Processo nº 5004382-97.2022.4.03.6324
ID: 327475549
Tribunal: TRF3
Órgão: 2ª Vara Gabinete JEF de São José do Rio Preto
Classe: PROCEDIMENTO DO JUIZADO ESPECIAL CíVEL
Nº Processo: 5004382-97.2022.4.03.6324
Data de Disponibilização:
17/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
ANDRE LUIZ GALAN MADALENA
OAB/SP XXXXXX
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PODER JUDICIÁRIO 2ª Vara Gabinete JEF de São José do Rio Preto Rua dos Radialistas Riopretenses, 1000, Nova Redentora, São José Do Rio Preto - SP - CEP: 15090-070 https://www.trf3.jus.br/balcao-virtu…
PODER JUDICIÁRIO 2ª Vara Gabinete JEF de São José do Rio Preto Rua dos Radialistas Riopretenses, 1000, Nova Redentora, São José Do Rio Preto - SP - CEP: 15090-070 https://www.trf3.jus.br/balcao-virtual PROCEDIMENTO DO JUIZADO ESPECIAL CÍVEL (436) Nº 5004382-97.2022.4.03.6324 AUTOR: JOAO NAZARIO ADVOGADO do(a) AUTOR: ANDRE LUIZ GALAN MADALENA - SP197257 REU: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS SENTENÇA Sentença tipo A Vistos. Trata-se de ação entre as partes acima identificadas em que a parte autora pede benefício assistencial de prestação continuada (BPC) ao deficiente previsto no artigo 20 da Lei nº 8.742/93 (Lei Orgânica da Assistência Social - LOAS) e o pagamento das prestações vencidas. Analiso, primeiramente, as premissas jurídicas sob as quais ao depois serão apreciados os fatos e as provas do caso dos autos. O benefício assistencial de prestação continuada exige a prova de três requisitos legais: 1) idade superior a 65 anos ou deficiência de longo prazo (art. 20, caput e § 10, Lei 8.742/93); 2) hipossuficiência econômica (art. 20, caput, § 3º, § 3º-A e § 11; e art. 20-B, Lei 8.742/93); 3) inscrição atualizada no CPF e no CadÚnico (art. 20, § 12, Lei 8.742/93). DEFICIÊNCIA A deficiência que autoriza a concessão do benefício assistencial de prestação continuada está definida no artigo 20, §§ 2º e 10, da Lei nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.470/2011, como aquela que causa à pessoa impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial por pelo menos dois anos. O Tema 173 da c. Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais (TNU) assim trata da questão: Tema 173/TNU Para fins de concessão do benefício assistencial de prestação continuada, o conceito de pessoa com deficiência, que não se confunde necessariamente com situação de incapacidade laborativa, exige a configuração de impedimento de longo prazo com duração mínima de 2 (dois) anos, a ser aferido no caso concreto, desde o início do impedimento até a data prevista para a sua cessação. Não obstante, se não há possibilidade de determinação da duração do impedimento de natureza física, mental, intelectual ou sensorial e conclui-se que deverá haver reavaliação futura, deve ser considerado atendido o requisito, porquanto a dúvida deve militar em favor de quem necessita da assistência social, a partir de interpretação do disposto no artigo 20, §§ 2º e 10, da Lei nº 8.742/93 conforme o disposto no artigo 203, inciso V, da Constituição Federal de 1988. HIPOSSUFICIÊNCIA ECONÔMICA OU MISERABILIDADE Hipossuficiência econômica ou miserabilidade para concessão do BPC significa impossibilidade de o requerente do benefício manter-se por renda própria ou de seu núcleo familiar prover essa mantença (art. 20, caput, § 3º, § 3º-A, § 11 e § 11-A; e art. 20-B, Lei 8.742/93). Para análise do requisito de hipossuficiência econômica, importa, primeiramente, portanto, delimitar o núcleo familiar cuja renda e condições socioeconômicas serão examinadas, para em seguida determinar a renda desse núcleo familiar. Núcleo familiar O núcleo familiar a ser considerado, sem possibilidade de interpretação extensiva, ressalvado o menor sob guarda, é estritamente aquele definido no § 1º do artigo 20 da Lei nº 8.742/93 (LOAS), do seguinte teor: Lei nº 8.742/93 Art. 20. [...] § 1º Para os efeitos do disposto no caput, a família é composta pelo requerente, o cônjuge ou companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto. No mesmo sentido, veja-se a jurisprudência consolidada no âmbito dos Juizados Especiais Federais: Tema 73/TNU O grupo familiar deve ser definido a partir da interpretação restrita do disposto no art. 16 da Lei n. 8.213/91 e no art. 20 da Lei n. 8.742/93, esta última na sua redação original. A referência do enunciado jurisprudencial ao artigo 16 da Lei nº 8.213/91 deve-se à redação original do § 1º do artigo 20 da Lei nº 8.742/93, que fazia remissão àquele. A redação atual, vigente desde a Lei nº 12.435/2011 (07/07/2011), traz definição própria do núcleo familiar a ser considerado. Subsiste, no entanto, o entendimento de que esse núcleo familiar deve ser interpretado literalmente. Ressalva-se apenas a possibilidade de extensão da norma para inclusão do menor sob guarda no núcleo familiar, desde que provada efetiva dependência econômica, na esteira do Tema 732 do e. STJ sobre pensão por morte. Confira-se: Tema 732/STJ O menor sob guarda tem direito à concessão do benefício de pensão por morte do seu mantenedor, comprovada sua dependência econômica, nos termos do art. 33, § 3º do Estatuto da Criança e do Adolescente, ainda que o óbito do instituidor da pensão seja posterior à vigência da Medida Provisória 1.523/96, reeditada e convertida na Lei 9.528/97. Funda-se essa conclusão na qualidade de lei especial do Estatuto da Criança e do Adolescente (8.069/90), frente à legislação previdenciária. Renda própria e familiar Determinado o núcleo familiar, cumpre determinar sua renda para posterior conclusão sobre o cumprimento do requisito de hipossuficiência econômica. A renda familiar é a soma dos rendimentos brutos mensais dos membros do núcleo familiar, isto é, os rendimentos não eventuais, observadas as exclusões de valores e as deduções de despesas cabíveis. Esses rendimentos mensais podem ser provenientes de atividade formal ou informal, desde que não eventual, porquanto o conceito lida com a continuidade ou periodicidade do rendimento, não com sua formalidade, para incluí-lo na renda familiar mensal. A renda familiar também pode ser variável, novamente desde que não eventual, caso em que deve ser apurado o valor mensal médio aproximado para aferição da hipossuficiência econômica. Atualmente, o critério geral de composição da renda familiar mensal vem expressamente previsto no § 3º-A do artigo 20 da Lei nº 8.742/93 (LOAS), incluído pela Lei nº 15.077/2024, do qual se lê: Lei nº 8.742/93 Art. 20. [...] § 3º-A. O cálculo da renda familiar considerará a soma dos rendimentos auferidos mensalmente pelos membros da família que vivam sob o mesmo teto, ressalvadas as hipóteses previstas no § 14 deste artigo, nos termos estabelecidos em ato do Poder Executivo federal, vedadas deduções não previstas em lei. Exclusões da renda familiar A ressalva legal que remete ao § 14 do artigo 20 da LOAS determina exclusão do cálculo da renda familiar dos benefícios previdenciários ou assistenciais de valor de até um salário-mínimo percebidos por idosos acima de 65 anos ou por deficientes: Lei 8.742/93 Art. 20. [...] § 14. O benefício de prestação continuada ou o benefício previdenciário no valor de até 1 (um) salário-mínimo concedido a idoso acima de 65 (sessenta e cinco) anos de idade ou pessoa com deficiência não será computado, para fins de concessão do benefício de prestação continuada a outro idoso ou pessoa com deficiência da mesma família, no cálculo da renda a que se refere o § 3º deste artigo. Essa exceção do § 14 do artigo 20 da LOAS aplica-se mesmo ao período anterior ao início de sua vigência, porquanto a lei apenas incorporou jurisprudência pacificada sobre a matéria, conforme o disposto no artigo 34, parágrafo único, da Lei nº 10.741/2003 (Estatuto do Idoso), e o decidido pelo e. STF no RE 580.963. Dada a ausência de previsão legal e a natureza excepcional do § 14 do artigo 20 da LOAS, que por isso interpreta-se restritivamente, não há possibilidade de dedução de valor correspondente ao valor do salário-mínimo de benefício previdenciário ou assistencial, ainda que percebido por idoso acima de 65 anos ou por deficiente, se a renda mensal do benefício é de valor superior ao salário-mínimo. Da mesma forma, não há possibilidade de extensão da norma para exclusão de outros benefícios de valor de um salário-mínimo, se não percebidos por idoso acima de 65 anos ou por deficiente. Por outro lado, nem todos os valores recebidos por membros da família estão contidos no conceito de renda familiar mensal. Valores recebidos eventualmente, isto é, sem periodicidade certa ou previsível, a qualquer título, não são valores recebidos mensalmente e por isso não são contados na renda mensal familiar. Auxílios de terceiros que não estejam legalmente obrigados a prestar alimentos, ainda que periódicos ou reiterados, são mera liberalidade que se presume concedida por solidariedade até que o beneficiário possa exercer seu direito à Assistência Social. Não estão contidos no conceito de renda familiar, por conseguinte. Nesse sentido, confira-se o seguinte julgado: PUIL 1005191-76.2021.4.01.3502 - TNU - DJe 14/03/2024 EMENTA: [...] 1. A atuação do Estado preordenada a prover a subsistência dos necessitados mediante o benefício de prestação continuada previsto no art. 20 da Lei nº 8.742/93, possui inequívoca natureza supletiva, sob o influxo do princípio da subsidiariedade, diante do dever da família de prestar alimentos, preconizado nos arts. 1.694 a 1.697 do CC/2002. 2. Demonstrada no caso concreto a efetiva possibilidade de a pessoa necessitada receber auxílio excepcional, por se tratar de parente elencado nas regras do Código Civil retrocitadas, afigura-se aplicável o princípio da subsidiariedade da atuação estatal. 3. Contudo, quando o auxílio é prestado por pessoa não obrigada, deve-se afastar o princípio da subsidiariedade, reconhecendo-se o dever estatal de assistência social. 4. Em outras palavras: somente o auxílio prestado pelos familiares legalmente obrigados (arts. 1.694 a 1.697 do CC/2002) atrai a aplicação do princípio da subsidiariedade, cuja construção pretoriana decorre da interpretação sistemática da Carta Política de 1988 que estabelece o benefício assistencial como medida excepcional para atender aos necessitados que não podem ter sua subsistência provida pela família, à qual incumbe o dever primordial de mútua assistência insculpido nos art. 229 e 230 da CF/88. 5. Fixação de tese: "Nos casos de BPC/LOAS, apenas o auxílio-financeiro prestado pelas pessoas legalmente obrigadas (arts. 1.694 a 1.697 do CC/2002) permite a aplicação do princípio da subsidiariedade da prestação estatal. Deste modo, o auxílio prestado por terceiro, em princípio, não afasta o direito à obtenção do BPC/LOAS (Lei n. 8.742/1992)." Também por exclusão legal, não se pode somar como renda da família os rendimentos recebidos de ações de transferência de renda de natureza assistencial, ainda que de prestação continuada, a teor do disposto no artigo 5º do Anexo ao Decreto nº 6.214/2007, com a redação dada pelo Decreto nº 12.534/2025, norma antes prevista com conteúdo semelhante no 4º, § 2º, inciso II, do mesmo decreto. Haja vista ao disposto no referido artigo 5º: Anexo ao Decreto 6.214/2007 Art. 5º O beneficiário não pode acumular o Benefício de Prestação Continuada com outro benefício no âmbito da Seguridade Social ou de outro regime, inclusive o seguro-desemprego, exceto os da assistência médica e da pensão especial de natureza indenizatória, e as transferências de renda de que tratam o art. 6º, parágrafo único, e o art. 203, caput, inciso VI, da Constituição, e o art. 1º, caput e § 1º, da Lei nº 10.835, de 8 de janeiro de 2004. Parágrafo único. A acumulação do benefício com a remuneração advinda do contrato de aprendizagem pela pessoa com deficiência é limitada ao prazo máximo de dois anos. Estão compreendidos no conceito de transferência de renda de natureza assistencial previsto no artigo 1º da Lei nº 10.835/2004 referido no dispositivo regulamentar todos os benefícios de prestação continuada de natureza assistencial, tal como o bolsa família, recebidos de programas governamentais de todas as esferas administrativas. Assim, não se somam à renda familiar quaisquer benefícios assistenciais, sejam eventuais ou de prestação continuada, sejam cumuláveis com o BPC ou não. Sobre a exclusão do bolsa família da renda familiar, confira-se o seguinte julgado: PUIL 0001601-15.2021.4.03.6328/TNU, DJe 11/04/2025 [...] "1. O benefício previdenciário de um salário mínimo recebido por idoso com mais de 65 anos não deve ser computado para fins de aferição da renda familiar per capita na concessão do benefício assistencial de prestação continuada (BPC/LOAS). 2. O valor recebido a título de Bolsa Família deve ser excluído do cálculo da renda familiar per capita para fins de concessão do benefício assistencial, conforme previsão do art. 4º, §2º, do Decreto nº 6.214/2007." Conforme o disposto no artigo 4º, § 2º, do Anexo ao Decreto nº 6.214/2007, também não são incluídas na renda familiar as seguintes verbas: Anexo ao Decreto 6.214/2007 [...] § 2º Para fins do disposto no inciso VI do caput, não serão computados como renda mensal bruta familiar: [...] III- bolsas de estágio supervisionado; [...] VI - rendimentos decorrentes de contrato de aprendizagem. VII - os valores recebidos a título de auxílio financeiro temporário ou de indenização por danos, ambos em decorrência de rompimento e colapso de barragens; [...] X - o valor do auxílio-inclusão e da remuneração do beneficiário do auxílio-inclusão percebidos por um membro da família, exclusivamente para fins de manutenção do Benefício de Prestação Continuada concedido anteriormente a outra pessoa do mesmo grupo familiar. Também não se podem contar como renda familiar verbas de natureza puramente indenizatórias, ainda que recebidas periodicamente, porquanto tais verbas não têm natureza de renda, mas apenas de recomposição de danos sofridos, materiais ou morais. Em síntese, excluem-se da renda familiar os seguintes valores: 1) recebimentos eventuais; 2) benefícios previdenciários ou assistenciais de valor mensal não superior ao salário-mínimo recebidos por idoso acima de 65 anos ou por deficiente; 3) benefícios assistenciais recebidos de órgãos públicos federais, estaduais ou municipais, em espécie ou in natura, como bolsa família, auxílio-inclusão, vale-leite, cesta básica; 4) auxílios de terceiros, eventuais ou reiterados, que não estejam obrigados a prestar alimentos; 5) bolsas de estágio supervisionado; 6) rendimento de contrato de aprendizagem; 7) pensão especial de natureza indenizatória; e 8) indenizações, ainda que periódicas. Deduções: despesas necessárias e extraordinárias Além das exclusões de valores, há despesas que devem ser deduzidas da renda familiar considerada, dada sua natureza necessária e extraordinária, isto é, despesas indispensáveis à manutenção do núcleo familiar e que não são de manutenção regular para a maioria das famílias e por isso oneram especialmente as famílias que as têm de suportar. Por outro lado, não se deduzem da renda familiar gastos com pagamento de contas de serviços públicos (água, luz, gás, telefone, internet), tampouco despesas com moradia, transporte e alimentação regulares, visto que essas despesas, embora necessárias, são ordinárias, isto é, de manutenção regular para quaisquer famílias. Não se deduzem, outrossim, pagamento de tributos e de empréstimos, ainda que este último tenha sido adquirido para fazer frente a despesas necessárias e extraordinárias, porquanto nesse caso é o valor comprovado destas que serão deduzidos. Em razão disso, os valores de rendas dos membros do núcleo familiar a considerar são os valores mensais brutos. Também não podem ser deduzidas despesas com tratamento de saúde que seja disponibilizado pelo SUS, uma vez que a opção do próprio interessado pelo tratamento privado não onera a Assistência Social, mas apenas ele próprio. As despesas dedutíveis estavam previstas no artigo 20, § 4º, da Lei nº 8.742/93 e atualmente estão no artigo 20-B, inciso III, da mesma lei, do seguinte teor: Lei n 8.742/93 Art. 20-B. [...] III - o comprometimento do orçamento do núcleo familiar de que trata o § 3º do art. 20 desta Lei exclusivamente com gastos médicos, com tratamentos de saúde, com fraldas, com alimentos especiais e com medicamentos do idoso ou da pessoa com deficiência não disponibilizados gratuitamente pelo SUS, ou com serviços não prestados pelo Suas, desde que comprovadamente necessários à preservação da saúde e da vida. Essas despesas devem estar documentalmente provadas nos autos e não meramente relatadas pelo interessado, ainda que durante a realização da perícia social. Assim, as despesas médicas (consultas, tratamentos, medicamentos) ou com alimentos e fraldas especiais devem ser provadas por prescrição do profissional de saúde responsável e por notas fiscais, além de declaração da rede pública municipal de não dispor do tratamento pelo SUS, ou de declaração da rede pública de saúde ou de assistência social municipais de que não há fornecimento gratuito dos alimentos e fraldas especiais necessários. Renda per capita igual ou inferior a ¼ do salário mínimo Depois das exclusões e deduções cabíveis da renda do núcleo familiar, apura-se a renda familiar per capita. O artigo 20, § 3º, da Lei nº 8.742/93, atualmente com redação dada pela Lei nº 14.176/2021, estabelece que é incapaz de prover a manutenção da pessoa com deficiência ou do idoso maior de 65 anos o núcleo familiar com renda per capita igual ou inferior a ¼ do salário-mínimo. Esse critério, em favor do assistido, é absoluto e sua prova dispensa a prova de condições sociais gerais do núcleo familiar, o que significa que é bastante por si para prova da hipossuficiência econômica. Esse critério, porém, não é o único para prova da hipossuficiência econômica, pois há outros critérios, conforme jurisprudência e legislação atual. Prova da hipossuficiência econômica por outros critérios Na esteira da jurisprudência dos tribunais superiores (RE 567.985 e REsp 1.112.557), as leis nº 13.146/2015 e 14.176/2021 incluíram na Lei n º 8.742/93, respectivamente, o § 11 ao artigo 20 e o § 11-A ao artigo 20 e o artigo 20-B, os quais preveem que a prova da miserabilidade pode dar-se por outros meios. Confira-se: Lei nº 8.742/93 Art. 20. [...] § 11. Para concessão do benefício de que trata o caput deste artigo, poderão ser utilizados outros elementos probatórios da condição de miserabilidade do grupo familiar e da situação de vulnerabilidade, conforme regulamento. § 11-A. O regulamento de que trata o § 11 deste artigo poderá ampliar o limite de renda mensal familiar per capita previsto no § 3º deste artigo para até 1/2 (meio) salário-mínimo, observado o disposto no art. 20-B desta Lei. Art. 20-B. Na avaliação de outros elementos probatórios da condição de miserabilidade e da situação de vulnerabilidade de que trata o § 11 do art. 20 desta Lei, serão considerados os seguintes aspectos para ampliação do critério de aferição da renda familiar mensal per capita de que trata o § 11-A do referido artigo: I - o grau da deficiência; II - a dependência de terceiros para o desempenho de atividades básicas da vida diária; e. III - o comprometimento do orçamento do núcleo familiar de que trata o § 3º do art. 20 desta Lei exclusivamente com gastos médicos, com tratamentos de saúde, com fraldas, com alimentos especiais e com medicamentos do idoso ou da pessoa com deficiência não disponibilizados gratuitamente pelo SUS, ou com serviços não prestados pelo Suas, desde que comprovadamente necessários à preservação da saúde e da vida. § 1º A ampliação de que trata o caput deste artigo ocorrerá na forma de escalas graduais, definidas em regulamento. § 2º Aplicam-se à pessoa com deficiência os elementos constantes dos incisos I e III do caput deste artigo, e à pessoa idosa os constantes dos incisos II e III do caput deste artigo. § 3º O grau da deficiência de que trata o inciso I do caput deste artigo será aferido por meio de instrumento de avaliação biopsicossocial, observados os termos dos §§ 1º e 2º do art. 2º da Lei nº 13.146, de 6 de julho de 2015 (Estatuto da Pessoa com Deficiência), e do § 6º do art. 20 e do art. 40-B desta Lei. § 4º O valor referente ao comprometimento do orçamento do núcleo familiar com gastos de que trata o inciso III do caput deste artigo será definido em ato conjunto do Ministério da Cidadania, da Secretaria Especial de Previdência e Trabalho do Ministério da Economia e do INSS, a partir de valores médios dos gastos realizados pelas famílias exclusivamente com essas finalidades, facultada ao interessado a possibilidade de comprovação, conforme critérios definidos em regulamento, de que os gastos efetivos ultrapassam os valores médios. A norma contida no § 11 do artigo 20 carecia de regulamentação no início de sua vigência, em 07/07/2015, quando fora incluído na Lei nº 8.742/93 pela Lei nº 13.146/2015. No entanto, em 23/06/2021, veio a lume a Lei nº 14.176/2021, a qual incluiu na Lei nº 8.742/93 o § 11-A no artigo 20 e todo o artigo 20-B, acima transcritos. Sem prejuízo de poderem ser regulamentados para aplicação gradual na via administrativa como previsto no § 1º do artigo 20-B, esses novos dispositivos legais suprem a necessidade de outra regulamentação para aplicação, porquanto trazem em si elementos objetivos suficientes para imediata aplicação da norma, os quais eram faltantes no § 11 do artigo 20. Combinados, então, o § 11-A do artigo 20 com o artigo 20-B, incisos I e II, conclui-se que o limite da renda familiar per capita é elevado de ¼ do salário-mínimo para ½ salário-mínimo se o grau de deficiência é elevado, na hipótese de BPC da pessoa com deficiência (inciso I, art. 20-B); ou conforme haja prova de necessidade de assistência permanente de terceiros à semelhança do que dispõe o artigo 45 da Lei nº 8.213/91, na hipótese de BPC para idoso (inciso II, art. 20-B). Além disso, seja o limite de ¼ ou de ½ salário-mínimo, as despesas necessárias e extraordinárias, conforme disposto no inciso III do artigo 20-B, devem ser previamente deduzidas para apuração da renda familiar per capita, como já visto. Assistência Social subsidiária A Assistência Social tem caráter subsidiário, conforme se tira do texto constitucional (art. 203, inc. V, Constituição Federal) seguido pelo caput do artigo 20 da Lei nº 8.742/93. Com efeito, ao determinarem a concessão do BPC apenas a quem não pode ter seu sustento provido por sua família, a Constituição Federal e a Lei estabelecem não apenas o direito ao benefício assistencial, mas sobretudo a primazia da assistência familiar. Vejamos o texto constitucional, com destaque para a assistência familiar: CF/88 Art. 203. [...] V - a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei. No mesmo sentido, o artigo 20, caput, da Lei nº 8.742/93 e o artigo 14 do Estatuto do Idoso (Lei nº 10.741/2003). Não obstante dever ser observada a interpretação literal do § 1º do artigo 20 da Lei nº 8.742/93 para definição de núcleo familiar, por conseguinte, o idoso ou o deficiente que não tem meios de prover seu próprio sustento deve primeiramente buscar a assistência familiar, em conceito mais amplo do que o de núcleo familiar da LOAS. Nesse sentido, a família obrigada a prestar alimentos é aquela definida nos artigos 1.696 e 1.697 do Código Civil, do seguinte teor: Código Civil Art. 1.696. O direito à prestação de alimentos é recíproco entre pais e filhos, e extensivo a todos os ascendentes, recaindo a obrigação nos mais próximos em grau, uns em falta de outros. Art. 1.697. Na falta dos ascendentes cabe a obrigação aos descendentes, guardada a ordem de sucessão e, faltando estes, aos irmãos, assim germanos como unilaterais. Havendo, assim, pais ou filhos, ascendente, descendente ou irmão, parentes legalmente obrigados a prestar alimentos uns aos outros, deve ser verificada a possibilidade fática de prestação de alimentos por um ou mais desses parentes, consoante disposto no artigo 1.694, § 1º, combinado com os artigos 1.695 e 1.698, todos do Código Civil, do seguinte teor: Código Civil Art. 1.694. Podem os parentes, os cônjuges ou companheiros pedir uns aos outros os alimentos de que necessitem para viver de modo compatível com a sua condição social, inclusive para atender às necessidades de sua educação. § 1º Os alimentos devem ser fixados na proporção das necessidades do reclamante e dos recursos da pessoa obrigada. § 2º Os alimentos serão apenas os indispensáveis à subsistência, quando a situação de necessidade resultar de culpa de quem os pleiteia. Art. 1.695. São devidos os alimentos quando quem os pretende não tem bens suficientes, nem pode prover, pelo seu trabalho, à própria mantença, e aquele, de quem se reclamam, pode fornecê-los, sem desfalque do necessário ao seu sustento. Art. 1.698. Se o parente, que deve alimentos em primeiro lugar, não estiver em condições de suportar totalmente o encargo, serão chamados a concorrer os de grau imediato; sendo várias as pessoas obrigadas a prestar alimentos, todas devem concorrer na proporção dos respectivos recursos, e, intentada ação contra uma delas, poderão as demais ser chamadas a integrar a lide. Não há possibilidade de renúncia à prestação alimentícia devida pelos parentes para obtenção do BPC, porquanto a legislação de regência não permite que o beneficiário opte pela Assistência Social em detrimento da assistência familiar. Nesse sentido, confira-se o seguinte julgado da c. TNU: PUIL 1003267-61.2020.4.01.3600 - TNU - DJe 27/06/2022 EMENTA [...] 1. Para fins de cálculo da renda per capta, o grupo familiar deve ser definido a partir da interpretação restrita do disposto no art. 20 da Lei n.º 8.742/1993. Inteligência do Tema 73 da TNU. 2. Todavia, a análise do requisito socioeconômico não fica restrito a este aspecto, pois "O critério objetivo consubstanciado na exigência de renda familiar per capta inferior a ¼ do salário-mínimo gera uma presunção relativa de miserabilidade, que pode, portanto, ser afastada por outros elementos de prova" (Tema 122 da TNU). 3. O benefício assistencial de prestação continuada pode ser indeferido se ficar demonstrado que os devedores legais podem prestar alimentos civis sem prejuízo de sua manutenção, em atenção ao princípio da subsidiariedade da atuação estatal (TNU, PEDILEF n.º 0517397-48.2012.4.05.8300, Relator Juiz Federal Fábio Cesar dos Santos Oliveira, j. 23.02.2017). 4. No caso concreto, observo que a Turma de origem afastou o caráter subsidiário da atuação estatal, o que vai de encontro ao entendimento da TNU. Assim, embora o núcleo familiar deva ser considerado de modo estrito para análise da hipossuficiência econômica, eventual possibilidade de recebimento de prestação alimentícia de quem não compõe o núcleo familiar deve ser considerada para análise da renda própria de quem pretende o BPC, por meio de soma do valor da possível prestação de alimentos à renda mensal do núcleo familiar. CADÚNICO: INSCRIÇÃO E ATUALIZAÇÃO A inscrição no CadÚnico é requisito legal para concessão do BPC (art. 20, § 12, Lei 8.742/93) e não mera formalidade que pode ser superada ou dispensada para ser substituída pela perícia social, porquanto é indispensável para análise da condição socioeconômica do requerente do benefício. Veja-se o seguinte julgado, que pacifica a questão no âmbito dos Juizados Especiais Federais: PUIL 0501636-96.2020.4.05.8105, DJe 15/02/2022 EMENTA: [...] 1. A inscrição regular e atualizada no Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal - CADÚNICO, para fins de concessão do benefício de prestação continuada - LOAS, é exigência prevista no § 12 do art. 20 da Lei n.º 8.742/1993, incluído pela Lei n.º 13.846/2019. 2. Dada a sua importância para todo o sistema de proteção social, a regular inscrição no CADÚNICO, bem como a manutenção dos dados atualizados, não podem ser substituídas pela perícia socioeconômica ou qualquer outra diligência judicial. 3. Tese fixada: "Para a concessão, manutenção e revisão do benefício de prestação continuada da assistência social, é indispensável a regular inscrição e atualização no Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal - CADÚNICO, nos termos do § 12 do art. 20 da Lei n.º 8.742/1993, incluído pela Lei n.º 13.846/2019." Concedido o BPC, o CADÚNICO deve ser atualizado pelo beneficiário a cada 24 meses, consoante expresso no artigo 21-B da Lei nº 8.742/93, sem o que o benefício poderá ser suspenso (§ 2º, art. 21-B). Confira-se: Lei nº 8.742/93 Art. 21-B. Os beneficiários do benefício de prestação continuada, quando não estiverem inscritos no CadÚnico ou quando estiverem com o cadastro desatualizado há mais de 24 (vinte e quatro) meses, deverão regularizar a situação nos seguintes prazos, contados a partir da efetiva notificação bancária ou por outros canais de atendimento: I - 45 (quarenta e cinco) dias para Municípios de pequeno porte; II - 90 (noventa) dias para Municípios de médio e grande porte ou metrópole, com população acima de 50.000 (cinquenta mil) habitantes. § 1º Na falta da ciência da notificação bancária ou por outros canais de atendimento, o crédito do benefício será bloqueado em 30 (trinta) dias após o envio da notificação. § 2º O não cumprimento do disposto no caput implicará a suspensão do benefício, desde que comprovada a ciência da notificação. § 3º O beneficiário poderá realizar a inclusão ou a atualização no CadÚnico até o final do prazo de suspensão, sem que haja prejuízo no pagamento do benefício. De tal sorte, o CADÚNICO atualizado na data do requerimento administrativo do BPC é suficiente para demonstração do interesse de agir e ajuizamento da ação, porquanto ainda que não venha a ser novamente atualizado no futuro, poderá haver direito pretérito ao benefício a ser julgado. No entanto, se essa atualização na data do requerimento administrativo já tiver mais de 24 meses na data da prolação de sentença de procedência nos Juizados Especiais Federais, em que o recurso não tem efeito suspensivo, deverá o beneficiário promover nova atualização, no prazo de 90 dias contados da intimação da sentença, sob pena de suspensão do benefício diretamente pelo INSS, nos termos do artigo 21-B, § 2º, da Lei nº 8.742/93. Inacumulabilidade de benefícios O BPC é inacumulável com qualquer benefício no âmbito da seguridade social, por força do disposto no artigo 20, § 4º, da Lei nº 8.742/93, do seguinte teor: Lei nº 8.742/93 Art. 20. [...] § 4º O benefício de que trata este artigo não pode ser acumulado pelo beneficiário com qualquer outro no âmbito da seguridade social ou de outro regime, salvo os da assistência médica e da pensão especial de natureza indenizatória, bem como as transferências de renda de que tratam o parágrafo único do art. 6º e o inciso VI do caput do art. 203 da Constituição Federal e o caput e o § 1º do art. 1º da Lei nº 10.835, de 8 de janeiro de 2004. Embora a seguridade social contemple tanto os benefícios previdenciários quanto os benefícios de assistência social (art. 194, Constituição Federal), o que significaria inacumulabilidade do BPC não somente com benefícios previdenciários, mas também com benefícios de assistência social, a Lei nº 14.601/2023, em vigor desde 20/06/2023, acrescentou na redação do § 4º do artigo 20 da Lei nº 8.742/93 a ressalva à inacumulabilidade com o BPC de benefícios de transferência de renda. Isso implica possibilidade de cumulação do BPC com os benefícios de natureza assistencial, como o bolsa família e o auxílio-inclusão, porquanto são benefícios de transferência de renda, na forma do parágrafo único do artigo 6º da Constituição Federal. A possibilidade de cumulação do BPC com benefícios assistenciais de transferência de renda já vinha antes prevista no artigo 4º, inciso II, do Decreto nº 6.124/2007 com a redação dada pelo Decreto nº 7.617/2011, visto que, ao determinar não serem contados na renda familiar para concessão do BPC, implicitamente admite a cumulação dos benefícios. A possibilidade de cumulação dos benefícios assistenciais, porém, não impede a revisão do cumprimento dos requisitos desses outros benefícios assistenciais cujas normas preveem expressamente a necessidade de soma do BPC para cálculo da renda familiar, como sucede com o bolsa família (art. 4º, § 2º, Lei 14.601/2023). Postas as premissas jurídicas, passo ao exame do caso dos autos. O CASO DOS AUTOS A parte autora prova inscrição atualizada no CADÚNICO até a data do requerimento administrativo. Há prova da deficiência, visto que a perícia médica concluiu, fundamentadamente, que a parte autora é pessoa com deficiência ou com doença incapacitante. Não são necessários novos esclarecimentos. A conclusão da perícia judicial está suficientemente fundamentada, não demanda complementação além dos esclarecimentos já prestados, e sobreleva os atestados médicos da parte autora, assim como as conclusões da perícia médica do INSS, porquanto o perito judicial atua de forma equidistante entre as partes, com conclusão tirada a partir de exame dos fatos sem relação pessoal direta com as partes. Conforme laudo social, o núcleo familiar da parte autora é composto por duas pessoas. Não integra o núcleo familiar uma pessoa, visto que não se encontra no rol do artigo 20, § 1º, da Lei nº 8.742/93. Do núcleo familiar, já desconsiderados benefícios previdenciários de até um salário-mínimo recebidos por idoso acima de 65 anos ou deficiente e quaisquer benefícios assistenciais, conforme o laudo social (ID 311655474), recebem renda uma pessoa, de um salário mínimo. Não há prova documental suficiente (prescrição médica, notas fiscais ou orçamentos, declaração de não disponibilização na rede pública) de despesas dedutíveis da renda familiar. Não há prova nos autos de que os parentes da parte autora que não compõem o núcleo familiar e que tenham obrigação legal de prestar alimentos tenham de fato condições financeiras e econômicas de fazê-lo, para suprir a necessidade da Assistência Social. Após as exclusões legais de renda e deduções de despesas cabíveis, a renda familiar per capita, portanto, é de ½ do salário-mínimo. Conforme o laudo pericial médico, não há prova de elevado grau de deficiência, dada a desnecessidade de assistência permanente de terceiros, para considerar o limite da renda familiar per capita elevado para ½ salário-mínimo. Não provado, portanto, o requisito da hipossuficiência econômica. DISPOSITIVO Posto isso, resolvo o mérito com fundamento no artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil e julgo IMPROCEDENTE o pedido. Sem custas, nem honorários advocatícios nesta instância (art. 1º da Lei nº 10.259/2001 e art. 55 da Lei nº 9.099/95). Expeça-se solicitação de pagamento ao perito, se o caso. Fica cientificada a parte autora de que o prazo para recurso de sentença é de 10 dias. Se discordar desta sentença e quiser recorrer e ainda não estiver representada por advogado, deverá contratar advogado ou requerer nomeação de advogado dativo (Assistência Judiciária Gratuita) ao Juizado Especial Federal, se não tiver condições financeiras para contratação de advogado, tudo dentro do prazo de 10 dias. Passado esse prazo sem recurso, a sentença não poderá mais ser modificada. Interposto recurso de sentença tempestivamente, intime-se a parte contrária para contrarrazões e, se em termos, remetam-se os autos às turmas recursais. Sem recurso, transitada em julgado esta sentença, requisitem-se os atrasados. Publique-se. Intimem-se. ALEXANDRE CARNEIRO LIMA Juiz Federal
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