Processo nº 5829015-71.2024.8.09.0051
ID: 326727926
Tribunal: TJGO
Órgão: Goiânia - 4ª UPJ Varas Cíveis e Ambientais: 13ª, 14ª, 15ª e 16ª
Classe: PROCEDIMENTO COMUM CíVEL
Nº Processo: 5829015-71.2024.8.09.0051
Data de Disponibilização:
16/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
EDNALDO RIBEIRO PEREIRA
OAB/GO XXXXXX
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PODER JUDICIÁRIO
COMARCA DE GOIÂNIA
14ª VARA CÍVEL E AMBIENTAL
Processo nº.: 5829015-71.2024.8.09.0051
Natureza: PROCESSO CÍVEL E DO TRABALHO -> Processo de Conhecimento -> …
PODER JUDICIÁRIO
COMARCA DE GOIÂNIA
14ª VARA CÍVEL E AMBIENTAL
Processo nº.: 5829015-71.2024.8.09.0051
Natureza: PROCESSO CÍVEL E DO TRABALHO -> Processo de Conhecimento -> Procedimento de Conhecimento -> Procedimento Comum Cível
Requerente: Lucia Helena Rosa Bartras
Requerido: Banco Mercantil Do Brasil Sa
SENTENÇA
Trata-se de Ação de Conhecimento Declaratória c/c Obrigação de Fazer e Reparação de Danos Materiais e Morais ajuizada por Lúcia Helena Rosa Bartras em face de Banco Mercantil do Brasil S.A., ambos devidamente qualificados.
Em síntese, aduz a parte autora que, após fazer a leitura do histórico de crédito do INSS, constatou a cobrança de empréstimo pessoal feito pelo requerido no valor de R$ 208,52 (duzentos e oito reais e cinquenta e dois centavos),
Informa, contudo, desconhecer a origem dos débitos, o que a motivou ir até a agência do INSS para obter esclarecimentos quanto aos descontos em seu benefício, entretanto não lhe foi concebido extrato bancário completo que descreva desde quando o desconto referente ao empréstimo pessoal é realizado.
Requereu, assim, a gratuidade da justiça, a inversão do ônus da prova por se tratar de relação de consumo e a concessão de tutela de urgência para determinar que o banco requerido se abstenha de realizar consignação em seu benefício, mediante envio de ofício ao INSS para que cesse os descontos.
No mérito, pugnou pela confirmação da tutela vindicada, para que sejam interrompidos os descontos em seu benefício, além da condenação da parte ré ao pagamento de verba indenizatória, material e moral, no valor total de R$ 21.251,12 (vinte e um mil duzentos e cinquenta e um reais e doze centavos).
Instruiu o pedido com os documentos anexados no evento 01.
Decisão de evento 07 recebeu a exordial, concedeu à parte autora os benefícios da gratuidade da justiça e inverteu o ônus da prova com base no art. 6º, inciso VIII, do CPC. Ainda foi deferida a tutela de urgência antecipada para determinar que o requerido suspenda, no prazo de 05 (cinco) dias, os descontos vinculados no benefício em nome da autora, até julgamento final da ação, determinando-se, por fim, a citação da parte ré.
Citado (evento 15), o banco apresentou contestação e documentos em evento 20, alegando, preliminarmente, a falta de interesse de agir da autora, sob o argumento de que não houve tentativa de solução administrativa prévia, uma vez que a requerente não procurou os canais de atendimento disponibilizados pela instituição financeira nem utilizou meios alternativos de resolução de conflitos consumeristas. No mérito, o contestante sustenta a validade e regularidade da contratação do empréstimo consignado nº. 950000989059, firmado em 25/01/2024, no valor de R$ 1.229,29 (um mil duzentos e vinte e nove reais e vinte e nove centavos), a ser pago em 17 (dezessete) parcelas de R$ 208,52 (duzentos e oito reais e cinquenta e dois centavos) cada, mediante desconto previdenciário. Argumenta que a contratação se deu por meio eletrônico, mediante digitação de senha pessoal e intransferível, modalidade que somente pode ser efetivada de posse da referida senha, razão pela qual o réu não pode ser responsabilizado pelo empréstimo. Esclarece que o valor contratado foi devidamente disponibilizado na conta corrente da autora e que ela tinha ciência do direito de desistir da operação em até 07 (sete) dias, tendo recebido comprovante da contratação via SMS. Quanto ao pedido de repetição do indébito, o réu aduz que as cobranças estão adequadas à legislação vigente e que não houve má-fé a justificar a devolução em dobro, pois, nos termos do art. 42, parágrafo único, do CDC, a repetição dobrada exige tanto a cobrança indevida quanto a quitação indevida, circunstâncias não verificadas no caso concreto, vez que os pagamentos são devidos em razão do contrato válido. Quanto aos danos morais, sustenta que o dano alegado não se configura in re ipsa, cabendo à autora provar a ofensa grave e lesiva, não havendo qualquer ilícito praticado pelo réu (art. 927, CC), que sempre agiu de boa-fé e com transparência, de modo que eventual aborrecimento não ultrapassa o mero dissabor cotidiano. Refutou igualmente o pedido de inversão do ônus da prova. Ao final, requereu o acolhimento da preliminar de falta de interesse de agir ou, no mérito, a total improcedência dos pedidos iniciais, bem como a condenação da demandante ao pagamento de custas e honorários advocatícios. Subsidiariamente, caso haja condenação, requereu a compensação dos valores já recebidos pela autora, para evitar enriquecimento sem causa, bem como a observância dos princípios da razoabilidade e proporcionalidade na fixação do quantum indenizatório.
A parte autora apresentou réplica ao evento 24.
Intimadas para especificarem as provas que pretendiam produzir (evento 27), apenas a parte autora se manifestou ao evento 30, pugnando pela produção da prova pericial, com especialista em perícias digitais, para análise dos documentos eletrônicos apresentados pelo banco réu.
Realizada audiência de conciliação na data de 02/06/2025, não se logrou êxito na celebração de acordo (evento 43).
Vieram-me os autos conclusos.
É o necessário relatório.
Decido.
Em detida análise do caderno processual, após o cotejo da pretensão autoral e das teses defensivas, entendo que a presente demanda está apta a receber julgamento antecipado, porquanto a matéria controvertida não necessita de produção de outras provas, incidindo o disposto no artigo 355, inciso I, do Código de Processo Civil.
Analisando-se as circunstâncias do processo, conclui-se que a ausência de prova oral ou mesmo pericial, no caso vertente, não configura cerceamento de defesa, principalmente porquanto a prova, no caso, é essencialmente documental.
De saída, com relação ao pedido para a realização de perícia documental sobre a contratação digital, entendo que a parte autora busca impor prova impossível à instituição financeira requerida.
Com efeito, a parte demandante invoca os arts. 428, inciso I, e 429, inciso II, do Código de Processo Civil, além do Tema 1.061 do STJ, para amparar a sua pretensão neste ponto. Ocorre que o precedente invocado não se aplica aos casos de assinatura eletrônica, mormente porque estas possuem certificação própria, regulamentada por lei.
Ora, a assinatura eletrônica por meio de biometria facial encontra respaldo normativo na Medida Provisória nº. 2.200/2001, cabendo, em sendo este o caso, tão somente a análise do preenchimento dos requisitos legais quando da sua formalização.
Destarte, a perícia em questão seria meramente protelatória, porquanto a contraprova da assinatura eletrônica poderia ser realizada por meio da simples averiguação da observância do protocolo eleito pela legislação de regência ou não.
Nestes termos, considerando que o contrato acostado aos presentes autos conta com assinatura digital, não se mostra adequado o pedido de prova pericial. Sobre o tema, cito precedente jurisprudencial do Egrégio TJGO – Tribunal de Justiça do Estado de Goiás:
“APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE NEGÓCIO JURÍDICO C/C REPETIÇÃO DO INDÉBITO E INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO. SENTENÇA MANTIDA. 1. Cerceamento de defesa. Inocorrência. Perícia grafotécnica indeferida. Não há falar em cerceamento de defesa, em decorrência do julgamento antecipado da lide, quando a dilação probatória mostra-se desnecessária em razão da forma de contratação discutida nos autos, por ser o contrato digital, no qual se exigiu o reconhecimento via biometria facial. Portanto, sendo digital a assinatura e não física, à evidência, não comporta a análise por perícia grafotécnica. 2. Contrato de empréstimo consignado. Contratação eletrônica. Assinatura digital por ‘selfie’. Regularidade da contratação. Precedentes do STJ e desta Corte de Justiça. O art. 3º da Instrução Normativa nº 28/2008 do INSS/PRES permite que a contratação de empréstimo ocorra por meio eletrônico. Na situação em concreto, o contrato de empréstimo consignado foi assinado digitalmente, mediante biometria facial, com a apresentação dos documentos pessoais, bem como comprovado o depósito do valor do contrato por meio de TED realizado para a conta de titularidade do autor/apelante, não tendo esse, inclusive, se manifestado acerca do respectivo depósito em sua conta bancária> por meio do TED. 3. Exercício regular do direito. Negócio jurídico válido. Improcedência do pedido inicial. Restando legítimo o negócio jurídico celebrado entre os litigantes, não há falar em declaração de inexigibilidade do contrato de empréstimo consignado, nem mesmo em indenização por danos materiais ou morais RECURSO DE APELAÇÃO CÍVEL CONHECIDO E DESPROVIDO.” (TJGO, PROCESSO CÍVEL E DO TRABALHO -> Recursos -> Apelação Cível nº. 5593843-54.2021.8.09.0149, Relator Des. José Proto de Oliveira, 6ª Câmara Cível, julgado em 23/05/2023, DJe de 23/05/2023) (Destaquei)
Ademais, nenhuma das justificativas esboçadas na busca de embasar a necessidade de prova técnica e, na sua ausência, ver declarada a invalidade da contratação, é passível de elucidação por via pericial.
Deveras, a discussão acerca do atendimento ou não dos parâmetros normativos (eventualmente) impostos pelo legislador para a manifestação de vontade nesse tipo de contratação, questão eminentemente objetiva e verificável pela simples leitura do documento anexado pela instituição requerida.
Para além disso, entendo que a parte autora sequer teria interesse jurídico na produção da prova pericial, uma vez que os arts. 428 e 429 do CPC são claros ao estabelecer que, na eventualidade de ser impugnada a autenticidade dos documentos, cabe à parte adversária o ônus de demonstrar a sua veracidade.
Em razão disto, entendo que a valoração da fidedignidade dos documentos carreados ao feito pela parte ré deve ser realizada quando da análise do mérito, momento em que todo o contexto probatório será aquilatado, a fim de se concluir se o questionamento acerca da validade destes é legítimo ou não.
Portanto, INDEFIRO o pedido de prova pericial, por se revelar medida protelatória ao encerramento do feito.
A propósito, insta salientar que, consoante dispõe do art. 370 do Código de processo Civil, o juiz é o destinatário final da prova a prova se destina à formação da convicção do magistrado, cabendo a ele deferir ou determinar as provas que entender necessárias à instrução do processo, de ofício ou a requerimento da parte, bem como indeferir as diligências que considerar inúteis ou meramente protelatórias.
Para o caso em análise, da verificação do contexto probatório, infere-se a desnecessidade de outras provas, seja perícia ou oitiva de testemunhas/depoimento pessoal.
Assim, deve o processo receber julgamento no estado em que se encontra.
Assentada tal premissa, observo que o feito se encontra em ordem e as partes representadas, não havendo irregularidades ou nulidades a serem sanadas.
Ressalto que o feito teve tramitação normal e que foram observadas as garantias dos sujeitos da relação processual quanto ao contraditório e ampla defesa. Além disso, estão presentes os pressupostos de existência e validade processuais.
Na ordem de enfrentamento das matérias submetidas a apreciação, passo à análise da preliminar arguida na defesa.
De início, a instituição financeira ré alegou a ausência de interesse de agir, no que concerne à ausência de pedido administrativo da autora para resolução da presente lide.
Sem razão, no entanto.
A escolha da postulação direta perante o Poder Judiciário, nesse caso, não pode ser considerada como indevida, como sustenta o banco requerido, pois encontra-se albergada pela garantia constitucional de livre acesso ao Poder Judiciário, conforme o previsto no art. 5º, inciso XXXV, da Constituição da República, segundo o qual nenhuma lesão ou ameaça a direito será excluída da apreciação do Poder Judiciário.
A propósito, os seguintes precedentes extraídos do E. Tribunal de Justiça de Goiás:
“APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE RESTITUIÇÃO DE DESCONTO INDEVIDO CUMULADA COM INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. AUSÊNCIA DE PRÉVIO REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO. INTERESSE DE AGIR. CONTESTAÇÃO APRESENTADA. 1. Não prospera a alegação de falta de interesse de agir (carência de ação), em razão da ausência de requerimento administrativo quando inexiste lei específica assim exigindo, além de aplicável a garantia constitucional de livre acesso ao Poder Judiciário. 2. Do mesmo modo, a apresentação de contestação de mérito pelo requerido, arguindo o não cabimento do pedido inaugural e não realizando a restituição devida, se afigura suficiente para suprir eventual ausência de prévio requerimento administrativo e, por consequência, demonstrar o interesse de agir da parte autora e a resistência à pretensão autoral. APELAÇÃO CÍVEL CONHECIDA E DESPROVIDA. SENTENÇA MANTIDA”. (TJGO, APELAÇÃO 0417601-03.2014.8.09.0174, REL. CAMILA NINA ERBETTA NASCIMENTO E MOURA, 5ª Câmara Cível, julgado em 20/05/2019, DJe de 20/05/2019) (Destaquei)
“APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE PRESTAÇÃO DE CONTAS. AÇÃO DE NATUREZA PESSOAL. PRESCRIÇÃO AFASTADA. DESNECESSIDADE DE EXAURIMENTO DA VIA ADMINISTRATIVA. ARTIGO 5º, INCISO XXXV, DA CONSTITUIÇÃO FEDERA. 1. A ação de prestação de contas é de natureza pessoal e, desse modo, sua prescrição é estabelecida pelo artigo 205 do Código Civil, ocorrendo no prazo de 10 (dez) anos, a contar da data em que houve a violação do direito, conforme estabelece o artigo 189 da mesma lei. 2. Não há necessidade de qualquer providência prévia na via administrativa para a parte pleitear a prestação de contas da sua movimentação bancária, em atenção ao princípio constitucional da inafastabilidade da jurisdição, previsto no artigo 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal. APELAÇÃO CÍVEL CONHECIDA E DESPROVIDA”. (TJGO, APELAÇÃO CÍVEL 214960-78.2015.8.09.0113, Rel. Dr. FERNANDO DE CASTRO MESQUITA, 5A CÂMARA CÍVEL, julgado em 17/08/2017, DJe 2346 de 12/09/2017) (Destaquei)
Desse modo, é garantia basilar do jurisdicionado o pleno acesso à prestação jurisdicional, cujo exercício, na espécie, não se condiciona ao prévio exaurimento da via administrativa, ante a ausência de exigência legal nesse sentido.
Diante disso, rejeito a aludida preliminar.
Inexistindo outras questões preliminares/prejudiciais, passo à análise do mérito propriamente dito.
Vale observar que, ante a relação jurídica estabelecida entre os sujeitos processuais, é indubitável a aplicação das disposições do Código de Defesa do Consumidor (CDC), especialmente em razão do entendimento jurisprudencial cristalizado no verbete da Súmula 297 do STJ – Superior Tribunal de Justiça, in verbis: “O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras”.
No que se refere às questões de fato, isto é, à comprovação dos acontecimentos, ressalto que o art. 14, § 3º, do CDC, diversamente da regra estatuída pelo art. 6º, VIII, do CDC, estabeleceu a inversão legal do ônus da prova (‘ope legis’), não judicial (‘ope iudicis’), nos casos de fato do serviço, distribuindo ao fornecedor o encargo de provar que o prestou de maneira adequada ou que o consumidor ou terceiro agiram com culpa exclusiva.
O sistema criado pelo Código de Defesa do Consumidor estabelece a responsabilidade objetiva dos prestadores de serviço, especialmente nos artigos 3º, § 2º, e 14 daquele Diploma Legal.
Por consequência, o demandado deve responder pelos defeitos resultantes do negócio independentemente de culpa, nos moldes do art. 14, ‘caput’, do CDC, verbis:
“Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação de danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação de serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.”
Trata-se de responsabilidade objetiva pelo fato do serviço, fundada na teoria do risco do empreendimento, segundo a qual, consoante doutrina de Sérgio Cavalieri Filho: “(...) todo aquele que se dispõe a exercer alguma atividade no campo do fornecimento de bens e serviços tem o dever de responder pelos fatos e vícios resultantes do empreendimento independentemente de culpa. Este dever é imanente ao dever de obediência às normas técnicas e de segurança, decorrendo a responsabilidade do simples fato de dispor-se alguém a realizar atividade e executar determinados serviços. Em suma, os riscos do empreendimento correm por conta do fornecedor (de produtos e serviços) e não do consumidor”.
Os requisitos, portanto, para a configuração da responsabilidade são: falha na prestação do serviço, dano e nexo causal.
Nesse tipo de responsabilidade, o fornecedor somente afasta o dever de reparar o dano se provar (ônus seu) a ocorrência de uma das causas que excluem o nexo causal, enunciadas no § 3º do art. 14 do CDC, quais sejam,
“(...)
§ 3º O fornecedor de serviços só não será responsabilizado quando provar:
I – que, tendo prestado o serviço, o defeito inexiste;
II – a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro.”
No caso submetido a apreciação, a autora narra ser pessoa idosa e ter percebido, em seu benefício de prestação continuada à pessoa idosa, o desconto relativo ao empréstimo consignado impugnado na presente lide, averbado em seu benefício, pela instituição financeira ré, contrato/ADE nº. 950000989059, firmado em 25/01/2024, no valor de R$ 1.229,29 (um mil duzentos e vinte e nove reais e vinte e nove centavos), a ser pago em 17 (dezessete) parcelas de R$ 208,52 (duzentos e oito reais e cinquenta e dois centavos) cada, o qual, no entanto, sustentou desconhecer e jamais ter pactuado.
Assim, atenta à distribuição do ônus da prova realizada pela própria lei, mas também por este juízo (evento 07), competia à parte requerida apresentar provas da efetiva contratação.
E analisando todo o conjunto fático probatório, com relação aos documentos colacionados aos autos, conclui-se que a parte ré não comprovou a devida contratação realizada pela autora, nos termos do artigo 373, inciso II, do CPC e art. 6º, inciso VIII, do CDC.
Nesse ponto, a instituição financeira afirma que o negócio jurídico objeto da presente lide foi firmado por meio eletrônico.
A propósito, mister consignar que a assinatura eletrônica garante a validade jurídica do contrato, uma vez que as plataformas se utilizam de uma combinação de diversos pontos de autenticação para garantir a veracidade e integridade dos documentos assinados, como registro do endereço de IP, geolocalização, vinculação ao e-mail do signatário, senha pessoal do usuário, sendo alguns exemplos.
E o Egrégio Tribunal de Justiça de Goiás já se manifestou especificamente sobre a validade da contratação de empréstimo consignado mediante assinatura eletrônica, senão vejamos:
“RECURSO DE APELAÇÃO. AÇÃO DECLARATÓRIA C/C RESTITUIÇÃO DE INDÉBITO E INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. CONTRATO DE EMPRÉSTIMO CONSIGNADO. PROVA DA CONTRATAÇÃO POR MEIO ELETRÔNICO. ASSINATURA ATRAVÉS DE BIOMETRIA FACIAL. INEXISTÊNCIA DE INDÍCIOS DE FRAUDE. REGULARIDADE DA OPERAÇÃO. 1. O banco réu logrou comprovar o vínculo jurídico, por meio da juntada de contrato formalizado por meio eletrônico, no qual verifica-se a imagem capturada por “selfie” no momento da contratação para a realização da biometria facial, a geolocalização da autora, o IP do dispositivo eletrônico por meio do qual foi realizada a operação, além da prova de transferência do crédito para a conta da titularidade da consumidora, que limitou-se a alegações genéricas de ocorrência de fraude contra aposentados, sem nenhum indício concreto de adulteração dos dados constantes da contratação formalizada por meio digital, tampouco solicitou a realização de prova pericial. 2. Regularidade da contratação do empréstimo consignado, diante da existência de prova da manifestação de vontade da autora através de imagem capturada por “selfie” e da disponibilização do crédito por meio de transferência bancária, mormente porque os extratos da movimentação financeira mostram-se ilegíveis. RECURSO DE APELAÇÃO CONHECIDO E DESPROVIDO”. (TJGO, PROCESSO CÍVEL E DO TRABALHO -> Recursos -> Apelação Cível 5294904-63.2023.8.09.0113, Rel. Des(a). REINALDO ALVES FERREIRA, 2ª Câmara Cível, julgado em 07/11/2023, DJe de 07/11/2023) (Destaquei)
Logo, é sabido que o contrato virtual ou por meio eletrônico é aceito atualmente para contratação de negócios jurídicos de forma mais célere, porém a assinatura eletrônica deve ser comprovada por meio de ferramenta que permita confirmar de forma inequívoca a contratação.
No entanto, extrai-se que restou caracterizada a falha na prestação do serviço, pois a instituição financeira não demonstrou, na condição de fornecedor do serviço adquirido, prova da regular contratação.
Em que pese o banco tenha apresentado os documentos referentes ao suposto contrato firmado entre as partes, não é possível verificar a autenticidade da suposta assinatura digital aposta no contrato, eis que não se encontram presentes as informações que identificam e registramos signatários e que garantem a assinatura eletrônica válida do documento ao final da operação.
Com efeito, analisando o documento em questão, verifico que nele não consta qualquer certificado ou validação de assinatura digital por biometria facial com indicação de data, hora, geolocalização e IP.
Assim, diante do acima exposto, não há comprovação da existência da certificação digital, seja por biometria facial ou assinatura eletrônica acompanhada de certificado de autenticidade. E, ainda, não trouxe o ‘log’ de dados da operação de forma detalhada ou prova a respeito das circunstâncias em que se deu a transação mediante o uso de senha pessoal e intransferível, como suscitado.
Nesse contexto, a instituição financeira ré não se desincumbiu do ônus da prova quanto à legitimidade da contratação e a consequente regularidade dos descontos na verba alimentar da autora, de modo que as cobranças referentes ao suposto empréstimo consignado são indevidas, devendo ser declarada a inexistência da dívida.
Nesse sentido, cito:
“APELAÇÃO CÍVEL. RELAÇÃO DE CONSUMO. INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C DECLARATÓRIA E INDENIZATÓRIA. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA. CONTRATAÇÃO DO EMPRÉSTIMO POR MEIO DE RECONHECIMENTO FACIAL (BIOMETRIA). REFINANCIAMENTO DE EMPRÉSTIMO ANTERIOR NÃO RECONHECIDO PELA PARTE AUTORA. FALHA DA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO CONFIGURADA. "BIOMETRIA FACIAL" QUE NÃO PERMITE VERIFICAR A REGULARIDADE DA CONTRATAÇÃO PELO DEMANDANTE. INEXISTÊNCIA DE PROVA SUFICIENTE SOBRE OS TERMOS DO CONTRATO DE REFINANCIAMENTO DE EMPRÉSTIMO, POIS, EM QUE PESE A INSTITUIÇÃO FINANCEIRA DEFENDER A VALIDADE DA ASSINATURA DIGITAL POR MEIO DE BIOMETRIA FACIAL, NÃO SE VERIFICA OS PARÂMETROS USADOS PARA AFERIÇÃO DA SUPOSTA CONTRATAÇÃO PELO CONSUMIDOR. ÔNUS DA PROVADO BANCO RÉU - ART. 373, II, DO CPC. CERTIFICAÇÃO DIGITAL QUE FOI APRESENTADA PELO BANCO APELANTE DE FORMA UNILATERAL, SENDO QUE A INSTITUIÇÃO FINANCEIRA TÃO SOMENTE FORNECEU UMA FOTO DO CLIENTE COMO SE FOSSE A SUA ASSINATURA. INOBSERVÂNCIA NA CÉDULA DE CRÉDITO BANCÁRIA ACOSTADA AOS AUTOS SEQUER O TERMO "ASSINADO DIGITALMENTE" PARA QUE PUDESSE CONFIRMAR A ANUÊNCIA DA PARTE AUTORA. CONTRATAÇÃO NA FORMA DIGITAL QUE DEVE SER COMPROVADA PELA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA MEDIANTE A APRESENTAÇÃO DE DADOS CRIPTOGRAFADOS, O QUE NÃO SE DESINCUMBIU O BANCO RECORRENTE. ADEMAIS, SEQUER REQUEREU PROVA PERICIAL PARA ATESTAR A REGULARIDADE DA CONTRATAÇÃO DIGITAL, COM A ASSINATURA ELETRÔNICA - BIOMETRIA FACIAL, NA FORMA DO ARTIGO 373, II, DO CPC. DESCONTO INDEVIDO QUE RESTOU INCONTROVERSO. DANO MORAL CONFIGURADO. TEORIA DO RISCO DO EMPREENDIMENTO. QUANTUM INDENIZATÓRIO NO VALOR DE R$5.000,00 (CINCO MIL REAIS) QUE NÃO MERECE REDUÇÃO, DADAS AS PECULIARIDADES DO CASO CONCRETO E OS PRINCÍPIOS DE PROPORCIONALIDADE E RAZOABILIDADE, SOBRETUDO SE CONSIDERADO QUE O AUTOR É IDOSO E QUE OS DESCONTOS FORAM EFETUADOS SOBRE PENSÃO PREVIDENCIÁRIA. SÚMULA Nº 343 DO TJRJ. DEVOLUÇÃO EM DOBRO. SENTENÇA QUE SE MANTÉM. DESPROVIMENTO DO RECURSO. (TJ-RJ - APL: 00270185120208190014, Relator: Des (a). ANDRE LUIZ CIDRA, Data de Julgamento: 03/02/2022, DÉCIMA PRIMEIRA CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 09/02/2022) (Destaquei)
“APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE PROCEDIMENTO COMUM -INEXISTÊNCIA DE DÉBITO - TÍTULO DE CAPITALIZAÇÃO - CONTRATAÇÃO POR MEIO ELETRÔNICO NÃO COMPROVADA -PRINTS DE TELA DO SISTEMA - DANO MORAL - QUANTUM INDENIZATÓRIO - TERMO INICIAL DOS JUROS DE MORA - REPETIÇÃO DE INDÉBITO DE FORMA SIMPLES. Nas ações em que o autor nega a existência de negócio jurídico, o ônus de provar o contrato é do réu, pois não é de se exigir do autor a prova negativa de fato. Os prints de telas eletrônicas, não possuindo assinatura e não acompanhados de cópia dos documentos pessoais do autor, não comprovam a contratação e a legitimidade do débito. "Não se ignora que na contemporaneidade os meios digitais de contratação tem ganhado preponderância, tendo em vista a agilidade que propiciam. No entanto, cabe ao fornecedor que opta for ofertar a possibilidade de contratação nesta modalidade o ônus de se cercar de meios de assegurar a regularidade do negócio". Não comprovada a contratação de aquisição de título de capitalização, os descontos indevidos em benefício previdenciário é fato gerador de dano moral. Para o arbitramento da reparação pecuniária por dano moral, o juiz deve considerar as circunstâncias fáticas, a repercussão do ilícito, as condições pessoais das partes, bem como os princípios da razoabilidade e a proporcionalidade. A indenização adequada não comporta majoração ou redução do quantum. A quantia arbitrada para compensação por dano moral deve ser corrigida monetariamente a partir do arbitramento (Súmula 362 do STJ) e acrescidos juros de mora de 1% ao mês, desde a data do evento danoso ou do primeiro desconto indevido. Para a repetição de indébito em dobro faz-se necessária a prova do pagamento indevido e da má-fé do credor”. (TJ-MG - AC: 10000221983927001 MG, Relator: José Flávio de Almeida, Data de Julgamento: 14/10/2022, Câmaras Cíveis / 12ª CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 17/10/2022) (Destaquei)
“EMPRÉSTIMOS CONSIGNADOS - Ação declaratória de inexistência de relação jurídica c.c. repetição de indébito e danos morais julgada improcedente, com condenação do autor por litigância de má-fé - Inconformismo do autor - Refinanciamentos de empréstimos consignados por meio de assinatura digital (biometria facial) - Falta de comprovação da existência dos contratos primitivos que deram origem aos refinanciamentos - Fotografia selfie que não é suficiente para reconhecimento da validade da assinatura digital por biometria facial, diante das circunstâncias do caso concreto - Indícios de fraude na contratação - Valores descontados do benefício previdenciário do recorrente que lhe devem ser restituídos pelo banco recorrido, na forma simples - Dano moral configurado - Descabimento da condenação por litigância de má-fé - Sentença reformada - RECURSO PROVIDO”. (TJSP - Recurso Inominado Cível 1008440-96.2021.8.26.0077; Relator (a): Camila Paiva Portero; Órgão Julgador: 1a Turma Cível; Foro de Birigui - Vara do Juizado Especial Cível e Criminal; Data do Julgamento: 20/05/2022; Data de Registro: 20/05/2022) (Destaquei)
Acrescento que não pode a instituição financeira demandada simplesmente afirmar que efetuou a transferência do valor emprestado em benefício da requerente, pois deveria ter produzido prova para tanto. Ressalte-se, ainda, que os ‘prints’ das telas de seus sistemas não se prestam para comprovar a regularidade da disponibilização do numerário. Nesse sentido:
“APELAÇÃO. EMPRÉSTIMO CONSIGNADO. DESCONTOS EM BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. COMPENSAÇÃO DE VALORES. DESCABIMENTO. AUSÊNCIA DE COMPROVANTE DE TRANSFERÊNCIA. JUNTADA DE PRINT DE TELA. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DE TRANSFERÊNCIA DE VALORES. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. Versa o caso acerca da possibilidade de compensação entre os valores constantes na condenação com aqueles que, por ventura, tenham sido creditados na conta bancária da promovente, relativos ao reconhecimento da invalidade do contrato de empréstimo consignado objeto da lide que motivou os descontos no benefício previdenciário da autora, ora apelante. Como cediço, a jurisprudência remansosa entende que mera cópia da tela do computador (print screen), por ser documento produzido unilateralmente, não tem o valor de prova, seja por ser confeccionado sem a participação do consumidor, seja por não se submeter ao contraditório e a ampla defesa na sua elaboração. Dessa forma, tendo havido somente a juntada de um print de tela (fl. 198) com “informações de liberação de pagamento”, percebe-se que a instituição financeira não se desincumbiu do encargo de rechaçar as alegações autorais, comprovando fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito da requerente (art. 373, II, do CPC), uma vez que não produziu prova robusta quanto à regularidade da contratação, tampouco quanto à transferência de quaisquer valores. Destaca-se que o documento exibido à folha 198 não serve como prova, porque trata-se de mero print de texto editável, produzido unilateralmente pela parte apelada, cujo conteúdo diverge do extrato bancário da autora, o qual demonstra a inexistência do depósito do valor do empréstimo. Dessarte, merece provimento o recurso sendo forçoso o afastamento da compensação, porquanto não resta comprovado que foram creditados valores na conta bancária da promovente. Recurso CONHECIDO e PROVIDO”. (Apelação Cível - 0020423-56.2017.8.06.0029, Rel. Desembargador (a) EVERARDO LUCENA SEGUNDO, 2a Câmara Direito Privado, data do julgamento: 15/03/2023, data da publicação: 15/03/2023) (Destaquei)
De qualquer forma, ainda que a instituição financeira tivesse comprovado ter liberado valores na conta da requerente, tal fato, por si só, não acarreta a convalidação do contrato.
Isso porque a concessão de valores sem prévia contratação pelo consumidor em sua conta constitui conduta comprovadamente exercida pelo réu como flagrante desobediência à norma prevista no inciso III do art. 39 do Código de Defesa do Consumidor, segundo a qual é vedado ao prestador de serviços enviar ou entregar ao consumidor, sem solicitação prévia, qualquer produto, ou fornecer qualquer serviço.
É certo que o fornecimento de um serviço não solicitado se caracteriza como prática abusiva pelos bancos corriqueiramente, razão pela qual o art. 39, parágrafo único, do CDC, estabelece que:
“Art. 39. É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas:
(...)
III - enviar ou entregar ao consumidor, sem solicitação prévia, qualquer produto, ou fornecer qualquer serviço;
(...)
Parágrafo único. Os serviços prestados e os produtos remetidos ou entregues ao consumidor, na hipótese prevista no inciso III, equiparam-se às amostras grátis, inexistindo obrigação de pagamento”.
Por conseguinte, eventuais transferências efetuadas não se prestam a comprovar qualquer manifestação de vontade em realizar a contratação e, igualmente, não devem ser consideradas para fins da “compensação” postulada pelo banco réu.
Nesta toada, era encargo da instituição financeira demandada demonstrar a regularidade do contrato impugnado pela parte autora, fato que não ocorreu satisfatoriamente, pois em se tratando de relação de consumo, incumbe ao polo passivo elidir, satisfatoriamente, o fato constitutivo do direito explicitado na inicial, nos moldes do art. 373, inciso II, do Código de Processo Civil.
Diante disso, o contrato deve ser declarado inexistente, com a devida restituição dos valores pagos pela autora, por meio dos descontos efetivados em seu benefício de prestação continuada.
Registre-se que não há dúvida de que os descontos indevidos se deram por responsabilidade da parte requerida, em face da contratação cuja validade não foi demonstrada.
Deste modo, impõe-se também a procedência do pedido de restituição, em dobro, dos valores indevidamente descontados da conta da autora com base no contrato fraudulento.
No que se refere à repetição de indébito, ressalto que se trata de consectário lógico da cobrança de encargos indevidos, considerando o princípio que veda o enriquecimento sem causa.
De acordo com o artigo 42 do Código de Defesa do Consumidor, são exigidos os seguintes requisitos para a devolução em dobro: a) a cobrança indevida; b) o pagamento indevido; e c) o engano não justificável.
Ainda, consoante doutrina e jurisprudência sobre o tema, era necessária a configuração do elemento subjetivo, ou seja, a má-fé ou a culpa, na cobrança indevida.
No entanto, a Corte Especial do e. Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do EREsp/RS, em 21/10/2020, excluiu o elemento volitivo como requisito para a restituição dobrada e fixou a seguinte tese: "a restituição em dobro dos valores pagos indevidamente – de acordo com a orientação do artigo 42 do Código de Defesa do Consumidor - independe da motivação do agente que fez a cobrança, sendo cabível quando houver a configuração de conduta contrária à boa-fé objetiva".
In casu, depreende-se que a consumidora foi cobrada por quantia indevida, já que não houve a contratação do empréstimo, não havendo se falar em engano justificável por parte da instituição financeira. Cabia ao banco requerido agir com cautela no momento da contratação e, inexistindo comprovação de "engano justificável" de sua parte, a condenação do réu à restituição em dobro dos valores descontados indevidamente da conta da autora é medida que se impõe.
Neste sentido:
“APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER COM REPETIÇÃO DE INDÉBITO C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. CONTRATAÇÃO DE EMPRÉSTIMO MEDIANTE FRAUDE. ASSINATURA FALSA. RESTITUIÇÃO EM DOBRO. ART. 42, DO CDC. INDENIZAÇÃO DEVIDA. DANO MORAL CONFIGURADO. MANUTENÇÃO DO QUANTUM INDENIZATÓRIO. TERMO INICIAL DOS JUROS MORATÓRIOS. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. PREQUESTIONAMENTO. SENTENÇA MANTIDA. 1. A prestação de serviço bancário constitui relação de consumo, sendo aplicável as regras do Código de Defesa do Consumidor. 2. Conforme decisão do Superior Tribunal de Justiça, a 2a Seção (Tema 1061) decidiu que é obrigação dos bancos realizar a prova da autenticidade da assinatura do cliente em contratos em casos em que o consumidor aponta a falsificação e isso não ocorreu já que o réu pugnou pelo julgamento antecipado da lide. 3. Com relação à repetição do indébito, a restituição do valor em dobro se justifica, tendo em vista que a consumidora teve descontado em seus vencimentos valores indevidos, incidindo na espécie o parágrafo único do art. 42, do Código de Defesa do Consumidor, que dispõe que o consumidor cobrado por quantia indevida tem direito à repetição do indébito, por valor igual ao dobro do que pagou, corrigido e acrescido de juros. 4. A reparação do dano moral deve servir para recompor os transtornos sofridos pela vítima, bem como, para inibir a repetição de ações lesivas de idêntica natureza, devendo, ainda, ser suficiente para suprir o dano causado e não causar o enriquecimento da parte postulante, razão pela qual mister a manutenção do quantum indenizatório arbitrado no primeiro grau. 5. Atinente à forma de atualização da condenação por danos morais, mister que os consectários legais sejam mantidos, devendo os juros moratórios fluírem a partir do evento danoso (Súmula 54/STJ) - primeiro desconto indevido - e a correção monetária desde o arbitramento/sentença (Súmula 362/STJ), se subordinando, ainda, ao Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC). 6. Os honorários advocatícios foram fixados em 20% (vinte por cento) do valor da condenação, não comportando elevação, uma vez que este é o percentual máximo legal. APELAÇÃO CÍVEL CONHECIDA E DESPROVIDA”. (TJGO, PROCESSO CÍVEL E DO TRABALHO -> Recursos -> Apelação Cível 5107581-72.2021.8.09.0051, Rel. Des (a). DESEMBARGADOR MARCUS DA COSTA FERREIRA, 5a Câmara Cível, julgado em 15/07/2022, DJe de 15/07/2022) (Destaquei)
Logo, impõe-se a restituição, em dobro, dos valores descontados indevidamente no benefício previdenciário da demandante, a título de cobrança das parcelas do crédito consignado fraudulento, referente ao contrato/ADE nº. 950000989059, os quais deverão ser apurados em sede de liquidação de sentença.
Superada a pretensão declaratória e material, os contornos delimitados se fazem necessários igualmente para a análise sobre o pedido de condenação do banco réu pelos danos suportados pela autora, que os reclama em razão da lesão da sua dignidade, confrontada pela conduta ilícita daquele.
Cumpre salientar que a responsabilidade civil decorrente da prática de ato ilícito encontra a sua regulamentação nos artigos 186 e 927 do Código Civil, dos quais se extrai como requisitos que caracterizam o dever de reparar: a configuração de uma conduta culposa, um dano a outrem e o nexo causal entre aquela e o dano causado.
No entanto, por se tratar o caso de indiscutível relação de consumo (Súmula 297 do STJ), a responsabilidade civil por ato ilícito é objetiva, dispensando qualquer traço de culpa, conforme artigo 14 do CDC, já citado.
Desta forma, a instituição bancária responde objetivamente pelos danos causados ao consumidor, em razão da prestação de serviço defeituosa, prescindindo, portanto, de qualquer perquirição acerca do elemento subjetivo (dolo/culpa), conforme preceitua o dispositivo legal acima transcrito, bastando a constatação do dano sofrido pela consumidora e o nexo causal existente entre aquele (dano) e a conduta do fornecedor (falha na prestação do serviço).
No caso em tela, restou demonstrada a ocorrência de dano moral, pois, conforme exposto em linhas pretéritas, o banco não estava autorizado a descontar no benefício da requerente os valores questionados, porquanto a autora não entabulou o contrato.
Na hipótese, o dano moral é ‘in re ipsa’. Nesse sentido, colaciono precedentes do Egrégio Tribunal de Justiça de Goiás:
“APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE ATO JURÍDICO COMBINADA COM RESTITUIÇÃO EM DOBRO DOS VALORES E REPARAÇÃO POR DANOS MORAIS. CONTRATAÇÃO DE EMPRÉSTIMO. FRAUDE PERPETRADA POR TERCEIROS. ASSINATURA FALSA. COMPROVAÇÃO POR PERÍCIA GRAFOTÉCNICA. DANO MORAL OCORRÊNCIA. QUANTUM FIXADO. RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE. MANUTENÇÃO. REPETIÇÃO EM DOBRO. PRESENÇA DE MÁ-FÉ. LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ. INOCORRÊNCIA. SENTENÇA MANTIDA. 1. Sabido que a responsabilidade das instituições financeiras por fortuito interno decorrente de fraudes e delitos cometidos por terceiros é objetiva (súmula 479 do Superior Tribunal de Justiça). 2. No caso, a ilegalidade do ato e a responsabilidade do apelante restam evidenciadas, notadamente pelos documentos acostados nos autos que comprovam a celebração de um segundo contrato (708926257-5), com termos diversos do primeiro (097650961-79), sem o seu consentimento, com evidente aposição de assinatura falsa, atestada por laudo pericial. 3. Na hipótese de transação bancária fraudulenta, torna-se desnecessária a comprovação dos danos morais, porque concebido in re ipsa, sendo suficiente, para tanto, a efetiva demonstração do episódio experimentado pelo jurisdicionado, porque a violação dos direitos da personalidade se revela inerente à ilicitude do ato praticado. 4. Levando-se em consideração as peculiaridades do caso concreto, a situação econômico-financeira do Banco ofensor e do ofendido, a gravidade e a repercussão do fato na vida deste, entende-se que o valor R$ 8.000,00 (oito mil reais), a título de indenização por danos morais, mostra-se razoável. 5. Com relação à repetição do indébito, a restituição do valor em dobro se justifica, tendo em vista que o consumidor teve descontado em seus vencimentos valores indevidos, incidindo na espécie o parágrafo único do art. 42, do Código de Defesa do Consumidor, que dispõe que o consumidor cobrado por quantia indevida tem direito à repetição do indébito, por valor igual ao dobro do que pagou, corrigido e acrescido de juros. 6. Com relação ao pedido de condenação do apelante ao pagamento de multa por litigância de mé-fé, constata-se que o autor comprovou o fato constitutivo de seu direito (artigo 373, I, do Código de Processo Civil), de modo que, quando a parte utiliza dos meios disponíveis na lei na busca de direitos dos quais entende ser titular, não incorre em litigância de má-fé, sobretudo porque esta não é presumida. 7. Desprovido o recurso apelatório, cumpre aplicar majoração dos honorários sucumbenciais, nesta seara recursal, para 15% (quinze por cento), conforme artigo 85, § 11, do Código de Processo Civil. RECURSO DE APELAÇÃO CÍVEL CONHECIDO E DESPROVIDO”. (TJGO, PROCESSO CÍVEL E DO TRABALHO -> Recursos -> Apelação Cível 5250351-30.2017.8.09.0051, Rel. Des (a). DESEMBARGADOR ANDERSON MÁXIMO DE HOLANDA, Goiânia - 10ª Vara Cível, julgado em 09/08/2021, DJe de 09/08/2021) (Destaquei)
“APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO ANULATÓRIA DE DÉBITO C/C INDENIZATÓRIA. EMPRÉSTIMO NÃO CONTRATADO PELO CONSUMIDOR. MÁ PRESTAÇÃO DO SERVIÇO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. DANO MORAL. VALOR INDENIZATÓRIO. PROPORCIONALIDADE E RAZOABILIDADE. RESTITUIÇÃO. INTERESSE RECURSAL. 1. As instituições bancárias respondem objetivamente pelos danos causados por fraudes ou delitos praticados por terceiros, como abertura de conta-corrente ou recebimento de empréstimos mediante fraude ou utilização de documentos falsos, porquanto tal responsabilidade decorre do risco do empreendimento, caracterizando-se como fortuito interno (inteligência da súmula 479 do STJ). 2. A reparação dos danos morais, no caso, independe de prova do prejuízo, pois decorre do próprio evento danoso, sendo o dano considerado in re ipsa. 3. A fixação do valor devido, a título de danos morais, deve obedecer aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, servindo como forma de compensação da dor impingida e, ainda, como meio de coibir o agente da prática de outras condutas semelhantes. 4. Falta interesse recursal ao apelante, quando pleiteia reforma da sentença na parte em que não foi sucumbente. APELO PARCIALMENTE CONHECIDO E, NESTA PARTE, PARCIALMENTE PROVIDO”. (TJGO, Apelação (CPC) 0360912- 80.2015.8.09.0051, Rel. CARLOS HIPOLITO ESCHER, 4a Câmara Cível, julgado em 27/02/2018, DJe de 27/02/2018) (Destaquei)
Assim, uma vez firmada a existência dos danos morais, passo a analisar o quantum indenizatório.
A fixação do quantum da reparação do dano moral é matéria de assaz controvérsia doutrinária e jurisprudencial diante da ausência de critérios legais objetivos. O art. 944 do Código Civil prescreve que a indenização se mede pela extensão do dano, que no presente revela-se pequena.
A propósito do tema, no que concerne à reparação do dano, oportuno lembrar aqui a lição de Maria Helena Diniz, quando se detém no estudo da fixação do dano moral:
“Na avaliação do dano moral o órgão judicante deverá estabelecer uma reparação equitativa, baseada na culpa do agente, na extensão do prejuízo causado e na capacidade econômica do responsável. Na reparação do dano moral o juiz determina, por equidade, levando em conta as circunstâncias de cada caso, o quantum da indenização devida, que deverá corresponder à lesão e não ser equivalente, por ser impossível tal equivalência”. (in Cursos de Direito Civil Brasileiro - Vol. VII 5ª ed. - Saraiva - 1990 - p.79)
Assim, tenho que o quantum indenizatório deva ser arbitrado em R$ 6.000,00 (seis mil reais), valor que preenche o caráter punitivo e compensatório da reparação, bem como a proibição do enriquecimento sem causa da parte, estando em conformidade com a capacidade econômica do ofensor, a natureza e a extensão da lesão, pautado nos princípios da proporcionalidade e razoabilidade, sobretudo porque, na hipótese, não houve outras consequências, como negativação indevida, por exemplo.
Diante do todo acima exposto, JULGO PROCEDENTES os pedidos iniciais para:
i) declarar a inexistência de qualquer débito oriundo do Contrato de Empréstimo Consignado nº. 950000989059, firmado em 25/01/2024, no valor de R$ 1.229,29 (um mil duzentos e vinte e nove reais e vinte e nove centavos), a ser pago em 17 (dezessete) parcelas de R$ 208,52 (duzentos e oito reais e cinquenta e dois centavos);
ii) condenar a instituição financeira ré à restituição dos valores descontados indevidamente, em dobro, acrescidos de correção monetária pelo IPCA-IBGE, desde as datas de cada desconto e de juros de mora de 1% (um por cento) ao mês, a contar da citação, a serem apurados na fase de liquidação de sentença;
iii) condenar a instituição financeira requerida a pagar à parte autora, a título de indenização por danos morais, a quantia equivalente a R$ 6.000,00 (seis mil reais), que deverá ser acrescida de correção monetária, pelo IPCA-IBGE, a partir desta data, e de juros de mora de 1% (um por cento) ao mês, a partir da citação.
Por conseguinte, extingo o processo, com resolução de mérito, com fundamento no artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil.
Atenta ao princípio da causalidade, condeno unicamente a parte requerida, sucumbente, ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, os quais fixo em 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação total, nos termos do artigo 85, § 2º, do Código de Processo Civil.
Proceda-se à apuração das custas finais. Após, intime-se a parte requerida, por seu procurador, para que recolha, no prazo de 10 (dez) dias. Caso não seja providenciado o recolhimento da guia processual devida, será o valor das custas anotado na distribuição e, também, encaminhado à Secretaria de Estado da Fazenda, para inscrição na Dívida Ativa.
Publique-se. Registre-se. Intimem-se.
Transitada em julgado esta sentença, pagas as custas ou anotadas na distribuição, arquivem-se os autos, com as cautelas devidas e baixas de praxe.
No caso de oposição de embargos de declaração, havendo possibilidade de serem aplicados efeitos infringentes, deverá a parte contrária ser intimada para manifestação no prazo legal.
Interposto recurso de apelação, intime-se a parte recorrida para apresentar contrarrazões, no prazo legal de 15 (quinze) dias, conforme preconiza o artigo 1.010, § 1º, do Código de Processo Civil.
Se apresentada apelação adesiva pela parte recorrida, na forma do artigo 997, do Código de Processo Civil, intime-se a parte contrária para contrarrazões no prazo de 15 (quinze) dias, de acordo com o artigo 1.010, § 2º, do Código de Processo Civil.
Caso as contrarrazões do recurso principal ou do adesivo ventilem matérias elencadas no artigo 1.009, § 1º, do Código de Processo Civil, intime-se a parte recorrente para se manifestar, no prazo de 15 (quinze) dias, conforme o artigo 1.009, § 2º, do Código de Processo Civil.
Após, encaminhem-se os autos ao egrégio Tribunal de Justiça de Goiás, com as homenagens de estilo, ressaltando-se que o juízo de admissibilidade do recurso será efetuado direta e integralmente pela Corte, segundo o teor do artigo 932 do Código de Processo Civil.
Cumpra-se.
Goiânia/GO, data da assinatura eletrônica.
(assinado digitalmente)
Tatianne Marcella Mendes Rosa Borges Mustafa
Juíza de Direito
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