Processo nº 0804702-10.2022.8.18.0033
ID: 325779265
Tribunal: TJPI
Órgão: 2ª Câmara Especializada Criminal
Classe: APELAçãO CRIMINAL
Nº Processo: 0804702-10.2022.8.18.0033
Data de Disponibilização:
15/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
MARCOS VINICIUS BRITO ARAUJO
OAB/PI XXXXXX
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TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PIAUÍ APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0804702-10.2022.8.18.0033 ÓRGÃO: 2ª Câmara Especializada Criminal ORIGEM: 1ª Vara Criminal da Comarca de Piripiri RELATORA: Dra. Valdênia M…
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PIAUÍ APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0804702-10.2022.8.18.0033 ÓRGÃO: 2ª Câmara Especializada Criminal ORIGEM: 1ª Vara Criminal da Comarca de Piripiri RELATORA: Dra. Valdênia Moura Marques de Sá (Juíza Convocada – 2º Grau) APELANTE: José de Oliveira ADVOGADO: Dr. Marcos Vinícius Brito Araújo – OAB/PI nº 1560 APELADO: Ministério Público do Estado do Piauí EMENTA Ementa: DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. VIOLÊNCIA DOMÉSTICA CONTRA A MULHER. LESÃO CORPORAL. ART. 129, §9º, DO CP. PALAVRA DA VÍTIMA CORROBORADA POR LAUDO PERICIAL. DESCLASSIFICAÇÃO PARA VIAS DE FATO E REVOGAÇÃO DE INDENIZAÇÃO INDEFERIDAS. RECURSO DESPROVIDO. I. CASO EM EXAME 1. Apelação Criminal interposta por José de Oliveira contra sentença da 1ª Vara Criminal da Comarca de Piripiri-PI que o condenou, com fundamento no art. 129, §9º, do Código Penal (redação antiga), combinado com os arts. 5º, III, e 7º, I e II, da Lei nº 11.340/06, à pena de 4 meses e 2 dias de detenção, em regime semiaberto, mais 10 dias-multa, além de fixar indenização mínima à vítima no valor de um salário-mínimo. 2. A defesa pleiteou a absolvição por ausência ou insuficiência de provas, ou, subsidiariamente, a desclassificação da conduta para a contravenção penal de vias de fato e a revogação da indenização fixada. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO 3. Há três questões em discussão: (i) definir se a prova dos autos é suficiente para manter a condenação penal do apelante; (ii) estabelecer se é cabível a desclassificação da infração penal para contravenção de vias de fato; (iii) determinar se é legítima e proporcional a fixação de indenização mínima à vítima. III. RAZÕES DE DECIDIR 4. A palavra da vítima em casos de violência doméstica possui especial relevância probatória, sobretudo quando coerente e corroborada por outros elementos dos autos, como o laudo pericial. 5. No caso, a vítima prestou depoimentos firmes e coerentes, reafirmando a prática da agressão pelo réu, conduta esta confirmada pelo laudo pericial que atestou as lesões contusas nos braços, compatíveis com “azunhada humana”. 6. A alegação de ausência de testemunhas oculares não descaracteriza a prova da autoria, considerando que os crimes de violência doméstica geralmente ocorrem sem a presença de terceiros e que, conforme reiterada jurisprudência, a ausência de testemunhas não impede a responsabilização penal. 7. A inconsistência apontada pela defesa sobre o veículo utilizado pelo réu no momento dos fatos constitui elemento periférico, incapaz de comprometer a credibilidade do relato da vítima, sendo comum que divergências secundárias ocorram com o decurso do tempo entre os depoimentos. 8. O pedido de desclassificação para vias de fato não encontra amparo, visto que o laudo pericial comprova a existência de lesões corporais reais, e não meros atos de agressão sem resultado físico. A jurisprudência diferencia as vias de fato do delito de lesão corporal justamente pela inexistência de dano físico neste último. 9. A fixação de indenização mínima de um salário-mínimo atende aos requisitos legais e jurisprudenciais: houve pedido expresso do Ministério Público, o valor foi determinado na denúncia e oportunizado o contraditório, além de ser proporcional aos danos decorrentes da agressão. A reparação é compatível com o art. 387, IV, do CPP e com o entendimento consolidado do STJ sobre a fixação de danos morais in re ipsa em casos de violência doméstica. IV. DISPOSITIVO E TESE 10. Recurso desprovido, em harmonia com a posição do Ministério Público Superior. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos, "acordam os componentes do(a) 2ª Câmara Especializada Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Piauí, por unanimidade, conhecer e negar provimento ao recurso, nos termos do voto do(a) Relator(a)." SALA DAS SESSÕES DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PIAUÍ, em Teresina,13/06/2025 a 24/06/2025 RELATÓRIO Cuida-se de Apelação Criminal interposta por José de Oliveira contra sentença proferida pelo Juízo da 1ª Vara da Comarca de Piripiri-PI, que o condenou como incurso nas sanções do art. 129, §9º, do Código Penal (redação antiga), combinado com os artigos 5º, III, e 7º, I e II, da Lei nº 11.340/06 (Lei Maria da Penha), à pena definitiva de 04 (quatro) meses e 02 (dois) dias de detenção, em regime semiaberto, além de 10 (dez) dias-multa. Também foi fixada indenização mínima à vítima no valor de um salário-mínimo (ID 21151770). Irresignada, a defesa técnica do apelante apresentou recurso de apelação pleiteando a absolvição por ausência de provas, ou, subsidiariamente, a desclassificação da infração penal para a contravenção penal de vias de fato, além da revogação da indenização fixada (ID 22610788). O Ministério Público apresentou contrarrazões requerendo o desprovimento do recurso e a manutenção da sentença condenatória (ID 22819062). A Procuradoria de Justiça manifestou-se pelo conhecimento do recurso e, no mérito, opinou pelo seu desprovimento, destacando a suficiência probatória para a condenação e a pertinência da indenização arbitrada (ID 23665585). VOTO I – JUÍZO DE ADMISSIBILIDADE Presentes os requisitos de admissibilidade recursal, conheço da apelação interposta. II – MÉRITO 1. Pedido de absolvição por ausência de prova da existência do fato (art. 386, V, CPP) e pedido de absolvição por insuficiência probatória. A defesa do apelante sustenta que não há prova suficiente da ocorrência do fato típico, afirmando que o conjunto probatório dos autos é frágil e lacunoso, o que impõe a absolvição com fundamento no art. 386, inciso V, do Código de Processo Penal. Argumenta que o Laudo de Exame de Corpo de Delito não estabelece conexão inequívoca entre as lesões e a conduta do acusado, e que há contradições relevantes nos depoimentos da vítima. Aduz ainda a inexistência de testemunhas oculares e a inconsistência das declarações da ofendida quanto ao veículo supostamente utilizado no momento do fato, o que, segundo a defesa, enfraquece a acusação e impede um juízo condenatório. Assim, invoca o princípio do in dubio pro reo para pleitear a absolvição. O artigo 386, inciso V, do Código de Processo Penal, prevê a absolvição do réu quando não existir prova da existência do fato. No presente caso, a defesa sustenta que não há provas suficientes que demonstrem de forma inequívoca que o apelante tenha cometido as lesões descritas na denúncia. A análise das provas apresentadas revela uma série de inconsistências e lacunas que comprometem a certeza necessária para uma condenação. (...) Primeiramente, o laudo pericial, embora aponte lesões compatíveis com ‘azunhada humana’, não estabelece uma conexão direta e irrefutável entre essas lesões e o réu. A perícia não identificou elementos que comprovem que as lesões foram causadas especificamente por José de Oliveira, o que gera uma dúvida razoável sobre a autoria do delito. Além disso, a ausência de testemunhas oculares é um fator crucial que enfraquece a acusação. O suposto delito teria ocorrido em uma via pública, em plena luz do dia, onde é razoável supor que haveria transeuntes que poderiam ter presenciado os fatos. No entanto, não há testemunhas que confirmem a versão da vítima, o que levanta sérias dúvidas sobre a veracidade dos acontecimentos narrados. As contradições nos depoimentos da vítima também são elementos que não podem ser ignorados. Em seu primeiro depoimento, a vítima afirmou que o réu estava no carro Fiat Toro, enquanto em juízo declarou que ele estava em uma motocicleta. Essas discrepâncias são significativas e indicam uma falta de consistência nas declarações da vítima, o que compromete a credibilidade de seu relato. Ademais, a própria vítima apresentou declarações confusas durante a audiência, justificando suas inconsistências pelo lapso temporal e pela existência de outros processos envolvendo o réu. Tais justificativas não são suficientes para sanar as contradições e, ao contrário, reforçam a tese de que não há prova cabal da ocorrência do fato conforme narrado na denúncia (ID 22610788). Em relação à absolvição por insuficiência probatória, a defesa reiterou os argumentos da tese anterior, aponta que o artigo 386, inciso VII, do Código de Processo Penal, estabelece que o juiz absolverá o réu quando não houver prova suficiente para a condenação. No presente caso, a defesa sustenta que as provas apresentadas são insuficientes para comprovar a autoria do delito imputado ao apelante. A condenação baseou-se essencialmente nas declarações da vítima, Maria Laiana de Araújo, que, conforme demonstrado, são contraditórias e inconsistentes. A vítima apresentou versões conflitantes sobre os fatos. Em seu depoimento inicial, afirmou que o réu estava em um carro Fiat Toro durante a suposta agressão. Posteriormente, em juízo, mudou sua versão, alegando que o réu estava em uma motocicleta. Essa contradição é significativa e compromete a credibilidade das declarações da vítima, uma vez que a identificação do veículo é um elemento crucial para a narrativa dos acontecimentos. O apelante, em sede policial, negou ter tido qualquer contato com a vítima no dia dos fatos. José de Oliveira afirmou que esteve em Piripiri para tratar de negócios particulares e que não encontrou sua ex-companheira e não sabia se ela havia sido lesionada. Ademais, o Laudo de Exame de Corpo de Delito, embora constate lesões nos braços da vítima, não é suficiente para comprovar a autoria do réu sem o suporte de outras provas robustas e coerentes. A condenação não pode se sustentar apenas nas declarações da vítima, especialmente quando estas são confusas e contraditórias. Portanto, diante da insuficiência probatória, a condenação de José de Oliveira não se sustenta. A defesa pleiteia a absolvição do apelante, com fulcro no artigo 386, inciso VII, do Código de Processo Penal, uma vez que não há provas suficientes para a condenação. A justiça deve ser feita com base em provas concretas e irrefutáveis, e não em declarações inconsistentes e sem corroboração (ID 22610788). O Ministério Público, em contrarrazões, pugnou pelo desprovimento da apelação, argumentando que a materialidade e autoria delitivas estão devidamente comprovadas. Ressalta que o exame de corpo de delito confirmou as lesões, e que a palavra da vítima, coerente e firme, encontra respaldo nas demais provas do processo. A Promotoria também rechaça a tese de dúvida razoável quanto à existência do fato. II- DA MATERIALIDADE E AUTORIA A materialidade do crime de lesão corporal em contexto de violência doméstico é incontroversa, porquanto devidamente demonstradas pelos seguintes elementos de prova: • Laudo de exame de corpo de delito juntado no Id.21151715 p.15. Em relação à autoria, tem-se como certa. As provas produzidas quando da instrução processual são uníssonas a indicar a prática do crime pelo recorrente. Dessa forma, é de se manter a condenação na forma aplicada na sentença a quo (ID 22819062). A Procuradoria de Justiça igualmente opinou pelo desprovimento do recurso, destacando que a autoria e a materialidade estão demonstradas pelo laudo pericial e pelo firme depoimento da vítima. A manifestação enfatiza que, em crimes de violência doméstica, a palavra da vítima tem especial relevância e que, no caso em questão, ela está em harmonia com os demais elementos de prova. Trata-se de crime de violência doméstica, modalidade de crime em que manifesta o agente clara insensibilidade moral, violando sentimentos de estima, solidariedade e apoio mútuo que deve nutrir para com parentes próximos ou pessoas com quem convive (ou já conviveu). Nesse sentido, o bem jurídico protegido por essa figura típica não se limita à integridade corporal e à saúde da pessoa humana (incolumidade e normalidade fisiológica e psíquica), mas abrange também, fundamentalmente, a harmonia, a solidariedade, o respeito e a dignidade que orientam e fundamentam a célula familiar. Conforme restou comprovado nos autos, JOSÉ DE OLIVEIRA cometeu violência doméstica contra a vítima MARIA LAIANA DE ARAÚJO PEREIRA , sua a ex companheira. A materialidade do delito está devidamente comprovada, conforme Laudo de Exame de Corpo Delito - Lesão Corporal (ID. nº 34891314 - Pág. 15) que constata a lesões contusas nos braços da vítima. A autoria, por sua vez, encontra-se provada por tudo que foi colhido durante as investigações policiais em conjunto com as provas produzidas em juízo, em especial pelo depoimento detalhado da vítima. Ressalta-se que a palavra da vítima exerce especial relevância na apuração de crimes de violência doméstica, casos em que não há testemunhas, ou seja, praticados na clandestinidade, notadamente, quando em harmonia com as demais provas do processo(ID 23665585). A sentença rejeitou a tese absolutória e afirmou que a prova da materialidade e autoria é segura, especialmente pelo depoimento da vítima, coerente com os elementos de prova, e pelo laudo pericial que constatou lesões compatíveis com agressão. A instrução processual comprovou que, José de Oliveira no dia 05 de junho de 2018, na Rua Tomaz Rebelo, em frente ao Museu de Piripiri-PI, impediu, com seu o carro Fiat Toro, cor vermelha, placa PIN5967, a passagem do caminho de sua ex companheira, Maria Laiana de Araújo, com o objetivo de solicitar a chave principal do citado veículo. Nesta oportunidade, José desceu do carro e agarrou a vítima, pelos seus braços, com tamanha força ao ponto de causar lesão no local, e afirmou que se ela não entregasse a chave "ia se arrepender". O réu só se retirou do local após Maria Laiana afirmar que chamaria a polícia. Ressalte-se que, quando da ocorrência do fato, os bens do casal estavam sendo objeto de divisão de bens judicial conforme o Processo nº 0000399-25.2018.8.18.033, em razão de separação que ocorreu em virtude de violência doméstica praticada pelo réu. A Denúncia fundamentou-se no Laudo de Exame de Corpo Delito - Lesão Corporal (ID. nº 34891314 - Pág. 15) que constata a lesões contusas nos braços da vítima, a maior delas com 10 cm de extensão, compatível com "azunhada humana". Em sede policial, bem como em juízo, a vítima Maria Laiana de Araújo confirmou as agressões perpetradas pelo réu. Ademais, conforme se observa nos elementos colacionados aos autos, o réu efetivamente lesionou a vítima. A materialidade e a autoria dos crimes estão devidamente comprovadas pelas provas colhidas no inquérito policial e corroboradas em juízo pelo depoimento da vítima e das testemunhas. O réu não compareceu ao interrogatório judicial. No caso em tela, o crime encontra-se provado a partir das provas colhidas no inquérito e reiteradas em juízo. Assim, restou demonstrada a ocorrência do crime tipificado no art. 129, §9º, do CP (ID 21151770). O Laudo Pericial de Corpo de Delito (Lesão Corporal) atestou que a vítima sofreu ofensa à integridade física por ação contusa, apontando ainda que a ofendida apresentava escoriações de arrasto lineares braços [sic] tendo a maior delas 10cm de extensão (compatível com azunhada humana) (ID 21151715 – p. 15). A alegação defensiva de que a condenação não poderia se sustentar diante da ausência de testemunhas presenciais e de que as declarações da vítima seriam contraditórias e frágeis não merece acolhimento. Nos crimes praticados no âmbito da violência doméstica e familiar contra a mulher, como o ora em julgamento, é firme a jurisprudência dos tribunais superiores no sentido de que a palavra da vítima assume especial relevo probatório, em razão do contexto em que esses delitos ocorrem — geralmente à clandestinidade e sem a presença de terceiros, sobretudo no espaço privado ou em situações de constrangimento para que haja denúncia imediata. No caso concreto, a vítima Maria Laiana de Araújo, tanto na fase policial quanto em juízo, descreveu com clareza e coerência os atos de agressão praticados pelo réu, José de Oliveira, narrando que foi impedida de passar com seu veículo e que o acusado a agarrou pelos braços com força, causando-lhe escoriações, além de ameaçá-la verbalmente. Essas declarações são consistentes entre si e encontram robusto suporte no exame de corpo de delito, que atestou lesões contusas nos braços da vítima, com marcas lineares de arrasto e extensão de 10 cm, compatíveis com “azunhada humana” (ID 21151715 – p. 15). A jurisprudência é pacífica em reconhecer a força probatória do testemunho da vítima, especialmente em se tratando de violência doméstica: PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AMEAÇA. ART . 147 DO CÓDIGO PENAL - CP. VIOLAÇÃO AOS ARTS. 155, 156 E 386, VII, DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL - CPP. PLEITO ABSOLUTÓRIO QUE ESBARRA NO ÓBICE DA SÚMULA N . 7 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA - STJ. PALAVRA DA VÍTIMA CORROBORADA POR OUTROS ELEMENTOS DE PROVA. ESPECIAL RELEVÂNCIA EM CRIMES QUE ENVOLVEM A VIOLÊNCIA DOMÉSTICA CONTRA A MULHER. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO . 1. "Nos crimes de violência doméstica, a palavra da vítima assume especial importância, atento que geralmente as ofensas ocorrem na clandestinidade. Incidência da Súmula n. 83 do STJ" (AgRg no AREsp n . 2.206.639/SP, relator Ministro Jesuíno Rissato (Desembargador Convocado do TJDFT), Sexta Turma, julgado em 20/2/2024, DJe de 23/2/2024) (…) (STJ - AgRg no AREsp: 2462460 SP 2023/0325261-8, Relator.: Ministro JOEL ILAN PACIORNIK, Data de Julgamento: 04/06/2024, T5 - QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJe 06/06/2024) Nesse cenário, não se exige a presença de testemunha ocular para que a responsabilização penal ocorra, especialmente quando a narrativa da vítima está corroborada por elementos objetivos, como o laudo pericial e o contexto do relacionamento anterior das partes. A alegação de “contradição” quanto ao veículo utilizado pelo réu no momento dos fatos não afasta a credibilidade do relato da vítima, especialmente porque o ponto central da narrativa — a agressão física — permanece firme e confirmado pela prova técnica. A vítima apresentou versões conflitantes sobre os fatos. Em seu depoimento inicial, afirmou que o réu estava em um carro Fiat Toro durante a suposta agressão. Posteriormente, em juízo, mudou sua versão, alegando que o réu estava em uma motocicleta. Essa contradição é significativa e compromete a credibilidade das declarações da vítima, uma vez que a identificação do veículo é um elemento crucial para a narrativa dos acontecimentos (ID 22610788). Pequenas divergências sobre circunstâncias periféricas são comuns em depoimentos prestados com intervalo temporal considerável e não têm o condão de desconstituir a prova penal. Portanto, não há que se falar em fragilidade do conjunto probatório. A palavra da vítima, dotada de especial valor nos crimes de violência doméstica, associada ao exame pericial, compõem um acervo probatório suficiente para a manutenção do decreto condenatório. Desta forma, rejeita-se a tese defensiva. 2. Pedido de desclassificação para contravenção penal de vias de fato De forma subsidiária à tese absolutória, a defesa do apelante pleiteia a desclassificação do delito de lesão corporal (art. 129, §9º, do Código Penal – redação antiga) para a contravenção penal de vias de fato (art. 21 do Decreto-Lei nº 3.688/41), sustentando que as lesões descritas no Laudo de Exame de Corpo de Delito são de pequena gravidade, sem risco à integridade física substancial da vítima, e, portanto, não configuram o tipo penal imputado na denúncia. Aduz que o próprio contexto do relacionamento entre o réu e a vítima era tumultuado e permeado por conflitos recíprocos, de modo que a situação narrada não ultrapassa os limites de um conflito menor, compatível com a contravenção penal. Argumenta, ainda, que não houve intenção de causar lesão grave, mas apenas um desentendimento pontual decorrente de disputa por bem material (a chave do veículo). A defesa sustenta que os fatos narrados nos autos não configuram lesão corporal grave o suficiente para justificar a condenação com base no artigo 129, §9º, do Código Penal. Primeiramente, é necessário destacar que a própria vítima, Maria Laiana de Araújo, mencionou em seu depoimento que o relacionamento com o apelante era turbulento e que ambos se agrediam mutuamente. Esse contexto de reciprocidade nas agressões deve ser levado em consideração para uma análise mais justa e equilibrada dos fatos. Ademais, as lesões descritas no Laudo de Exame de Corpo de Delito, embora existentes, não apresentam gravidade que justifique a tipificação do crime de lesão corporal no âmbito da violência doméstica. As lesões contusas nos braços da vítima não são suficientes para caracterizar uma lesão corporal de natureza grave. Tais lesões são mais compatíveis com a contravenção penal de vias de fato, conforme previsto no artigo 21 da Lei das Contravenções Penais (Decreto-Lei nº 3.688/41). (...) A conduta do apelante, ao agarrar a vítima pelos braços, pode ser entendida como uma via de fato, uma vez que não houve a intenção de causar lesões graves, mas sim de resolver um conflito imediato relacionado à chave do veículo. Além disso, é importante ressaltar que não há testemunhas que confirmem a versão da vítima, mesmo se tratando de um suposto delito praticado em via pública e em plena luz do dia. A ausência de testemunhas oculares e a existência de contradições nos depoimentos da vítima reforçam a tese de que as lesões podem ter ocorrido em um contexto de vias de fato, e não de lesão corporal grave (ID 22610788). O Ministério Público rebateu a tese de desclassificação, sustentando que as lesões foram devidamente comprovadas por meio de laudo pericial e que se trata de conduta que efetivamente afetou a integridade corporal da vítima, não se tratando de mera agressão sem resultado lesivo. Reforçou, ainda, que a reincidência do réu em crimes de mesma natureza revela a gravidade da conduta e justifica a tipificação conforme estabelecida na sentença. Não prospera a alegação, ante a fala da vítima, de que ela e o apelante viviam um relacionamento turbulento, a justificativa para que seja este crime desclassificado para vias de fato, haja vista o contexto fático do caso em concreto, bem como a existência de exame pericial que comprova a existência da lesão ora praticada pelo apelante. Outrossim, o apelante possui um histórico de violência contra a vítima, sendo inclusive reincidente: a) autos nº 0003575-80.2016.8.18.0033 – denunciado por lesão corporal; b) autos nº 0000006-82.2018.8.18.0039 – condenado definitivamente pelos crimes de lesão corporal e ameaça; c) autos nº 0802914-24.2023.8.18.0033 – pedido de medidas protetivas deferido. Dessa forma, é de se manter a condenação na forma aplicada na sentença a quo (ID). A Procuradoria reforça que as lesões corporais praticadas contra a vítima foram comprovadas por laudo pericial, e que a conduta do apelante, ao causar dano físico à ex-companheira no contexto de violência doméstica, configura de forma inequívoca o delito previsto no art. 129, §9º, do Código Penal. Enfatiza que não há espaço para desclassificação quando a integridade corporal foi de fato ofendida. Conclui-se então, que as lesões sofridas pela vítima, produzidas pelo acusado e comprovadas pelo Laudo de Exame de Corpo Delito - Lesão Corporal (ID. nº 34891314 - Pág. 15), ofenderam a sua integridade corporal, sendo, portanto, suficiente para configurar o tipo penal descrito no artigo 129, §9º, do Código Penal, porquanto se trata de fato típico, antijurídico e culpável, a ensejar uma condenação, sendo inviável a desclassificação para o delito de vias de fato (ID 23665585). O juízo de origem rejeitou expressamente a tese de desclassificação, fundamentando que o laudo atestou lesões contusas com extensão significativa e que a conduta do réu se enquadra plenamente no tipo penal do art. 129, §9º, do CP, especialmente diante do contexto de reincidência e violência doméstica. A Denúncia fundamentou-se no Laudo de Exame de Corpo Delito - Lesão Corporal (ID. nº 34891314 - Pág. 15) que constata a lesões contusas nos braços da vítima, a maior delas com 10 cm de extensão, compatível com "azunhada humana". Em sede policial, bem como em juízo, a vítima Maria Laiana de Araújo confirmou as agressões perpetradas pelo réu. Ademais, conforme se observa nos elementos colacionados aos autos, o réu efetivamente lesionou a vítima. A materialidade e a autoria dos crimes estão devidamente comprovadas pelas provas colhidas no inquérito policial e corroboradas em juízo pelo depoimento da vítima e das testemunhas (ID 21151770). A defesa, de forma subsidiária, pleiteia a desclassificação do crime de lesão corporal (art. 129, §9º, do CP) para a contravenção penal de vias de fato (art. 21 do Decreto-Lei nº 3.688/41), sob o argumento de que as lesões seriam de menor gravidade e, portanto, compatíveis com uma infração de menor potencial ofensivo. Contudo, essa alegação não merece prosperar. O Laudo de Exame de Corpo de Delito é claro ao atestar que a vítima sofreu lesões corporais reais, decorrentes de ação contusa, descrevendo “escoriações de arrasto lineares nos braços, sendo a maior delas com 10 cm de extensão, compatível com azunhada humana” (ID 21151715 – p. 15). Ou seja, trata-se de dano físico real e documentado, que extrapola a tipicidade das vias de fato. A jurisprudência é pacífica ao diferenciar essas figuras típicas: nas vias de fato, não há lesão corporal, nem marcas permanentes, tratando-se de agressões meramente gestuais ou de pequeno impacto, como empurrões ou puxões sem consequências físicas. Ao contrário, a ocorrência de lesão corporal atestada por exame pericial inviabiliza a desclassificação pretendida. Neste sentido, colhe-se o seguinte julgado recente do TJDFT: (…) 6. De igual modo não merece prosperar o pleito subsidiário. Nesse ponto, cumpre salientar que nas vias de fato, o agente não possui a intenção de causar dano à integridade física da vítima, tal como ocorre nos casos de um empurrão, puxão de orelha ou de cabelo. Ademais, a mencionada contravenção penal não deixa marcas nem causam danos físicos aparentes. Por outro lado, no caso do crime de lesão corporal leve, o agente tem a pretensão de causar dano à integridade física da vítima. Nesse caso, a confirmação da lesão corporal é feita, em regra, por meio de um laudo pericial. Caso o laudo não aponte lesão, a situação pode ser tratada como vias de fato(…) (TJ-DF, Apelação Criminal 0719540-12.2023.8.07.0003, Rel. Juíza Marília de Ávila e Silva Sampaio, julgado em 02/09/2024, DJe 10/09/2024) Assim, a lesão corporal está não apenas comprovada por meio pericial, mas também relatada pela vítima de maneira firme e coerente, nos autos, inclusive em juízo. Isso evidencia a tipicidade penal da conduta nos moldes do art. 129, §9º, do Código Penal. Portanto, não havendo dúvidas sobre a ocorrência do resultado lesivo, não há espaço para a pretendida desclassificação para vias de fato, devendo ser mantida a capitulação penal adotada na sentença. 3. Pedido de revogação da indenização fixada A defesa requer a revogação do valor indenizatório fixado na sentença (um salário-mínimo), argumentando que a condenação carece de prova suficiente e que, por consequência, não há base fática ou jurídica para a imposição de reparação civil. Sustenta que a indenização foi arbitrada com fundamento em prova frágil, contraditória e sem respaldo concreto nos autos, sendo desproporcional e injusta. Além disso, invoca o princípio do in dubio pro reo e os efeitos da presunção de inocência, defendendo que a ausência de comprovação robusta da autoria e da materialidade do crime inviabiliza a fixação de qualquer obrigação indenizatória, especialmente sem demonstração objetiva dos danos sofridos pela vítima. A análise da absolvição pela indenização deve considerar a relação entre a condenação penal e a obrigação de reparar danos. No presente caso, o magistrado impôs ao apelante a obrigação de pagar um valor mínimo de indenização à Maria Laiana de Araújo, fixado em um salário-mínimo. Essa decisão, embora tenha sido proferida em um contexto de condenação por lesão corporal, suscita importantes reflexões sobre a natureza da indenização e sua relação com a absolvição. A indenização, em casos de violência doméstica, visa reparar os danos causados à vítima, reconhecendo o sofrimento e as consequências da agressão. Contudo, a imposição de uma pena de indenização não deve ser confundida com a confirmação da culpabilidade do apelante. A defesa argumenta que a insuficiência probatória compromete a validade da condenação, uma vez que as provas apresentadas são contraditórias e não corroboradas por evidências concretas. O princípio do in dubio pro reo, que estabelece que a dúvida razoável sobre a autoria e a existência do fato deve ser interpretada em favor do réu, é fundamental neste contexto. Se não há provas suficientes que demonstrem a prática do crime, a condenação e, consequentemente, a obrigação de indenizar, tornam-se questionáveis. (...) Diante da falta de provas que sustentem a condenação, a imposição de indenização se torna injusta e desproporcional (ID 22610788) A Promotoria de Justiça não se manifestou sobre o tema (ID 22819062). A Procuradoria de Justiça corroborou a manifestação ministerial, acrescentando que a jurisprudência admite a fixação de indenização mínima nos casos de violência doméstica, com base em pedido expresso do Ministério Público. Destacou ainda o papel da tutela penal na proteção da vítima e o respaldo legal da condenação para justificar a reparação civil imposta. No presente caso, a valor fixado para a reparação dos danos causados à vítima, MARIA LAIANA DE ARAÚJO PEREIRA, foi de um salário-mínimo à época dos fatos. Esse valor foi determinado pelo magistrado com base na extensão dos danos sofridos pela vítima e na condição pessoal do réu. Portanto, não há que se falar em ausência de comprovação do delito de lesão corporal como já foi demonstrado e nem desproporcionalidade do valor arbitrado, posto que compete ao magistrado de piso, independentemente de instrução específica, fixar valor mínimo a título de reparação de danos em favor da vítima (ID 23665585). A sentença fixou a indenização com base no pedido do Ministério Público, reconhecendo a legitimidade do órgão para requerer a reparação, a existência de dano presumido e a possibilidade de arbitramento direto pelo magistrado, conforme jurisprudência consolidada. Importante ressaltar que houve pedido expresso manejado pelo Ministério Público, que detém legitimidade legal para tal. Portanto, conforme a natureza, bem como a maior reprovabilidade social, fixo o valor mínimo de indenização, suportado pelo réu JOSÉ DE OLIVEIRA, que deverá pagar 1 salário-mínimo para a vítima Maria Laiana de Araújo, pela prática da conduta correspondente ao crime tipificado no art. 129, §9º, do CP (ID 21151770). A denúncia oferecida pelo Ministério Público (ID 21151717) expressamente formulou pedido de condenação do réu ao pagamento de indenização em favor da vítima, nos termos do art. 387, inciso IV, do Código de Processo Penal. Assim, o Ministério Público, de já, requer a condenação da denunciada ao pagamento de R$ 1.212,00 (mil duzentos e doze reais) à vítima, pelos danos causados pelo delito, notadamente o dano moral causado por crimes praticados no ambiente doméstico, para fins de aplicação do art. 387, inciso IV, do Código de Processo Penal (ID 21151717). A jurisprudência consolidada do Superior Tribunal de Justiça, embora estabeleça requisitos para a liquidação parcial de danos na sentença penal, não veda a fixação do valor mínimo quando atendidos os requisitos cumulativos: (1) o pedido foi expresso, como demonstrado acima; (2) o valor foi indicado com precisão e (3) oportunidade de contraditório e defesa ampla ao longo da instrução criminal. (…) 1. A liquidação parcial do dano (material ou moral) na sentença condenatória, referida pelo art. 387, IV, do CPP, exige o atendimento a três requisitos cumulativos: (I) o pedido expresso na inicial; (II) a indicação do montante pretendido; e (III) a realização de instrução específica a fim de viabilizar ao réu o exercício da ampla defesa e do contraditório. Precedentes desta Quinta Turma. (…) (STJ - REsp n. 1.986.672/SC, relator Ministro Ribeiro Dantas, Terceira Seção, julgado em 8/11/2023, DJe de 21/11/2023.) Ademais, a indenização fixada atende ao critério da razoabilidade e proporcionalidade, tendo sido arbitrada no valor de um salário-mínimo, quantia compatível com a ofensa à dignidade da vítima, especialmente por se tratar de violência de gênero. Portanto, diante da regularidade formal do pedido, da instrução probatória válida, da condenação penal fundada em elementos objetivos e da proporcionalidade do valor fixado, indefiro o pedido de revogação da indenização formulado pela defesa, devendo ser mantida, nos exatos termos da sentença, a condenação ao pagamento da quantia fixada. III – DISPOSITIVO Ante todo o exposto, em harmonia com a posição do Ministério Público Superior, conheço do recurso e, no mérito, nego provimento à apelação mantendo in totum a sentença penal condenatória. Dra. Valdênia Moura Marques de Sá (Juíza Convocada – 2º Grau) Relatora Teresina, 25/06/2025
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