Processo nº 5319028-90.2025.8.09.0000
ID: 323615297
Tribunal: TJGO
Órgão: 11ª Câmara Cível
Classe: AGRAVO DE INSTRUMENTO
Nº Processo: 5319028-90.2025.8.09.0000
Data de Disponibilização:
14/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
SANDRA KHAFIF DAYAN
OAB/SP XXXXXX
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PODER JUDICIÁRIO
Tribunal de Justiça do Estado de Goiás
Gabinete do Desembargador Breno Caiado
AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 5319028-90.2025.8.09.0000
11ª CÂMARA CÍVEL
COMARCA DE GOIÂNIA
AGRAVANTE:…
PODER JUDICIÁRIO
Tribunal de Justiça do Estado de Goiás
Gabinete do Desembargador Breno Caiado
AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 5319028-90.2025.8.09.0000
11ª CÂMARA CÍVEL
COMARCA DE GOIÂNIA
AGRAVANTE: DAYCOVAL LEASING – BANCO MÚLTIPLO S/A
ADV.: SANDRA KHAFIF DAYAN
AGRAVADOS: AXE CAPITAL LTDA EM RECUPERACAO JUDICIAL
ADV.: ALISSON ARARIPE CHAGAS
RELATOR: DESEMBARGADOR BRENO CAIADO
EMENTA: DIREITO EMPRESARIAL. RECUPERAÇÃO JUDICIAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. ESSENCIALIDADE DE BEM EM CONTRATO DE ARRENDAMENTO MERCANTIL. PRORROGAÇÃO DO STAY PERIOD. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO.
I. CASO EM EXAME
1. Agravo de instrumento interposto contra decisão que declarou a essencialidade de aeronave objeto de contrato de arrendamento mercantil e prorrogou o stay period na recuperação judicial. O agravante, credor fiduciário, sustenta a inexistência de essencialidade e o inadimplemento de acordo judicial posterior à retomada da posse. A agravada defende a essencialidade do bem para a gestão das atividades em localidades diversas.
II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO
2. As questões em discussão são: (i) a legalidade da prorrogação do stay period; e (ii) a essencialidade da aeronave para as atividades da empresa em recuperação judicial.
III. RAZÕES DE DECIDIR
3. A prorrogação do stay period, prevista no art. 6º, § 4º, da Lei nº 11.101/2005, é excepcional e só é admissível uma vez, desde que o devedor não tenha concorrido para o atraso. O falecimento de sócia justifica a prorrogação excepcional no caso em questão. O Enunciado 42 da I Jornada de Direito Comercial do CJF corrobora essa interpretação.
4. O bem, objeto de contrato de arrendamento mercantil, é extraconcursal (art. 49, § 3º, da Lei nº 11.101/2005). A comprovação da essencialidade do bem é necessária para sua inclusão na recuperação judicial. Não restou comprovada a essencialidade do bem, e houve inadimplemento contratual posterior a acordo entre as partes em demanda própria. Esse comportamento configura violação à boa-fé objetiva e à vedação do comportamento contraditório (venire contra factum proprium).
IV. DISPOSITIVO E TESE
5. Recurso conhecido e parcialmente provido. A prorrogação do stay period é mantida. A essencialidade da aeronave é afastada.
Teses de julgamento: "1. A prorrogação do stay period é excepcional e somente admissível em casos devidamente justificados, nos termos do art. 6º, § 4º, da Lei nº 11.101/2005 e Enunciado 42 da I Jornada de Direito Comercial do CJF. 2. A essencialidade de bem em contrato de arrendamento mercantil, extraconcursal nos termos do art. 49, § 3º, da Lei nº 11.101/2005, deve ser comprovada de forma inequívoca. Inadimplemento contratual posterior a acordo judicial e ausência de prova de essencialidade implicam no afastamento da proteção do bem no âmbito da recuperação judicial."
Dispositivos relevantes citados: Lei nº 11.101/2005, arts. 6º, § 4º; 49, § 3º.
Jurisprudências relevantes citadas: Tribunal de Justiça do Estado de Goiás, Agravo de Instrumento n.º 5186384-96.2025.8.09.0029, Rel. Des. GILMAR LUIZ COELHO, 3ª Câmara Cível, publicado em 13/06/2025; Tribunal de Justiça do Estado de Goiás, Agravo de Instrumento n.º 5174918-08.2025.8.09.0029, Rel. Des. GILBERTO MARQUES FILHO, 3ª Câmara Cível, publicado em 23/05/2025; Tribunal de Justiça do Estado de Goiás, Agravo de Instrumento n.º 5548853-08.2019.8.09.0000, Rel. Des(a). ALAN SEBASTIÃO DE SENA CONCEIÇÃO, 5ª Câmara Cível, julgado em 26/09/2022; Tribunal de Justiça do Estado de Goiás, Agravo de Instrumento n.º 5842078-66.2024.8.09.0051, Rel. Des. FABIANO ABEL DE ARAGÃO FERNANDES, 7ª Câmara Cível, publicado em 29/11/2024. Enunciado n.º 362 do CJF.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos de Agravo de Instrumento nº Nº 5319028-90.2025.8.09.0000, acordam os componentes da Terceira Turma Julgadora da Décima Primeira Câmara Cível do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de Goiás, por unanimidade de votos, em conhecer do agravo de instrumento e dar-lhe parcial provimento, nos termos do voto do Relator.
Votaram, além do Relator, a Desembargadora Alice Teles de Oliveira, e o Doutor Antônio Cézar Pereira Meneses, Juiz de Direito Substituto em Segundo Grau, atuando em substituição ao Desembargador Paulo César Alves das Neves.
Presidiu o julgamento o Desembargador Breno Caiado.
Esteve presente na sessão, o Doutor Henrique Carlos de Sousa Teixeira, representando a Procuradoria-Geral de Justiça.
VOTO
Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso.
Conforme relatado, trata-se de agravo de instrumento interposto pelo DAYCOVAL LEASING – BANCO MÚLTIPLO S/A, contra decisão proferida pela juíza de direito da 10ª Vara Cível da Comarca de Goiânia, nos autos do pedido de recuperação judicial n.º 5671108-67.2023.8.09.0051 aviada pelo GRUPO AXE CAPITAL LTDA.
A decisão agravada (mov. 324, dos autos de origem) foi proferida nos seguintes termos:
[...] IX – DA ESSENCIALIDADE DO BEM (eventos 313)
Dessume-se dos autos que, no evento 313, os devedores propugnaram pela essencialidade da aeronave Baron B-58, 1998, Prefixo PR-FDC, matrícula de certificado n.º 19813, n.º de série TH-1847, motor 02 continental, modelo 10550-C, asseverando, para tanto, que o bem seria objeto do Contrato de Arrendamento Mercantil n.º 00A0034198, financiado junto à instituição financeira DAYCOVAL LEASING – BANCO MÚLTIPLO S/A.
Para tanto, relataram que o juízo da 26ª Vara Cível da Comarca de São Paulo, nos autos da ação de execução autuada sob o n.º 1003562-20.2025.8.26.0100, determinou a reintegração de pose da aeronave em proveito da credora financeira.
Apontaram que, para mitigar o conflito instaurado, contactou a instituição financeira, a qual teria condicionado a liberação do bem a um acordo com pagamento inicial de R$ 250.000,00 (duzentos e cinquenta mil reais), no dia 17/03/2025, e mais R$ 250.000,00 (duzentos e cinquenta mil reais), no dia 17/04/2025.
Teria ocorrido que, realizado o pagamento da 1ª prestação, o banco se negou a liberar o bem, sob a assertiva de que aguardaria a liberação do pagamento residual.
Contudo, discorreu que a aeronave seria fundamental para a operação de gerenciamento das atividades desenvolvidas pelo grupo, considerando que se encontrava pulverizada em diversas localidades, requerendo, neste ínterim, pela declaração de essencialidade do bem, para assegurar o desenvolvimento das atividades das empresas.
No evento 318, instada, a Administração Judicial exarou parecer no qual consignou que “à baila da norma, doutrina e jurisprudência suso referenciada, cumpre-nos destacar que a aeronave Baron B-58, 1998, Prefixo PR-FDC, nº DE certificado de matrícula: 19813, nº de série: TH-1847, motor 02 continental, modelo 10550-C, se revela, de fato, essencial à atividade do grupo, notadamente porque cotidianamente utilizada para assegurar o deslocamento dos devedores entre as propriedades e estabelecimentos empresariais e, com isso, empregada na manutenção da gestão das empresas componentes do GRUPO AXE CAPITAL, razão pela qual opina-se pelo deferimento deste pleito requerido na movimentação n.º 313.”.
Pois bem.
Preambularmente, dado o teor e conteúdo da matéria em exame, reputa-se necessário frisar que, nos termos da jurisprudência do c. STJ, compete ao juízo da recuperação judicial a análise acerca da essencialidade do bem para o êxito do processo de soerguimento da empresa devedora, ainda que a discussão envolva ativos que, como regra, não se sujeitariam ao concurso de credores (AgInt no CC 159.799/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 09/06/2021, DJe 18/06/2021).
Assim, em face da similitude da matéria sub examine, convém ratificar que, em consonância com a norma, doutrina e jurisprudência que regimentam a matéria, reputa-se importante destacar que, em suma, bens essenciais são aqueles empregados nas atividades da empresa em recuperação judicial, possuindo características próprias para tal finalidade e conformando-se ao conceito de bem de capital preconizado na legislação vigente.
Além disto, é pacífico na jurisprudência do colendo STJ que, em que pese a prevalência da propriedade fiduciária de bem móvel ou imóvel, não se admite a retirada do estabelecimento do devedor dos bens de capital essenciais à sua atividade empresarial, a fim de se promover principalmente a preservação, mas também garantir a viabilidade de soerguimento da atividade empresarial, gerando empregos, arrecadando tributos e aferindo condições em que satisfaçam as obrigações assumidas com os credores, sob pena de tornar inviável a reestruturação da pessoa jurídica em crise, redundando em sua provável falência, com prejuízos ainda mais amplos para a sociedade.
O bem essencial, ou nominado pelo texto da lei como bem de capital, é estatuído no art. 49, § 3º, da lei n.º 11.101/2005, o qual disciplina que:
Art. 49. Estão sujeitos à recuperação judicial todos os créditos existentes na data do pedido, ainda que não vencidos.
[…].
§ 3º Tratando-se de credor titular da posição de proprietário fiduciário de bens móveis ou imóveis, de arrendador mercantil, de proprietário ou promitente vendedor de imóvel cujos respectivos contratos contenham cláusula de irrevogabilidade ou irretratabilidade, inclusive em incorporações imobiliárias, ou de proprietário em contrato de venda com reserva de domínio, seu crédito não se submeterá aos efeitos da recuperação judicial e prevalecerão os direitos de propriedade sobre a coisa e as condições contratuais, observada a legislação respectiva, não se permitindo, contudo, DURANTE O PRAZO DE SUSPENSÃO a que se refere o § 4º do art. 6º desta Lei, a venda ou a retirada do estabelecimento do devedor dos bens de capital essenciais a sua atividade empresarial.
Outrossim, com efeito, repito, é uniformizado na jurisprudência que, em que pese a prevalência da propriedade fiduciária de bem móvel ou imóvel, não se admite a retirada do estabelecimento da sociedade empresária dos bens de capital essenciais à sua atividade empresarial, a fim de não somente se promover a preservação, mas também garantir a viabilidade de soerguimento da atividade empresarial, gerando empregos, arrecadando tributos e aferindo condições em que satisfaçam as obrigações assumidas com os credores, sob pena de tornar inviável a reestruturação da pessoa jurídica em crise, redundando em sua provável falência, com prejuízos ainda mais amplos para a sociedade.
À lume das considerações engendradas pela auxiliar do juízo e dispositivos normativos suso expendidos, verifica-se, in casu, presente os pressupostos ensejadores da essencialidade do bem, haja vista que importante para se viabilizar a atividade de gestão do GRUPO AXE CAPITAL, posto que suas operações se encontram ramificadas em extremidades.
Nestes termos, relevante, ainda, enfatizar que o decurso do prazo de 180 (cento e oitenta) dias previsto no art. 6º, § 4º, da LFRE não é bastante para, isoladamente, autorizar a retomada das demandas movidas contra o devedor, uma vez que a suspensão também tem fundamento nos arts. 47 e 49 da citada lei, cujo objetivo é garantir a preservação da empresa e a manutenção dos bens de capital essenciais à atividade na posse da recuperanda, conforme, inclusive, leciona o Rel. Ministro Marco Aurélio Bellizze, no julgamento do AgRg no AREsp n.º 750870 - MG (2015/0182506-6), in verbis:
(...)
Pelo exposto, DEFIRO o pleito contido no evento 313 e, com isso, DECLARO a essencialidade do bem indicado. [...]
Irresignado, o Banco Daycoval Leasing – Banco Múltiplo S/A interpõe o presente agravo de instrumento contra decisão proferida nos autos da recuperação judicial do Grupo AXE Capital que declarou a essencialidade de aeronave objeto de contrato de arrendamento mercantil e prorrogou, pela segunda vez, o stay period.
Alega que a aeronave não é bem de capital essencial à atividade das empresas em recuperação, pois não integra suas operações agrícolas e de combustíveis concentradas no Estado de Goiás, tampouco há provas de sua imprescindibilidade — sendo a maioria dos voos registrados com uso recreativo ou desvinculado da atividade empresarial.
Sustenta ainda que o crédito é extraconcursal, não foi arrolado na lista de credores e as partes haviam celebrado acordo judicial após a retomada da posse da aeronave, cuja 2ª parcela não foi paga pelas recuperandas.
Denuncia a má-fé das agravadas ao pleitearem a essencialidade do bem após inadimplemento contratual, inclusive simulando presença de oficial de justiça para tentar reaver a posse da aeronave sem autorização judicial.
Argumenta que a decisão violou os arts. 49, §3º, e 6º, §4º da Lei nº 11.101/05, o princípio da boa-fé objetiva e a teoria dos atos próprios (venire contra factum proprium), requerendo a concessão de efeito suspensivo e, ao final, a cassação da decisão agravada.
A controvérsia recursal cinge-se a dois pontos centrais: (i) a legalidade da segunda prorrogação do stay period e (ii) a essencialidade da aeronave objeto de contrato de arrendamento mercantil firmado entre as partes.
Antecipo que o recurso comporta parcial provimento.
No tocante a possibilidade de prorrogação do stay period, observa-se que na origem, após deferimento da recuperação judicial, a juíza a quo já deferiu a prorrogação do período de blindagem, por 180 dias, conforme se observa da decisão de mov. 199 dos autos de origem.
A prorrogação do stay period é medida excepcional cuja prorrogação, segundo a Lei 11.101/05 é admissível apenas uma vez, desde que o devedor não tenha concorrido para o atraso:
Art. 6º A decretação da falência ou o deferimento do processamento da recuperação judicial implica:
[...]
§ 4º Na recuperação judicial, as suspensões e a proibição de que tratam os incisos I, II e III do caput deste artigo perdurarão pelo prazo de 180 (cento e oitenta) dias, contado do deferimento do processamento da recuperação, prorrogável por igual período, uma única vez, em caráter excepcional, desde que o devedor não haja concorrido com a superação do lapso temporal. (Redação dada pela Lei nº 14.112, de 2020)
Nesse mesmo sentido o Enunciado 42, da I Jornada de Direito Comercial, do Conselho da Justiça Federal (CJF) sobre o tema:
O prazo de suspensão previsto no art. 6º, § 4º, da Lei n.11.101/2005 pode excepcionalmente ser prorrogado, se o retardamento do feito não puder ser imputado ao devedor.
No caso em apreço, não se verificou a prática de qualquer conduta por parte da recuperanda que evidencie intuito protelatório ou desídia na condução do processo de soerguimento econômico.
Ao revés, constata-se que, além dos já reconhecidos obstáculos de natureza financeira enfrentados pela empresa, sobreveio o falecimento de uma de suas sócias, evento que, por sua gravidade e repercussão na gestão administrativa, configura motivo excepcional a ensejar a prorrogação do stay period.
Consoante dispõe o artigo 6º, § 4º, da Lei nº 11.101/2005, a prorrogação do período de suspensão das ações e execuções é medida admitida em situações excepcionais, desde que demonstrada a imprescindibilidade da dilação temporal para viabilizar a reorganização da atividade empresarial e a efetiva preservação da empresa — princípio este que constitui o núcleo axiológico do instituto da recuperação judicial, nos termos do artigo 47 da referida lei.
Ademais, a prorrogação do stay period não configura um benefício ilimitado ou automático à recuperanda, mas antes uma medida de caráter excepcional, a ser concedida mediante fundamentação específica e proporcional, sempre pautada na boa-fé e na observância do interesse público subjacente à manutenção da função social da empresa e à preservação dos empregos e da atividade econômica.
No presente caso, a decisão de prorrogar o stay period até a realização da assembleia geral de credores mostra-se acertada e consentânea com a finalidade da recuperação judicial, notadamente por assegurar a continuidade das negociações e viabilizar a deliberação dos credores de forma informada e equânime, prevenindo a decretação prematura da falência, que, neste contexto, representaria medida extremada e desproporcional.
Nesse sentido, esta Corte já decidiu:
DIREITO EMPRESARIAL. RECUPERAÇÃO JUDICIAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. PRORROGAÇÃO DO STAY PERIOD. POSSIBILIDADE. MANUTENÇÃO DA DECISÃO. RECURSO DESPROVIDO.1. A prorrogação do stay period além de 360 dias é excepcionalmente possível, desde que não haja culpa do devedor e a prorrogação seja necessária à efetividade do plano de recuperação. 2. A jurisprudência do STJ autoriza a prorrogação do stay period em casos excepcionais, notadamente quando atestado pelo administrador-judicial que não houve contribuição do grupo devedor para o atraso. Agravo de instrumento conhecido e desprovido. (Tribunal de Justiça do Estado de Goiás, Agravo de Instrumento n.º 5186384-96.2025.8.09.0029, Rel. Des. GILMAR LUIZ COELHO, 3ª Câmara Cível, publicado em 13/06/2025 11:04:52)
DIREITO EMPRESARIAL. RECUPERAÇÃO JUDICIAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. PRORROGAÇÃO DO STAY PERIOD. POSSIBILIDADE. MANUTENÇÃO DA DECISÃO. RECURSO DESPROVIDO. 1. A prorrogação do stay period além de 360 dias é excepcionalmente possível, desde que não haja culpa do devedor e a prorrogação seja necessária à efetividade do plano de recuperação. 2. A jurisprudência do STJ autoriza a prorrogação do stay period em casos excepcionais, notadamente quanto atestado pelo administrador judicial que não houve contribuição do grupo devedor para o atraso. Agravo de instrumento conhecido e desprovido. (Tribunal de Justiça do Estado de Goiás, Agravo de Instrumento n.º 5174918-08.2025.8.09.0029, Rel. Des. GILBERTO MARQUES FILHO, 3ª Câmara Cível, publicado em 23/05/2025 14:33:11)
Portanto, à luz das peculiaridades do caso concreto e em observância aos princípios da preservação da empresa, da função social e da continuidade da atividade econômica, mostra-se plenamente justificada a decisão que prorrogou o stay period até a realização da assembleia geral de credores.
No tocante a alegação de não essencialidade do bem, assiste razão a parte agravante.
É incontroverso que o bem, a aeronave Baron B-58, 1998, Prefixo PR-FDC, matrícula de certificado n.º 19813, n.º de série TH-1847, motor 02 continental, modelo 10550-C, objeto do Contrato de Arrendamento Mercantil n.º 00A0034198, financiado junto à instituição financeira DAYCOVAL LEASING – BANCO MÚLTIPLO S/A é extraconcursal, e, portanto, não se submete aos efeitos da recuperação judicial.
No caso concreto, cuida-se da discussão acerca da declaração de essencialidade da aeronave objeto de contrato de arrendamento mercantil, celebrado entre as partes e inadimplido pelas empresas em recuperação.
De início, cumpre esclarecer que o bem objeto da presente controvérsia ostenta natureza extraconcursal, nos termos do artigo 49, § 3º, da Lei nº 11.101/2005, o qual dispõe:
§ 3º Tratando-se de credor titular da posição de proprietário fiduciário de bens móveis ou imóveis, de arrendador mercantil, de proprietário ou promitente vendedor de imóvel cujos respectivos contratos contenham cláusula de irrevogabilidade ou irretratabilidade, inclusive em incorporações imobiliárias, ou de proprietário em contrato de venda com reserva de domínio, seu crédito não se submeterá aos efeitos da recuperação judicial e prevalecerão os direitos de propriedade sobre a coisa e as condições contratuais, observada a legislação respectiva, não se permitindo, contudo, durante o prazo de suspensão a que se refere o § 4º do art. 6º desta Lei, a venda ou a retirada do estabelecimento do devedor dos bens de capital essenciais a sua atividade empresarial.
Embora o dispositivo legal confira ao devedor a possibilidade de discutir a essencialidade do bem, essa exceção deve ser interpretada de forma restritiva e objetiva, exigindo demonstração inequívoca de que o bem em questão é indispensável à manutenção das atividades empresariais desenvolvidas.
No presente caso, não obstante o deferimento do processamento da recuperação judicial em 23/11/2023, as recuperandas não arrolaram o bem como essencial no momento oportuno, nem tampouco o incluíram no quadro geral de credores, deixando evidenciado, já àquela altura, a ausência de vinculação direta da aeronave à atividade operacional.
Mais relevante, ainda, é o fato de que, já no curso da recuperação judicial, as partes firmaram acordo de repactuação do débito em 20/02/2025, posteriormente à retomada da posse pelo credor fiduciário em ação própria. Esse ajuste contratual, celebrado de forma livre e assistida por advogados, com o pagamento da primeira parcela, corrobora a validade e a regularidade da negociação extraconcursal, bem como a inexistência de discussão quanto à suposta essencialidade do bem naquele momento.
O inadimplemento subsequente das obrigações pactuadas pelas recuperandas não pode servir como fundamento legítimo para a posterior formulação de pedido de reconhecimento de essencialidade do bem, sob pena de flagrante violação ao princípio da boa-fé objetiva e à vedação do comportamento contraditório (venire contra factum proprium), já sedimentado tanto na doutrina quanto na jurisprudência:
[...] 2. A sistemática do direito moderno repele as condutas contraditórias conhecidas pelo brocardo “venire contra factum proprium”, situação caracterizada pela prática deliberada de ato contrário a um comportamento anteriormente adotado e em afronta direta à confiança gerada na outra parte, ao dever de lealdade e também ao princípio da boa-fé objetiva. AGRAVO DE INSTRUMENTO CONHECIDO E DESPROVIDO. (Tribunal de Justiça do Estado de Goiás, Agravo de Instrumento n.º 5842078-66.2024.8.09.0051, Rel. Des. FABIANO ABEL DE ARAGÃO FERNANDES, 7ª Câmara Cível, publicado em 29/11/2024 14:16:23)
Conforme bem leciona Cristiano Chaves de Farias, ao conceituar o venire contra factum proprium:
A expressão traduz o exercício de uma posição jurídica em contradição com o comportamento assumido anteriormente pelo titular do direito. Com efeito, cuida-se de dois comportamentos, lícitos e sucessivos, porém o primeiro (factum proprium) é contrariado pelo segundo. O fundamento técnico-jurídico se alicerça na proteção da confiança da contraparte, lesada por um comportamento contraditório, posto contrário à sua expectativa de benefício justamente gerada pela conduta inicial do parceiro contratual. (FARIAS, Cristiano Chaves de; NETTO, Felipe Braga; ROSENVALD, Nelson. Manual de Direito Civil — Volume Único. 7. ed. rev., ampl. e atual. São Paulo: Ed. JusPodivm, 2022, p. 757).
Nesse mesmo contexto o Enunciado n.º 362 do CJF preconiza que:
A vedação do comportamento contraditório (venire contra factum proprium) funda-se na proteção da confiança, tal como se extrai dos arts. 187 e 422 do Código Civil.
Assim, ao deixar de cumprir voluntariamente as obrigações assumidas no acordo, e apenas após o inadimplemento buscar submeter o bem à proteção do juízo recuperacional, incorreram as recuperandas em abuso do direito processual (art. 5º do CPC) e tentativa de blindagem patrimonial indevida.
Não bastasse isso, cumpre registrar que os elementos constantes dos autos não comprovam que a aeronave seja indispensável à continuidade das atividades empresariais do grupo recuperando.
Os deslocamentos promovidos com o uso da aeronave, conforme relatado pelas próprias recuperandas, destinam-se a facilitar o acompanhamento de empreendimentos localizados em diferentes cidades, representando, portanto, mero instrumento de conveniência administrativa para os sócios e administradores, e não um componente essencial da cadeia produtiva.
Importante destacar que a distinção entre facilidade gerencial e imprescindibilidade operacional deve ser rigidamente observada no exame da essencialidade. A mera utilidade para a administração ou para a logística dos gestores não equivale à condição de bem de capital indispensável à produção e ao cumprimento da atividade-fim da empresa.
Nesse mesmo sentido:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECUPERAÇÃO JUDICIAL. ESSENCIALIDADE DO BEM MÓVEL EM DISCUSSÃO. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO. POSSIBILIDADE DE RETIRADA DE POSSE. 1. Inobstante a previsão contida no artigo 49, §3º, da Lei nº 11.101/2005, acerca da impossibilidade de retirar bens essenciais às atividades da recuperanda, durante o período de reestruturação, entendo por inaplicável tal dispositivo ao presente caso, tendo em vista que o bem em discussão, aeronave de luxo, não é essencial à realização das atividades das recuperandas no setor do agronegócio, nem sequer ao soerguimento do grupo. 2. Assim, uma vez reconhecida a não essencialidade do bem móvel em referência, impõe-se a reforma in totum, da decisão objurgada, a fim de possibilitar a sua retirada de posse das agravadas. AGRAVO CONHECIDO E PROVIDO. DECISÃO REFORMADA. (TJGO, Agravo de Instrumento n.º 5548853-08.2019.8.09.0000, Rel. Des(a). ALAN SEBASTIÃO DE SENA CONCEIÇÃO, 5ª Câmara Cível, julgado em 26/09/2022, DJe de 26/09/2022)
Portanto, não comprovada a essencialidade da aeronave e verificado o inadimplemento superveniente da repactuação extraconcursal, não há fundamento jurídico para impedir o exercício regular do direito de propriedade e de retomada do bem pelo credor arrendador.
Ante o exposto, CONHEÇO do recurso e DOU-LHE PARCIAL PROVIMENTO para, reformando a decisão agravada, afastar a essencialidade, para a recuperação judicial, da aeronave Baron B-58, 1998, Prefixo PR-FDC, matrícula de certificado n.º 19813, n.º de série TH-1847, motor 02 continental, modelo 10550-C, objeto do Contrato de Arrendamento Mercantil n.º 00A0034198, financiado junto à instituição financeira DAYCOVAL LEASING – BANCO MÚLTIPLO S/A.
Tem-se por prequestionada toda a matéria discutida no processo para viabilizar eventual acesso aos Tribunais Superiores.
Alerto que a oposição de embargos de declaração ou outro recurso, com o objetivo de prequestionamento ou rediscussão da matéria, poderá ensejar a aplicação da multa prevista no art. 1.026, § 2º, do CPC e/ou nas penas por litigância de má fé do art. 80, incisos VI e VII e art. 81, ambos do CPC.
É o voto.
Certificado o trânsito em julgado, determino o arquivamento dos autos, após baixa da minha relatoria no Sistema de Processo Digital.
Intimem-se. Cumpra-se.
Goiânia, 7 de julho de 2025.
DESEMBARGADOR BRENO CAIADO
RELATOR
27/3
EMENTA: DIREITO EMPRESARIAL. RECUPERAÇÃO JUDICIAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. ESSENCIALIDADE DE BEM EM CONTRATO DE ARRENDAMENTO MERCANTIL. PRORROGAÇÃO DO STAY PERIOD. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO.
I. CASO EM EXAME
1. Agravo de instrumento interposto contra decisão que declarou a essencialidade de aeronave objeto de contrato de arrendamento mercantil e prorrogou o stay period na recuperação judicial. O agravante, credor fiduciário, sustenta a inexistência de essencialidade e o inadimplemento de acordo judicial posterior à retomada da posse. A agravada defende a essencialidade do bem para a gestão das atividades em localidades diversas.
II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO
2. As questões em discussão são: (i) a legalidade da prorrogação do stay period; e (ii) a essencialidade da aeronave para as atividades da empresa em recuperação judicial.
III. RAZÕES DE DECIDIR
3. A prorrogação do stay period, prevista no art. 6º, § 4º, da Lei nº 11.101/2005, é excepcional e só é admissível uma vez, desde que o devedor não tenha concorrido para o atraso. O falecimento de sócia justifica a prorrogação excepcional no caso em questão. O Enunciado 42 da I Jornada de Direito Comercial do CJF corrobora essa interpretação.
4. O bem, objeto de contrato de arrendamento mercantil, é extraconcursal (art. 49, § 3º, da Lei nº 11.101/2005). A comprovação da essencialidade do bem é necessária para sua inclusão na recuperação judicial. Não restou comprovada a essencialidade do bem, e houve inadimplemento contratual posterior a acordo entre as partes em demanda própria. Esse comportamento configura violação à boa-fé objetiva e à vedação do comportamento contraditório (venire contra factum proprium).
IV. DISPOSITIVO E TESE
5. Recurso conhecido e parcialmente provido. A prorrogação do stay period é mantida. A essencialidade da aeronave é afastada.
Teses de julgamento: "1. A prorrogação do stay period é excepcional e somente admissível em casos devidamente justificados, nos termos do art. 6º, § 4º, da Lei nº 11.101/2005 e Enunciado 42 da I Jornada de Direito Comercial do CJF. 2. A essencialidade de bem em contrato de arrendamento mercantil, extraconcursal nos termos do art. 49, § 3º, da Lei nº 11.101/2005, deve ser comprovada de forma inequívoca. Inadimplemento contratual posterior a acordo judicial e ausência de prova de essencialidade implicam no afastamento da proteção do bem no âmbito da recuperação judicial."
Dispositivos relevantes citados: Lei nº 11.101/2005, arts. 6º, § 4º; 49, § 3º.
Jurisprudências relevantes citadas: Tribunal de Justiça do Estado de Goiás, Agravo de Instrumento n.º 5186384-96.2025.8.09.0029, Rel. Des. GILMAR LUIZ COELHO, 3ª Câmara Cível, publicado em 13/06/2025; Tribunal de Justiça do Estado de Goiás, Agravo de Instrumento n.º 5174918-08.2025.8.09.0029, Rel. Des. GILBERTO MARQUES FILHO, 3ª Câmara Cível, publicado em 23/05/2025; Tribunal de Justiça do Estado de Goiás, Agravo de Instrumento n.º 5548853-08.2019.8.09.0000, Rel. Des(a). ALAN SEBASTIÃO DE SENA CONCEIÇÃO, 5ª Câmara Cível, julgado em 26/09/2022; Tribunal de Justiça do Estado de Goiás, Agravo de Instrumento n.º 5842078-66.2024.8.09.0051, Rel. Des. FABIANO ABEL DE ARAGÃO FERNANDES, 7ª Câmara Cível, publicado em 29/11/2024. Enunciado n.º 362 do CJF.
ACÓRDÃO
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