Processo nº 5000561-24.2025.4.03.6181
ID: 300909843
Tribunal: TRF3
Órgão: Gab. 39 - DES. FED. JOSÉ LUNARDELLI
Classe: RECURSO EM SENTIDO ESTRITO
Nº Processo: 5000561-24.2025.4.03.6181
Data de Disponibilização:
17/06/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
PODER JUDICIÁRIO Tribunal Regional Federal da 3ª Região 11ª Turma RECURSO EM SENTIDO ESTRITO (426) Nº 5000561-24.2025.4.03.6181 RELATOR: Gab. 39 - DES. FED. JOSÉ LUNARDELLI RECORRENTE: MINISTERIO PUB…
PODER JUDICIÁRIO Tribunal Regional Federal da 3ª Região 11ª Turma RECURSO EM SENTIDO ESTRITO (426) Nº 5000561-24.2025.4.03.6181 RELATOR: Gab. 39 - DES. FED. JOSÉ LUNARDELLI RECORRENTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP RECORRIDO: JEFERSON OLIVEIRA DOS SANTOS, RODRIGO OSMAR DE OLIVEIRA Advogados do(a) RECORRIDO: ALEX DE ASSIS DINIZ MAGALHAES - SP324530-A, GUILHERME RODRIGUES DE OLIVEIRA - SP431039-A OUTROS PARTICIPANTES: PODER JUDICIÁRIO Tribunal Regional Federal da 3ª Região 11ª Turma RECURSO EM SENTIDO ESTRITO (426) Nº 5000561-24.2025.4.03.6181 RELATOR: Gab. 39 - DES. FED. JOSÉ LUNARDELLI RECORRENTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP RECORRIDO: JEFERSON OLIVEIRA DOS SANTOS, RODRIGO OSMAR DE OLIVEIRA Advogados do(a) RECORRIDO: ALEX DE ASSIS DINIZ MAGALHAES - SP324530-A, GUILHERME RODRIGUES DE OLIVEIRA - SP431039-A OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL JOSÉ LUNARDELLI: Trata-se de Recurso em Sentido Estrito interposto pelo Ministério Público Federal, com fundamento no artigo 581, V, do Código de Processo Penal, contra a decisão proferida pela magistrada do Grupo do Plantão Judicial de São Paulo/SP, que declarou a nulidade de todas as decisões proferidas pelo Juízo Estadual no bojo dos autos do IP nº 5006493-83.2024.4.03.6130, relaxando as prisões preventivas anteriormente decretadas em desfavor de JEFERSON OLIVEIRA DOS SANTOS e RODRIGO OSMAR DE OLIVEIRA, além de indeferir o pedido de decretação de prisão preventiva formulado pelo Parquet Federal. Consta que o inquérito policial foi instaurado com o escopo de se apurar a prática, em tese, dos crimes previstos nos artigos 155, § 4º, 129, § 12, 330 e 163, parágrafo único, todos do Código Penal. Segundo o auto de prisão em flagrante, no dia 29/10/2024 os investigados JEFERSON OLIVEIRA DOS SANTOS e RODRIGO OSMAR DE OLIVEIRA, ora recorridos, foram surpreendidos por policiais na altura do Km 329 da Rodovia Regis Bittencourt (Juquitiba/SP), em um veículo Volkswagen Gol, de cor vermelha, placas CLA1C61, estacionado atrás de um caminhão que transportava mercadorias da empresa Renner, e que, por sua vez, era saqueado por diversas pessoas, que levavam consigo cargas de roupas. Ao se aproximarem, os agentes da Polícia Rodoviária Federal teriam dado ordem de parada aos investigados e, mesmo após a manifestação expressa, o motorista teria engatado marcha e lançado o veículo contra o policial rodoviário federal, prensando-o contra a lateral da viatura que estava ali estacionada. Em seguida, o veículo Gol teria acelerado em direção à rodovia, empreendendo fuga, momento em que os policiais efetuaram disparo de arma de fogo contra os investigados, passando a perseguir os investigados, que somente pararam o veículo na altura do Km 325 da referida Rodovia. Em razão dos fatos narrados acima, JEFERSON OLIVEIRA DOS SANTOS e RODRIGO OSMAR DE OLIVEIRA foram presos em flagrante e conduzidos ao 1º DP de Taboão da Serra. Realizada a audiência de custódia em 30/10/2024 pelo Juízo Estadual, a prisão em flagrante foi homologada e convertida em preventiva. Prosseguindo na investigação, a autoridade policial apresentou Relatório Final. De sua vez, o Ministério Público Estadual, ao oferecer a denúncia, requereu a remessa dos autos à Justiça Federal, nos termos do artigo 78 do Código de Processo Penal e da Súmula nº 147 do Superior Tribunal de Justiça, tendo em vista que, dentre os fatos narrados na inicial, consubstanciava-se o crime de dano qualificado e resistência e lesão corporal contra autoridade pública federal. Assim, o Juízo de Origem, é dizer, a 3ª Vara da Comarca de Itapecerica da Serra, acolheu o pleito ministerial e determinou a redistribuição dos autos para uma das Varas Federais de Osasco. Remetidos os autos à 1ª Vara Federal de Osasco, que os recebeu em 19/12/2024, às vésperas do recesso forense, este Juízo entendeu que, tendo o crime se consumado no município de Juquitiba/SP, pertencente à jurisdição da 1º Subseção Judiciária de São Paulo, Capital, seria incompetente para o processamento e julgamento do feito. Assim, declarou sua incompetência para apreciar a ação penal e remeteu os autos à 1ª Subseção Judiciária de São Paulo/SP para que avaliasse se a questão pendente se enquadrava nas hipóteses do plantão judiciário, consignando que, além do pedido do Parquet Estadual de manutenção das prisões preventivas, havia pedido de liberdade provisória formulado nos autos desde 01/11/2024, não apreciado até aquele momento (ID 312443533). Declinados os autos, foi aberta vista ao Ministério Público Federal que, após registrar que a competência deveria ser fixada na 1ª Subseção Judiciária de São Paulo/SP, requereu a manutenção da prisão preventiva dos denunciados JEFERSON OLIVEIRA DOS SANTOS e RODRIGO OSMAR DE OLIVEIRA, além da “ratificação da denúncia já apresentada, bem como de todos os atos processuais praticados até a presente data, com o prosseguimento, do presente feito, até final condenação dos denunciados”. Por meio da decisão de ID 312443477, o Juízo do Grupo de Plantão Judicial de São Paulo, ao apreciar o tema, entendeu que desde o momento do flagrante era evidente a competência da Justiça Federal, haja vista a prática de crime contra policiais rodoviários federais, narrada no auto de prisão em flagrante, além de consignar que não havia nenhum risco a ser tutelado pela prisão ou medida cautelar alternativa. Assim, (i) declarou a nulidade de todas as decisões proferidas pelo Juízo Estadual, por julgar impassíveis de ratificação diante da incompetência absoluta; (ii) relaxou as prisões dos denunciados JEFERSON OLIVEIRA DOS SANTOS e RODRIGO OSMAR DE OLIVEIRA; e (iii) e indeferiu a pedido de manutenção da prisão preventiva dos denunciados formulado pelo Ministério Público Federal. Em face dessa decisão, insurge-se o Ministério Público Federal. Em suas razões recursais (ID 312443472), argumenta que a decisão da magistrada não apreciou adequadamente a questão, sustentando que os fatos postos à apreciação do juiz estadual não se referem unicamente à imputação do crime de resistência, de modo que seria necessária a análise de eventual conexão entre a resistência contra o policial rodoviário federal e os demais crimes praticados (furto qualificado, dano e lesão corporal). Assevera, ainda, que há certa dúvida sobre a caracterização do crime de resistência, o que embasaria a possibilidade de ratificação dos atos ante a teoria do Juízo aparente. No que concerne às prisões preventivas, afirma que, muito embora a prática inicial tenha sido de crime de furto, houve evolução criminosa para os crimes de resistência e lesão corporal a policial rodoviário federal, com emprego de violência, a indicar a gravidade da conduta perpetrada, o que justificaria a necessidade da cautela máxima. Acrescenta o risco de reiteração delitiva, consignando ser JEFFERSON reincidente pelo crime de lesão corporal e que, em detrimento de RODRIGO, constam atos infracionais. Por fim, alude à “extrema ousadia” da prática criminosa, aliada à tentativa de fuga, o que impediria a concessão de medidas alternativas à prisão. Com fulcro em tais fundamentos, o Ministério Público Federal requer a reforma da decisão em lume, para que seja decretada a prisão preventiva de JEFERSON OLIVEIRA DOS SANTOS e RODRIGO OSMAR DE OLIVEIRA, para garantia da ordem pública e da conveniência da instrução criminal, com a ratificação de todos os atos praticados pela Justiça Estadual, inclusive da decisão que decretou a prisão preventiva dos ora recorridos. Em contrarrazões, a defesa pugna pelo desprovimento do Recurso em Sentido Estrito (ID 312443448). Em sede de juízo de retratação, a decisão recorrida foi mantida por seus próprios fundamentos (ID 312443447). Nesta Corte, a Procuradoria Regional da República opinou pelo conhecimento e provimento do Recurso em Sentido Estrito (ID 312706023). É o relatório. Dispensada a revisão, na forma regimental. PODER JUDICIÁRIO Tribunal Regional Federal da 3ª Região 11ª Turma RECURSO EM SENTIDO ESTRITO (426) Nº 5000561-24.2025.4.03.6181 RELATOR: Gab. 39 - DES. FED. JOSÉ LUNARDELLI RECORRENTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP RECORRIDO: JEFERSON OLIVEIRA DOS SANTOS, RODRIGO OSMAR DE OLIVEIRA Advogados do(a) RECORRIDO: ALEX DE ASSIS DINIZ MAGALHAES - SP324530-A, GUILHERME RODRIGUES DE OLIVEIRA - SP431039-A OUTROS PARTICIPANTES: V O T O O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL JOSÉ LUNARDELLI: Presentes os requisitos de admissibilidade, conheço do Recurso em Sentido Estrito interposto pelo Ministério Público Federal. Consoante antes relatado, JEFERSON OLIVEIRA DOS SANTOS e RODRIGO OSMAR DE OLIVEIRA foram presos em flagrante no dia 29/10/2024 pela prática, em tese, dos crimes de furto qualificado, dano qualificado, resistência e lesão corporal contra autoridade policial. Em audiência de custódia realizada em 30/10/2025 e presidida pelo Juízo da 3ª Vara da Comarca de Itapecerica da Serra, a prisão em flagrante foi homologada e convertida em prisão preventiva. Instaurado o inquérito policial, procedeu-se à investigação, que, após apresentação do Relatório Final, culminou no oferecimento, pelo Ministério Público Estadual, da denúncia de ID 312443536 – Pág. 141/143, a qual imputava a JEFERSON OLIVEIRA DOS SANTOS a prática dos crimes previstos no artigo 155, § 4º, inciso IV, artigo 163, inciso III, artigo 329, “caput” e §2°, c/c art. 129, § 12, todos do Código Penal, e a RODRIGO OSMAR DE OLIVEIRA a prática dos crimes descritos no artigo 155, § 4º, inciso IV, art. 329, “caput”, do Código Penal. Na cota de oferecimento da denúncia, o Parquet Estadual pontuou que a prática dos delitos de resistência e lesão corporal cometidos contra servidores públicos federais integrantes do quadro da Polícia Rodoviária Federal, no exercício de suas funções, atrairia a competência da Justiça Federal, nos termos da Súmula 147 do Superior Tribunal de Justiça, e que, diante da conexão desses crimes com o delito de furto, haveria a prevalência da competência da Justiça Federal para análise e julgamento do feito, razão pela qual requereu a remessa dos autos à Justiça Federal. Recebidos os autos na Justiça Federal, o Ministério Público Federal ratificou integralmente a denúncia e pugnou pela ratificação dos atos praticados perante o Juízo Estadual, com a manutenção da prisão decretada nos autos. Em relação à esta medida constritiva, constava nos autos, além do pedido ministerial, um requerimento de concessão de liberdade provisória formulado pela defesa em 1º/11/2024, pendente de análise. Assim, o feito, que foi recebido na Justiça Federal às vésperas do recesso forense, foi apreciado em plantão judiciário, oportunidade em que a magistrada declarou a nulidade de todas as decisões proferidas pelo Juízo Estadual, relaxou a prisões preventivas decretadas nos autos e indeferiu o pleito da acusação de manutenção da custódia cautelar em detrimento dos recorridos. A decisão foi assim fundamentada: “I- COMPETÊNCIA Deve ser reconhecida a competência da Justiça Federal e desta subseção Judiciária. O MPF ratifica uma denúncia que descreve exatamente os mesmos fatos que foram narrados no auto de prisão em flagrante lavrado pela Polícia Estadual, em 29/10/2024, no qual houve prisão em flagrante de JEFFERSON e RODRIGO num contexto único no qual a autoridade policial enquadrou uma sequência de fatos nos crimes de furto qualificado em detrimento de particular, mas conexo com fatos que foram enquadrados no crime de resistência e lesão corporal de policial rodoviário federal. O alegado furto contra particular supostamente ocorreu em momento anterior à abordagem policial, porque os policiais não narram que viram os acusados subtraindo as mercadorias, mas sim que eles se evadiram ao receberem ordem de parada, constatando-se ao final que eles traziam no interior do veículo mercadorias compatíveis com as que haviam sido subtraídas do interior do caminhão (que aliás fora objeto de um furto coletivo, pela narrativa dos policiais e dos motoristas da empresa responsável pela carga). Por outro lado, há uma conexão probatória muito direta que justifica a manutenção da apuração e processamento de todos os fatos num único processo, porque os fatos supostamente ocorreram numa sucessão ininterrupta de condutas, de modo que a prova da subtração reverbera na prova da resistência e lesão corporal que teria lhe sucedido (artigo 73, III, do CPP). Todos os fatos teriam ocorrido na cidade de Juquitiba/SP, que está sob jurisdição da Subseção de São Paulo/SP (artigo 70, do CPP). Nesse contexto, havendo interesse da União porque a resistência e lesão foram dirigidas a servidor público federal, imperioso o reconhecimento da conexão e competência federal (artigo 109, IV da CF, E Súmula 122 e 147 do STJ). II - DENÚNCIA e RATIFICAÇÃO DOS ATOS PRATICADOS PELO JUÍZO ESTADUAL A análise da denúncia não se insere nos temas a serem apreciados em plantão judiciário, devendo-se aguardar o retorno das atividades forenses regulares para análise pelo juiz natural do feito. Por outro lado, há urgência que justifica a competência do plantão na análise da manutenção da prisão preventiva, que foi decretada pelo juízo estadual (incompetente) e não houve manifestação do juízo federal competente para o caso, seja quanto à ratificação ou não da decisão estadual que decretou a prisão, seja quanto ao pedido de liberdade que está pendente de análise desde o dia 1º de novembro. A análise da tramitação permite identificar dois traços de ilegalidade na prisão preventiva de JEFERSON e RODRIGO: a ilegal decisão judicial proferida por juiz absolutamente incompetente; e a ausência de requisitos de cautelaridade para decretação da prisão preventiva. Ainda deve ser destacado que há evidências do uso injustificado da força policial, que por mera sorte ou erro de pontaria não resultou numa tragédia. O Código de Processo Penal não tem regramento claro sobre quais hipóteses de incompetência permitem a ratificação dos atos praticados pelo juízo incompetente. De um lado, prevê a nulidade dos atos decisórios praticados por juízo incompetente (artigo 564, inciso I, e 567, do CPP). Por outro lado, ao dispor sobre o julgamento da exceção de incompetência, cabível para as duas modalidades (absoluta e relativa), o texto legal prevê que, quando aceita a declinatória (veiculada por meio de exceção), "o feito será remetido ao juízo competente, onde, ratificados os atos anteriores, o processo prosseguirá" (artigo 108, par. 1, do CPP). A despeito de haver entendimentos, sobretudo na doutrina, sobre a total impossibilidade de ratificação de atos praticados em caso de incompetência absoluta, desde o julgamento do HC 83.006/SP, de 18/06/2003, o Supremo Tribunal Federal entende que mesmo atos decisórios emanados de autoridades incompetentes pela matéria (incompetência absoluta) seriam ratificáveis no juízo competente, ampliando a esfera de aplicação da denominada "teoria do juízo aparente", que vem sendo amplamente utilizada pelos Tribunais Superiores, conforme ementa transcrita a seguir (STF, HC 81.260/ES e STF, HC 110496 e MC HC 153417/TO de 24/04/2018). Trata-se de “habeas corpus”, com pedido de medida liminar, impetrado contra decisão que, emanada do E. Superior Tribunal de Justiça, acha-se consubstanciada em acórdão assim ementado: “PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO ‘HABEAS CORPUS’. PRINCÍPIO DO JUÍZO APARENTE. AGRAVO NÃO PROVIDO. 1. O princípio do juiz natural deve ser examinado com cautela na fase investigativa, especialmente nas hipóteses em que não se mostram ainda definidas as imputações, os agentes envolvidos e a respectiva competência. 2. O entendimento – que passou a ser denominado teoria do juízo aparente – surgiu como fundamento para validar medidas cautelares autorizadas por Juízo aparentemente competente que, em momento posterior, fora declarado incompetente. Contudo, a partir do julgamento do HC 83.006/SP (Tribunal Pleno, Relatora Ministra Ellen Gracie, julgado em 18/6/2006, DJ 29/8/2003), passou-se a entender que mesmo atos decisórios – naquele caso, a denúncia e o seu recebimento – emanados de autoridades incompetentes ‘ratione materiae’, seriam ratificáveis no juízo competente. Precedentes do STF [...] (STF – MC HC: 153417 TO – 0066298-55.2018.1.00.0000, relator: Min. CELSO DE MELLO, data de Julgamento: 24/04/2018). No presente caso, é possível verificar que desde o momento do flagrante era evidente a competência da Justiça Federal, pois o auto de prisão em flagrante narra claramente que teria havido resistência à ordem de policiais rodoviários federais, inclusive com a narrativa de que um deles teria sido lesionado em razão de tal resistência. O cargo federal aparece diversas vezes no auto de prisão em flagrante, de modo que era evidente que havia serviço da União envolvido nos crimes sob apuração, porque a ordem resistida teria partido dos policiais rodoviários federais, além da posição de servidor federal da vítima da lesão corporal narrada no flagrante, aceita pela autoridade policial e pelo juízo estadual que analisou o flagrante e converteu a prisão em preventiva. Desse modo, não havia controvérsia quanto à competência da Justiça Federal que justificasse a aplicação da "teoria do juízo aparente" admitida pelos Tribunais Superiores, impondo-se o reconhecimento da ILEGALIDADE da decisão que converteu a prisão em flagrante em prisão preventiva, que NÃO PODE SER RATIFICADA porque praticada por juízo absolutamente incompetente. O pedido do MPF pode ser avaliado como abrangente de um pedido de decretação da prisão preventiva, inclusive porque ocorre quando há denúncia oferecida, razão pela qual analiso a pretensão, em conjunto com o pedido de concessão de liberdade formulado pela defesa. Em juízo de classificação dos fatos, deve-se reconhecer que é cabível a decretação da prisão preventiva pelo requisito relacionado à pena em abstrato prevista para os crimes. Não há laudo que comprove a gravidade da lesão corporal do policial rodoviário federal e tampouco há registro de imagens que permitam confirmar a conduta deliberada do condutor do veículo de lesionar o policial, o que repercute na presença ou não de crime doloso, e no patamar da pena que depende da gravidade da lesão. Por outro lado, deve-se reconhecer que houve descrição e lastro mínimo de provas de furto qualificado pelo concurso de duas ou mais pessoas, que tem pena máxima superior a quatro anos (artigo 155, §4º, IV, do CP) e, portanto, permite a decretação da prisão preventiva (artigo 313, I do CPP) A testemunha (ofendido) Tiago Moreno Silva Pereira afirmou em sede policial que conduzia veículo com carga de roupas da loja Renner quando teve que parar no acostamento depois que o veículo Celta GM encostou atrás do caminhão. Afirmou que o condutor do Celta, Luis João de Araújo, desdeu para conversar e estava cooperativo, fornecendo seus dados para solucionar a questão dos danos. Disse que momentos depois um grande número de pessoas apareceu no local, cerca de 40 pessoas, as quais começaram a saquear a carga do caminhão. Afirmou que se recolheu para dentro da cabine, mas que algumas pessoas o cercaram e ameaçaram cortar a mangueira para impedir o deslocamento, tendo então se evadido na direção do caminhão conduzido por Uellison, seu colega que também fazia transporte de carga para a empresa. Afirmou não ter visto a chegada dos policiais rodoviários federais e que também não viu se alguma das pessoas que saquearam a carga tinha arma (ID 349710706, p. 20). A testemunha (ofendido) Uellison de Jesus Santos afirmou em sede policial que parou seu veículo um pouco à frente do caminhão de seu colega Tiago, depois que ele se envolveu no acidente com o veículo Celta. Afirmou que algum tempo depois, umas 30 a 40 pessoas apareceram e perguntaram o que havia na carga, ao que o depoente disse não saber, mas em seguida as pessoas correram para abrir o caminhão de Tiago e saquear a carga. Confirmou o relato de Tiago de que pessoas do grupo de saqueadores ameaçaram cortar a mangueira para impedir que o motorista fosse embora, bem como que Tiago se refugiu na cabine do caminhão da testemunha, de onde conseguiram acionar a empresa. Afirmou que, durante o saque, viu o momento em que o veículo Gol vermelho passou do outro lado da rodovia, no sentido sul, e momentos depois o mesmo veículo encostou atrás do caminhão de Tiago, no sentido norte, e participar do saque (ID 349710706, p. 16). Os policiais rodoviários federais Jansen Carvalho e Alexsander Segreto relataram no flagrante que estavam em patrulhamento de rotina quando receberam a informação via rádio de que havia um saque de carga na altura do km 328 da Rodovia Regis Bittencourt, sentido norte. Afirmaram que se deslocaram até o local, onde avistaram um caminhão parado no acostamento sendo saqueado por diversas pessoas. Relataram que fizeram o retorno e, ao retornarem no local dos fatos, estacionaram a viatura ao lado de um veículo Gol vermelho que estava estacionado atrás do caminhão, e que em seguida desceram da viatura e deram ordem de parada aos ocupantes. Afirmam que a ordem não foi cumprida e que o condutor engatou a ré e em seguida a primeira marcha, jogando o veículo contra o policial Alexander que havia dado a ordem de parada, prensando-o contra a lateral da viatura e o arrastando até a parte dianteira, quando ele se desvencilhou e então o Gol empreendeu fuga. O policial Jansen afirmou que, quando se preparavam para entrar na viatura, “viu um clarão de dentro do veículo VW Gol, seguido de um estampido, similar a um disparo de arma de fogo” então “sacou sua arma, uma pistola Glock 9 mm, e efetuou alguns disparos na direção do veículo”, enquanto seu colega Alexander “efetuou pelo menos um disparo de fuzil calibre .556 contra o veículo”. Jansen afirmo que, efetuados os disparos, entraram na viatura e acompanharam o veículo Gol por cerca de 4 km, com ordens de parada e sinais sonoros e luminosos, não obedecidos, com a efetiva parada do veículo apenas no km 325, sentido norte, quando foram abordados os ocupantes e localizadas as peças de roupas ainda ensacadas. Ambos afirmaram que não encontraram nada de ilícito dentro do veículo (ID 349710706, p. 14 e 18) Vê-se que a subtração ocorreu num contexto em que um agrupamento de pessoas, possivelmente residentes da região, viram o caminhão parado e se aproveitaram para realizar o saque da carga. Não está claro se o motorista que encostou na traseira do caminhão o fez de modo premeditado, para viabilizar o saque que aparentemente ocorreu pouco tempo depois da parada dos veículos. O relato dos motoristas, em especial o de Uellison, aponta que JEFFERSON e RODRIGO não faziam parte da multidão que se aproximou do caminhão e deu início ao saque, o que a princípio afasta a possibilidade de se reconhecer que tenham participado de atos ligados a gerar a situação de vulnerabilidade da carga. Ao contrário, o relato aponta que eles viram o saque enquanto se dirigiam sentido sul, retornando para aproveitar da situação à qual não deram causa. A apreensão das mercadorias no interior do carro conduzido pelos acusados no momento da abordagem deve ser valorada como forte indício de autoria, porque as mercadorias são novas, embaladas e compatíveis com a carga transportada que foi saqueada: camisetas numa carga de roupas da empresa Renner (ID 349710706, p. 34-36, 41). A despeito de haver lastro de materialidade e indícios de autoria de crime que permite a decretação da prisão preventiva, não há nenhum elemento que aponte a necessidade da prisão ou de qualquer cautelar. Os dois presos são irmãos e apresentaram comprovante de endereço fixo. Declararam que exercem atividades como mecânicos, que inclusive era o motivo de estarem no local dos fatos, pois JEFFERSON afirmou que retornavam de um atendimento para “trocar a correia dentada de um caminhão”. JEFFERSON apresentou comprovante de trabalho com registro em CTPS, o que reforça a conclusão de que não se dedica a atividades criminosas. RODRIGO não tem sequer registro de inquéritos no qual tenha sido investigado, de modo que não há nada que indique risco de reiteração delitiva. O mesmo deve ser dito quanto a JEFFERSON, que ostenta apenas uma condenação por lesão corporal, a uma pena de 3 meses de detenção em regime aberto, aparentemente num cenário de violência doméstica, o que não permite fazer nenhuma inferência sobre risco de reiteração delitiva de furto de cargas. Aliás, conforme análise supra sobre os depoimentos das testemunhas e vítimas, tudo indica que JEFFERSON e RODRIGO apenas aderiam ao comportamento da multidão que realizava o saque da carga, sem nenhuma prova de que pratiquem habitualmente crimes patrimoniais. Nesse cenário, não há nada que aponte risco de fuga ou de reiteração delitiva, razão pela qual não se justifica a prisão preventiva e nem mesmo a fixação de medidas cautelares, que também exigem requisito de cautelaridade (artigo 282, I, do CPP). Por fim, há narrativa de um uso injustificado da força pelos policiais rodoviários federais, que dispararam contra o veículo em movimento, fazendo uso inclusive de armamento pesado (um fuzil) e aparentemente dirigida a matar os ocupantes, já que um tiro passou de raspão pela orelha do condutor JEFFERSON, conforme laudo pericial n 424424/2024. O laudo descreve que JEFFERSO estava com uma tala gessada na mão esquerda e tipoia, fruto de lesão no osso ocorrida fazia duas semanas. Também consta que tem "curativo oclusivo em cabeça (orelha direita)", que foi produzido por "agente contundente" (ID 349710706, P. 79). O fato de não haver nada que aponte que os acusados estivessem envolvidos no planejamento da situação que gerou o saque – ao contrário, estavam conduzindo o veículo no outro lado da pista – indica que não havia porque portarem arma de fogo. Além disso, a abordagem ocorreu num contexto de perseguição, cerca de 4 km depois do local, um contexto que sugere que os policiais mantiveram o veículo sob seu campo de visão e que, portanto, não houve atirada pela janela de arma de fogo. Os próprios policiais relatam que não localizaram nada de ilícito no interior do veículo, apenas as camisetas que pareciam ter sido subtraídas da carga. Ressalte-se ainda que RODRIGO não tem nem registro de inquérito em seu nome, enquanto JEFFERSON tem apenas uma condenação por lesão corporal, a uma pena de 3 meses de detenção e num contexto sugestivo de violência doméstica, o que afasta a possibilidade de se reconhecer que tenha um passado ligado ao uso de arma de fogo ou atividades ligadas a subtração violenta de patrimônio de terceiro. O relato do policial Jansen, sobre ter visto e ouvido sinais sugestivos de um disparo de arma de fogo de dentro do veículo Gol parece mentiroso, para tentar justificar a injustificável conduta de disparar contra o veículo que se evadiu do local, inclusive fazendo uso de fuzil e num disparo que poderia ter matado o condutor. O juízo estadual reputou que não havia razões para acionar a Corregedoria da Polícia Rodoviária Federal. Todavia, temos a descrição de um cenário que indica que houve uso abusivo da força, o que só não resultou numa tragédia porque o tiro atingiu a orelha de JEFFERSON. Não há como se aceitar que a adoção de providências ocorra apenas depois que tragédias se consumam, porque o que se espera é que policiais sejam bem treinados para que tais tragédias não ocorram. Destaca-se a falta de cautela da autoridade policial civil, que encaminhou o veículo Gol a um depósito aparentemente particular, sem providenciar que antes disso ele fosse periciado para identificar se havia vestígios de disparo de arma de fogo. A falta da cautela rompe a cadeia de custódia e parece inclusive uma conduta de acobertamento dos policiais rodoviários, porque impede que se comprove a falsidade do alegado disparo de arma de dentro do Gol. Diante disso, há ao menos uma providência urgente que deve ser adotada em sede de plantão: a expedição de ofício à PRF para que sejam resguardados todos os registros audiovisuais captados por câmeras corporais ou veiculares na diligência policial que resultou na prisão em flagrante descrita na denúncia. Com o relaxamento da prisão e indeferimento da pretensão do MPF, resta prejudicado o pedido da defesa. Ante todo o exposto, (i) DECLARO a nulidade de todas as decisões proferidas pelo juízo estadual, impassíveis de ratificação diante da incompetência absoluta; (ii) RELAXO as prisões de JEFERSON OLIVEIRA DOS SANTOS e RODRIGO OSMAR DE OLIVEIRA; (iii) e INDEFIRO a pretensão do MPF de custódia cautelar de ambos, porque não há nenhum risco a ser tutelado pela prisão ou medida cautelar. Expeça-se alvará de soltura clausulado em favor dos investigados. Expeça-se ofício à Polícia Rodoviária Federal, em plantão judiciário, requisitando que sejam acautelados todos os registros de audiovisual captados na abordagem policial que resultou na prisão em flagrante de Jefferson Oliveira dos Santos e Rodrigo Osmar de Oliveira, ocorrida em 29 de outubro de 2024, sejam eles captados por câmeras corporais ou veiculares. O material deverá ser acautelado até superveniente decisão do juiz natural do feito. Anexar cópia do auto de prisão em flagrante (ID 349710706, p. 1-24). Ao término do plantão judiciário, remetam-se os autos à livre distribuição. Publique-se. Intimem-se São Paulo, 22 de dezembro de 2024. Em seu recurso, o Ministério Público Federal requer a reforma da decisão em lume, para que seja decretada a prisão preventiva de JEFERSON OLIVEIRA DOS SANTOS e RODRIGO OSMAR DE OLIVEIRA e assim ratificada a decisão proferida pela Justiça Estadual, assim como os demais atos. Passo a discorrer, inicialmente, a respeito do pedido de ratificação de decisão que decretou a prisão preventiva dos recorridos. Em sede de inquérito policial, aplica-se o critério da competência aparente, isto é, ditada pelos parâmetros fáticos e jurídicos existentes ao tempo do início da investigação, sem prejuízo de reavaliação do tema à luz de ulteriores desdobramentos da apuração, naturais no referido contexto. É dizer, se, durante a tramitação do inquérito, descobrem-se fatos que podem indicar que a competência para processamento do feito seria de outros órgãos ou ramos para acompanhamento externo, deve operar-se a devida declinação de competência, sem prejuízo da validade dos atos até então praticados, visto que amparados pela decretação pela autoridade que exsurgia como competente a partir dos dados inicialmente coletados. Para a aplicação da denominada teoria do juízo aparente, a competência deve efetivamente ser aparente ao tempo dos atos, ou seja, os fatos (e eventuais autores) em investigação devem levar à conclusão inicial correta (à luz daquele contexto) pela competência daqueles órgãos para investigação e seu acompanhamento. Apenas desdobramentos ou novos elementos posteriores é que levarão a uma eventual leitura diversa (e só a partir dela é que se descobrirá que se tratava de competência aparente, a levar a uma declinação em favor de outros órgãos sem consequências para a validade dos atos até então praticados e autorizados). Por outro lado, se, desde o início, havia fortes motivos e dados para inferir a incompetência dos órgãos, não há que se falar em “competência aparente”. Pelo contrário, há simples incompetência constatável de saída. Pois bem. No presente caso, como bem destacou a magistrada que proferiu a decisão recorrida, verifica-se que, desde o início da investigação havia a notícia, amplamente registrada no auto de prisão em flagrante, de que os fatos apurados referiam-se à prática de crime contra autoridades policiais federais. Com efeito, em que pese a constatação prévia de ocorrência do delito de furto em detrimento de particular, desde logo já se noticiava a necessidade de apuração do crime de resistência à ordem dos policiais rodoviários federais responsáveis pela prisão dos ora recorridos, bem assim da indicação de crime de lesão corporal em face de um dos policiais, servidor público federal no exercício da função. Por oportuno, saliento não ser necessário, para esta avaliação, robusta certeza a respeito da caracterização desses crimes, uma vez que tratamos aqui da fase investigativa preliminar, sendo certo que somente após a instrução será possível emitir certo juízo de certeza a respeito da sucessão de eventos delitivos ocorrida naquele episódio. O que se pode afirmar, neste momento – e, sublinhe-se, já se podia desde o início das investigações – é que há nos autos notícia evidente de prática de crimes contra os policiais rodoviários federais (resistência e lesão corporal), a clamar a competência da Justiça Federal para processamento e julgamento do feito. Nesse âmbito, ressalto que a competência da Justiça Federal na presente hipótese não cinge aos delitos praticados em detrimento dos servidores públicos federais, mas a todos os fatos elucidados no processo, ocorridos em sucessão, dada a conexão probatória constatada no caso. Correta a magistrada, portanto, ao reconhecer a ilegalidade e declarar a nulidade da decisão proferida pelo Juízo Estadual, que decretou a prisão preventiva dos recorridos. Isso porque inexistia controvérsia inicial a respeito da competência da Justiça Federal que autorizasse a aplicação da teoria do juízo aparente no caso dos autos, não havendo que se falar na ratificação da decisão em lume, eis que prolatada por Juízo absolutamente incompetente. Reputo importante sublinhar que “o sistema de nulidades está a serviço do réu, pois o sistema de garantias constitucionais assim se estrutura, como mecanismo de tutela daquele submetido ao exercício do poder” (in Direito Processual Penal, Aury Lopes, Jr., 19ª Ed. 2022, p. 1060). Diante de tais fundamentos, deixo de acolher o pedido ministerial no particular, restando mantida a decisão recorrida. Passo a apreciar o pleito da acusação concernente às prisões preventivas decretadas nos autos em detrimento dos recorridos. Em suas razões, o Parquet Federal sustenta a gravidade da conduta perpetrada pelos denunciados, denotada pela violência empregada e pela ousadia empregada na tentativa de fuga, a justificar a necessidade da prisão preventiva para garantia da ordem pública. Nesse sentido, assevera que JEFERSON é reincidente e que, contra RODRIGO, constam atos infracionais, o que justificaria a cautela máxima para evitar a reiteração delitiva. Vejamos. A decisão recorrida amparou-se em dois pilares para revogar a decretação da prisão preventiva: ilegalidade da decisão proferida por Juízo absolutamente incompetente, ponto em que bem decidiu a magistrada, como vimos, e a ausência dos requisitos autorizadores da imposição da referida medida constritiva, nos moldes do artigo 312 do Código de Processo Penal. Compartilho do entendimento adotado pela magistrada. No tocante ao fumus comissi delicti, o auto de prisão em flagrante, amparado nas declarações prestadas pelos agentes policiais, corrobora a presença de indícios mínimos de autoria e materialidade. É certo que será necessária, durante a instrução, a obtenção de elementos para melhor elucidação dos fatos ocorridos naquele evento, mormente no que concerne ao crime de lesão corporal contra o policial rodoviário federal e de dano à viatura, cujo laudos periciais ainda não constam dos autos, de todo modo, os elementos colhidos até o momento registram lastro mínimo de prática do crime de furto qualificado pelo concurso de pessoas, uma vez que mercadorias pertencentes à empresa Renner foram encontradas no interior do veículo utilizado pelos acusados, bem assim do crime de resistência narrado pelos policiais. Vê-se, portanto, que os crimes imputados aos recorridos autorizam a decretação de prisão preventiva, nos termos do artigo 313, I, do Código de Processo Penal. No que se refere ao periculum libertatis, no entanto, verifico que as circunstâncias em que praticados os delitos atribuídos aos recorridos não revelam gravidade concreta a justificar a necessidade de prisão preventiva no caso em apreço. Destaque-se que inicialmente foi imputado a JEFERSON e RODRIGO o crime de furto, cometido sem violência e em contexto que não evidenciou premeditação, mas sim o ato de aderir à conduta que era anteriormente praticada por terceiros. É o que se deflui do auto de prisão em flagrante, cujos elementos demonstram que os recorridos, ao notarem, enquanto transitavam, que diversas pessoas saqueavam o caminhão com mercadorias da Renner no lado oposto da Rodovia, aproveitaram a oportunidade e também passaram a furtar peças de roupa. As demais condutas que teriam sido cometidas pelos denunciados naquele contexto fático teriam se dado a partir da chegada dos policiais rodoviários ao local onde era cometido o furto, na altura do km 328 da Rodovia Regis Bittencourt, sentido norte. Narraram os policiais que, ao se aproximarem do local, estacionaram a viatura ao lado de um veículo Gol vermelho que estava estacionado atrás do mencionado caminhão e logo desembarcaram, dando ordem de parada aos seus ocupantes. Segundo os policiais, os recorridos teriam descumprido a ordem e o motorista do VW/Gol (o denunciado JEFERSON), engatado ré e em seguida a primeira marcha, jogando o veículo contra o policial Alexander, que havia emitido a ordem de parada, prensando-o contra a lateral da viatura e o arrastando até a parte dianteira. De acordo com o policial Jansen, quando se preparava para entrar na viatura para iniciar a perseguição, viu um clarão no interior do veículo Gol seguido de um estampido, similar a um disparo de arma de fogo, o que o levou a sacar sua arma (uma pistola Glock 9mm) e efetuar um disparo na direção dos denunciados. O policial Alexander também teria efetuado ao menos um disparo de fuzil calibre .556 contra o VW/Gol. Frise-se que não foi encontrada arma de fogo no interior do veículo dos denunciados no momento em que os policiais os abordaram, após a breve perseguição por 4km. Com efeito, em poder dos ora recorridos apenas foram encontradas as peças de roupas subtraídas da empresa Renner, a sugerir que a ação policial consistente em efetuar disparos de arma de fogo diante de mera impressão de reação por parte dos investigados, se revelou exacerbada. Não é demais lembrar, nesse sentido, que se verificou que JEFERSON, que tinha uma tala gessada na mão esquerda e tipoia em razão de lesão sofrida semanas antes, foi atingido de raspão em sua orelha direita, conforme laudo pericial ID 312443536 - Pág. 78/79 (curativo oclusivo na cabeça, na orelha direita), bem como que os recorridos, em suas declarações prestadas perante a autoridade policial, disseram que tentaram fugir daquela situação por impulso, em virtude do temor causado pela atitude dos policiais, que se aproximaram ostentando armas de fogo de alto calibre. Reputo, diante de tais circunstâncias, que as condutas perpetradas pelos recorridos não demonstram gravidade concreta suficiente que justifique a decretação de prisão preventiva para garantia da ordem pública. Ademais, como bem ressaltou a magistrada em sua decisão, o histórico criminal dos recorridos constante dos autos não indica a necessidade da cautela máxima para evitar reiteração delitiva. De fato, extrai-se da certidão de ID 312443536 - Pág. 64 que JEFERSON ostenta apenas uma condenação no bojo dos autos nº 0002840-86.2022.8.26.0268, pela prática do crime previsto no artigo 129, §9º c/c artigo 69, ambos do Código Penal, em contexto de violência doméstica, à pena de detenção de 03 (três) meses. RODRIGO, de sua vez, apenas possui um registro de processo de apuração de ato infracional (autos nº 1504001-45.2019.8.26.0015, sem qualquer indicação da conduta praticada ou da medida socioeducativa aplicada), extinto no ano de 2019 (ID 312443536 - Pág. 67). Acrescente-se que JEFERSON e RODRIGO comprovaram possuir residência fixa e ocupação lícita (os denunciados relataram que estavam voltando do trabalho que exercem como mecânicos no momento da abordagem policial, tendo JEFERSON inclusive juntado aos autos sua CTPS, com registro de atividade como auxiliar de mecânico (ID 312443536 - Pág. 101). Sendo assim, à luz dos elementos dos autos, não vislumbro a imprescindibilidade da decretação da custódia cautelar em detrimento dos recorridos JEFERSON OLIVEIRA DOS SANTOS e RODRIGO OSMAR DE OLIVEIRA, eis que a prisão preventiva se constitui em medida extrema e de última aplicação, a qual não se revela razoável no caso em análise. Com fulcro nos fundamentos expostos acima, deve ser mantida a decisão recorrida. Ante o exposto, NEGO PROVIMENTO ao Recurso em Sentido Estrito interposto pelo Ministério Público Federal. É o voto. Autos: RECURSO EM SENTIDO ESTRITO - 5000561-24.2025.4.03.6181 Requerente: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP Requerido: JEFERSON OLIVEIRA DOS SANTOS e outros Ementa: Direito Processual Penal. Recurso em Sentido Estrito. Prisão Preventiva. Nulidade. Competência. Recurso Conhecido e Desprovido. I. Caso em Exame 1. Recurso em Sentido Estrito interposto pelo Ministério Público Federal contra decisão que declarou a nulidade de todas as decisões proferidas pelo Juízo Estadual no bojo dos autos do IP nº 5006493-83.2024.4.03.6130, relaxando as prisões preventivas anteriormente decretadas em desfavor dos recorridos, além de indeferir o pedido de decretação de prisão preventiva formulado pelo Parquet Federal. II. Questão em Discussão 2. A questão em discussão consiste em saber se a competência da Justiça Federal para processar e julgar os crimes de resistência e lesão corporal contra policiais rodoviários federais era evidente no início da investigação e, assim, absoluta a incompetência do Juízo Estadual, revelando-se inaplicável a teoria do juízo aparente, bem assim se estão presentes, no caso, os requisitos autorizadores da prisão preventiva. III. Razões de Decidir 3. Desde o início da investigação, havia notícia de prática de crimes contra autoridades policiais federais, atraindo a competência da Justiça Federal, nos termos da Súmula 147 do STJ. 4. A decisão recorrida corretamente declarou a nulidade da decisão proferida pelo Juízo Estadual, por incompetência absoluta, e relaxou as prisões preventivas dos recorridos. 5. Não há elementos que justifiquem a decretação da prisão preventiva dos recorridos para garantia da ordem pública, considerando a ausência de gravidade concreta das condutas e o histórico criminal dos acusados, que não indica risco de reiteração delitiva. IV. Dispositivo e Tese 6. Recurso conhecido e desprovido. Tese de julgamento: “A competência da Justiça Federal para processar e julgar crimes contra policiais rodoviários federais atrai a nulidade das decisões proferidas pelo Juízo Estadual por incompetência absoluta. Ausentes elementos que revelem a gravidade concreta das condutas perpetradas e que demonstrem manifesto risco de reiteração delitiva por parte dos investigados, não há que se falar em decretação de prisão preventiva, a qual se constitui em medida extrema e de última aplicação.”. ______________ Dispositivos relevantes citados: CPP, arts. 78, 108, §1º, 312, 313, I, 564, I, 567, 581, V; CP, arts. 155, §4º, IV, 163, III, 329, caput e §2º, 129, §12. Jurisprudência relevante citada: STF, HC 83.006/SP, Rel. Min. Ellen Gracie, Tribunal Pleno, j. 18.06.2003; STF, MC HC 153417/TO, Rel. Min. Celso de Mello, j. 24.04.2018; STJ, Súmula 147. ACÓRDÃO Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Décima Primeira Turma, por unanimidade, decidiu NEGAR PROVIMENTO ao Recurso em Sentido Estrito interposto pelo Ministério Público Federal, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado. JOSE LUNARDELLI Desembargador Federal
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