REsp 20762/SP; Relator Ministro Nilson Naves; Terceira Turma; Julgado em 15/02/2000)
PROCESSO
Usucapião – Margem de rio – Tietê – Faixa de reserva
–
Domínio particular
–
Impossibilidade:
– Ausente título privado obtido por enfiteuse ou concessão de uso,
a faixa reservada de antiga margem de álveo abandonado permanece no domínio público e não está sujeita a usucapião
. (TJ-SP - AC: 01172795720078260100 SP 0117279-57.2007.8.26.0100, Relator: Teresa Ramos Marques, Data de Julgamento: 17/08/2020, 10ª Câmara de Direito Público, Data de Publicação: 18/08/2020)
“AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE. (1) RÉU QUE INVADIU PERÍMETRO DE SEGURANÇA EM TORNO DE USINA HIDRELÉTRICA. IMÓVEL PERTENCENTE À COPEL. IMÓVEIS DE PROPRIEDADE DE SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA, COMO O PRESENTE, SÃO IMÓVEIS PRIVADOS, EM RAZÃO DA SUBMISSÃO DOS BENS DESTAS PESSOAS JURÍDICAS AO REGIME DE DIREITO PRIVADO (ART. 173, § 1º, II, DA CF E ART. 98 DO CC). EXCEÇÃO COM RELAÇÃO ÀS EMPRESAS PÚBLICAS E SOCIEDADES DE ECONOMIA MISTA PRESTADORAS DE SERVIÇO PÚBLICO. NECESSÁRIA DISTINÇÃO ENTRE OS BENS PERTENCENTES A TAIS ENTIDADES DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA INDIRETA.
BENS DIRETAMENTE VINCULADOS À PRESTAÇÃO DO SERVIÇO PÚBLICO QUE RECEBEM ALGUMAS DAS PROTEÇÕES PRÓPRIAS DO REGIME DE DIREITO PÚBLICO, EM VIRTUDE DE SUA AFETAÇÃO AO INTERESSE PÚBLICO
.
CASO CONCRETO
NO QUAL O IMÓVEL EM QUESTÃO ESTÁ VINCULADO AO SERVIÇO PÚBLICO DE GERAÇÃO E DISTRIBUIÇÃO DE ENERGIA ELÉTRICA
PRESTADO PELAS AUTORAS
(ART. 21, XII, b, DA CF). ÁREA A SER REINTEGRADA QUE É NECESSÁRIA À SEGURANÇA E AO CORRETO FUNCIONAMENTO DA USINA HIDRELÉTRICA. (2)
IMÓVEL SUJEITO AO REGIME JURÍDICO ADMINISTRATIVO, GOZANDO DAS GARANTIAS PRÓPRIAS DOS IMÓVEIS PÚBLICOS
. OCUPAÇÃO FÍSICA QUE NÃO INDUZ POSSE, MAS MERA DETENÇÃO. PRECEDENTES. POSSE QUE PERMANECE COM O ENTE PÚBLICO OU EQUIPARADO.
POSSIBILIDADE DE AJUIZAMENTO DA AÇÃO POSSESSÓRIA PARA DEFESA DA POSSE
. (3) INOVAÇÃO RECURSAL. RÉU QUE TRAZ FATOS E ALEGAÇÕES NOVAS EM SEU RECURSO, DESCABIMENTO. PORÇÃO NÃO CONHECIDA. SENTENÇA MANTIDA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS SUCUMBENCIAIS MAJORADOS. ART. 85 § 11º DO CPC.RECURSO PARCIALMENTE CONHECIDO E, NESSA PARTE, DESPROVIDO.” (TJ-PR - APL: 00110215020158160058 Campo Mourão 0011021-50.2015.8.16.0058 (Acórdão), Relator: Fernando Paulino da Silva Wolff Filho, Data de Julgamento: 20/06/2021, 17ª Câmara Cível, Data de Publicação: 02/07/2021)
Um precedente do E. Tribunal de Justiça do Estado do Tocantins reconheceu, em erudita inteligência, que os bens ficam afetos ao serviço da concessionária "com intuito de preservação" e que todo o lago
assume
"a natureza de bem público enquanto destinado a esta finalidade
".
EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE MANUTENÇÃO DE POSSE. RECURSO INTERPOSTO PELA AUTORA. PROPRIEDADE DA INVESTCO. ÁREA UTILIZADA NA PRESTAÇÃO DE SERVIÇO PÚBLICO. ENTORNO DO LAGO DA USINA HIDRELÉTRICA. APLICAÇÃO DO REGIME JURÍDICO DE BENS PÚBLICOS. IMPOSSIBILIDADE DE RECONHECIMENTO DE POSSE DE TERCEIRO. MERA DENTENÇÃO. PRECARIEDADE. APELO CONHECIDO E IMPROVIDO. SENTENÇA MANTIDA.
1. É fato incontroverso, até mesmo por ser público e notório, que a Investco S/A. é concessionária de serviço público da União, decorrente da construção, manutenção e exploração da Usina Hidrelétrica Luiz Eduardo Magalhães.
Quando da construção da UHE e do enchimento para a formação do Lago
,
foi necessária a desapropriação e aquisição de direitos de posse de toda a área que ficaria no entorno do reservatório
,
com intuito de preservação do mesmo. Precedentes TJTO
.
2.
Não teria qualquer sentido que a concessionária fosse compelida pelo Poder concedente a adquirir toda a área de imóveis
, indenizando seus proprietários e posseiros originários, com verbas de origem pública, para que esta fosse de mero deleite, sem qualquer destinação.
3.
É óbvia a conclusão de que toda a área adquirida entorno do lago é destinada à proteção
do grande reservatório da água da usina hidrelétrica,
sendo responsabilidade legal da empresa preservar não só a água
,
mas toda a vegetação da área adquirida para essa finalidade
.
4.
Em sendo o imóvel de propriedade privada
,
mas destinado ao serviço público
,
assumindo a natureza de bem público enquanto destinado a esta finalidade
, não pode ser objeto de posse, mas de mera detenção, a qual é precária e cessa com a reivindicação de sua devolução/desocupação pela concessionária do serviço público, sob pena de comprometê-lo em sua continuidade e qualidade.
5. O indevido reconhecimento de posse de áreas no entorno do lago a terceiros particulares pode gerar um perigoso precedente, com potencial de causar graves danos ambientais e, consequentemente, afetar o interesse público primário.
6. Recurso conhecido e improvido. Sentença mantida.
(
TJTO
, Apelação Cível, 0037881-23.2019.8.27.0000,
Rel. JOCY GOMES DE ALMEIDA
, 4ª TURMA DA 2ª CÂMARA CÍVEL , julgado em 11/12/2020, DJe 17/12/2020 19:01:32)
Para além disso, os bens vinculados ao serviço de geração de energia jamais podem ser usucapidos pela concessionária porque esses bens são públicos
por natureza
e o concedido pode ter a posse direta e
ad interdicta
, mas jamais a posse
ad usucapionem
, até porque em se tratando de bem afeto ao serviço e, por isso,
público por natureza
(independente de qualquer ato registral, negocial ou público) estão fora do comércio jurídico e imprescritíveis.
Isso vai implicar necessariamente a conclusão de que um dos requisitos essenciais da usucapião
sequer
em tese
existe no caso:
a intenção de dono
.
A melhor doutrina aponta que...
"Essa questão é muito peculiar e não tem sido bem resolvida no âmbito do Direito Administrativo. É inquestionável que alguns bens aplicados à prestação do serviço são inquestionavelmente públicos. Transfere-se ao concessionário apenas a 'posse' direta sobre eles - se é que de tal poderia cogitar de posse em sentido próprio.
Tão peculiar quanto a situação jurídica dominial dos bens é a questão de sua detenção. É problemático aludir a posse em sentido privatístico. No âmbito do Direito Civil, a posse depende da presença de um elemento externo (poder fático sobre a coisa), a que se soma um elemento interno ou subjetivo. A consistência exata desse elemento subjetivo gerou as inúmeras teorias sobre a natureza jurídica da posse - mas é ponto inconteste que a posse não se aperfeiçoa pela simples detenção física de um bem. É necessário detê-la
como se proprietário fosse
ou manter a vontade (ou a convicção) de dominus.
Esse posicionamento subjetivo é incompatível com a natureza da concessão
,
eis que o concessionário não é dono e tem plena ciência de que não pode atuar em relação ao patrimônio afetado tal como se dono fosse
." (JUSTEN FILHO, Marçal. Teoria geral das concessões de serviço público. São Paulo: Dialética, 2003, p. 330-331).
Nesse sentido a jurisprudência reconhece à concessionária a possibilidade de postular a usucapião quando o bem estiver claramente desafetado ao serviço público, o que, à toda evidência, não é a situação sobre exame, vejamos:
"APELAÇÃO CÍVEL –
USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIA
– ART. 1.238 DO CC - POSSE MANSA, PACÍFICA E PROLONGADA, COM
ANIMUS DOMINI
- COMPROVAÇÃO DOS REQUISITOS – IMÓVEL LOCADO A TERCEIROS, IRRELEVÂNCIA NO CASO - BEM
PERTENCENTE A CONCESSIONÁRIA PRESTADORA DE SERVIÇO PÚBLICO
–
NÃO AFETADO
– AQUISIÇÃO DE PROPRIEDADE POR USUCAPIÃO – POSSIBILIDADE – RECURSO DESPROVIDO. Comprovada a posse mansa, pacífica, ininterrupta, com animus domini pelo lapso de tempo necessário ao reconhecimento da prescrição aquisitiva, conforme previsto na lei de regência,
e ainda que o imóvel usucapiendo
,
embora pertencente à concessionária de serviço público
,
não esta afetado para a finalidade pública
, a procedência do pedido de usucapião é medida que se impõe, sendo irrelevante que o referido bem esteja alugado a terceiro." (TJ-MS - AC: 08209628120128120001 MS 0820962-81.2012.8.12.0001, Relator: Des. Fernando Mauro Moreira Marinho, Data de Julgamento: 27/10/2021, 2ª Câmara Cível, Data de Publicação: 03/11/2021)
Foi consignado na motivação do relator que...
"No que se refere à alegação da recorrente de que o imóvel em questão não pode ser adquirido por usucapião, por se tratar de bem pertencente à concessionária prestadora de serviço público, a jurisprudência pátria é uníssona
no sentido de que podem ser objeto de aquisição de propriedade por usucapião
,
tendo em vista que somente serão considerados públicos os bens que se mostrem indispensáveis e afetados à atividade da prestadora de serviço público.
Em outras palavras,
apenas receberão a proteção própria do regime de direito público os bem que se mostrarem necessários à continuidade da prestação do serviço público.
Desse modo, não restando comprovado nos autos que o imóvel em questão pertecente recorrente esteja afetado para a prestação de serviço público, mostra-se plenamente possível a aquisição da propriedade por usucapião."
Além da imprescritibilidade reconhecida na súmula 340 do STF, que autoriza o julgamento de improcedência preliminar do pedido, deve ser aqui lembrado que a questão esbarra no que outrora foi reconhecido como impossibilidade jurídica do pedido.
A respeito disso, Fredie Didier Jr entende que...
“O art. 332 do CPC não prevê expressamente a possibilidade de rejeição liminar do pedido em situação atípica.
Surge, então, a seguinte dúvida:
pode o juiz, antes de citar o réu, julgar liminarmente improcedente o pedido, em situações atípicas, consideradas de manifesta improcedência?
Alguns exemplos
:
demanda para reconhecimento de usucapião de bem público
, pedir autorização para matar alguém ou determinar que o Brasil declare guerra aos EUA; também serve de exemplo o pedido que contrarie expressamente texto normativo não reputado inconstitucional.
O CPC atual não possui um dispositivo que permita, genericamente, que o juiz rejeite liminarmente demandas assim. Em casos tais, teria o juiz de determinar a citação do réu e, no julgamento antecipado (art. 355, CPC), resolver o mérito da causa. Não há uma válvula de escape.
É possível
,
e recomendável
,
construir essa possibilidade a partir dos princípios da eficiência
(art. 8º, CPC),
da boa-fé
(art. 5º, CPC)
e da duração razoável do processo
(art. 5º. LXXVIII, CF/1988; art. 4º, CPC).
Primeiramente, não há razão para aumentar o custo do processo
,
com a citação desnecessária do réu
,
para responder a uma demanda absurda
.
Não apenas se praticarão desnecessários atos processuais, como o autor terá de pagar os honorários advocatícios em favor do advogado do réu
,
o que torna seu prejuízo maior ainda
.
Em segundo lugar,
trata-se de importante instrumento de combate às demandas abusivas
, permitindo a extinção fulminante de processos que muitas vezes funcionam como mecanismos de extorsão processual.
Em terceiro lugar, essa hipótese já é expressamente permitida em embargos à execução, que podem ser rejeitados liminarmente, quando “manifestamente protelatórios” (art. 918, III, CPC).
Finalmente, não há razão para aumentar injustificadamente o tempo do processo.
Assim, parece-nos possível que o juiz julgue liminarmente improcedente o pedido de situações atípicas, de manifesta improcedência (art. 487, I, CPC)”. (DIDIER JR, Fredie.
Curso de direito processual civil
: introdução ao direito processual civil, parte geral e processo de conhecimento. 17. ed., Salvador: Editora Juspodivm, 2015, p. 604 e 605).
Nelson Nery Júnior também assinala, a propósito que:
"... Segundo o relatório da versão original do PLS 166/10, a possibilidade jurídica do pedido passava a ser matéria de mérito; como isso não está expresso no CPC 485, e não há qualquer disposição acerca do indeferimento liminar em casos tais (CPC 332), decorreria daí que o feito deveria passar por todas as fases do procedimento?
Em nossa opinião, tão logo o juiz constate que o pedido é juridicamente impossível, deveria extinguir o feito, sob pena de desrespeito às exigências de celeridade do processo. Seria uma grande perda de tempo fazer com que o juiz levasse a efeito todas as fases do processo para, só ao final, decidir pela improcedência do pedido impossível.
.. " (Nery Junior, Nelson.
Código de Processo Civil comentado
[livro eletrônico] / Nelson Nery Junior, Rosa Maria de Andrade Nery. -- 3. ed. -- São Paulo : Thomson Reuters Brasil, 2018.p. 905)
A jurisprudência vem reafirmando o que a melhor doutrina reconhecia desde o princípio:
E M E N T A – APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DE USUCAPIÃO – SENTENÇA DE EXTINÇÃO POR FALTA DE INTERESSE DE AGIR – CASSADA – RECURSO CONHECIDO E PROVIDO – CAUSA MADURA –
USUCAPIÃO DE BEM PÚBLICO – PEDIDO JURIDICAMENTE IMPOSSÍVEL
– ART. 332 DO NCPC C/C SÚMULA 340 DO STF –
IMPROCEDÊNCIA LIMINAR DO PEDIDO.
1. Na hipótese, está presente o interesse de agir, pois evidenciada a necessidade, utilidade e adequação da demanda para a solução da lide. 2. Porém,
a pretensão de usucapião de bem público
na forma proposta, por encontrar vedação constitucional,
consiste em
pedido juridicamente impossível
, o que, segundo a nova sistemática processual, inaugurada pelo Código de Processo Civil de 2015, enseja extinção do processo, com resolução do mérito,
por improcedência liminar do pedido
.
(TJ-MS - APL: 08006452020168120002 MS 0800645-20.2016.8.12.0002, Relator: Des. Sideni Soncini Pimentel, Data de Julgamento: 14/02/2017, 5ª Câmara Cível, Data de Publicação: 07/03/2017)
ADMINISTRATIVO, CIVIL, CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL CIVIL.
AÇÃO DE USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIA. IMÓVEL REGISTRADO NO NOME DA TERRACAP. BEM PÚBLICO. PRECEDENTES.
IMPOSSIBILIDADE DE AQUISIÇÃO POR USUCAPIÃO. VEDAÇÃO CONSTITUCIONAL E LEGAL. ARTIGOS 183, § 3º, E 191, PARÁGRAFO ÚNICO, DA CF/88. ART. 102 DO CC.
SÚMULA 340 DO STF.
IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO. JULGAMENTO LIMINAR DE IMPROCEDÊNCIA.
AFRONTA A SÚMULA DO STF. ART. 332, I, DO CPC. SENTENÇA MANTIDA. 1 -
A impossibilidade jurídica do pedido
se configura nos casos em que o pleito autoral é vedado pelo ordenamento jurídico. O referido instituto, antes considerado uma condição da ação no CPC/73, deixou de ser expressamente retratado no Código de Processo Civil 2015, abrindo, na doutrina, discussão quanto à sua permanência como matéria integrante do exame de admissibilidade da demanda, estando inserida no pressuposto do interesse processual - utilidade,
ou se passou a ser matéria de mérito, discutindo-se, ainda, caso constitua matéria de mérito, se autoriza ou não o julgamento liminar de improcedência nos termos do art. 332 do CPC, apesar de não constar das hipóteses legais
. 2 - É consabido que a Constituição Federal, em seus artigos 183, § 3º, e 191, parágrafo único, estabelece expressamente que ?Os imóveis públicos não serão adquiridos por usucapião?. O tema também é retratado no Código Civil, dispondo-se no art. 102 que ?Os bens públicos não estão sujeitos a usucapião?. Nesse mesmo sentido, ainda sob a égide do Código Civil de 1916, o STF editou a Súmula n. 340, segundo a qual, Desde a vigência do Código Civil,
os bens dominicais, como os demais bens públicos, não podem ser adquiridos por usucapião
. 3 -
A vedação constitucional, civil e jurisprudencial à aquisição de bens públicos via usucapião revela a impossibilidade jurídica do pedido usucapiendo direcionado a imóvel registrado sob a propriedade da TERRACAP
, uma vez que, segundo a jurisprudência pacífica do STJ e desta Corte de Justiça, apesar de constituir empresa pública, os imóveis administrados pela TERRACAP ostentam natureza pública. 4 -
O julgamento liminar de improcedência
(art. 332, incisos I a IV, e § 1º, do CPC)
é cabível nas causas que dispensem instrução probatória, quando a pretensão autoral afrontar enunciado de súmula do STF
ou do STJ e/ou acórdãos proferidos em julgamento de recursos repetitivos por esses Tribunais; entendimento firmado em IRDR ou assunção de competência e enunciado de súmula de tribunal de justiça sobre direito local, bem como nos casos de prescrição ou decadência. 5 -
Apesar de toda a discussão doutrinária existente acerca da impossibilidade jurídica do pedido e das hipóteses de julgamento liminar de improcedência
(art. 332 do CPC),
verifica-se que o caso concreto efetivamente atrai o julgamento liminar de improcedência, uma vez que a pretensão autoral de usucapir imóvel público,
caso dos imóveis da TERRACAP,
afronta a Súmula n. 340 do Supremo Tribunal Federal, incidindo na hipótese do inciso I do art. 332 do CPC
. Apelação Cível desprovida. (TJ-DF 07067654620208070010 DF 0706765-46.2020.8.07.0010, Relator: ANGELO PASSARELI, Data de Julgamento: 26/05/2021, 5ª Turma Cível, Data de Publicação: Publicado no DJE : 09/06/2021 . Pág.: Sem Página Cadastrada.)
DISPOSITIVO
ANTE O EXPOSTO, JULGO IMPROCEDENTE o pedido inicial, ao tempo em que RESOLVO O MÉRITO DO PROCESSO, com fulcro no artigo 487, inciso I, do CPC.
CONDENO o autor nas custas processuais e taxa judiciária, bem como honorários advocatícios que ora arbitro em 10% (dez por cento) sobre o valor da causa, com espeque no art. 85 do CPC.
Providências do Cartório:
1- Em caso de interposição de recursos, cumpra os seguintes procedimentos:
1.1 - Observar a contagem em dobro dos prazos para Advocacia Pública e Procuradoria;
1.2 - Interposto embargos declaração no prazo de até 05 (cinco) dias úteis, certifique a análise do respectivo prazo, dê-se vista pelo mesmo prazo ao embargado e, em seguida, remeta-se à conclusão, não sujeitando a preparo, nos termos do arts. 1022 e 1023 do CPC;
1.3 - Caso seja interposto recurso de apelação no prazo de 15 (quinze) dias úteis (Art. 1003, parágrafo 5 do CPC), intime a parte recorrida para em igual prazo contrarrazoar o recurso interposto (artigo 1010, parágrafo 1' do CPC);
1.4 - Cumprido o item anterior, remeta-se os autos à instância superior, independente de juízo de admissibilidade e novas conclusões, nos termos do parágrafo 3º do Art. 1010 do CPC, mantendo o feito no localizador remetidos ao TJ ou TRF1;
2 - Não havendo recursos interpostos, certifique-se o trânsito em julgado, com menção expressa da data da ocorrência (artigo 1.006 do CPC).
3 - Após o trânsito em julgado, e decorridos 15 dias contados da certidão respectiva, não havendo pedido de cumprimento de sentença, arquivem-se os autos com as anotações de praxe.
4 - Cumpra-se o Provimento nº. 02/2023/CGJUS/TO.
Publique-se. Registre-se. Intime-se.
Palmas – TO, data certificada pelo sistema.
Jordan Jardim
Juiz de Direito
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