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Processo nº 1034464-78.2022.8.11.0002

ID: 320845019

Tribunal: TJMT Órgão: Segunda Câmara de Direito Privado Classe: APELAçãO CíVEL Nº Processo: 1034464-78.2022.8.11.0002

Data de Disponibilização: 09/07/2025

Polo Ativo:

Polo Passivo:

CLEVERSON DORIVAL DA SILVA ESTRELA SILVANA TATIANA OLIVEIRA

Acórdão

Advogados:

EZIO AUGUSTO TIERRE NUNES DE ALMEIDA

OAB/MT XXXXXX Desbloquear

ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO SEGUNDA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO Número Único: 1034464-78.2022.8.11.0002 Classe: APELAÇÃO CÍVEL (198) Assunto: [Perdas e Danos, Indenização por Dano Moral] Rel… ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO SEGUNDA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO Número Único: 1034464-78.2022.8.11.0002 Classe: APELAÇÃO CÍVEL (198) Assunto: [Perdas e Danos, Indenização por Dano Moral] Relator: Des(a). TATIANE COLOMBO Turma Julgadora: [DES(A). TATIANE COLOMBO, DES(A). MARIA HELENA GARGAGLIONE POVOAS, DES(A). MARILSEN ANDRADE ADDARIO] Parte(s): [JEFERSON R. REINALDO CONSTRUCOES - ME - CNPJ: 25.422.974/0001-94 (APELANTE), EVERTON BENEDITO DOS ANJOS - CPF: 693.623.781-91 (ADVOGADO), CLEVERSON DORIVAL DA SILVA ESTRELA - CPF: 062.771.321-13 (APELADO), EZIO AUGUSTO TIERRE NUNES DE ALMEIDA - CPF: 038.925.741-97 (ADVOGADO), SILVANA TATIANA OLIVEIRA - CPF: 035.138.351-40 (APELADO), CARLOS BARBOSA IMOVEIS E EMPREENDIMENTOS LTDA - ME - CNPJ: 10.604.894/0001-82 (APELADO), VINICIUS RAMOS BARBOSA - CPF: 008.888.201-27 (ADVOGADO), CARLOS BARBOSA IMOVEIS E EMPREENDIMENTOS LTDA - ME - CNPJ: 10.604.894/0001-82 (TERCEIRO INTERESSADO)] A C Ó R D Ã O Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a SEGUNDA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência Des(a). MARIA HELENA GARGAGLIONE POVOAS, por meio da Turma Julgadora, proferiu a seguinte decisão: RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. UNANIME. E M E N T A DIREITO CIVIL E DIREITO DO CONSUMIDOR. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. VÍCIOS CONSTRUTIVOS EM IMÓVEL NOVO. CITAÇÃO VÁLIDA. AUSÊNCIA DE CERCEAMENTO DE DEFESA. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. DANO MORAL CONFIGURADO. VALOR INDENIZATÓRIO REDUZIDO. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. I. Caso em exame 1. Apelação cível interposta por empresa construtora contra sentença que julgou procedente ação de obrigação de fazer cumulada com indenização por danos morais, ajuizada por adquirentes de imóvel com vícios construtivos. A pretensão inicial visava à realização de reparos no imóvel e à compensação por danos extrapatrimoniais. II. Questão em discussão 2. Há três questões em discussão: (i) saber se a citação realizada por meio de AR é válida quando recebida por funcionária da portaria de condomínio residencial onde reside o sócio da empresa requerida; (ii) verificar se há cerceamento de defesa na ausência de produção de prova oral; (iii) definir se os vícios construtivos identificados no imóvel ensejam responsabilidade da empresa ao serviço de reparos e indenização por danos morais, bem como analisar a adequação do valor fixado. III. Razões de decidir 3. A citação por AR, recebida por funcionária da portaria do condomínio onde reside o sócio da empresa, é válida nos termos do art. 248, § 4º, do CPC, configurando ciência regular da demanda. 4. A ausência de audiência de instrução não configura cerceamento de defesa, uma vez que a prova documental constante nos autos é suficiente à formação do juízo. 5. Comprovada a existência de vícios construtivos que comprometem a fruição plena do imóvel, é devida a responsabilização objetiva da empresa requerida, nos termos do CDC. 6. Os danos enfrentados pelos autores extrapolam o mero aborrecimento e justificam a indenização por danos morais, embora o valor arbitrado deva ser reduzido para R$ 5.000,00, em atenção aos princípios da razoabilidade e proporcionalidade. IV. Dispositivo e tese 7. Recurso parcialmente provido, apenas para reduzir o valor da indenização por danos morais para R$ 5.000,00 (cinco mil reais). Tese de julgamento: “1. É válida a citação por AR recebida por funcionário da portaria de condomínio residencial, nos termos do art. 248, § 4º, do CPC. 2. O julgamento antecipado da lide não configura cerceamento de defesa quando a prova documental é suficiente à solução do litígio. 3. A existência de vícios construtivos relevantes em imóvel novo justifica a condenação à reparação por danos morais.” R E L A T Ó R I O Egrégia Câmara, Trata-se de recurso de Apelação Cível interposto por JR CONSTRUÇÕES EIRELI ME contra sentença proferida pelo juízo da 4ª Vara Cível da comarca de Várzea Grande, MT, nos autos da “Ação de Obrigação de Fazer c/c Indenizatória por Danos Morais” movida por CLEVERSON DORIVAL DA SILVA ESTRELA e SILVANA TATIANA OLIVEIRA em face da ora recorrente. Prolatada a sentença (ID 235734258), nos termos: “Ante o exposto, com base no artigo 487, I do CPC, JULGO PROCEDENTES os pedidos postos na inicial e, por consequência lógica de causa e efeito, JULGO E DECLARO EXTINTO O PROCESSO, com resolução de mérito. Condeno as requeridas na obrigação de realizar todos os reparos dos vícios evidenciados no imóvel sub judice, sob pena de aplicação das necessárias astreintes, que, desde já, fixo no valor de R$ 500,00 (quinhentos reais) diários. Condeno as requeridas, solidariamente, à título de danos morais, na importância de R$ 25.000,00 (vinte e cinco mil reais), devidamente corrigidos, aplicando o índice INPC, que deverá incidir a partir da publicação desta sentença (Súmula n° 362 do STJ). Condeno as requeridas ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, fixados em 10% (dez por cento) sobre o valor da causa atualizado, com fundamento no artigo 85, §§ 2º e 6º do CPC.” Em sede de Embargos de Declaração, o magistrado de 1º grau acolheu o recurso do Cleverson Dorival Da Silva Estrela, consignando (ID 235734275): “ACOLHO os declaratórios no sentido de apenas alterar a parte dispositiva da sentença para fazer constar a seguinte redação. “Ante o exposto, com base no artigo 487, I do CPC, JULGO PROCEDENTES os pedidos postos na inicial e, por consequência lógica de causa e efeito, JULGO E DECLARO EXTINTO O PROCESSO, com resolução de mérito. RATIFICO e torno por definitivo a decisão liminar que em antecipação de tutela anteriormente deferida, fixou multa diária de R$500,00 (quinhentos reais) em caso de descumprimento na obrigação de reparar os vícios evidenciados no imóvel.(id. 102764929). Condeno as requeridas solidariamente ao pagamento a título de indenização por danos morais no valor de R$ 25.000,00 (vinte e cinco mil reais) para cada autor, devidamente corrigidos, aplicando o índice INPC, que deverá incidir a partir da publicação desta sentença (Súmula n° 362 do STJ).” Assim, os termos apresentados, ficam acertados.” Em suas razões recursais (ID 235734277), a apelante suscita preliminar de nulidade da sentença, a ocorrência de cerceamento de defesa, ao argumento de que, com o julgamento antecipado da lide, sem o atendimento de requerimento a produção de prova (testemunhal), o juízo tolheu direito ao contraditório e ampla defesa. Argui ainda preliminar de nulidade de citação, sob alegação de que foi citada em endereço diverso do endereço que exerce suas atividades empresariais. Aduz ter tomado conhecimento da ação após informações da 1ª requerida, quando da prolação da sentença. No mérito, afirma que o autor não apresentou prova para constituição do seu direito, a comprovação da existência de culpa da Apelante a ocorrência dos danos materiais e morais. Combate a condenação por danos materiais, que baseado apenas em fatos não comprovados. Pretende ainda a redução do valor arbitrado em danos morais, que excessivo e desproporcional. Requer o provimento do recurso para que seja reformada a sentença, e julgar improcedente o pleito indenizatório. Contrarrazões apresentadas (ID. 235734281). É o relatório. V O T O R E L A T O R Havendo preliminares ao mérito a serem sanadas, passo à análise da arguição de nulidade da citação. Extrai-se dos autos que se trata de ação de obrigação de fazer, cumulada com pedido de indenização por danos morais, ajuizada por Cleverson Dorival da Silva Estrela e outros em face de Carlos Barbosa Imóveis e Empreendimentos Ltda. e outros, com o objetivo de obter provimento jurisdicional que compelisse os requeridos à realização dos reparos necessários no imóvel adquirido, bem como à condenação ao pagamento de indenização por danos morais. Alega a parte autora que, em 01/03/2021, adquiriu o imóvel situado com frente para a Travessa Muller (antiga Rua 78), Área 27 A, Quadra 42, localizado no loteamento Parque Paiaguás, no Município de Várzea Grande/MT, cuja matrícula encontra-se registrada junto ao 1º Serviço Notarial e de Registro de Várzea Grande, sob o nº 116.168. Informa que o imóvel é de responsabilidade da Construtora Carlos Barbosa (1ª requerida), tendo sido comercializado pela empresa JR Construções EIRELI ME (2ª requerida). Relata que, após a aquisição, passou a identificar diversos problemas estruturais, enfrentando, desde então, verdadeira batalha com as requeridas para a realização dos reparos necessários, os quais incluem defeitos em encanamentos, bocais de iluminação, falha de vazão da rede de esgoto, infiltrações, rachaduras no madeiramento, entre outros vícios construtivos. Assevera, ao final, que as requeridas recusaram-se a efetuar os reparos, mesmo estando o imóvel, à época do ajuizamento da ação, dentro do prazo de garantia previsto no Código de Defesa do Consumidor, o que configuraria conduta ilícita e violação a direito subjetivo dos autores. Após o recebimento da petição inicial (ID 235734210), o juízo determinou a expedição da carta de citação, bem como ordenou que as requeridas, intimadas, procedessem aos reparos necessários no imóvel dos autores, no prazo de 48 (quarenta e oito) horas, sob pena de multa diária de R$ 500,00 (quinhentos reais), limitada a 20 (vinte) dias-multa. As cartas de citação foram encaminhadas às requeridas, pessoas jurídicas, por meio de AR (ID 235734211 e 235734213), aos endereços informados pelos autores e constantes no contrato. Contudo, após o retorno e a juntada das cartas aos autos, em 24/11/2022 e 29/11/2022, constatou-se que o documento destinado à pessoa jurídica JEFFERSON R. REINALDO CONSTRUÇÕES – ME foi recebido por pessoa estranha aos autos (ID 235734228): Em sentença, o juízo de origem, reconhecendo a ausência de resposta no prazo legal, decretou a revelia da requerida, com fundamento no art. 344 do Código de Processo Civil. A requerida apresentou-se nos autos somente em 03/05/2024, por meio de requerimento de habilitação de procurador e interposição de embargos de declaração contra a sentença, arguindo a nulidade da citação e prejuízos ao seu direito ao contraditório e à ampla defesa, juntando, ainda, documento que comprova mudança de sede e endereço, com base em alteração contratual datada de 26/01/2021 (ID 235734265). Nesse contexto, não obstante as razões recursais da recorrente, é válida a citação quando o aviso de recebimento for assinado por seu representante, preposto ou por funcionário da portaria, na hipótese excepcional prevista no art. 248, § 4º, do Código de Processo Civil. Conforme o § 1º do art. 248 do Código de Processo Civil, para a validade da citação pelos Correios é necessário que o citando assine o recibo. No entanto, o § 4º do mesmo artigo dispõe que, nos condomínios edilícios ou loteamentos com controle de acesso, será válida a entrega do mandado a funcionário da portaria responsável pelo recebimento de correspondência. Neste norte, verifica-se dos autos que a citação da pessoa jurídica JEFFERSON R. REINALDO CONSTRUÇÕES – ME ocorreu no endereço do sócio/representante Jefferson Rocha Reinaldo, conforme consta do contrato social (ID 235734270): "Rua J, s/n, Edif. Topázio, Bloco C5, Apt. 074, Sala 01, Bairro Terra Nova, Cuiabá/MT, CEP 78050-399”: A carta de citação foi remetida ao referido endereço e, tratando-se de condomínio edilício, foi recebida por funcionária da portaria, sem qualquer ressalva, conforme AR juntado aos autos, que indica o nome da recebedora (Roseli Amaral), RG nº 16806441, e a data do recebimento (22/10/2019). Portanto, é válida a citação realizada, nos termos do art. 248, § 4º, do Código de Processo Civil. O juízo a quo, atento às alegações da requerida, analisou a questão nos embargos de declaração (ID 235734275): “No que tange a citação, se vê que ela foi realizada (id. 105142722) no edifício residencial, cuja assinatura do recebedor foi a pessoa de ROSELI AMARAL, sendo perfeitamente válida, máxime se considerar o teor do disposto no artigo 248, §4º, do Código de Processo Civil, que prevê o seguinte: “Nos condomínios edilícios ou nos loteamentos com controle de acesso, será válida a entrega do mandado a funcionário da portaria responsável pelo recebimento de correspondência, que, entretanto, poderá recusar o recebimento, se declarar, por escrito, sob as penas da lei, que o destinatário da correspondência está ausente” (grifos acrescidos). Conquanto alegue mudança de endereço, e da análise de outros processos análogos em que o embargante é o demandado a exemplo dos autos nº1020693-96.2023.8.11.0002 e autos nº 1014939-76.2023.8.11.0002 é a pessoa de ROSELI AMARAL quem recebeu a carta de citação das mencionadas ações.” Ademais, conforme verificado em outros processos, em que a mesma empresa figura como demandada (autos nº 1020693-96.2023.8.11.0002 e nº 1014939-76.2023.8.11.0002), a carta de citação foi igualmente recebida por Roseli Amaral, o que reforça a regularidade do ato citatório. Dessa forma, reputa-se válida a citação, haja vista ter sido realizada em domicílio do requerido, nos moldes legais. Nesse sentido: “APELAÇÃO CÍVEL - CITAÇÃO DE PESSOA JURÍDICA NA PESSOA DO SÓCIO-ADMINISTRADOR - ENTREGA DA CARTA DE CITAÇÃO AO PORTEIRO DO EDIFÍCIO - CITAÇÃO VÁLIDA - AÇÃO DE COBRANÇA - NEGÓCIO JURÍDICO E INADIMPLEMENTO INCONTROVERSO - COMPROVANTE DE ENTREGA DA MERCADORIA - PRESCINDIBILIDADE. - É válida a citação da pessoa jurídica realizada na pessoa do sócio-administrador e recebida sem ressalvas pelo funcionário da portaria do condomínio edilício, ex vi do art. 242, caput, c/c art. 248, § 4º, do CPC. (...).” (TJMG – RAC n.º 1.0000.21.166803-3/001, 11ª Câm. Cível, Rel. Des. Adriano de Mesquita Carneiro, j. 13.10.2021). “AGRAVO DE INSTRUMENTO – Ação de cobrança – Cumprimento de sentença – Decisão acolheu impugnação ao cumprimento de sentença, considerando nula a citação na fase de conhecimento- Descabimento – Alegação de nulidade de citação – Inocorrência – Carta enviada ao endereço do sócio da pessoa jurídica executada – Citação realizada pelo correio, com recepção da carta AR por pessoa que assinou sem reserva a carta de citação – Inteligência do art. 248, § 4º do CPC - Citação válida –– Recurso provido.” (TJSP, RAI n. 2035211-34.2021.8.26.0000, 13ª Câm. Direito Privado, Rel. Des. Francisco Giaquinto, J. 10.03.2021). “AGRAVO DE INSTRUMENTO. Cumprimento de sentença. Impugnação parcialmente acolhida. Nulidade da citação da agravante na fase de conhecimento do processo não evidenciada. Citação pelo correio. Carta enviada para o endereço residencial do sócio da pessoa jurídica constante na ficha cadastral da JUCESP. Recebimento por terceiro. Irrelevância. Condomínio residencial com controle de acesso. Mudança de endereço não comprovada. Citação válida na forma do art. 248, § 4º, do CPC. Precedentes. Honorários advocatícios fixados por apreciação equitativa. Hipótese em que o proveito econômico resultante do acolhimento parcial da impugnação ao cumprimento de sentença é inestimável, uma vez que determinada a liquidação da indenização por lucros cessantes. Recurso desprovido.” (TJSP, RAI n.º 2049625-37.2021.8.26.0000; 36ª Câmara de Direito Privado, Rel. Des. Milton Carvalho, j. 25.08.2022). Com efeito, forçoso concluir que o requerido teve ciência inequívoca da lide, sua motivação e seus documentos, razão pela qual, reputa-se como válida a sua citação. A parte apelante suscita ainda em preliminar, a ocorrência de cerceamento de defesa, ao argumento de necessidade de produção de prova em audiência de instrução a contrapor o resultado da lide. Analisando os autos, ao julgar procedentes os pedidos iniciais, o MM. Juízo de primeiro grau firmou e fundamentou decisão na produção de documentos e provas dos autos, de modo a demonstrar que não há qualquer empecilho jurídico, sendo desnecessária a produção de outras provas. Assim, a situação se mostrou única e singela controvérsia acerca da responsabilização civil das construtoras pelos vícios redibitórios apresentados no imóvel, novo, enquanto as requeridas, buscam a improcedência da ação por ausência de ato ilícito, e inexistência dos problemas (encanamentos, bocal de iluminação, falta de vazão da rede de esgoto, infiltrações, madeiramento com rachaduras, entre outros). Desta forma, mostra-se frágil qualquer alegação de necessidade da realização de audiência de instrução a efetiva ampla defesa, visto que a requerida é revel nos autos, além de que a prova documental acostada aos autos, mostra-se suficiente para comprovar o direito vindicado na ação, sobretudo à míngua de qualquer indício de inexistência dos problemas no imóvel. Portanto, é desnecessária a produção de prova testemunhal para comprovar fato já plenamente verificável nos autos. Não se vislumbra, assim, cerceamento de defesa decorrente do julgamento antecipado da lide, especialmente quando a prova requerida seria irrelevante para modificar o convencimento do Juízo. A propósito: “AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DECLARATÓRIA. JULGAMENTO ANTECIPADO DA LIDE. CERCEAMENTO DE DEFESA. NÃO CONFIGURADO. SÚMULA Nº 7/STJ. 1. Não configura cerceamento de defesa o julgamento antecipado da lide, devidamente fundamentado, sem a produção das provas tidas por desnecessárias pelo juízo, uma vez que cabe ao magistrado dirigir a instrução e deferir a produção probatória que considerar necessária à formação do seu convencimento. 2. Rever o acórdão que afastou o cerceamento de defesa implicaria o reexame do conjunto fático-probatório dos autos, o que é vedado pela Súmula nº 7/STJ. 3. Agravo regimental a que se nega provimento.” (STJ - AgRg no AREsp: 636461 SP 2014/0328023-4, Relator: Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, Data de Julgamento: 03/03/2015, T4 - QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJe 10/03/2015). Portanto, rejeito preliminar. Superada a questão preliminar, passo à análise e julgamento do mérito recursal. Constata-se dos autos que a lide envolve relação de consumo, concernente à prestação de serviços de construção de unidade habitacional no empreendimento/loteamento “Parque Paiaguás”. Aplica-se ao caso o Código de Defesa do Consumidor, nos termos do art. 14, § 3º, II, que estabelece a responsabilidade objetiva do fornecedor, ressalvando-se apenas a hipótese de demonstração de inexistência do defeito ou de culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro. É, pois, pressuposto intrínseco à obrigação contratual a observância de critérios mínimos de desempenho que assegurem a habitabilidade do imóvel. No caso concreto, os documentos de mídia audiovisual juntados aos autos pelos autores (ID 235734692, 235734693 e 235734695) evidenciam, de forma inequívoca, a existência de vícios construtivos, cuja responsabilidade recai sobre as requeridas, conforme demonstrado nas gravações e confirmado pelas tratativas entre as partes, por meio de conversas via aplicativo de mensagens (ID 235734687, 235734688 e 235734690). Assim, a controvérsia recursal restringe-se à verificação da existência dos vícios construtivos (vícios redibitórios), à necessidade de reparos e à configuração de danos morais, bem como à adequação do valor fixado na sentença. A responsabilidade por vícios construtivos funda-se nos princípios da boa-fé objetiva, da função social do contrato e da dignidade da pessoa humana. Quando esses vícios comprometem a habitabilidade do imóvel e frustram a legítima expectativa do consumidor, resta configurada falha na prestação do serviço, apta a ensejar reparação por danos materiais e morais. A construção de imóvel configura típica obrigação de resultado, pois o contratante espera não apenas a entrega da obra, mas sua conformidade com os padrões mínimos de qualidade, segurança e durabilidade. A contratação de empresa especializada impõe a esta o dever técnico-profissional de executar adequadamente a prestação contratada. Nos termos dos arts. 186 e 927 do Código Civil, aquele que causar dano a outrem, por ação ou omissão, deve repará-lo, inclusive se de natureza moral. O art. 618 do mesmo diploma legal impõe ao empreiteiro a responsabilidade pela solidez e segurança da obra por cinco anos, conferindo ao adquirente a confiança na estabilidade e qualidade do imóvel. Verifica-se que o imóvel adquirido pelos autores apresenta vícios construtivos, como defeitos em encanamentos, bocais de iluminação, falha de escoamento da rede de esgoto, infiltrações, rachaduras no madeiramento, entre outros, comprometendo sua fruição plena. Ainda que tais vícios não inviabilizem por completo a moradia, impactam diretamente a dignidade dos autores e o direito à moradia adequada, frustrando a expectativa legítima de que o bem recém-adquirido estivesse em perfeitas condições de uso. A legítima expectativa de quem adquire um imóvel novo é poder utilizá-lo de forma imediata e plena, sem enfrentar falhas ou vícios ocultos. A recusa das requeridas em realizar os reparos justifica a manutenção da sentença que as condenou à obrigação de fazer, consistente na correção dos vícios identificados. Ademais, os defeitos narrados e comprovados transcendem os meros aborrecimentos do cotidiano, configurando verdadeira frustração contratual de gravidade suficiente para justificar a compensação por danos extrapatrimoniais. Ainda que se alegue a realização de vistoria prévia no momento da entrega do imóvel, os vícios identificados se revelam graves e incompatíveis com um imóvel novo, demonstrando falha na prestação dos serviços contratados. A existência de rachaduras, infiltrações, umidade, deterioração precoce e outros defeitos estruturais não condiz com a entrega de um bem destinado à moradia digna, tampouco com sua finalidade essencial. A inadequação do imóvel atinge o núcleo da confiança legítima depositada pelo consumidor, caracterizando frustração anormal e lesiva da expectativa contratual. Nesse sentido: RECURSO DE APELAÇÃO CÍVEL. RECURSO ADESIVO. DIREITO CIVIL E DO CONSUMIDOR. RESPONSABILIDADE CIVIL POR VÍCIOS CONSTRUTIVOS EM IMÓVEL RESIDENCIAL. DANO MORAL CONFIGURADO. VALOR INDENIZATÓRIO MANTIDO. RECURSOS DESPROVIDOS. I. CASO EM EXAME 1. Apelação Cível interposta por CONSTRUTORA E INCORPORADORA MARAZUL LTDA – EPP e Recurso Adesivo interposto por CARLOS AUGUSTO DA CRUZ contra sentença que, nos autos de Ação de Reparação de Danos Materiais c/c Indenização por Danos Morais, julgou parcialmente procedente o pedido autoral, condenando a construtora ao pagamento de R$ 6.000,00 a título de danos morais. A ré sustenta a inexistência de abalo moral indenizável ou, subsidiariamente, pleiteia a redução do valor. O autor, por sua vez, postula a majoração da indenização por considerá-la insuficiente diante dos transtornos enfrentados com vícios construtivos no imóvel recém-adquirido. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO 2. Há duas questões em discussão: (i) definir se os vícios construtivos ocorridos em imóvel residencial novo ensejam indenização por danos morais; (ii) estabelecer se o valor de R$ 6.000,00 arbitrado na sentença é adequado às circunstâncias do caso. III. RAZÕES DE DECIDIR 3. A jurisprudência reconhece a responsabilidade civil do fornecedor por vícios construtivos que afetem a fruição do imóvel, ainda que não o tornem inabitável, por representarem falha na legítima expectativa de habitabilidade do consumidor. 4. Os vícios constatados – como rachaduras, pintura defeituosa, vaso sanitário solto e infiltrações – são graves e manifestaram-se logo após a entrega do imóvel, demonstrando frustração do contrato e comprometimento da dignidade do consumidor. 5. O dano moral resta caracterizado pela necessidade de judicialização para obtenção de reparo e pela natureza do bem afetado, destinado à moradia, o que transcende meros aborrecimentos cotidianos. 6. O valor de R$ 6.000,00 mostra-se proporcional à extensão do dano e à reprovabilidade da conduta, atendendo ao caráter compensatório e pedagógico da indenização, sem configurar enriquecimento sem causa ou desestímulo à reparação. IV. DISPOSITIVO E TESE Recursos desprovidos. Tese de julgamento: 1. Configura dano moral indenizável a entrega de imóvel residencial novo com vícios construtivos relevantes que comprometam sua fruição e exijam intervenção judicial para correção. 2. O valor da indenização por danos morais deve observar os princípios da razoabilidade, proporcionalidade e equidade, considerando a gravidade do vício, o tempo de solução e a finalidade habitacional do bem. (N.U 1004217-56.2018.8.11.0002, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PRIVADO, TATIANE COLOMBO, Segunda Câmara de Direito Privado, Julgado em 30/05/2025, Publicado no DJE 30/05/2025) “APELAÇÕES CÍVEIS – INDENIZAÇÃO POR DANO MATERIAL E MORAL – VÍCIOS DE CONSTRUÇÃO – INFILTRAÇÃO – DEFEITO NA COLOCAÇÃO DE JANELAS NO IMÓVEL – LAUDO PERICIAL CONSTATANDO RESPONSABILIDADE DA CONSTRUTORA FRENTE AOS DANOS EXPERIMENTADOS – NECESSIDADE DE REPARAÇÃO – DANO MORAL CARACTERIZADO – SITUAÇÃO QUE ULTRAPASSA O MERO ABORRECIMENTO – VALOR FIXADO A TÍTULO DE DANO MORAL QUE ATENDE AOS PARÂMETROS PEDAGÓGICOS DA CONDENAÇÃO – APELOS DESPROVIDOS. Havendo demonstração de nexo causal entre a conduta e os danos experimentados, impõe-se a reparação dos danos sofridos. Constatado que o dano causado ao consumidor decorre de falha (vício) de construção, acarretando infiltração, umidade e insalubridade aos moradores, verifica-se que a situação ultrapassa o mero aborrecimento, causando dissabores e angústias que autorizam a condenação por dano moral. Deve ser mantido o valor fixado a título de dano moral, quando ele atende aos critérios da razoabilidade e da proporcionalidade, observando o caráter pedagógico da condenação.” (TJ-MT - APELAÇÃO CÍVEL: 1004107-86.2020.8.11.0002, Relator: Des (a). SEBASTIAO BARBOSA FARIAS, Data de Julgamento: 26/03/2024, Primeira Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 26/03/2024). Assim, legítima a condenação da requerida ao pagamento de indenização por danos morais, restando, nesta instância, apenas a análise do quantum indenizatório. A indenização por danos morais deve ser fixada com moderação, à luz dos princípios da razoabilidade, proporcionalidade e equidade, considerando-se as particularidades do caso concreto, a gravidade da lesão, a extensão do dano e as finalidades compensatória e pedagógica da condenação, conforme bem leciona Sérgio Cavalieri Filho: “Razoável é aquilo que é sensato, comedido, moderado; que guarda uma certa proporcionalidade. Importa dizer que o juiz, ao valorar o dano moral, deve arbitrar uma quantia que, de acordo com o seu prudente arbítrio, seja compatível com a reprovabilidade da conduta ilícita, a intensidade e duração do sofrimento experimentado pela vítima, a capacidade econômica do causador do dano, as condições sociais do ofendido, e outras circunstâncias mais que se fizerem presentes” (in Programa de Responsabilidade Civil, 2.ª edição, 2001 p. 81/82). Considerando-se os vícios construtivos efetivamente comprovados, a necessidade de ajuizamento da presente demanda judicial para obter a devida reparação, bem como o desconforto e a frustração experimentados pelos autores ao adquirir imóvel novo com defeitos significativos, o valor arbitrado em primeira instância deve ser reduzido para R$ 5.000,00 (cinco mil reais), quantia que se mostra adequada aos parâmetros da razoabilidade e da proporcionalidade. Diante do exposto, conheço o recurso e DOU-LHE PARCIAL PROVIMENTO, para reformar, em parte, a sentença de primeiro grau, apenas quanto ao valor da indenização por danos morais, que fixo em R$ 5.000,00 (cinco mil reais) a favor da parte requerida, mantidos os demais termos da decisão. É como voto. Data da sessão: Cuiabá-MT, 02/07/2025

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Marivaldo De Araujo Queiroz e outros x Marivaldo De Araujo Queiroz e outros

ID: 327373328

Tribunal: TJMT Órgão: Segunda Câmara de Direito Privado Classe: APELAçãO CíVEL Nº Processo: 1027542-40.2018.8.11.0041

Data de Disponibilização: 17/07/2025

Polo Ativo:

MARIVALDO DE ARAUJO QUEIROZ MRV ENGENHARIA E PARTICIPACOES SA MRV PRIME PARQUE CHAPADA MANTIQUEIRA INCORPORACOES SPE LTDA

Polo Passivo:

MARIVALDO DE ARAUJO QUEIROZ MRV ENGENHARIA E PARTICIPACOES SA MRV PRIME PARQUE CHAPADA MANTIQUEIRA INCORPORACOES SPE LTDA

Acórdão

Advogados:

ANDRE JACQUES LUCIANO UCHOA COSTA

OAB/MG XXXXXX Desbloquear

LUCIANE BORDIGNON DA SILVA

OAB/MT XXXXXX Desbloquear

LEONARDO FIALHO PINTO

OAB/MG XXXXXX Desbloquear

ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO SEGUNDA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO Número Único: 1027542-40.2018.8.11.0041 Classe: APELAÇÃO CÍVEL (198) Assunto: [Defeito, nulidade ou anulação, Indenização por … ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO SEGUNDA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO Número Único: 1027542-40.2018.8.11.0041 Classe: APELAÇÃO CÍVEL (198) Assunto: [Defeito, nulidade ou anulação, Indenização por Dano Moral, Indenização por Dano Material] Relator: Des(a). TATIANE COLOMBO Turma Julgadora: [DES(A). TATIANE COLOMBO, DES(A). MARIA HELENA GARGAGLIONE POVOAS, DES(A). MARILSEN ANDRADE ADDARIO] Parte(s): [MARIVALDO DE ARAUJO QUEIROZ - CPF: 666.732.241-34 (APELANTE), LUCIANE BORDIGNON DA SILVA - CPF: 931.672.611-53 (ADVOGADO), MRV ENGENHARIA E PARTICIPACOES SA - CNPJ: 08.343.492/0001-20 (APELADO), ANDRE JACQUES LUCIANO UCHOA COSTA - CPF: 036.405.396-80 (ADVOGADO), LEONARDO FIALHO PINTO - CPF: 059.220.376-09 (ADVOGADO), MRV PRIME PARQUE CHAPADA MANTIQUEIRA INCORPORACOES SPE LTDA - CNPJ: 13.724.798/0001-66 (APELADO), LUCIANE BORDIGNON DA SILVA - CPF: 931.672.611-53 (ADVOGADO), MARIVALDO DE ARAUJO QUEIROZ - CPF: 666.732.241-34 (APELADO), ANDRE JACQUES LUCIANO UCHOA COSTA - CPF: 036.405.396-80 (ADVOGADO), LEONARDO FIALHO PINTO - CPF: 059.220.376-09 (ADVOGADO), MRV ENGENHARIA E PARTICIPACOES SA - CNPJ: 08.343.492/0001-20 (APELANTE), MRV PRIME PARQUE CHAPADA MANTIQUEIRA INCORPORACOES SPE LTDA - CNPJ: 13.724.798/0001-66 (APELANTE)] A C Ó R D Ã O Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a SEGUNDA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência Des(a). MARIA HELENA GARGAGLIONE POVOAS, por meio da Turma Julgadora, proferiu a seguinte decisão: RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. UNANIME. E M E N T A DIREITO CIVIL E DIREITO DO CONSUMIDOR. APELAÇÃO CÍVEL. COMPRA DE IMÓVEL NA PLANTA. JUROS DE OBRA COBRADOS APÓS A EXPEDIÇÃO DE HABITE-SE. VÍCIOS CONSTRUTIVOS. DANO MORAL CONFIGURADO. LEGITIMIDADE PASSIVA. RECURSO DA REQUERIDA DESPROVIDO. PARCIALMENTE PROVIDO DO AUTOR. I. Caso em exame Ação declaratória cumulada com pedidos indenizatórios ajuizada por consumidor em face da construtora e incorporadora, visando à declaração de ilegalidade da cobrança da taxa de evolução de obra após expedição do habite-se e entrega das chaves, além da reparação de vícios construtivos e indenização por danos morais. II. Questão em discussão 2. Há quatro questões em discussão: (i) saber se a construtora possui legitimidade passiva ad causam em relação à cobrança da taxa de evolução de obra; (ii) saber se a cobrança da referida taxa após a entrega do imóvel é indevida; (iii) saber se os vícios construtivos constatados ensejam obrigação de fazer e indenização; (iv) saber se está configurado o dano moral decorrente dos vícios apresentados no imóvel. III. Razões de decidir 3. Nas relações de consumo, é legítima a inclusão de qualquer integrante da cadeia de fornecimento no polo passivo da ação, nos termos do art. 7º, p.u., do CDC, inclusive sob a ótica da teoria da aparência. 4. A cobrança da taxa de evolução de obra somente é devida durante o período de construção do imóvel. Após a conclusão da obra e a entrega das chaves, a responsabilidade pela comunicação do término à instituição financeira é da construtora. 5. Comprovado nos autos o pagamento da taxa de obra após a expedição do habite-se, impõe-se a restituição simples dos valores, por ausência de má-fé da requerida. 6. Os vícios construtivos identificados em laudo pericial judicial violam a expectativa legítima do consumidor, comprometendo a habitabilidade e funcionalidade do imóvel. 7. Tais falhas ensejam a obrigação de realizar os reparos, bem como configuram dano moral indenizável, não se tratando de meros aborrecimentos cotidianos. IV. Dispositivo e tese 8. Recurso da MRV Engenharia e Participações S/A desprovido. 9. Recurso do autor parcialmente provido, para condenar as requeridas ao pagamento de valor de R$5.000,00 (cinco mil reais), a título de danos morais. Tese de julgamento: "1. A construtora é parte legítima para figurar no polo passivo da demanda relativa à cobrança de taxa de evolução de obra em contrato de aquisição de imóvel financiado. 2. É indevida a cobrança de taxa de evolução de obra após a entrega das chaves do imóvel e expedição do habite-se, sendo devida a restituição dos valores pagos. 3. A constatação de vícios construtivos relevantes em imóvel novo enseja obrigação de fazer para correção e compensação por danos morais ao adquirente." R E L A T Ó R I O Egrégia Câmara, Tratam-se de recursos de apelações cíveis interpostos por MARIVALDO DE ARAUJO QUEIROZ e MRV ENGENHARIA E PARCICIPAÇÕES S/A contra a sentença proferida pelo Juízo da 10ª Vara Cível da Comarca de Cuiabá, MT, nos autos da “Ação Declaratória de Ilegalidade de Cobrança c/c Indenizatória por Danos Materiais e Morais e Repetição de Indébito” proposta por Marivaldo de Araújo Queiroz em face de MRV Prime Parque Chapada Mantiqueira Incorporações SPE Ltda. e MRV Engenharia e Participações S/A. Prolatada a sentença (ID 237499239): “Diante do exposto, nos termos do artigo 487, inciso I, do Novo Código de Processo Civil, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos deduzidos na inicial, para condenar a ré a ressarcir os valores efetivamente pagos pela parte autora a título de taxa de evolução/juros de obra cobrada pela Caixa Econômica Federal desde a expedição do habite-se, 26/06/2017 (Id. 14879782), até o término da efetiva cobrança irregular (fevereiro/2018), de forma simples, cujo valor deverá ser apurado em sede de liquidação de sentença, a ser corrigido pelo INPC/IBGE, a partir da data do desembolso, acrescido de juros de 1% (um por cento) ao mês a partir da citação. Condeno a ré a realizar os consertos dos defeitos constatados pela perícia sendo: alinhar a porta do banheiro com a porta do quarto e realizar com qualidade os acabamentos dos rejuntes do apartamento. Por ter decaído na maior parte, condeno o autor ao pagamento das custas, despesas processuais e honorários advocatícios, este que arbitro em 10% (dez por cento) sobre o valor atualizado da causa, eis que o proveito econômico é baixo, com base no artigo 85, §2º, do Novo Código de Processo Civil, contudo, fica a exigibilidade suspensa, por ser beneficiário da gratuidade da justiça.” (Sic) Em sede de Embargos de Declaração, a magistrada de 1º grau acolheu o recurso consignando (ID 237499248): “Deste modo, ACOLHO os embargos de declaração de id. 160836516, para que a sentença passe a constar com o seguinte conteúdo: [...] Condeno a ré a realizar os consertos dos defeitos constatados pela perícia sendo: alinhar a porta do banheiro com a porta do quarto e realizar com qualidade os acabamentos dos rejuntes do apartamento. A obrigação de fazer mencionada no parágrafo anterior deverá ser executada no prazo de 15 (quinze) dias, a contar da solicitação da parte autora. Por ter decaído na maior parte, condeno o autor ao pagamento das custas, despesas processuais e honorários advocatícios, este que arbitro em 10% (dez por cento) sobre o valor atualizado da causa, eis que o proveito econômico é baixo, com base no artigo 85, §2º, do Novo Código de Processo Civil, contudo, fica a exigibilidade suspensa, por ser beneficiário da gratuidade da justiça.” Em suas razões recursais (ID 237499245), Marivaldo de Araújo Queiroz apresenta tese de reforma da sentença, sob a alegação de que com a constatação da falha na prestação do serviço ofertado pela entrega do imóvel com defeitos de construção, além da cobrança indevida de taxa de evolução de obras, configurou o dano moral. Sustenta a existência do ato ilícito que gerou perturbação nas relações psíquicas, na tranquilidade do Apelante, configura-se o dano moral, passível de indenização. Requer o provimento do recurso para que seja reformada a sentença, e julgar totalmente procedentes os pedidos iniciais. A MRV Engenharia e Participações S/A em suas razões sob o ID. 237499251, suscita preliminar de ilegitimidade passiva ad causam, ante a alegação de não ser a responsável pela cobrança e recebimento dos encargos (juros de obras), cujas disposições estão previstas exclusivamente no contrato de financiamento, junto à Caixa Econômica Federal. No mérito, combate os fundamentos da sentença quanto a ausência de ato ilícito no fato. Aduz que a parte Apelada não comprovou o pagamento dos valores cobrados de juros de obra. Defende os termos contratados em financiamento de valor, cuja disposição faz referência ao pagamento dos juros de obras até a data de 30/06/2019. Alega não ser devido o pagamento de taxa de evolução da obra, por não apontar quais seriam as parcelas consideradas como taxa de evolução de obra e seu correspondente comprovante de pagamento. Afirma ser Legal a Cobrança de Taxa de Evolução de Obra pela aplicação de Tema 996 do STJ. Requer o provimento do recurso, para que seja reformada a sentença, e julgar improcedentes os pedidos iniciais. Contrarrazões apresentadas (ID 237499255 e 237499257). É o relatório. V O T O R E L A T O R A Apelante suscita preliminar de ilegitimidade passiva ad causam. Não há que se falar em ilegitimidade passiva da Construtora apelante, isso porque, nas relações de consumo, é possível a indicação na inicial, para a formação do polo passivo de um ou de todos os envolvidos na pretendida responsabilização objeto da pretensão inicial, inclusive com a aplicação da teoria da aparência. Trata-se do comando do art. 7º, parágrafo único, do Código de Defesa do Consumidor, que autoriza o ajuizamento da ação em relação a todos ou em relação a cada um dos participantes da cadeia de consumo. Ademais, a alegação de que os pagamentos relativos à taxa de evolução de obra foram efetuados diretamente à Caixa Econômica Federal, tem-se que tal alegação carece de fundamento, uma vez que o agente financiador atua unicamente como intermediário na cobrança, sendo a construtora ou incorporadora a real beneficiária do crédito/financiamento, sobre o qual incidem os juros (taxa de evolução de obra) repassados ao consumidor. Assim, é contra essa entidade que devem ser deduzidas as pretensões da presente demanda. Nesse sentido: "AGRAVO INTERNO. DECISÃO MONOCRÁTICA EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL E MATERIAL. DEMANDA PROTEGIDA PELO CDC. TEORIA DA APARÊNCIA. CADEIA DE CONSUMO. Correta a decisão monocrática que deu provimento ao agravo de instrumento, devendo ser mantida por seus próprios fundamentos. - Nas relações de consumo, é possível a indicação na inicial, para a formação do polo passivo de um ou de todos os envolvidos na pretendida responsabilização objeto da pretensão inicial, inclusive com a aplicação da teoria da aparência. - Trata-se do comando do art. 7º, parágrafo único, do CDC, que autoriza o ajuizamento da ação em relação a todos ou em relação a cada um dos participantes da cadeia de consumo. Agravo Interno Desprovido”. (TJRS, Agravo Nº 70053797221, Décima Sétima Câmara Cível, Relator: Gelson Rolim Stocker, Julgado em 06/06/2013). Negritei.” Portanto, a toda evidência, a Recorrente é parte legítima para responder à presente ação e, por isso, REJEITA-SE a preliminar suscitada. Superada a questão preliminar, verifica-se que no mérito, a controvérsia não é de difícil solução, posto que há entendimento a respeito da matéria firmada por este eg. Tribunal, bem como pelo Superior Tribunal de Justiça. Assim, considerando que ambos os recursos de apelações versam sobre o mesmo objeto, procedo à análise conjunta das insurgências. Extrai-se dos autos que Marivaldo de Araújo Queiroz ajuizou Ação Declaratória de Ilegalidade de Cobrança cumulada com Pedido Indenizatório por Danos Materiais e Morais e Repetição de Indébito em face de MRV Engenharia e Participações S/A e MRV Prime Parque Chapada Mantiqueira Incorporações SPE Ltda. Alega que adquiriu unidade habitacional no empreendimento denominado “Condomínio Mantiqueira” e que a obra foi concluída em 10/04/2017, conforme expedição do "habite-se". Contudo, a cobrança da taxa de evolução de obra persistiu até fevereiro de 2018, totalizando R$ 5.100,08. Impugna, ainda, a cobrança referente à taxa de serviços de assessoria técnico-imobiliária (SATI). Relata, também, que lhe foi prometida a entrega do apartamento com paredes acabadas em massa corrida, porém estas se encontravam apenas com chapisco, o que lhe ocasionou prejuízo material no valor de R$ 962,73 para a correção. Acrescenta que, durante a vistoria do imóvel, constatou diversas irregularidades que, mesmo após supostos reparos realizados pela ré, não foram sanadas, persistindo vícios como desnível do piso, defeito na porta, entre outros, o que resultou na desvalorização do bem. Requereu a declaração de ilegalidade do débito relativo a taxa de evolução de obra a partir conclusão constatada pelo habite-se e da taxa SATI, bem como seja a parte requerida, condenada a promover a reparação dos defeitos de construção no imóvel, com devolução em dobro dos valores pagos e danos morais. Nos autos, verifica-se que a sentença de parcial procedência teve como fundamento a cobrança indevida da taxa de evolução de obra, a qual persistiu mesmo após a expedição do "habite-se" e a entrega das chaves do imóvel adquirido na planta pelo autor, no empreendimento denominado “Condomínio Mantiqueira”. Tal conduta acarretou prejuízos de ordem material ao consumidor. Os juros de obra, como é cediço, é devida durante o período de construção do imóvel, pois corresponde ao repasse dos juros cobrados pela instituição financeira em virtude do financiamento da construção. Assim, tendo início com a aprovação do financiamento e o termo final, com o término da obra, não pode o consumidor suportar esse encargo após a expiração do prazo para entrega do imóvel. Logo, é evidente que a entrega extrapolou o prazo combinado, injustificadamente, o que o levou o autor arcar com encargos de obra superiores ao pactuado. Lembrando-se que essa taxa é estabelecida pela instituição financeira com o objetivo de incentivar a construtora a cumprir o prazo de entrega do imóvel. Ou seja, o encargo é cobrado durante o período em que a construtora está inadimplente em relação à entrega. Portanto, a restituição desses encargos é devida quando há inadimplemento contratual da construtora, isto é, quando ocorre atraso na entrega do imóvel. A propósito: “APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE REPARAÇÃO – DANOS MATERIAIS - CONTRATO DE PROMESSA DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL - TAXA DE EVOLUÇÃO DA OBRA - ENTREGA DAS CHAVES - CORREÇÃO MONETÁRIA - EFETIVO DESEMBOLSO - JUROS DE MORA - CITAÇÃO. - A taxa de evolução de obra (juros da obra) é encargo mensal devido pelo promitente comprador para o agente financeiro somente até a entrega da obra - A fase de construção termina para o comprador, com a disponibilização das chaves do imóvel, ideal que seja com a baixa da construção e alvará de habite-se dentro do mesmo período - A demora do prazo de regularização documental de imóvel em construção para a obtenção do habite-se, não pode ser imputado como motivador de ônus ao comprador, de continuar pagando a taxa de custo da obra, se já pronta, disponibilizadas as chaves, ficando ao encargo do construtor as responsabilidades pelo atraso - Mostra-se indevida a cobrança de taxa de evolução de obra após a entrega das chaves - O valor deve ser devolvido, com correção monetária, segundo a tabela da CGJ/MG, desde a data do efetivo desembolso, e com juros de mora de 1% ao mês, contados da citação, nos termos do art. 405 do Código Civil” (TJ-MG - AC: 10000191484724001 MG, Relator: Domingos Coelho, Data de Julgamento: 23/04/2020, Câmaras Cíveis / 12ª CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 24/04/2020). Com efeito, os valores cobrados a título de “juros de obra” somente são devidos enquanto não houver encerramento da obra, sendo que, no caso em tela, restou incontroverso que a obra foi concluída da data de 10/04/2017, conforme auto de conclusão acostado em id. 237498661, com comprovação nos autos do pagamento pelo autor da taxa de obras (ID. 237498664), pós a data da expedição do habite-se. Logo, resta descabida a cobrança de juros de obra referente a período posterior a expedição do habite-se, 26/06/2017. Registra-se que o caso não se amolda ao entendimento jurisprudencial do STJ, que diz sobre a licitude da cobrança durante a construção e torna-se ilegal após o prazo previsto para a entrega, nele incluído o período de tolerância. A taxa de evolução da obra/juros na fase de obra, trata-se de obrigação prevista no contrato firmado com a Caixa Econômica Federal e é devida pela parte autora até o encerramento da obra, com a entrega do imóvel passaria a ser cobrado o valor da parcela do financiamento, havendo então a amortização do débito. No caso, apesar da obra ter sido concluída em 10/04/2017 e o habite-se expedido em 26/06/2017, a construtora não informou a instituição financeira, e esta continuou a realizar as cobranças referentes a taxa de evolução de obra no período em que o imóvel não estava mais em construção, assim tal ônus não pode ser arcado pela parte autora, ademais, é notório que o imóvel somente é entregue ao comprador após a expedição do habite-se pela Prefeitura Municipal. Desta forma, a requerida descumpriu com os termos do contrato, vez que não comunicou a instituição financeira o encerramento da obra, assim o ônus de ressarcir os valores efetivamente pagos pela parte autora a título de taxa de evolução de obra cobrada pela Caixa e o término da efetiva cobrança irregular, devendo ser restituído de forma simples, eis que não se vislumbra a má-fé da parte requerida. Não se pode argumentar, por outro lado, que cabia ao apelado o ônus de contestar a exigibilidade desses valores diretamente perante a instituição financeira ou de ajuizar ação contra esta para declarar a ilegalidade da cobrança após a entrega do imóvel. Com efeito, após a conclusão da obra, era responsabilidade da construtora apelante informar esse fato ao agente financeiro. No entanto, não há nos autos qualquer comprovação de que a construtora tenha adotado essa medida. Diante disso, considerando a omissão da construtora, que resultou na cobrança indevida dos juros de obra, é inadmissível a pretensão da apelante de atribuir ao apelado a responsabilidade pelo pagamento e de exigir que este busque a restituição posteriormente, de forma regressiva. Sobre o tema: “RECURSO DE APELAÇÃO – AÇÃO DECLARATÓRIA DE ILEGALIDADE DE COBRANÇA C/C IDENIZAÇÃO POR DANO MATERIAL E MORAL C/C REPETIÇÃO DE INDÉBITO – CONTRATO DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL – TAXA DE EVOLUÇÃO DE OBRA – DEVOLUÇÃO DO VALOR PAGO PELOS JUROS DA OBRA APÓS A ENTREGA DAS CHAVES – DESPROVIDO. É devida à reparação pelo dano material, decorrente do pagamento taxa de evolução da obra, atinente ao período posterior a entrega das chaves do imóvel. (N.U 1019930-46.2021.8.11.0041, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PRIVADO, CARLOS ALBERTO ALVES DA ROCHA, Terceira Câmara de Direito Privado, Julgado em 09/08/2023, Publicado no DJE 12/08/2023). APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO C/C INDENIZATÓRIA POR DANOS MATERIAIS E MORAIS E PEDIDO DE REPETIÇÃO DE INDÉBITO – COBRANÇA DA TAXA EVOLUÇÃO DE OBRA APÓS A ENTREGA DAS CHAVES – ILEGALIDADE – ENCARGOS DEVIDO DURANTE A CONSTRUÇÃO DO IMÓVEL – RESTITUIÇÃO SIMPLES DOS VALORES PAGOS – DANO MORAL CONFIGURADO – SENTENÇA REFORMADA – APELO PROVIDO. A cobrança da taxa de evolução de obra é devida durante o período de construção do imóvel, pois corresponde ao repasse dos juros cobrados pela instituição financeira em virtude do financiamento da construção. Estando comprovado nos autos que a obra foi concluída em 22/10/2015 e que as chaves do imóvel foram entregues à adquirente em 27/10/2015, torna-se ilegal a continuidade da cobrança da taxa de evolução de obras após essa última data. Os valores pagos pela consumidora devem ser restituídos de forma simples, haja vista a ausência de elementos aptos a comprovar que houve má-fé das Apeladas na aludida cobrança, já que realizada em virtude do Instrumento Particular de Compra e Venda firmado entre as partes. De acordo com o Superior Tribunal de Justiça, “nas hipóteses de inscrição indevida em órgão de restrição ao crédito, como a dos autos, o dano moral opera-se in re ipsa , isto é, decorre do próprio fato da referida inscrição, sendo desnecessária a sua comprovação” (AgInt no AREsp 1933139/RJ, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, julgado em 13/12/2021, DJe 17/12/2021). (...) (N.U 1037449-73.2017.8.11.0041, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PRIVADO, CLARICE CLAUDINO DA SILVA, Segunda Câmara de Direito Privado, Julgado em 23/03/2022, Publicado no DJE 29/03/2022) Logo, não há que se falar na legalidade da cobrança em questão, impondo a manutenção do julgado. Quanto ao dever de reparar o imóvel de defeitos construtivos apresentados, conforme já exposto anteriormente, as chaves do imóvel foram entregues ao Apelante em novembro/2017, que além de haver cobrança indevida de juros de obra, o imóvel novo, apresentou defeitos de construção, assim consubstanciada em Laudo Pericial judicial (ID. 237499207 e 237499222), com problemas caimento para ralo do banheiro e cozinha, porta desnivelada, rejuntes desalinhados em janela do banheiro, registro e cano de esgoto pia. A responsabilidade por vícios construtivos funda-se nos princípios da boa-fé objetiva, da função social do contrato e da dignidade da pessoa humana. Quando esses vícios comprometem a habitabilidade do imóvel e frustram a legítima expectativa do consumidor, resta configurada falha na prestação do serviço, apta a ensejar reparação por danos materiais e morais. A construção de imóvel configura típica obrigação de resultado, pois o contratante espera não apenas a entrega da obra, mas sua conformidade com os padrões mínimos de qualidade, segurança e durabilidade. A contratação de empresa especializada impõe a esta o dever técnico-profissional de executar adequadamente a prestação contratada. Nos termos dos artigos 186 e 927 do Código Civil, aquele que causar dano a outrem, por ação ou omissão, deve repará-lo, inclusive se de natureza moral. O art. 618 do mesmo diploma legal impõe ao empreiteiro a responsabilidade pela solidez e segurança da obra por cinco anos, conferindo ao adquirente a confiança na estabilidade e qualidade do imóvel. Destarte, em via da constatação de tais vícios, é dever das requeridas repará-los, a cumprir com sua obrigação contratual da entrega do imóvel em seus padrões mínimos de qualidade, segurança e durabilidade. No que tange à indenização por danos morais, o artigo 5.º, X, da Constituição da República, dispõe que são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação. Destarte, é cediço que o dano em questão é caracterizado pelo prejuízo que atinge o patrimônio incorpóreo da pessoa e, com isso, seus direitos da personalidade como, por exemplo, o direito à honra, à imagem, à intimidade, ao nome e à integridade psíquica. Ainda que tais vícios não inviabilizem por completo a moradia, impactam diretamente a dignidade dos autores e o direito à moradia adequada, frustrando a expectativa legítima de que o bem recém-adquirido estivesse em perfeitas condições de uso. A legítima expectativa de quem adquire um imóvel novo é poder utilizá-lo de forma imediata e plena, sem enfrentar falhas ou vícios ocultos. A recusa das requeridas em realizar os reparos justifica a manutenção da sentença que as condenou à obrigação de fazer, consistente na correção dos vícios identificados. Ademais, os defeitos narrados e comprovados transcendem os meros aborrecimentos do cotidiano, configurando verdadeira frustração contratual de gravidade suficiente para justificar a compensação por danos extrapatrimoniais. Ainda que se alegue a realização de vistoria prévia no momento da entrega do imóvel, os vícios identificados se revelam graves e incompatíveis com um imóvel novo, demonstrando falha na prestação dos serviços contratados. A existência de rachaduras, infiltrações, desníveis de ralos, deterioração precoce e outros defeitos estruturais não condiz com a entrega de um bem destinado à moradia digna, tampouco com sua finalidade essencial. A inadequação do imóvel atinge o núcleo da confiança legítima depositada pelo consumidor, caracterizando frustração anormal e lesiva da expectativa contratual. Nesse sentido: RECURSO DE APELAÇÃO CÍVEL. RECURSO ADESIVO. DIREITO CIVIL E DO CONSUMIDOR. RESPONSABILIDADE CIVIL POR VÍCIOS CONSTRUTIVOS EM IMÓVEL RESIDENCIAL. DANO MORAL CONFIGURADO. VALOR INDENIZATÓRIO MANTIDO. RECURSOS DESPROVIDOS. I. CASO EM EXAME 1. Apelação Cível interposta por CONSTRUTORA E INCORPORADORA MARAZUL LTDA – EPP e Recurso Adesivo interposto por CARLOS AUGUSTO DA CRUZ contra sentença que, nos autos de Ação de Reparação de Danos Materiais c/c Indenização por Danos Morais, julgou parcialmente procedente o pedido autoral, condenando a construtora ao pagamento de R$ 6.000,00 a título de danos morais. A ré sustenta a inexistência de abalo moral indenizável ou, subsidiariamente, pleiteia a redução do valor. O autor, por sua vez, postula a majoração da indenização por considerá-la insuficiente diante dos transtornos enfrentados com vícios construtivos no imóvel recém-adquirido. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO 2. Há duas questões em discussão: (i) definir se os vícios construtivos ocorridos em imóvel residencial novo ensejam indenização por danos morais; (ii) estabelecer se o valor de R$ 6.000,00 arbitrado na sentença é adequado às circunstâncias do caso. III. RAZÕES DE DECIDIR 3. A jurisprudência reconhece a responsabilidade civil do fornecedor por vícios construtivos que afetem a fruição do imóvel, ainda que não o tornem inabitável, por representarem falha na legítima expectativa de habitabilidade do consumidor. 4. Os vícios constatados – como rachaduras, pintura defeituosa, vaso sanitário solto e infiltrações – são graves e manifestaram-se logo após a entrega do imóvel, demonstrando frustração do contrato e comprometimento da dignidade do consumidor. 5. O dano moral resta caracterizado pela necessidade de judicialização para obtenção de reparo e pela natureza do bem afetado, destinado à moradia, o que transcende meros aborrecimentos cotidianos. 6. O valor de R$ 6.000,00 mostra-se proporcional à extensão do dano e à reprovabilidade da conduta, atendendo ao caráter compensatório e pedagógico da indenização, sem configurar enriquecimento sem causa ou desestímulo à reparação. IV. DISPOSITIVO E TESE Recursos desprovidos. Tese de julgamento: 1. Configura dano moral indenizável a entrega de imóvel residencial novo com vícios construtivos relevantes que comprometam sua fruição e exijam intervenção judicial para correção. 2. O valor da indenização por danos morais deve observar os princípios da razoabilidade, proporcionalidade e equidade, considerando a gravidade do vício, o tempo de solução e a finalidade habitacional do bem. (N.U 1004217-56.2018.8.11.0002, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PRIVADO, TATIANE COLOMBO, Segunda Câmara de Direito Privado, Julgado em 30/05/2025, Publicado no DJE 30/05/2025) “APELAÇÕES CÍVEIS – INDENIZAÇÃO POR DANO MATERIAL E MORAL – VÍCIOS DE CONSTRUÇÃO – INFILTRAÇÃO – DEFEITO NA COLOCAÇÃO DE JANELAS NO IMÓVEL – LAUDO PERICIAL CONSTATANDO RESPONSABILIDADE DA CONSTRUTORA FRENTE AOS DANOS EXPERIMENTADOS – NECESSIDADE DE REPARAÇÃO – DANO MORAL CARACTERIZADO – SITUAÇÃO QUE ULTRAPASSA O MERO ABORRECIMENTO – VALOR FIXADO A TÍTULO DE DANO MORAL QUE ATENDE AOS PARÂMETROS PEDAGÓGICOS DA CONDENAÇÃO – APELOS DESPROVIDOS. Havendo demonstração de nexo causal entre a conduta e os danos experimentados, impõe-se a reparação dos danos sofridos. Constatado que o dano causado ao consumidor decorre de falha (vício) de construção, acarretando infiltração, umidade e insalubridade aos moradores, verifica-se que a situação ultrapassa o mero aborrecimento, causando dissabores e angústias que autorizam a condenação por dano moral. Deve ser mantido o valor fixado a título de dano moral, quando ele atende aos critérios da razoabilidade e da proporcionalidade, observando o caráter pedagógico da condenação.” (TJ-MT - APELAÇÃO CÍVEL: 1004107-86.2020.8.11.0002, Relator: Des (a). SEBASTIAO BARBOSA FARIAS, Data de Julgamento: 26/03/2024, Primeira Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 26/03/2024). Assim, impõe-se a condenação das requeridas ao pagamento de indenização por danos morais nesta instância, uma vez que restaram comprovados, nos autos, os vícios no imóvel que ocasionaram dissabores e angústias suficientes para justificar a reparação por dano extrapatrimonial, remanescendo apenas a análise do quantum indenizatório. A indenização por danos morais deve ser fixada com moderação, à luz dos princípios da razoabilidade, proporcionalidade e equidade, considerando-se as particularidades do caso concreto, a gravidade da lesão, a extensão do dano e as finalidades compensatória e pedagógica da condenação, conforme bem leciona Sérgio Cavalieri Filho: “Razoável é aquilo que é sensato, comedido, moderado; que guarda uma certa proporcionalidade. Importa dizer que o juiz, ao valorar o dano moral, deve arbitrar uma quantia que, de acordo com o seu prudente arbítrio, seja compatível com a reprovabilidade da conduta ilícita, a intensidade e duração do sofrimento experimentado pela vítima, a capacidade econômica do causador do dano, as condições sociais do ofendido, e outras circunstâncias mais que se fizerem presentes” (in Programa de Responsabilidade Civil, 2.ª edição, 2001 p. 81/82). Destarte, considerando-se os vícios construtivos efetivamente comprovados, a necessidade de ajuizamento da presente demanda judicial para obter a devida reparação, bem como o desconforto e a frustração experimentados pelo autor ao adquirir imóvel novo com defeitos significativos, a quantia indenizatória de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), mostra-se adequada aos parâmetros da razoabilidade e da proporcionalidade. Corrobora esse entendimento o seguinte julgado: APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR ATRASO EM OBRA – CONTRATO DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL – APLICAÇÃO DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR – ATRASO NA ENTREGA DO IMÓVEL – CONSTATAÇÃO – VINCULAÇÃO DO PRAZO DE ENTREGA À CONCESSÃO DE FINANCIAMENTO BANCÁRIO – TEMA 996 DO STJ – ILEGALIDADE – ALEGAÇÃO DE CASO FORTUITO OU FORÇA MAIOR – PANDEMIA COVID 19 – NECESSIDADE DE PROVA CABAL – DANOS MATERIAIS – PREJUÍZO PRESUMIDO – TERMO FINAL – ENTREGA DAS CHAVES – TEMA 966 DO STJ – DANOS MORAIS – CONFIGURAÇÃO – QUANTUM MANTIDO – HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS – VALOR QUE ATENDE AOS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE – SENTENÇA MANTIDA – RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. (...) O dano moral se mostra incontestável, diante do descumprimento da obrigação, nos termos dos artigos 189 e 927, ambos do Código Civil, revelado no atraso da entrega do imóvel, fato que ultrapassou a esfera do mero dissabor e causa considerável abalo psicológico, ao frustrar a expectativa de se realizar o sonho da moradia própria, o que constitui fato causador de danos morais. Evidenciada a desídia da requerida, a extensão da situação danosa e a capacidade socioeconômica das partes, o valor de R$ 6.000,00 (seis mil reais), faz jus ao duplo caráter punitivo e pedagógico da condenação, que deve ser fixada em patamar suficiente para impor sanção ao agente e desestimular a reincidência da conduta. (...) (N.U 1000885-05.2023.8.11.0003, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PRIVADO, MARIA HELENA GARGAGLIONE POVOAS, Segunda Câmara de Direito Privado, Julgado em 14/08/2024, Publicado no DJE 20/08/2024) Por fim quanto a cobrança indevida de taxa SATI, conforme escorreitamente decidido pelo juízo a quo, inobstante a insurgência autoral, verifica-se que a taxas de serviços de assessoria cartorários/registro não se confunde com a taxa SATI - Serviço de Assessoria Técnico-Imobiliária, logo, se os serviços de registro cartorário foram contratados pela parte autora, e efetivamente prestados, não há se falar em taxa abusiva. Isto posto, conheço dos recursos para: 1) NEGAR PROVIMENTO Ao recurso da MRV Engenharia e Participações S/A. 2) DOU PROVIMENTO PARCIAL ao apelo do autor, para reformar em parte a sentença, e CONDENAR as requeridas, a título de danos morais, o pagamento do valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), acrescido de juros de mora, pela Taxa Selic, desde a citação e correção monetária, pelo IPCA, a partir do arbitramento. Em razão do resultado da demanda, inverto os ônus sucumbenciais, condenando as requeridas ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, os quais fixo em 10% sobre o valor da condenação. É como voto. Data da sessão: Cuiabá-MT, 09/07/2025

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Marivaldo De Araujo Queiroz e outros x Marivaldo De Araujo Queiroz e outros

ID: 327373330

Tribunal: TJMT Órgão: Segunda Câmara de Direito Privado Classe: APELAçãO CíVEL Nº Processo: 1027542-40.2018.8.11.0041

Data de Disponibilização: 17/07/2025

Polo Ativo:

MARIVALDO DE ARAUJO QUEIROZ MRV ENGENHARIA E PARTICIPACOES SA MRV PRIME PARQUE CHAPADA MANTIQUEIRA INCORPORACOES SPE LTDA

Polo Passivo:

MARIVALDO DE ARAUJO QUEIROZ MRV ENGENHARIA E PARTICIPACOES SA MRV PRIME PARQUE CHAPADA MANTIQUEIRA INCORPORACOES SPE LTDA

Acórdão

Advogados:

LEONARDO FIALHO PINTO

OAB/MG XXXXXX Desbloquear

LUCIANE BORDIGNON DA SILVA

OAB/MT XXXXXX Desbloquear

ANDRE JACQUES LUCIANO UCHOA COSTA

OAB/MG XXXXXX Desbloquear

ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO SEGUNDA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO Número Único: 1027542-40.2018.8.11.0041 Classe: APELAÇÃO CÍVEL (198) Assunto: [Defeito, nulidade ou anulação, Indenização por … ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO SEGUNDA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO Número Único: 1027542-40.2018.8.11.0041 Classe: APELAÇÃO CÍVEL (198) Assunto: [Defeito, nulidade ou anulação, Indenização por Dano Moral, Indenização por Dano Material] Relator: Des(a). TATIANE COLOMBO Turma Julgadora: [DES(A). TATIANE COLOMBO, DES(A). MARIA HELENA GARGAGLIONE POVOAS, DES(A). MARILSEN ANDRADE ADDARIO] Parte(s): [MARIVALDO DE ARAUJO QUEIROZ - CPF: 666.732.241-34 (APELANTE), LUCIANE BORDIGNON DA SILVA - CPF: 931.672.611-53 (ADVOGADO), MRV ENGENHARIA E PARTICIPACOES SA - CNPJ: 08.343.492/0001-20 (APELADO), ANDRE JACQUES LUCIANO UCHOA COSTA - CPF: 036.405.396-80 (ADVOGADO), LEONARDO FIALHO PINTO - CPF: 059.220.376-09 (ADVOGADO), MRV PRIME PARQUE CHAPADA MANTIQUEIRA INCORPORACOES SPE LTDA - CNPJ: 13.724.798/0001-66 (APELADO), LUCIANE BORDIGNON DA SILVA - CPF: 931.672.611-53 (ADVOGADO), MARIVALDO DE ARAUJO QUEIROZ - CPF: 666.732.241-34 (APELADO), ANDRE JACQUES LUCIANO UCHOA COSTA - CPF: 036.405.396-80 (ADVOGADO), LEONARDO FIALHO PINTO - CPF: 059.220.376-09 (ADVOGADO), MRV ENGENHARIA E PARTICIPACOES SA - CNPJ: 08.343.492/0001-20 (APELANTE), MRV PRIME PARQUE CHAPADA MANTIQUEIRA INCORPORACOES SPE LTDA - CNPJ: 13.724.798/0001-66 (APELANTE)] A C Ó R D Ã O Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a SEGUNDA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência Des(a). MARIA HELENA GARGAGLIONE POVOAS, por meio da Turma Julgadora, proferiu a seguinte decisão: RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. UNANIME. E M E N T A DIREITO CIVIL E DIREITO DO CONSUMIDOR. APELAÇÃO CÍVEL. COMPRA DE IMÓVEL NA PLANTA. JUROS DE OBRA COBRADOS APÓS A EXPEDIÇÃO DE HABITE-SE. VÍCIOS CONSTRUTIVOS. DANO MORAL CONFIGURADO. LEGITIMIDADE PASSIVA. RECURSO DA REQUERIDA DESPROVIDO. PARCIALMENTE PROVIDO DO AUTOR. I. Caso em exame Ação declaratória cumulada com pedidos indenizatórios ajuizada por consumidor em face da construtora e incorporadora, visando à declaração de ilegalidade da cobrança da taxa de evolução de obra após expedição do habite-se e entrega das chaves, além da reparação de vícios construtivos e indenização por danos morais. II. Questão em discussão 2. Há quatro questões em discussão: (i) saber se a construtora possui legitimidade passiva ad causam em relação à cobrança da taxa de evolução de obra; (ii) saber se a cobrança da referida taxa após a entrega do imóvel é indevida; (iii) saber se os vícios construtivos constatados ensejam obrigação de fazer e indenização; (iv) saber se está configurado o dano moral decorrente dos vícios apresentados no imóvel. III. Razões de decidir 3. Nas relações de consumo, é legítima a inclusão de qualquer integrante da cadeia de fornecimento no polo passivo da ação, nos termos do art. 7º, p.u., do CDC, inclusive sob a ótica da teoria da aparência. 4. A cobrança da taxa de evolução de obra somente é devida durante o período de construção do imóvel. Após a conclusão da obra e a entrega das chaves, a responsabilidade pela comunicação do término à instituição financeira é da construtora. 5. Comprovado nos autos o pagamento da taxa de obra após a expedição do habite-se, impõe-se a restituição simples dos valores, por ausência de má-fé da requerida. 6. Os vícios construtivos identificados em laudo pericial judicial violam a expectativa legítima do consumidor, comprometendo a habitabilidade e funcionalidade do imóvel. 7. Tais falhas ensejam a obrigação de realizar os reparos, bem como configuram dano moral indenizável, não se tratando de meros aborrecimentos cotidianos. IV. Dispositivo e tese 8. Recurso da MRV Engenharia e Participações S/A desprovido. 9. Recurso do autor parcialmente provido, para condenar as requeridas ao pagamento de valor de R$5.000,00 (cinco mil reais), a título de danos morais. Tese de julgamento: "1. A construtora é parte legítima para figurar no polo passivo da demanda relativa à cobrança de taxa de evolução de obra em contrato de aquisição de imóvel financiado. 2. É indevida a cobrança de taxa de evolução de obra após a entrega das chaves do imóvel e expedição do habite-se, sendo devida a restituição dos valores pagos. 3. A constatação de vícios construtivos relevantes em imóvel novo enseja obrigação de fazer para correção e compensação por danos morais ao adquirente." R E L A T Ó R I O Egrégia Câmara, Tratam-se de recursos de apelações cíveis interpostos por MARIVALDO DE ARAUJO QUEIROZ e MRV ENGENHARIA E PARCICIPAÇÕES S/A contra a sentença proferida pelo Juízo da 10ª Vara Cível da Comarca de Cuiabá, MT, nos autos da “Ação Declaratória de Ilegalidade de Cobrança c/c Indenizatória por Danos Materiais e Morais e Repetição de Indébito” proposta por Marivaldo de Araújo Queiroz em face de MRV Prime Parque Chapada Mantiqueira Incorporações SPE Ltda. e MRV Engenharia e Participações S/A. Prolatada a sentença (ID 237499239): “Diante do exposto, nos termos do artigo 487, inciso I, do Novo Código de Processo Civil, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos deduzidos na inicial, para condenar a ré a ressarcir os valores efetivamente pagos pela parte autora a título de taxa de evolução/juros de obra cobrada pela Caixa Econômica Federal desde a expedição do habite-se, 26/06/2017 (Id. 14879782), até o término da efetiva cobrança irregular (fevereiro/2018), de forma simples, cujo valor deverá ser apurado em sede de liquidação de sentença, a ser corrigido pelo INPC/IBGE, a partir da data do desembolso, acrescido de juros de 1% (um por cento) ao mês a partir da citação. Condeno a ré a realizar os consertos dos defeitos constatados pela perícia sendo: alinhar a porta do banheiro com a porta do quarto e realizar com qualidade os acabamentos dos rejuntes do apartamento. Por ter decaído na maior parte, condeno o autor ao pagamento das custas, despesas processuais e honorários advocatícios, este que arbitro em 10% (dez por cento) sobre o valor atualizado da causa, eis que o proveito econômico é baixo, com base no artigo 85, §2º, do Novo Código de Processo Civil, contudo, fica a exigibilidade suspensa, por ser beneficiário da gratuidade da justiça.” (Sic) Em sede de Embargos de Declaração, a magistrada de 1º grau acolheu o recurso consignando (ID 237499248): “Deste modo, ACOLHO os embargos de declaração de id. 160836516, para que a sentença passe a constar com o seguinte conteúdo: [...] Condeno a ré a realizar os consertos dos defeitos constatados pela perícia sendo: alinhar a porta do banheiro com a porta do quarto e realizar com qualidade os acabamentos dos rejuntes do apartamento. A obrigação de fazer mencionada no parágrafo anterior deverá ser executada no prazo de 15 (quinze) dias, a contar da solicitação da parte autora. Por ter decaído na maior parte, condeno o autor ao pagamento das custas, despesas processuais e honorários advocatícios, este que arbitro em 10% (dez por cento) sobre o valor atualizado da causa, eis que o proveito econômico é baixo, com base no artigo 85, §2º, do Novo Código de Processo Civil, contudo, fica a exigibilidade suspensa, por ser beneficiário da gratuidade da justiça.” Em suas razões recursais (ID 237499245), Marivaldo de Araújo Queiroz apresenta tese de reforma da sentença, sob a alegação de que com a constatação da falha na prestação do serviço ofertado pela entrega do imóvel com defeitos de construção, além da cobrança indevida de taxa de evolução de obras, configurou o dano moral. Sustenta a existência do ato ilícito que gerou perturbação nas relações psíquicas, na tranquilidade do Apelante, configura-se o dano moral, passível de indenização. Requer o provimento do recurso para que seja reformada a sentença, e julgar totalmente procedentes os pedidos iniciais. A MRV Engenharia e Participações S/A em suas razões sob o ID. 237499251, suscita preliminar de ilegitimidade passiva ad causam, ante a alegação de não ser a responsável pela cobrança e recebimento dos encargos (juros de obras), cujas disposições estão previstas exclusivamente no contrato de financiamento, junto à Caixa Econômica Federal. No mérito, combate os fundamentos da sentença quanto a ausência de ato ilícito no fato. Aduz que a parte Apelada não comprovou o pagamento dos valores cobrados de juros de obra. Defende os termos contratados em financiamento de valor, cuja disposição faz referência ao pagamento dos juros de obras até a data de 30/06/2019. Alega não ser devido o pagamento de taxa de evolução da obra, por não apontar quais seriam as parcelas consideradas como taxa de evolução de obra e seu correspondente comprovante de pagamento. Afirma ser Legal a Cobrança de Taxa de Evolução de Obra pela aplicação de Tema 996 do STJ. Requer o provimento do recurso, para que seja reformada a sentença, e julgar improcedentes os pedidos iniciais. Contrarrazões apresentadas (ID 237499255 e 237499257). É o relatório. V O T O R E L A T O R A Apelante suscita preliminar de ilegitimidade passiva ad causam. Não há que se falar em ilegitimidade passiva da Construtora apelante, isso porque, nas relações de consumo, é possível a indicação na inicial, para a formação do polo passivo de um ou de todos os envolvidos na pretendida responsabilização objeto da pretensão inicial, inclusive com a aplicação da teoria da aparência. Trata-se do comando do art. 7º, parágrafo único, do Código de Defesa do Consumidor, que autoriza o ajuizamento da ação em relação a todos ou em relação a cada um dos participantes da cadeia de consumo. Ademais, a alegação de que os pagamentos relativos à taxa de evolução de obra foram efetuados diretamente à Caixa Econômica Federal, tem-se que tal alegação carece de fundamento, uma vez que o agente financiador atua unicamente como intermediário na cobrança, sendo a construtora ou incorporadora a real beneficiária do crédito/financiamento, sobre o qual incidem os juros (taxa de evolução de obra) repassados ao consumidor. Assim, é contra essa entidade que devem ser deduzidas as pretensões da presente demanda. Nesse sentido: "AGRAVO INTERNO. DECISÃO MONOCRÁTICA EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL E MATERIAL. DEMANDA PROTEGIDA PELO CDC. TEORIA DA APARÊNCIA. CADEIA DE CONSUMO. Correta a decisão monocrática que deu provimento ao agravo de instrumento, devendo ser mantida por seus próprios fundamentos. - Nas relações de consumo, é possível a indicação na inicial, para a formação do polo passivo de um ou de todos os envolvidos na pretendida responsabilização objeto da pretensão inicial, inclusive com a aplicação da teoria da aparência. - Trata-se do comando do art. 7º, parágrafo único, do CDC, que autoriza o ajuizamento da ação em relação a todos ou em relação a cada um dos participantes da cadeia de consumo. Agravo Interno Desprovido”. (TJRS, Agravo Nº 70053797221, Décima Sétima Câmara Cível, Relator: Gelson Rolim Stocker, Julgado em 06/06/2013). Negritei.” Portanto, a toda evidência, a Recorrente é parte legítima para responder à presente ação e, por isso, REJEITA-SE a preliminar suscitada. Superada a questão preliminar, verifica-se que no mérito, a controvérsia não é de difícil solução, posto que há entendimento a respeito da matéria firmada por este eg. Tribunal, bem como pelo Superior Tribunal de Justiça. Assim, considerando que ambos os recursos de apelações versam sobre o mesmo objeto, procedo à análise conjunta das insurgências. Extrai-se dos autos que Marivaldo de Araújo Queiroz ajuizou Ação Declaratória de Ilegalidade de Cobrança cumulada com Pedido Indenizatório por Danos Materiais e Morais e Repetição de Indébito em face de MRV Engenharia e Participações S/A e MRV Prime Parque Chapada Mantiqueira Incorporações SPE Ltda. Alega que adquiriu unidade habitacional no empreendimento denominado “Condomínio Mantiqueira” e que a obra foi concluída em 10/04/2017, conforme expedição do "habite-se". Contudo, a cobrança da taxa de evolução de obra persistiu até fevereiro de 2018, totalizando R$ 5.100,08. Impugna, ainda, a cobrança referente à taxa de serviços de assessoria técnico-imobiliária (SATI). Relata, também, que lhe foi prometida a entrega do apartamento com paredes acabadas em massa corrida, porém estas se encontravam apenas com chapisco, o que lhe ocasionou prejuízo material no valor de R$ 962,73 para a correção. Acrescenta que, durante a vistoria do imóvel, constatou diversas irregularidades que, mesmo após supostos reparos realizados pela ré, não foram sanadas, persistindo vícios como desnível do piso, defeito na porta, entre outros, o que resultou na desvalorização do bem. Requereu a declaração de ilegalidade do débito relativo a taxa de evolução de obra a partir conclusão constatada pelo habite-se e da taxa SATI, bem como seja a parte requerida, condenada a promover a reparação dos defeitos de construção no imóvel, com devolução em dobro dos valores pagos e danos morais. Nos autos, verifica-se que a sentença de parcial procedência teve como fundamento a cobrança indevida da taxa de evolução de obra, a qual persistiu mesmo após a expedição do "habite-se" e a entrega das chaves do imóvel adquirido na planta pelo autor, no empreendimento denominado “Condomínio Mantiqueira”. Tal conduta acarretou prejuízos de ordem material ao consumidor. Os juros de obra, como é cediço, é devida durante o período de construção do imóvel, pois corresponde ao repasse dos juros cobrados pela instituição financeira em virtude do financiamento da construção. Assim, tendo início com a aprovação do financiamento e o termo final, com o término da obra, não pode o consumidor suportar esse encargo após a expiração do prazo para entrega do imóvel. Logo, é evidente que a entrega extrapolou o prazo combinado, injustificadamente, o que o levou o autor arcar com encargos de obra superiores ao pactuado. Lembrando-se que essa taxa é estabelecida pela instituição financeira com o objetivo de incentivar a construtora a cumprir o prazo de entrega do imóvel. Ou seja, o encargo é cobrado durante o período em que a construtora está inadimplente em relação à entrega. Portanto, a restituição desses encargos é devida quando há inadimplemento contratual da construtora, isto é, quando ocorre atraso na entrega do imóvel. A propósito: “APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE REPARAÇÃO – DANOS MATERIAIS - CONTRATO DE PROMESSA DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL - TAXA DE EVOLUÇÃO DA OBRA - ENTREGA DAS CHAVES - CORREÇÃO MONETÁRIA - EFETIVO DESEMBOLSO - JUROS DE MORA - CITAÇÃO. - A taxa de evolução de obra (juros da obra) é encargo mensal devido pelo promitente comprador para o agente financeiro somente até a entrega da obra - A fase de construção termina para o comprador, com a disponibilização das chaves do imóvel, ideal que seja com a baixa da construção e alvará de habite-se dentro do mesmo período - A demora do prazo de regularização documental de imóvel em construção para a obtenção do habite-se, não pode ser imputado como motivador de ônus ao comprador, de continuar pagando a taxa de custo da obra, se já pronta, disponibilizadas as chaves, ficando ao encargo do construtor as responsabilidades pelo atraso - Mostra-se indevida a cobrança de taxa de evolução de obra após a entrega das chaves - O valor deve ser devolvido, com correção monetária, segundo a tabela da CGJ/MG, desde a data do efetivo desembolso, e com juros de mora de 1% ao mês, contados da citação, nos termos do art. 405 do Código Civil” (TJ-MG - AC: 10000191484724001 MG, Relator: Domingos Coelho, Data de Julgamento: 23/04/2020, Câmaras Cíveis / 12ª CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 24/04/2020). Com efeito, os valores cobrados a título de “juros de obra” somente são devidos enquanto não houver encerramento da obra, sendo que, no caso em tela, restou incontroverso que a obra foi concluída da data de 10/04/2017, conforme auto de conclusão acostado em id. 237498661, com comprovação nos autos do pagamento pelo autor da taxa de obras (ID. 237498664), pós a data da expedição do habite-se. Logo, resta descabida a cobrança de juros de obra referente a período posterior a expedição do habite-se, 26/06/2017. Registra-se que o caso não se amolda ao entendimento jurisprudencial do STJ, que diz sobre a licitude da cobrança durante a construção e torna-se ilegal após o prazo previsto para a entrega, nele incluído o período de tolerância. A taxa de evolução da obra/juros na fase de obra, trata-se de obrigação prevista no contrato firmado com a Caixa Econômica Federal e é devida pela parte autora até o encerramento da obra, com a entrega do imóvel passaria a ser cobrado o valor da parcela do financiamento, havendo então a amortização do débito. No caso, apesar da obra ter sido concluída em 10/04/2017 e o habite-se expedido em 26/06/2017, a construtora não informou a instituição financeira, e esta continuou a realizar as cobranças referentes a taxa de evolução de obra no período em que o imóvel não estava mais em construção, assim tal ônus não pode ser arcado pela parte autora, ademais, é notório que o imóvel somente é entregue ao comprador após a expedição do habite-se pela Prefeitura Municipal. Desta forma, a requerida descumpriu com os termos do contrato, vez que não comunicou a instituição financeira o encerramento da obra, assim o ônus de ressarcir os valores efetivamente pagos pela parte autora a título de taxa de evolução de obra cobrada pela Caixa e o término da efetiva cobrança irregular, devendo ser restituído de forma simples, eis que não se vislumbra a má-fé da parte requerida. Não se pode argumentar, por outro lado, que cabia ao apelado o ônus de contestar a exigibilidade desses valores diretamente perante a instituição financeira ou de ajuizar ação contra esta para declarar a ilegalidade da cobrança após a entrega do imóvel. Com efeito, após a conclusão da obra, era responsabilidade da construtora apelante informar esse fato ao agente financeiro. No entanto, não há nos autos qualquer comprovação de que a construtora tenha adotado essa medida. Diante disso, considerando a omissão da construtora, que resultou na cobrança indevida dos juros de obra, é inadmissível a pretensão da apelante de atribuir ao apelado a responsabilidade pelo pagamento e de exigir que este busque a restituição posteriormente, de forma regressiva. Sobre o tema: “RECURSO DE APELAÇÃO – AÇÃO DECLARATÓRIA DE ILEGALIDADE DE COBRANÇA C/C IDENIZAÇÃO POR DANO MATERIAL E MORAL C/C REPETIÇÃO DE INDÉBITO – CONTRATO DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL – TAXA DE EVOLUÇÃO DE OBRA – DEVOLUÇÃO DO VALOR PAGO PELOS JUROS DA OBRA APÓS A ENTREGA DAS CHAVES – DESPROVIDO. É devida à reparação pelo dano material, decorrente do pagamento taxa de evolução da obra, atinente ao período posterior a entrega das chaves do imóvel. (N.U 1019930-46.2021.8.11.0041, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PRIVADO, CARLOS ALBERTO ALVES DA ROCHA, Terceira Câmara de Direito Privado, Julgado em 09/08/2023, Publicado no DJE 12/08/2023). APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO C/C INDENIZATÓRIA POR DANOS MATERIAIS E MORAIS E PEDIDO DE REPETIÇÃO DE INDÉBITO – COBRANÇA DA TAXA EVOLUÇÃO DE OBRA APÓS A ENTREGA DAS CHAVES – ILEGALIDADE – ENCARGOS DEVIDO DURANTE A CONSTRUÇÃO DO IMÓVEL – RESTITUIÇÃO SIMPLES DOS VALORES PAGOS – DANO MORAL CONFIGURADO – SENTENÇA REFORMADA – APELO PROVIDO. A cobrança da taxa de evolução de obra é devida durante o período de construção do imóvel, pois corresponde ao repasse dos juros cobrados pela instituição financeira em virtude do financiamento da construção. Estando comprovado nos autos que a obra foi concluída em 22/10/2015 e que as chaves do imóvel foram entregues à adquirente em 27/10/2015, torna-se ilegal a continuidade da cobrança da taxa de evolução de obras após essa última data. Os valores pagos pela consumidora devem ser restituídos de forma simples, haja vista a ausência de elementos aptos a comprovar que houve má-fé das Apeladas na aludida cobrança, já que realizada em virtude do Instrumento Particular de Compra e Venda firmado entre as partes. De acordo com o Superior Tribunal de Justiça, “nas hipóteses de inscrição indevida em órgão de restrição ao crédito, como a dos autos, o dano moral opera-se in re ipsa , isto é, decorre do próprio fato da referida inscrição, sendo desnecessária a sua comprovação” (AgInt no AREsp 1933139/RJ, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, julgado em 13/12/2021, DJe 17/12/2021). (...) (N.U 1037449-73.2017.8.11.0041, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PRIVADO, CLARICE CLAUDINO DA SILVA, Segunda Câmara de Direito Privado, Julgado em 23/03/2022, Publicado no DJE 29/03/2022) Logo, não há que se falar na legalidade da cobrança em questão, impondo a manutenção do julgado. Quanto ao dever de reparar o imóvel de defeitos construtivos apresentados, conforme já exposto anteriormente, as chaves do imóvel foram entregues ao Apelante em novembro/2017, que além de haver cobrança indevida de juros de obra, o imóvel novo, apresentou defeitos de construção, assim consubstanciada em Laudo Pericial judicial (ID. 237499207 e 237499222), com problemas caimento para ralo do banheiro e cozinha, porta desnivelada, rejuntes desalinhados em janela do banheiro, registro e cano de esgoto pia. A responsabilidade por vícios construtivos funda-se nos princípios da boa-fé objetiva, da função social do contrato e da dignidade da pessoa humana. Quando esses vícios comprometem a habitabilidade do imóvel e frustram a legítima expectativa do consumidor, resta configurada falha na prestação do serviço, apta a ensejar reparação por danos materiais e morais. A construção de imóvel configura típica obrigação de resultado, pois o contratante espera não apenas a entrega da obra, mas sua conformidade com os padrões mínimos de qualidade, segurança e durabilidade. A contratação de empresa especializada impõe a esta o dever técnico-profissional de executar adequadamente a prestação contratada. Nos termos dos artigos 186 e 927 do Código Civil, aquele que causar dano a outrem, por ação ou omissão, deve repará-lo, inclusive se de natureza moral. O art. 618 do mesmo diploma legal impõe ao empreiteiro a responsabilidade pela solidez e segurança da obra por cinco anos, conferindo ao adquirente a confiança na estabilidade e qualidade do imóvel. Destarte, em via da constatação de tais vícios, é dever das requeridas repará-los, a cumprir com sua obrigação contratual da entrega do imóvel em seus padrões mínimos de qualidade, segurança e durabilidade. No que tange à indenização por danos morais, o artigo 5.º, X, da Constituição da República, dispõe que são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação. Destarte, é cediço que o dano em questão é caracterizado pelo prejuízo que atinge o patrimônio incorpóreo da pessoa e, com isso, seus direitos da personalidade como, por exemplo, o direito à honra, à imagem, à intimidade, ao nome e à integridade psíquica. Ainda que tais vícios não inviabilizem por completo a moradia, impactam diretamente a dignidade dos autores e o direito à moradia adequada, frustrando a expectativa legítima de que o bem recém-adquirido estivesse em perfeitas condições de uso. A legítima expectativa de quem adquire um imóvel novo é poder utilizá-lo de forma imediata e plena, sem enfrentar falhas ou vícios ocultos. A recusa das requeridas em realizar os reparos justifica a manutenção da sentença que as condenou à obrigação de fazer, consistente na correção dos vícios identificados. Ademais, os defeitos narrados e comprovados transcendem os meros aborrecimentos do cotidiano, configurando verdadeira frustração contratual de gravidade suficiente para justificar a compensação por danos extrapatrimoniais. Ainda que se alegue a realização de vistoria prévia no momento da entrega do imóvel, os vícios identificados se revelam graves e incompatíveis com um imóvel novo, demonstrando falha na prestação dos serviços contratados. A existência de rachaduras, infiltrações, desníveis de ralos, deterioração precoce e outros defeitos estruturais não condiz com a entrega de um bem destinado à moradia digna, tampouco com sua finalidade essencial. A inadequação do imóvel atinge o núcleo da confiança legítima depositada pelo consumidor, caracterizando frustração anormal e lesiva da expectativa contratual. Nesse sentido: RECURSO DE APELAÇÃO CÍVEL. RECURSO ADESIVO. DIREITO CIVIL E DO CONSUMIDOR. RESPONSABILIDADE CIVIL POR VÍCIOS CONSTRUTIVOS EM IMÓVEL RESIDENCIAL. DANO MORAL CONFIGURADO. VALOR INDENIZATÓRIO MANTIDO. RECURSOS DESPROVIDOS. I. CASO EM EXAME 1. Apelação Cível interposta por CONSTRUTORA E INCORPORADORA MARAZUL LTDA – EPP e Recurso Adesivo interposto por CARLOS AUGUSTO DA CRUZ contra sentença que, nos autos de Ação de Reparação de Danos Materiais c/c Indenização por Danos Morais, julgou parcialmente procedente o pedido autoral, condenando a construtora ao pagamento de R$ 6.000,00 a título de danos morais. A ré sustenta a inexistência de abalo moral indenizável ou, subsidiariamente, pleiteia a redução do valor. O autor, por sua vez, postula a majoração da indenização por considerá-la insuficiente diante dos transtornos enfrentados com vícios construtivos no imóvel recém-adquirido. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO 2. Há duas questões em discussão: (i) definir se os vícios construtivos ocorridos em imóvel residencial novo ensejam indenização por danos morais; (ii) estabelecer se o valor de R$ 6.000,00 arbitrado na sentença é adequado às circunstâncias do caso. III. RAZÕES DE DECIDIR 3. A jurisprudência reconhece a responsabilidade civil do fornecedor por vícios construtivos que afetem a fruição do imóvel, ainda que não o tornem inabitável, por representarem falha na legítima expectativa de habitabilidade do consumidor. 4. Os vícios constatados – como rachaduras, pintura defeituosa, vaso sanitário solto e infiltrações – são graves e manifestaram-se logo após a entrega do imóvel, demonstrando frustração do contrato e comprometimento da dignidade do consumidor. 5. O dano moral resta caracterizado pela necessidade de judicialização para obtenção de reparo e pela natureza do bem afetado, destinado à moradia, o que transcende meros aborrecimentos cotidianos. 6. O valor de R$ 6.000,00 mostra-se proporcional à extensão do dano e à reprovabilidade da conduta, atendendo ao caráter compensatório e pedagógico da indenização, sem configurar enriquecimento sem causa ou desestímulo à reparação. IV. DISPOSITIVO E TESE Recursos desprovidos. Tese de julgamento: 1. Configura dano moral indenizável a entrega de imóvel residencial novo com vícios construtivos relevantes que comprometam sua fruição e exijam intervenção judicial para correção. 2. O valor da indenização por danos morais deve observar os princípios da razoabilidade, proporcionalidade e equidade, considerando a gravidade do vício, o tempo de solução e a finalidade habitacional do bem. (N.U 1004217-56.2018.8.11.0002, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PRIVADO, TATIANE COLOMBO, Segunda Câmara de Direito Privado, Julgado em 30/05/2025, Publicado no DJE 30/05/2025) “APELAÇÕES CÍVEIS – INDENIZAÇÃO POR DANO MATERIAL E MORAL – VÍCIOS DE CONSTRUÇÃO – INFILTRAÇÃO – DEFEITO NA COLOCAÇÃO DE JANELAS NO IMÓVEL – LAUDO PERICIAL CONSTATANDO RESPONSABILIDADE DA CONSTRUTORA FRENTE AOS DANOS EXPERIMENTADOS – NECESSIDADE DE REPARAÇÃO – DANO MORAL CARACTERIZADO – SITUAÇÃO QUE ULTRAPASSA O MERO ABORRECIMENTO – VALOR FIXADO A TÍTULO DE DANO MORAL QUE ATENDE AOS PARÂMETROS PEDAGÓGICOS DA CONDENAÇÃO – APELOS DESPROVIDOS. Havendo demonstração de nexo causal entre a conduta e os danos experimentados, impõe-se a reparação dos danos sofridos. Constatado que o dano causado ao consumidor decorre de falha (vício) de construção, acarretando infiltração, umidade e insalubridade aos moradores, verifica-se que a situação ultrapassa o mero aborrecimento, causando dissabores e angústias que autorizam a condenação por dano moral. Deve ser mantido o valor fixado a título de dano moral, quando ele atende aos critérios da razoabilidade e da proporcionalidade, observando o caráter pedagógico da condenação.” (TJ-MT - APELAÇÃO CÍVEL: 1004107-86.2020.8.11.0002, Relator: Des (a). SEBASTIAO BARBOSA FARIAS, Data de Julgamento: 26/03/2024, Primeira Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 26/03/2024). Assim, impõe-se a condenação das requeridas ao pagamento de indenização por danos morais nesta instância, uma vez que restaram comprovados, nos autos, os vícios no imóvel que ocasionaram dissabores e angústias suficientes para justificar a reparação por dano extrapatrimonial, remanescendo apenas a análise do quantum indenizatório. A indenização por danos morais deve ser fixada com moderação, à luz dos princípios da razoabilidade, proporcionalidade e equidade, considerando-se as particularidades do caso concreto, a gravidade da lesão, a extensão do dano e as finalidades compensatória e pedagógica da condenação, conforme bem leciona Sérgio Cavalieri Filho: “Razoável é aquilo que é sensato, comedido, moderado; que guarda uma certa proporcionalidade. Importa dizer que o juiz, ao valorar o dano moral, deve arbitrar uma quantia que, de acordo com o seu prudente arbítrio, seja compatível com a reprovabilidade da conduta ilícita, a intensidade e duração do sofrimento experimentado pela vítima, a capacidade econômica do causador do dano, as condições sociais do ofendido, e outras circunstâncias mais que se fizerem presentes” (in Programa de Responsabilidade Civil, 2.ª edição, 2001 p. 81/82). Destarte, considerando-se os vícios construtivos efetivamente comprovados, a necessidade de ajuizamento da presente demanda judicial para obter a devida reparação, bem como o desconforto e a frustração experimentados pelo autor ao adquirir imóvel novo com defeitos significativos, a quantia indenizatória de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), mostra-se adequada aos parâmetros da razoabilidade e da proporcionalidade. Corrobora esse entendimento o seguinte julgado: APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR ATRASO EM OBRA – CONTRATO DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL – APLICAÇÃO DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR – ATRASO NA ENTREGA DO IMÓVEL – CONSTATAÇÃO – VINCULAÇÃO DO PRAZO DE ENTREGA À CONCESSÃO DE FINANCIAMENTO BANCÁRIO – TEMA 996 DO STJ – ILEGALIDADE – ALEGAÇÃO DE CASO FORTUITO OU FORÇA MAIOR – PANDEMIA COVID 19 – NECESSIDADE DE PROVA CABAL – DANOS MATERIAIS – PREJUÍZO PRESUMIDO – TERMO FINAL – ENTREGA DAS CHAVES – TEMA 966 DO STJ – DANOS MORAIS – CONFIGURAÇÃO – QUANTUM MANTIDO – HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS – VALOR QUE ATENDE AOS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE – SENTENÇA MANTIDA – RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. (...) O dano moral se mostra incontestável, diante do descumprimento da obrigação, nos termos dos artigos 189 e 927, ambos do Código Civil, revelado no atraso da entrega do imóvel, fato que ultrapassou a esfera do mero dissabor e causa considerável abalo psicológico, ao frustrar a expectativa de se realizar o sonho da moradia própria, o que constitui fato causador de danos morais. Evidenciada a desídia da requerida, a extensão da situação danosa e a capacidade socioeconômica das partes, o valor de R$ 6.000,00 (seis mil reais), faz jus ao duplo caráter punitivo e pedagógico da condenação, que deve ser fixada em patamar suficiente para impor sanção ao agente e desestimular a reincidência da conduta. (...) (N.U 1000885-05.2023.8.11.0003, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PRIVADO, MARIA HELENA GARGAGLIONE POVOAS, Segunda Câmara de Direito Privado, Julgado em 14/08/2024, Publicado no DJE 20/08/2024) Por fim quanto a cobrança indevida de taxa SATI, conforme escorreitamente decidido pelo juízo a quo, inobstante a insurgência autoral, verifica-se que a taxas de serviços de assessoria cartorários/registro não se confunde com a taxa SATI - Serviço de Assessoria Técnico-Imobiliária, logo, se os serviços de registro cartorário foram contratados pela parte autora, e efetivamente prestados, não há se falar em taxa abusiva. Isto posto, conheço dos recursos para: 1) NEGAR PROVIMENTO Ao recurso da MRV Engenharia e Participações S/A. 2) DOU PROVIMENTO PARCIAL ao apelo do autor, para reformar em parte a sentença, e CONDENAR as requeridas, a título de danos morais, o pagamento do valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), acrescido de juros de mora, pela Taxa Selic, desde a citação e correção monetária, pelo IPCA, a partir do arbitramento. Em razão do resultado da demanda, inverto os ônus sucumbenciais, condenando as requeridas ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, os quais fixo em 10% sobre o valor da condenação. É como voto. Data da sessão: Cuiabá-MT, 09/07/2025

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Processo nº 5598567-74.2023.8.09.0006

ID: 315661731

Tribunal: TJGO Órgão: Turma de Uniformização Classe: PROCEDIMENTO COMUM CíVEL Nº Processo: 5598567-74.2023.8.09.0006

Data de Disponibilização: 03/07/2025

Polo Ativo:

MARCOS ANTONIO MARIANO CELESTINO

Polo Passivo:

Relatório e Voto

Advogados:

ALESSANDRO GONÇALVES DA PAIXÃO

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NATHÃLIA LIMA BRAGANÃA

OAB/GO XXXXXX Desbloquear

ESTADO DE GOIÁS PODER JUDICIÁRIO 2ª TURMA RECURSAL DOS JUIZADOS ESPECIAIS Processo nº: 5598567-74.2023.8.09.0006 Recorrente: Marcos Antônio Mariano Celestino Advogados: Alessandro Gonçalves da Pai… ESTADO DE GOIÁS PODER JUDICIÁRIO 2ª TURMA RECURSAL DOS JUIZADOS ESPECIAIS Processo nº: 5598567-74.2023.8.09.0006 Recorrente: Marcos Antônio Mariano Celestino Advogados: Alessandro Gonçalves da Paixão (OAB/GO 21.031) e Nathália Lima Bragança (OAB/GO 59.986) Recorrido: Município de Anápolis Procuradora: Luciana Ferreira Garcia Rocha (OAB/GO 16.788) Juiz sentenciante: Dr. Cláudio Henrique Araújo de Castro Relatora: Dra. Geovana Mendes Baía Moisés EMENTA. EMENTA. INCIDENTE DE UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA. DIREITO ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO MUNICIPAL. ADICIONAL DE TITULAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE DE CUMULAÇÃO DE PERCENTUAIS REFERENTES AOS CURSOS DE APERFEIÇOAMENTO. INTERPRETAÇÃO TELEOLÓGICA. LEI COMPLEMENTAR MUNICIPAL N° 212/2009. ALTERAÇÕES PELA LEI COMPLEMENTAR N° 513/2022. AUSÊNCIA DE DIREITO ADQUIRIDO A REGIME JURÍDICO. PRINCÍPIO DA LEGALIDADE. LAPSO TEMPORAL DE 3 ANOS ENTRE CONCESSÕES. INTENÇÃO DO LEGISLADOR DE ESTIMULAR O CONTÍNUO DESENVOLVIMENTO. CONFORMIDADE COM O PRINCÍPIO DA EFICIÊNCIA ADMINISTRATIVA. PEDIDO DE UNIFORMIZAÇÃO CONHECIDO E DESPROVIDO. RELATÓRIO Trata-se de Pedido de Uniformização de Jurisprudência interposto por MARCOS ANTÔNIO MARIANO CELESTINO em face de acórdão prolatado pela 2ª Turma Recursal dos Juizados Especiais do Estado de Goiás, que negou provimento ao Recurso Inominado interposto pelo ora requerente contra sentença que julgou improcedente o pedido de cumulação dos percentuais previstos nos incisos VIII, IX e X do art. 30-B da Lei Complementar Municipal nº 212/2009. O requerente alega que há divergência de entendimento dentro da própria 2ª Turma Recursal, bem como com o posicionamento adotado pela 3ª Turma Recursal do TJGO em casos análogos, razão pela qual interpõe o presente incidente. Em suas razões, o recorrente aponta que é servidor público municipal regido pela Lei Complementar Municipal nº 212/2009, que garante aos servidores públicos municipais o adicional de titulação e que a Lei Complementar Municipal nº 399/2019 estabeleceu que "os percentuais previstos nos incisos I até VII não são cumulativos, sendo que o maior exclui o menor", não havendo vedação expressa à cumulação dos percentuais previstos nos incisos VIII a X. Salienta que formulou pedido administrativo para concessão do adicional de titulação, referente aos percentuais de 5%, 7% e 10% (incisos VIII, IX e X), que foi indeferido com base na Lei Complementar nº 513/2022, que alterou a redação do §2º do art. 30-B da LC nº 212/2009, passando a vedar a cumulação de todos os percentuais (incisos I a X). Diz que a concessão do adicional de qualificação funcional deve ser pautada de acordo com a legislação vigente à época em que foram implementados os requisitos para sua percepção, conforme o princípio tempus regit actum, amparado na irretroatividade da lei. Para comprovar a divergência jurisprudencial, o recorrente cita julgados da 2ª e da 3ª Turmas Recursais (Processos nº 5388269-75.2021.8.09.0006, nº 5586819-45.2023.8.09.0006 e nº 5799514-47.2023.8.09.0006), em que foi reconhecido o direito à cumulação dos percentuais pretendidos, com base no princípio tempus regit actum. O MUNICÍPIO DE ANÁPOLIS apresentou contrarrazões, sustentando a impossibilidade de cumulação dos adicionais pretendidos pelo recorrente. Alega que não havia possibilidade de cumulação dos incisos I a X como argumenta o recorrente, pois na Administração Pública a omissão legislativa não impõe obrigação, já que ao administrador público só é permitida a atuação nos termos expressos em lei. Diz ainda, que o servidor público não tem direito adquirido a regime jurídico e que o texto legal envolve uma valoração progressiva do nível de esforço do servidor conforme a maior dificuldade e especialmente tempo de estudo e pesquisa para obtenção do título. Salienta que a intenção do legislador é estimular o servidor a refinar seu aperfeiçoamento profissional progressivamente e que a interpretação que permite a cumulação representaria o resultado inverso do almejado na lei, pois o servidor não buscaria se aprimorar para conquistar o percentual maior. Por fim, alega que o art. 37, IV, da Constituição Federal veda que "os acréscimos pecuniários percebidos por servidor público não serão computados nem acumulados para fins de concessão de acréscimos ulteriores". ADMISSIBILIDADE O Pedido de Uniformização de Jurisprudência é cabível quando houver divergência entre decisões das Turmas Recursais sobre questões de direito material, conforme previsto na Resolução nº 154 do CNJ. No caso em análise, o recorrente demonstrou adequadamente a existência de divergência entre julgados das Turmas Recursais dos Juizados Especiais do Estado de Goiás quanto à interpretação e aplicação do art. 30-B, §2º, da Lei Complementar Municipal nº 212/2009, com as alterações promovidas pelas Leis Complementares nº 346/2016, nº 387/2018, nº 399/2019 e nº 513/2022. Enquanto a 2ª Turma Recursal, no acórdão ora impugnado, negou provimento ao recurso inominado interposto pelo requerente por entender que não havia previsão legal para cumulação dos percentuais previstos nos incisos VIII, IX e X do art. 30-B da LC nº 212/2009, a mesma 2ª Turma, em outra composição, bem como a 3ª Turma Recursal, em casos análogos, reconheceram o direito à cumulação dos referidos percentuais. Comprovada a divergência jurisprudencial e preenchidos os demais requisitos de admissibilidade, conheço do Pedido de Uniformização de Jurisprudência. DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL A divergência jurisprudencial apontada pelo requerente diz respeito à possibilidade de cumulação dos percentuais do adicional de titulação previstos nos incisos VIII, IX e X do art. 30-B da Lei Complementar Municipal nº 212/2009, com a redação dada pela Lei Complementar nº 399/2019. No acórdão impugnado, a 2ª Turma Recursal negou provimento ao recurso inominado interposto pelo requerente com base nos seguintes fundamentos: "4.1). Pois bem. Em que pese a omissão legislativa, por um curto período de tempo, no tocante a cumulação ou não dos percentuais dispostos nos incisos VIII a X da Lei Complementar nº 339/19, importante reforçar que o silêncio do legislador, no âmbito administrativo, não implica em permissão para que o administrador aja naquele sentido. (4.2). Como bem pontuado pelo juízo da origem, 'por força do princípio da legalidade a Administração Pública fica adstrita ao disposto na lei. Sendo assim, inexistindo previsão legal que possibilita acumulação dos adicionais de titulação não cabe ao administrador por sua mera liberalidade conceder tal direito. Sobre o assunto, ensina Hely Lopes Meireles: Na Administração Pública não há liberdade em vontade pessoal. Enquanto na administração particular é lícito fazer tudo que a lei não proíbe, na Administração Pública só é permitido fazer o que a lei autoriza. A lei para o particular significa 'pode fazer assim'; para o administrador público significa 'deve fazer assim'. [...] (4.3). Desse modo, entendo por acertada a sentença prolatada pelo juízo da origem pois, como bem explanado nos autos, 'o fato do dispositivo legal afirmar que os incisos I até VII não são cumulativos, não significa que os demais são cumuláveis.'" Por outro lado, a mesma 2ª Turma Recursal, em outra composição, no julgamento do Processo nº 5388269-75.2021.8.09.0006, decidiu que: "(3.5). Em que pese a nova previsão acerca do início do pagamento em janeiro de 2019, o direito da autora ao acréscimo do adicional de titulação já havia sido declarado pela administração municipal, impondo-se, portanto, o pagamento retroativo a partir dos 60 (sessenta) dias subsequentes ao requerimento administrativo. Nesse sentido, é o entendimento do TJGO [...]" No mesmo sentido, a 3ª Turma Recursal, nos Processos nº 5586819-45.2023.8.09.0006 e nº 5799514-47.2023.8.09.0006, reconheceu o direito à cumulação dos percentuais com base no princípio tempus regit actum: "9. Conforme a reiterada jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, não tem o servidor público direito adquirido a regime jurídico remuneratório, exceto se da alteração legal decorrer redução de seus rendimentos. O caso em tela possui uma importante particularidade, uma vez que a legislação anterior (LCM n. 399/2019) assegurava ao servidor o direito ao adicional de titulação nos percentuais ali descritos, desde que implementados os requisitos, sem qualquer menção à proibição de acumulação. O direito da impetrante encontra-se constitucionalmente garantido no inciso XXXVI, do art.5º, da Constituição Federal: 'A lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada.'" "10. Assim, a concessão do adicional de qualificação funcional deve ser pautada de acordo com a legislação vigente à época em que foram implementados os requisitos exigidos para a percepção da gratificação, nos termos do princípio tempus regit actum, amparado na irretroatividade da lei (art. 5.º, XXXVI, da CF)." Resta evidenciada, portanto, a divergência jurisprudencial quanto à interpretação do art. 30-B, §2º, da Lei Complementar Municipal nº 212/2009, com a redação dada pela Lei Complementar nº 399/2019, especificamente no que se refere à possibilidade de cumulação dos percentuais previstos nos incisos VIII, IX e X. SOLUÇÃO DA DIVERGÊNCIA A questão central a ser dirimida consiste em definir se, sob a égide da Lei Complementar Municipal nº 399/2019, que alterou a Lei Complementar nº 212/2009, era permitida a cumulação dos percentuais do adicional de titulação previstos nos incisos VIII, IX e X do art. 30-B. Para melhor compreensão da controvérsia, faz-se necessário analisar as disposições legais pertinentes ao tema. A Lei Complementar Municipal n° 212/2009 aprovada em 22 de dezembro de 2009, estruturou o plano de cargos, carreiras e vencimentos da administração direta, autarquias e fundações do Município de Anápolis-GO. Posteriormente, por meio da Lei Complementar 346/2016, aprovada em 30.06.2016, foram introduzidos os artigos 30-A e 30-B no Capítulo XI, com a seguinte redação: Art. 30-A. Será concedida ao servidor público municipal estável que estiver atuando no âmbito da Administração Direta, Autarquias e Fundações do Município de Anápolis, cumprido integralmente o estágio probatório no desempenho de suas funções, ADICIONAL DE TITULAÇÃO, FORMAÇÃO E APERFEIÇOAMENTO, mediante a apresentação de certificado ou certificados de aprimoramento, aperfeiçoamento profissional ou pós-graduação, sem prejuízo da promoção prevista no Capitulo IV da Lei Complementar nº 212/2009, após cumprindo o lapso de 18 (dezoito) meses de vigência desta Lei Complementar. §1º. Para a concessão do ADICIONAL DE TITULAÇÃO, FORMAÇÃO E APERFEIÇOAMENTO que trata o caput deste artigo só serão considerados os cursos com duração mínima de 30 (trinta) horas, oferecidos na modalidade presencial ou à distância, nos quais o servidor estável tenha obtido aproveitamento igual ou superior a 75% (setenta e cinco por cento). §2º. Para os cursos presenciais será exigida a frequência mínima de 75% (setenta e cinco por cento) da carga horária total do curso. §3º. Os cursos de que trata o § 1º deverão ser autorizados pelo Conselho competente ou ministrados por instituições de ensino oficial ou credenciadas por órgão oficial, observando-se a sequência cronológica. §4º. Regra geral, para pleitear o ADICIONAL DE TITULAÇÃO, FORMAÇÃO E APERFEIÇOAMENTO, não pode o servidor estável utilizar o título de que lhe tenha resultado concessão de enquadramento ou progressão vertical. Excepcionalmente, referido título poderá ser utilizado para pleitear o adicional se apresentado uma única vez dentro do primeiro período de concessão, conforme estipulado nos parágrafos quinto e sexto seguintes. §5º. Para requerer o ADICIONAL DE TITULAÇÃO, FORMAÇÃO E APERFEIÇOAMENTO, os servidores deverão dar entrada através de processos, com juntada da documentação, até 30 de maio e 30 de outubro de cada ano. §6º. A concessão do ADICIONAL DE TITULAÇÃO, FORMAÇÃO E APERFEIÇOAMENTO deverá ocorrer sempre nos dias 01 de julho e 01 de dezembro de cada ano civil. §7º. Será observado o lapso de 03 (três) anos para aquisição de um novo ADICIONAL DE TITULAÇÃO, FORMAÇÃO E APERFEIÇOAMENTO, devendo a primeira concessão ocorrer apenas em um nível superior ao de ingresso no cargo do servidor. Art. 30-B. O ADICIONAL DE TITULAÇÃO, FORMAÇÃO E APERFEIÇOAMENTO será calculado sobre o vencimento-base na referência que o servidor ocupar, garantida sua incorporação, à razão de: I - 35% (trinta e cinco por cento), para doutorado, com defesa e aprovação de tese. II - 32% (trinta e dois por cento), para mestrado, com defesa e aprovação de tese. III - 30% (trinta por cento), para especialização, em curso superior. IV -25% (vinte e cinco por cento), para escolaridade superior. V - 20% (vinte por cento), para um total igual ou superior a 600 (seiscentas) horas de curso de aperfeiçoamento na área relativa ao cargo; VI - 15% (quinze por cento) para um total igual ou superior a 500 (quinhentas) horas de curso de aperfeiçoamento na área relativa ao cargo; VII - 12% (doze por cento) para um total igual ou superior a 400 (quatrocentos) horas de curso de aperfeiçoamento na área relativa ao cargo. VIII - 10% (dez por cento) para um total igual ou superior a 300 (trezentas) horas de curso de aperfeiçoamento na área relativa ao cargo. IX - 7% (sete por cento) para um total igual ou superior a 200 (duzentas) horas de curso de aperfeiçoamento na área relativa ao cargo. X - 5% (cinco por cento) para um total igual ou superior a 100 (cem) horas de curso de aperfeiçoamento na área relativa ao cargo. §1º. Os totais de horas de que tratam os incisos V, VI e VII deste artigo poderão ser alcançados em um só curso ou pela soma da duração de mais de um curso, desde que observado o limite mínimo previsto no parágrafo primeiro do artigo anterior e concluídos após o ingresso no cargo. §2º. Os percentuais previstos nos incisos I até VII não são cumulativos, sendo que o maior exclui o menor. Em 14 de agosto de 2018, por meio da Lei Complementar 387/2018, foram alterados os parágrafos 5º, 6º e 7º do art. 30-A, os parágrafos 1º e 2º do art. 30B da Lei Complementar nº 212 de 22 de dezembro de 2009, que assim passam a viger: “Art. 30-A (....) § 5º. Para requerer o ADICIONAL DE TITULAÇÃO, FORMAÇÃO E APERFEIÇOAMENTO, os servidores deverão dar entrada através de processos, com juntada da documentação. § 6º. A concessão do ADICIONAL DE TITULAÇÃO, FORMAÇÃO E APERFEIÇOAMENTO deverá ocorrer sempre após 60 dias de protocolado, quando a documentação estiver completa. § 7º. Será observado o lapso de 03 (três) anos para aquisição de um novo ADICIONAL DE TITULAÇÃO, FORMAÇÃO E APERFEIÇOAMENTO.” “Art. 30-B (....) § 1º. Os totais de horas de que tratam os incisos V, VI, VII, VIII, IX e X, deste artigo poderão ser alcançados em um só curso ou pela soma da duração de mais de um curso, podendo os cursos serem concluídos antes do ingresso no cargo. §2º. Os percentuais previstos nos incisos I até X não são cumulativos, sendo que o maior exclui o menor Em 22 de janeiro de 2019, por meio da Lei Complementar 399/2019, houve nova alteração nos artigos 30-A e 30-B da Lei Complementar nº 212/2009, que passaram a vigorar nos seguintes termos: “Art. 30-A. Será concedida ao servidor público municipal estável que estiver atuando no âmbito da Administração Direta, Autarquias e Fundações do Município de Anápolis, cumprido integralmente o estágio probatório no desempenho de suas funções, ADICIONAL DE TITULAÇÃO, FORMAÇÃO E APERFEIÇOAMENTO, mediante a apresentação de certificado ou certificados de aprimoramento, aperfeiçoamento profissional ou pós-graduação, sem prejuízo da promoção prevista no Capitulo IV da Lei Complementar nº 212/2009. §1º. Para a concessão do ADICIONAL DE TITULAÇÃO, FORMAÇÃO E APERFEIÇOAMENTO que trata o caput deste artigo só serão considerados os cursos com duração mínima de 30 (trinta) horas, oferecidos na modalidade presencial ou à distância, nos quais o servidor estável tenha obtido aproveitamento igual ou superior a 75% (setenta e cinco por cento). §2º. Para os cursos presenciais será exigida a frequência mínima de 75% (setenta e cinco por cento) da carga horária total do curso. §3º. Os cursos de que trata o § 1º deverão ser autorizados pelo Conselho competente ou ministrados por instituições de ensino oficial ou credenciadas por órgão oficial, observando-se a sequência cronológica. §4º. Regra geral, para pleitear o ADICIONAL DE TITULAÇÃO, FORMAÇÃO E APERFEIÇOAMENTO, não pode o servidor estável utilizar o título de que lhe tenha resultado concessão de enquadramento ou progressão vertical. Excepcionalmente, referido título poderá ser utilizado para pleitear o adicional se apresentado uma única vez dentro do primeiro período de concessão, conforme estipulado nos parágrafos quinto e sexto seguintes. §5º. Para requerer o ADICIONAL DE TITULAÇÃO, FORMAÇÃO E APERFEIÇOAMENTO, os servidores deverão dar entrada através de processos, com juntada da documentação, até 30 de maio e 30 de outubro de cada ano. §6º. A concessão do ADICIONAL DE TITULAÇÃO, FORMAÇÃO E APERFEIÇOAMENTO deverá ocorrer sempre nos dias 01 de julho e 01 de dezembro de cada ano civil. §7º. A concessão do ADICIONAL DE TITULAÇÃO, FORMAÇÃO E APERFEIÇOAMENTO, requeridos e analisados nos termos da presente Lei Complementar até janeiro de 2019, será concedido a partir de janeiro de 2019. §8º. Será observado o lapso de 03 (três) anos para aquisição de um novo ADICIONAL DE TITULAÇÃO, FORMAÇÃO E APERFEIÇOAMENTO, devendo a primeira concessão ocorrer apenas em um nível superior ao de ingresso no cargo do servidor. Art. 30-B. O ADICIONAL DE TITULAÇÃO, FORMAÇÃO E APERFEIÇOAMENTO será calculado sobre o vencimento-base na referência que o servidor ocupar, garantida sua incorporação, à razão de: I - 35% (trinta e cinco por cento), para doutorado, com defesa e aprovação de tese na área relativa ao cargo. II - 32% (trinta e dois por cento), para mestrado, com defesa e aprovação de tese na área relativa ao cargo. III - 30% (trinta por cento), para especialização, em curso superior na área relativa ao cargo. IV -25% (vinte e cinco por cento), para escolaridade superior na área relativa ao cargo. V - 20% (vinte por cento), para um total igual ou superior a 600 (seiscentas) horas de curso de aperfeiçoamento na área relativa ao cargo; VI - 15% (quinze por cento) para um total igual ou superior a 500 (quinhentas) horas de curso de aperfeiçoamento na área relativa ao cargo; VII - 12% (doze por cento) para um total igual ou superior a 400 (quatrocentos) horas de curso de aperfeiçoamento na área relativa ao cargo. VIII - 10% (dez por cento) para um total igual ou superior a 300 (trezentas) horas de curso de aperfeiçoamento na área relativa ao cargo. IX - 7% (sete por cento) para um total igual ou superior a 200 (duzentas) horas de curso de aperfeiçoamento na área relativa ao cargo. X - 5% (cinco por cento) para um total igual ou superior a 100 (cem) horas de curso de aperfeiçoamento na área relativa ao cargo. §1º. Os totais de horas de que tratam os incisos V, VI e VII deste artigo poderão ser alcançados em um só curso ou pela soma da duração de mais de um curso, desde que observado o limite mínimo previsto no parágrafo primeiro do artigo anterior e concluídos após o ingresso no cargo. §2º. Os percentuais previstos nos incisos I até VII não são cumulativos, sendo que o maior exclui o menor.”. Por fim, em 21 de dezembro de 2022, a Lei Complementar 513/22, alterou o §2º do art. 30-B da Lei Complementar nº 212/09, cuja redação passou a vigorar nos seguintes termos: Art. 30-B. […] […] §2º. Os percentuais nos incisos I a X não são cumulativos, sendo que o maior exclui o menor. Um elemento fundamental para a interpretação da intenção do legislador encontra-se no §8º do artigo 30-A da mesma lei, que estabelece: "Será observado o lapso de 03 (três) anos para aquisição de um novo ADICIONAL DE TITULAÇÃO, FORMAÇÃO E APERFEIÇOAMENTO (...)" Esta disposição foi mantida em todas as alterações legislativas e indica claramente a intenção do legislador em impedir a cumulação indiscriminada dos percentuais do adicional de titulação, estabelecendo um lapso temporal mínimo de 3 anos entre as concessões dos adicionais. A interpretação sistemática e teleológica da legislação municipal revela que o intuito foi estabelecer uma progressão na carreira do servidor através do aprimoramento educacional, com incentivos financeiros correspondentes ao nível de formação alcançado. A permissão de cumulação irrestrita de percentuais (como os 5%, 7% e 10% pretendidos pela parte recorrente) contrariaria a lógica progressiva e hierarquizada dos percentuais estabelecidos na lei. Permitir a cumulação dos percentuais previstos nos incisos VIII, IX e X (correspondentes a cursos de aperfeiçoamento de 300, 200 e 100 horas, respectivamente), que somados alcançariam 22%, possibilitaria que um servidor obtivesse percentual próximo ao de uma escolaridade superior (25%) ou quase o valor de uma especialização (30%) por meio de cursos de aperfeiçoamento de menor complexidade acadêmica e em tempo inferior ao exigido para a obtenção daqueles títulos. Tal interpretação contrariaria a própria lógica escalonada de valorização da qualificação profissional estabelecida pela lei e frustraria o estímulo ao aprimoramento contínuo em níveis progressivamente mais complexos de formação. A previsão do lapso de 03 (três) anos para aquisição de novo adicional, constante do §8º do artigo 30-A, corrobora o entendimento de que a cumulação imediata de percentuais da mesma natureza (no caso, cursos de aperfeiçoamento) não se coaduna com a finalidade da norma, que é recompensar o esforço do servidor em qualificar-se continuamente ao longo de sua carreira, mas de forma escalonada e progressiva. Para reforçar a interpretação já apresentada, é fundamental recorrer aos princípios hermenêuticos estabelecidos na Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB), que orientam a aplicação das normas jurídicas no ordenamento brasileiro. O artigo 5º da LINDB estabelece que "na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum". Este dispositivo consagra a interpretação teleológica, que busca identificar a finalidade da norma, seu objetivo social e o espírito do legislador ao criá-la. No caso em análise, a interpretação teleológica da Lei Complementar Municipal nº 212/2009 e suas alterações revela que o propósito do legislador foi estabelecer um sistema progressivo de valorização da qualificação profissional dos servidores. A estrutura escalonada dos percentuais (de 5% a 35%) demonstra claramente uma hierarquização das titulações, premiando com maiores percentuais as formações de maior complexidade e duração. Ademais, o artigo 4º da LINDB dispõe que "quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito". Mesmo que se considerasse omissa a legislação quanto à possibilidade de cumulação dos percentuais dos incisos VIII a X (o que não é o caso, dada a previsão do §8º do artigo 30-A), os princípios gerais do direito administrativo, notadamente o da legalidade estrita e o da razoabilidade, orientariam no sentido da não cumulação. A interpretação que permite a cumulação dos percentuais levaria a situações juridicamente desproporcionais, em que servidores com certificados de cursos de aperfeiçoamento poderiam alcançar percentuais similares ou superiores àqueles concedidos a servidores com titulações acadêmicas de maior envergadura, como mestrado e doutorado, desvirtuando o evidente propósito legislativo de escalonamento valorativo das qualificações. Também é pertinente observar o artigo 20 da LINDB (incluído pela Lei nº 13.655/2018), que determina que "nas esferas administrativa, controladora e judicial, não se decidirá com base em valores jurídicos abstratos sem que sejam consideradas as consequências práticas da decisão". A interpretação que permite a cumulação indiscriminada de percentuais geraria significativo impacto orçamentário para o Município, sem que haja expressa previsão legal para tanto, contrariando o princípio do equilíbrio das contas públicas. À luz desses fundamentos da LINDB, a interpretação que melhor atende aos fins sociais da norma e às exigências do bem comum, considerando ainda suas consequências práticas, é aquela que reconhece a impossibilidade de cumulação dos percentuais de adicional de titulação, inclusive aqueles previstos nos incisos VIII a X do Art. 30-B da Lei Complementar Municipal nº 212/2009, devendo prevalecer o entendimento adotado no acórdão recorrido. Quanto à alegação de direito adquirido, cumpre destacar que, conforme entendimento consolidado do Supremo Tribunal Federal, não há direito adquirito à regime jurídico funcional, veja: "não há direito adquirido à regime jurídico-funcional pertinente à composição dos vencimentos ou à permanência do regime legal de reajuste de vantagem, desde que eventual modificação introduzida por ato legislativo superveniente preserve o montante global da remuneração, não acarretando decesso de caráter pecuniário. Precedentes. Agravo regimental a que se dá provimento. (RE 433621 AgR, Relator(a): EROS GRAU, Segunda Turma, julgado em 12-02-2008, DJe-047 DIVULG 13-03-2008 PUBLIC 14-03-2008) EMENTA: DIREITOS CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. ESTABILIDADE FINANCEIRA. MODIFICAÇÃO DE FORMA DE CÁLCULO DA REMUNERAÇÃO. OFENSA À GARANTIA CONSTITUCIONAL DA IRREDUTIBILIDADE DA REMUNERAÇÃO: AUSÊNCIA. JURISPRUDÊNCIA. LEI COMPLEMENTAR N. 203/2001 DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE: CONSTITUCIONALIDADE. 1. 0 Supremo Tribunal Federal pacificou a sua jurisprudência sobre a constitucionalidade do instituto da estabilidade financeira e sobre a ausência de direito adquirido a regime jurídico. 2. Nesta linha, a Lei Complementar n. 203/2001, do Estado do Rio Grande do Norte, no ponto que alterou a forma de cálculo de gratificações e, conseqüentemente, a composição da remuneração de servidores públicos, não ofende a Constituição da República de 1988, por dar cumprimento ao princípio da irredutibilidade da remuneração. 3. Recurso extraordinário ao qual se nega provimento. (563.965-7 RN, Relatora Carmen Lúcia DJe nº 53 Divulgação 19/03/2009 Publicação 20/03/2009 Ementário nº 2353-6) No caso em análise, não se trata de redução de vencimentos já incorporados ao patrimônio jurídico do servidor, mas de definição da forma de interpretação e aplicação de uma norma que, desde sua origem, estabeleceu um sistema escalonado de valorização da qualificação profissional. A alteração promovida pela Lei Complementar Municipal nº 513/2022, que passou a vedar expressamente a cumulação de todos os percentuais (incisos I a X), apenas veio a esclarecer a interpretação já decorrente da análise sistemática e teleológica da norma anterior, não representando inovação jurídica substancial. Por fim, é importante ressaltar que, no âmbito da Administração Pública, vigora o princípio da legalidade estrita, pelo qual o administrador somente pode fazer o que a lei expressamente autoriza, diferentemente da autonomia da vontade que rege as relações privadas. O princípio da legalidade, consagrado no art. 37, caput, da Constituição Federal, é o princípio basilar da Administração Pública e impõe que o administrador público somente pode fazer o que a lei expressamente autoriza. Sobre o princípio da legalidade no âmbito administrativo, ensina Hely Lopes Meireles: Na Administração Pública não há liberdade em vontade pessoal. Enquanto na administração particular é lícito fazer tudo que a lei não proíbe, na Administração Pública só é permitido fazer o que a lei autoriza. A lei para o particular significa ‘pode fazer assim’; para o administrador público significa ‘deve fazer assim’. As leis administrativas são, normalmente, de ordem pública e seus preceitos não podem ser descumpridos, nem mesmo por acordo ou vontade conjunta de seus aplicadores e destinatários, uma vez que contêm verdadeiros poderes-deveres, irrelegáveis pelos agentes públicos. Por outras palavras, a natureza da função pública e a finalidade do Estado impedem que seus agentes deixem de exercitar os poderes e de cumprir os deveres que a lei lhes impõe. Tais poderes, conferidos à Administração Pública para serem utilizados em benefício da coletividade, não podem ser renunciados ou descumpridos pelo administrador sem ofensa ao bem comum, que é o supremo e único objetivo de toda ação administrativa. (Direito administrativo brasileiro. São Paulo: Malheiros. 2016, pág. 93).” No caso em análise, o silêncio do legislador quanto à possibilidade de cumulação dos percentuais previstos nos incisos VIII a X do art. 30-B não pode ser interpretado como autorização para tal cumulação. Ao contrário, ausência de previsão explícita para cumulação dos percentuais dos incisos VIII, IX e X não pode ser interpretada como autorização tácita para tal acumulação, especialmente considerando a regra do §8º do artigo 30-A que estabelece o lapso temporal de 3 anos entre concessões de novos adicionais. Esta interpretação encontra respaldo na jurisprudência de outros tribunais, como o Tribunal de Justiça do Distrito Federal, que, em casos análogos, já decidiu pela impossibilidade de cumulação de percentuais da mesma natureza, por interpretação teleológica, mesmo quando a lei não vedava expressamente tal cumulação (TJDFT, 6ª Turma Cível, acórdão nº 916311, DJe 02.02.2016; 3ª Turma Recursal, acórdão nº 1004217, DJe 21.3.2017). Ante o exposto, CONHEÇO do incidente de uniformização de jurisprudência e NEGO-LHE PROVIMENTO, mantendo o entendimento adotado no acórdão recorrido, no sentido da impossibilidade de cumulação dos adicionais de titulação previstos nos incisos VIII, IX e X do Art. 30-B da Lei Complementar Municipal nº 212/2009. Sem custas e sem honorários advocatícios, diante da gratuidade de justiça conferida ao recorrente. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos oralmente estes autos, em que são partes as acima mencionadas, ACORDA A SEGUNDA TURMA RECURSAL DOS JUIZADOS ESPECIAIS em CONHECER DO PEDIDO DE UNIFORMIZAÇÃO E NEGAR-LHE PROVIMENTO, conforme voto da relatora, Dra. Geovana Mendes Baía Moisés, sintetizado na ementa. Goiânia, datado e assinado digitalmente. GEOVANA MENDES BAIA MOISES RELATORA PROPOSTA DE SÚMULA SÚMULA Nº XX: Os percentuais referentes ao adicional de titulação, formação e aperfeiçoamento, previstos no artigo 30-B da Lei Complementar Municipal nº 212/2009 de Anápolis, devem ser aplicados de forma exclusiva, sem acumulação entre si.. EMENTA. EMENTA. INCIDENTE DE UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA. DIREITO ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO MUNICIPAL. ADICIONAL DE TITULAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE DE CUMULAÇÃO DE PERCENTUAIS REFERENTES AOS CURSOS DE APERFEIÇOAMENTO. INTERPRETAÇÃO TELEOLÓGICA. LEI COMPLEMENTAR MUNICIPAL N° 212/2009. ALTERAÇÕES PELA LEI COMPLEMENTAR N° 513/2022. AUSÊNCIA DE DIREITO ADQUIRIDO A REGIME JURÍDICO. PRINCÍPIO DA LEGALIDADE. LAPSO TEMPORAL DE 3 ANOS ENTRE CONCESSÕES. INTENÇÃO DO LEGISLADOR DE ESTIMULAR O CONTÍNUO DESENVOLVIMENTO. CONFORMIDADE COM O PRINCÍPIO DA EFICIÊNCIA ADMINISTRATIVA. PEDIDO DE UNIFORMIZAÇÃO CONHECIDO E DESPROVIDO.

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Processo nº 5598567-74.2023.8.09.0006

ID: 315661737

Tribunal: TJGO Órgão: Turma de Uniformização Classe: PROCEDIMENTO COMUM CíVEL Nº Processo: 5598567-74.2023.8.09.0006

Data de Disponibilização: 03/07/2025

Polo Ativo:

MARCOS ANTONIO MARIANO CELESTINO

Polo Passivo:

Relatório e Voto

Advogados:

ALESSANDRO GONÇALVES DA PAIXÃO

OAB/GO XXXXXX Desbloquear

NATHÃLIA LIMA BRAGANÃA

OAB/GO XXXXXX Desbloquear

ESTADO DE GOIÁS PODER JUDICIÁRIO 2ª TURMA RECURSAL DOS JUIZADOS ESPECIAIS Processo nº: 5598567-74.2023.8.09.0006 Recorrente: Marcos Antônio Mariano Celestino Advogados: Alessandro Gonçalves da Pai… ESTADO DE GOIÁS PODER JUDICIÁRIO 2ª TURMA RECURSAL DOS JUIZADOS ESPECIAIS Processo nº: 5598567-74.2023.8.09.0006 Recorrente: Marcos Antônio Mariano Celestino Advogados: Alessandro Gonçalves da Paixão (OAB/GO 21.031) e Nathália Lima Bragança (OAB/GO 59.986) Recorrido: Município de Anápolis Procuradora: Luciana Ferreira Garcia Rocha (OAB/GO 16.788) Juiz sentenciante: Dr. Cláudio Henrique Araújo de Castro Relatora: Dra. Geovana Mendes Baía Moisés EMENTA. EMENTA. INCIDENTE DE UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA. DIREITO ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO MUNICIPAL. ADICIONAL DE TITULAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE DE CUMULAÇÃO DE PERCENTUAIS REFERENTES AOS CURSOS DE APERFEIÇOAMENTO. INTERPRETAÇÃO TELEOLÓGICA. LEI COMPLEMENTAR MUNICIPAL N° 212/2009. ALTERAÇÕES PELA LEI COMPLEMENTAR N° 513/2022. AUSÊNCIA DE DIREITO ADQUIRIDO A REGIME JURÍDICO. PRINCÍPIO DA LEGALIDADE. LAPSO TEMPORAL DE 3 ANOS ENTRE CONCESSÕES. INTENÇÃO DO LEGISLADOR DE ESTIMULAR O CONTÍNUO DESENVOLVIMENTO. CONFORMIDADE COM O PRINCÍPIO DA EFICIÊNCIA ADMINISTRATIVA. PEDIDO DE UNIFORMIZAÇÃO CONHECIDO E DESPROVIDO. RELATÓRIO Trata-se de Pedido de Uniformização de Jurisprudência interposto por MARCOS ANTÔNIO MARIANO CELESTINO em face de acórdão prolatado pela 2ª Turma Recursal dos Juizados Especiais do Estado de Goiás, que negou provimento ao Recurso Inominado interposto pelo ora requerente contra sentença que julgou improcedente o pedido de cumulação dos percentuais previstos nos incisos VIII, IX e X do art. 30-B da Lei Complementar Municipal nº 212/2009. O requerente alega que há divergência de entendimento dentro da própria 2ª Turma Recursal, bem como com o posicionamento adotado pela 3ª Turma Recursal do TJGO em casos análogos, razão pela qual interpõe o presente incidente. Em suas razões, o recorrente aponta que é servidor público municipal regido pela Lei Complementar Municipal nº 212/2009, que garante aos servidores públicos municipais o adicional de titulação e que a Lei Complementar Municipal nº 399/2019 estabeleceu que "os percentuais previstos nos incisos I até VII não são cumulativos, sendo que o maior exclui o menor", não havendo vedação expressa à cumulação dos percentuais previstos nos incisos VIII a X. Salienta que formulou pedido administrativo para concessão do adicional de titulação, referente aos percentuais de 5%, 7% e 10% (incisos VIII, IX e X), que foi indeferido com base na Lei Complementar nº 513/2022, que alterou a redação do §2º do art. 30-B da LC nº 212/2009, passando a vedar a cumulação de todos os percentuais (incisos I a X). Diz que a concessão do adicional de qualificação funcional deve ser pautada de acordo com a legislação vigente à época em que foram implementados os requisitos para sua percepção, conforme o princípio tempus regit actum, amparado na irretroatividade da lei. Para comprovar a divergência jurisprudencial, o recorrente cita julgados da 2ª e da 3ª Turmas Recursais (Processos nº 5388269-75.2021.8.09.0006, nº 5586819-45.2023.8.09.0006 e nº 5799514-47.2023.8.09.0006), em que foi reconhecido o direito à cumulação dos percentuais pretendidos, com base no princípio tempus regit actum. O MUNICÍPIO DE ANÁPOLIS apresentou contrarrazões, sustentando a impossibilidade de cumulação dos adicionais pretendidos pelo recorrente. Alega que não havia possibilidade de cumulação dos incisos I a X como argumenta o recorrente, pois na Administração Pública a omissão legislativa não impõe obrigação, já que ao administrador público só é permitida a atuação nos termos expressos em lei. Diz ainda, que o servidor público não tem direito adquirido a regime jurídico e que o texto legal envolve uma valoração progressiva do nível de esforço do servidor conforme a maior dificuldade e especialmente tempo de estudo e pesquisa para obtenção do título. Salienta que a intenção do legislador é estimular o servidor a refinar seu aperfeiçoamento profissional progressivamente e que a interpretação que permite a cumulação representaria o resultado inverso do almejado na lei, pois o servidor não buscaria se aprimorar para conquistar o percentual maior. Por fim, alega que o art. 37, IV, da Constituição Federal veda que "os acréscimos pecuniários percebidos por servidor público não serão computados nem acumulados para fins de concessão de acréscimos ulteriores". ADMISSIBILIDADE O Pedido de Uniformização de Jurisprudência é cabível quando houver divergência entre decisões das Turmas Recursais sobre questões de direito material, conforme previsto na Resolução nº 154 do CNJ. No caso em análise, o recorrente demonstrou adequadamente a existência de divergência entre julgados das Turmas Recursais dos Juizados Especiais do Estado de Goiás quanto à interpretação e aplicação do art. 30-B, §2º, da Lei Complementar Municipal nº 212/2009, com as alterações promovidas pelas Leis Complementares nº 346/2016, nº 387/2018, nº 399/2019 e nº 513/2022. Enquanto a 2ª Turma Recursal, no acórdão ora impugnado, negou provimento ao recurso inominado interposto pelo requerente por entender que não havia previsão legal para cumulação dos percentuais previstos nos incisos VIII, IX e X do art. 30-B da LC nº 212/2009, a mesma 2ª Turma, em outra composição, bem como a 3ª Turma Recursal, em casos análogos, reconheceram o direito à cumulação dos referidos percentuais. Comprovada a divergência jurisprudencial e preenchidos os demais requisitos de admissibilidade, conheço do Pedido de Uniformização de Jurisprudência. DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL A divergência jurisprudencial apontada pelo requerente diz respeito à possibilidade de cumulação dos percentuais do adicional de titulação previstos nos incisos VIII, IX e X do art. 30-B da Lei Complementar Municipal nº 212/2009, com a redação dada pela Lei Complementar nº 399/2019. No acórdão impugnado, a 2ª Turma Recursal negou provimento ao recurso inominado interposto pelo requerente com base nos seguintes fundamentos: "4.1). Pois bem. Em que pese a omissão legislativa, por um curto período de tempo, no tocante a cumulação ou não dos percentuais dispostos nos incisos VIII a X da Lei Complementar nº 339/19, importante reforçar que o silêncio do legislador, no âmbito administrativo, não implica em permissão para que o administrador aja naquele sentido. (4.2). Como bem pontuado pelo juízo da origem, 'por força do princípio da legalidade a Administração Pública fica adstrita ao disposto na lei. Sendo assim, inexistindo previsão legal que possibilita acumulação dos adicionais de titulação não cabe ao administrador por sua mera liberalidade conceder tal direito. Sobre o assunto, ensina Hely Lopes Meireles: Na Administração Pública não há liberdade em vontade pessoal. Enquanto na administração particular é lícito fazer tudo que a lei não proíbe, na Administração Pública só é permitido fazer o que a lei autoriza. A lei para o particular significa 'pode fazer assim'; para o administrador público significa 'deve fazer assim'. [...] (4.3). Desse modo, entendo por acertada a sentença prolatada pelo juízo da origem pois, como bem explanado nos autos, 'o fato do dispositivo legal afirmar que os incisos I até VII não são cumulativos, não significa que os demais são cumuláveis.'" Por outro lado, a mesma 2ª Turma Recursal, em outra composição, no julgamento do Processo nº 5388269-75.2021.8.09.0006, decidiu que: "(3.5). Em que pese a nova previsão acerca do início do pagamento em janeiro de 2019, o direito da autora ao acréscimo do adicional de titulação já havia sido declarado pela administração municipal, impondo-se, portanto, o pagamento retroativo a partir dos 60 (sessenta) dias subsequentes ao requerimento administrativo. Nesse sentido, é o entendimento do TJGO [...]" No mesmo sentido, a 3ª Turma Recursal, nos Processos nº 5586819-45.2023.8.09.0006 e nº 5799514-47.2023.8.09.0006, reconheceu o direito à cumulação dos percentuais com base no princípio tempus regit actum: "9. Conforme a reiterada jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, não tem o servidor público direito adquirido a regime jurídico remuneratório, exceto se da alteração legal decorrer redução de seus rendimentos. O caso em tela possui uma importante particularidade, uma vez que a legislação anterior (LCM n. 399/2019) assegurava ao servidor o direito ao adicional de titulação nos percentuais ali descritos, desde que implementados os requisitos, sem qualquer menção à proibição de acumulação. O direito da impetrante encontra-se constitucionalmente garantido no inciso XXXVI, do art.5º, da Constituição Federal: 'A lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada.'" "10. Assim, a concessão do adicional de qualificação funcional deve ser pautada de acordo com a legislação vigente à época em que foram implementados os requisitos exigidos para a percepção da gratificação, nos termos do princípio tempus regit actum, amparado na irretroatividade da lei (art. 5.º, XXXVI, da CF)." Resta evidenciada, portanto, a divergência jurisprudencial quanto à interpretação do art. 30-B, §2º, da Lei Complementar Municipal nº 212/2009, com a redação dada pela Lei Complementar nº 399/2019, especificamente no que se refere à possibilidade de cumulação dos percentuais previstos nos incisos VIII, IX e X. SOLUÇÃO DA DIVERGÊNCIA A questão central a ser dirimida consiste em definir se, sob a égide da Lei Complementar Municipal nº 399/2019, que alterou a Lei Complementar nº 212/2009, era permitida a cumulação dos percentuais do adicional de titulação previstos nos incisos VIII, IX e X do art. 30-B. Para melhor compreensão da controvérsia, faz-se necessário analisar as disposições legais pertinentes ao tema. A Lei Complementar Municipal n° 212/2009 aprovada em 22 de dezembro de 2009, estruturou o plano de cargos, carreiras e vencimentos da administração direta, autarquias e fundações do Município de Anápolis-GO. Posteriormente, por meio da Lei Complementar 346/2016, aprovada em 30.06.2016, foram introduzidos os artigos 30-A e 30-B no Capítulo XI, com a seguinte redação: Art. 30-A. Será concedida ao servidor público municipal estável que estiver atuando no âmbito da Administração Direta, Autarquias e Fundações do Município de Anápolis, cumprido integralmente o estágio probatório no desempenho de suas funções, ADICIONAL DE TITULAÇÃO, FORMAÇÃO E APERFEIÇOAMENTO, mediante a apresentação de certificado ou certificados de aprimoramento, aperfeiçoamento profissional ou pós-graduação, sem prejuízo da promoção prevista no Capitulo IV da Lei Complementar nº 212/2009, após cumprindo o lapso de 18 (dezoito) meses de vigência desta Lei Complementar. §1º. Para a concessão do ADICIONAL DE TITULAÇÃO, FORMAÇÃO E APERFEIÇOAMENTO que trata o caput deste artigo só serão considerados os cursos com duração mínima de 30 (trinta) horas, oferecidos na modalidade presencial ou à distância, nos quais o servidor estável tenha obtido aproveitamento igual ou superior a 75% (setenta e cinco por cento). §2º. Para os cursos presenciais será exigida a frequência mínima de 75% (setenta e cinco por cento) da carga horária total do curso. §3º. Os cursos de que trata o § 1º deverão ser autorizados pelo Conselho competente ou ministrados por instituições de ensino oficial ou credenciadas por órgão oficial, observando-se a sequência cronológica. §4º. Regra geral, para pleitear o ADICIONAL DE TITULAÇÃO, FORMAÇÃO E APERFEIÇOAMENTO, não pode o servidor estável utilizar o título de que lhe tenha resultado concessão de enquadramento ou progressão vertical. Excepcionalmente, referido título poderá ser utilizado para pleitear o adicional se apresentado uma única vez dentro do primeiro período de concessão, conforme estipulado nos parágrafos quinto e sexto seguintes. §5º. Para requerer o ADICIONAL DE TITULAÇÃO, FORMAÇÃO E APERFEIÇOAMENTO, os servidores deverão dar entrada através de processos, com juntada da documentação, até 30 de maio e 30 de outubro de cada ano. §6º. A concessão do ADICIONAL DE TITULAÇÃO, FORMAÇÃO E APERFEIÇOAMENTO deverá ocorrer sempre nos dias 01 de julho e 01 de dezembro de cada ano civil. §7º. Será observado o lapso de 03 (três) anos para aquisição de um novo ADICIONAL DE TITULAÇÃO, FORMAÇÃO E APERFEIÇOAMENTO, devendo a primeira concessão ocorrer apenas em um nível superior ao de ingresso no cargo do servidor. Art. 30-B. O ADICIONAL DE TITULAÇÃO, FORMAÇÃO E APERFEIÇOAMENTO será calculado sobre o vencimento-base na referência que o servidor ocupar, garantida sua incorporação, à razão de: I - 35% (trinta e cinco por cento), para doutorado, com defesa e aprovação de tese. II - 32% (trinta e dois por cento), para mestrado, com defesa e aprovação de tese. III - 30% (trinta por cento), para especialização, em curso superior. IV -25% (vinte e cinco por cento), para escolaridade superior. V - 20% (vinte por cento), para um total igual ou superior a 600 (seiscentas) horas de curso de aperfeiçoamento na área relativa ao cargo; VI - 15% (quinze por cento) para um total igual ou superior a 500 (quinhentas) horas de curso de aperfeiçoamento na área relativa ao cargo; VII - 12% (doze por cento) para um total igual ou superior a 400 (quatrocentos) horas de curso de aperfeiçoamento na área relativa ao cargo. VIII - 10% (dez por cento) para um total igual ou superior a 300 (trezentas) horas de curso de aperfeiçoamento na área relativa ao cargo. IX - 7% (sete por cento) para um total igual ou superior a 200 (duzentas) horas de curso de aperfeiçoamento na área relativa ao cargo. X - 5% (cinco por cento) para um total igual ou superior a 100 (cem) horas de curso de aperfeiçoamento na área relativa ao cargo. §1º. Os totais de horas de que tratam os incisos V, VI e VII deste artigo poderão ser alcançados em um só curso ou pela soma da duração de mais de um curso, desde que observado o limite mínimo previsto no parágrafo primeiro do artigo anterior e concluídos após o ingresso no cargo. §2º. Os percentuais previstos nos incisos I até VII não são cumulativos, sendo que o maior exclui o menor. Em 14 de agosto de 2018, por meio da Lei Complementar 387/2018, foram alterados os parágrafos 5º, 6º e 7º do art. 30-A, os parágrafos 1º e 2º do art. 30B da Lei Complementar nº 212 de 22 de dezembro de 2009, que assim passam a viger: “Art. 30-A (....) § 5º. Para requerer o ADICIONAL DE TITULAÇÃO, FORMAÇÃO E APERFEIÇOAMENTO, os servidores deverão dar entrada através de processos, com juntada da documentação. § 6º. A concessão do ADICIONAL DE TITULAÇÃO, FORMAÇÃO E APERFEIÇOAMENTO deverá ocorrer sempre após 60 dias de protocolado, quando a documentação estiver completa. § 7º. Será observado o lapso de 03 (três) anos para aquisição de um novo ADICIONAL DE TITULAÇÃO, FORMAÇÃO E APERFEIÇOAMENTO.” “Art. 30-B (....) § 1º. Os totais de horas de que tratam os incisos V, VI, VII, VIII, IX e X, deste artigo poderão ser alcançados em um só curso ou pela soma da duração de mais de um curso, podendo os cursos serem concluídos antes do ingresso no cargo. §2º. Os percentuais previstos nos incisos I até X não são cumulativos, sendo que o maior exclui o menor Em 22 de janeiro de 2019, por meio da Lei Complementar 399/2019, houve nova alteração nos artigos 30-A e 30-B da Lei Complementar nº 212/2009, que passaram a vigorar nos seguintes termos: “Art. 30-A. Será concedida ao servidor público municipal estável que estiver atuando no âmbito da Administração Direta, Autarquias e Fundações do Município de Anápolis, cumprido integralmente o estágio probatório no desempenho de suas funções, ADICIONAL DE TITULAÇÃO, FORMAÇÃO E APERFEIÇOAMENTO, mediante a apresentação de certificado ou certificados de aprimoramento, aperfeiçoamento profissional ou pós-graduação, sem prejuízo da promoção prevista no Capitulo IV da Lei Complementar nº 212/2009. §1º. Para a concessão do ADICIONAL DE TITULAÇÃO, FORMAÇÃO E APERFEIÇOAMENTO que trata o caput deste artigo só serão considerados os cursos com duração mínima de 30 (trinta) horas, oferecidos na modalidade presencial ou à distância, nos quais o servidor estável tenha obtido aproveitamento igual ou superior a 75% (setenta e cinco por cento). §2º. Para os cursos presenciais será exigida a frequência mínima de 75% (setenta e cinco por cento) da carga horária total do curso. §3º. Os cursos de que trata o § 1º deverão ser autorizados pelo Conselho competente ou ministrados por instituições de ensino oficial ou credenciadas por órgão oficial, observando-se a sequência cronológica. §4º. Regra geral, para pleitear o ADICIONAL DE TITULAÇÃO, FORMAÇÃO E APERFEIÇOAMENTO, não pode o servidor estável utilizar o título de que lhe tenha resultado concessão de enquadramento ou progressão vertical. Excepcionalmente, referido título poderá ser utilizado para pleitear o adicional se apresentado uma única vez dentro do primeiro período de concessão, conforme estipulado nos parágrafos quinto e sexto seguintes. §5º. Para requerer o ADICIONAL DE TITULAÇÃO, FORMAÇÃO E APERFEIÇOAMENTO, os servidores deverão dar entrada através de processos, com juntada da documentação, até 30 de maio e 30 de outubro de cada ano. §6º. A concessão do ADICIONAL DE TITULAÇÃO, FORMAÇÃO E APERFEIÇOAMENTO deverá ocorrer sempre nos dias 01 de julho e 01 de dezembro de cada ano civil. §7º. A concessão do ADICIONAL DE TITULAÇÃO, FORMAÇÃO E APERFEIÇOAMENTO, requeridos e analisados nos termos da presente Lei Complementar até janeiro de 2019, será concedido a partir de janeiro de 2019. §8º. Será observado o lapso de 03 (três) anos para aquisição de um novo ADICIONAL DE TITULAÇÃO, FORMAÇÃO E APERFEIÇOAMENTO, devendo a primeira concessão ocorrer apenas em um nível superior ao de ingresso no cargo do servidor. Art. 30-B. O ADICIONAL DE TITULAÇÃO, FORMAÇÃO E APERFEIÇOAMENTO será calculado sobre o vencimento-base na referência que o servidor ocupar, garantida sua incorporação, à razão de: I - 35% (trinta e cinco por cento), para doutorado, com defesa e aprovação de tese na área relativa ao cargo. II - 32% (trinta e dois por cento), para mestrado, com defesa e aprovação de tese na área relativa ao cargo. III - 30% (trinta por cento), para especialização, em curso superior na área relativa ao cargo. IV -25% (vinte e cinco por cento), para escolaridade superior na área relativa ao cargo. V - 20% (vinte por cento), para um total igual ou superior a 600 (seiscentas) horas de curso de aperfeiçoamento na área relativa ao cargo; VI - 15% (quinze por cento) para um total igual ou superior a 500 (quinhentas) horas de curso de aperfeiçoamento na área relativa ao cargo; VII - 12% (doze por cento) para um total igual ou superior a 400 (quatrocentos) horas de curso de aperfeiçoamento na área relativa ao cargo. VIII - 10% (dez por cento) para um total igual ou superior a 300 (trezentas) horas de curso de aperfeiçoamento na área relativa ao cargo. IX - 7% (sete por cento) para um total igual ou superior a 200 (duzentas) horas de curso de aperfeiçoamento na área relativa ao cargo. X - 5% (cinco por cento) para um total igual ou superior a 100 (cem) horas de curso de aperfeiçoamento na área relativa ao cargo. §1º. Os totais de horas de que tratam os incisos V, VI e VII deste artigo poderão ser alcançados em um só curso ou pela soma da duração de mais de um curso, desde que observado o limite mínimo previsto no parágrafo primeiro do artigo anterior e concluídos após o ingresso no cargo. §2º. Os percentuais previstos nos incisos I até VII não são cumulativos, sendo que o maior exclui o menor.”. Por fim, em 21 de dezembro de 2022, a Lei Complementar 513/22, alterou o §2º do art. 30-B da Lei Complementar nº 212/09, cuja redação passou a vigorar nos seguintes termos: Art. 30-B. […] […] §2º. Os percentuais nos incisos I a X não são cumulativos, sendo que o maior exclui o menor. Um elemento fundamental para a interpretação da intenção do legislador encontra-se no §8º do artigo 30-A da mesma lei, que estabelece: "Será observado o lapso de 03 (três) anos para aquisição de um novo ADICIONAL DE TITULAÇÃO, FORMAÇÃO E APERFEIÇOAMENTO (...)" Esta disposição foi mantida em todas as alterações legislativas e indica claramente a intenção do legislador em impedir a cumulação indiscriminada dos percentuais do adicional de titulação, estabelecendo um lapso temporal mínimo de 3 anos entre as concessões dos adicionais. A interpretação sistemática e teleológica da legislação municipal revela que o intuito foi estabelecer uma progressão na carreira do servidor através do aprimoramento educacional, com incentivos financeiros correspondentes ao nível de formação alcançado. A permissão de cumulação irrestrita de percentuais (como os 5%, 7% e 10% pretendidos pela parte recorrente) contrariaria a lógica progressiva e hierarquizada dos percentuais estabelecidos na lei. Permitir a cumulação dos percentuais previstos nos incisos VIII, IX e X (correspondentes a cursos de aperfeiçoamento de 300, 200 e 100 horas, respectivamente), que somados alcançariam 22%, possibilitaria que um servidor obtivesse percentual próximo ao de uma escolaridade superior (25%) ou quase o valor de uma especialização (30%) por meio de cursos de aperfeiçoamento de menor complexidade acadêmica e em tempo inferior ao exigido para a obtenção daqueles títulos. Tal interpretação contrariaria a própria lógica escalonada de valorização da qualificação profissional estabelecida pela lei e frustraria o estímulo ao aprimoramento contínuo em níveis progressivamente mais complexos de formação. A previsão do lapso de 03 (três) anos para aquisição de novo adicional, constante do §8º do artigo 30-A, corrobora o entendimento de que a cumulação imediata de percentuais da mesma natureza (no caso, cursos de aperfeiçoamento) não se coaduna com a finalidade da norma, que é recompensar o esforço do servidor em qualificar-se continuamente ao longo de sua carreira, mas de forma escalonada e progressiva. Para reforçar a interpretação já apresentada, é fundamental recorrer aos princípios hermenêuticos estabelecidos na Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB), que orientam a aplicação das normas jurídicas no ordenamento brasileiro. O artigo 5º da LINDB estabelece que "na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum". Este dispositivo consagra a interpretação teleológica, que busca identificar a finalidade da norma, seu objetivo social e o espírito do legislador ao criá-la. No caso em análise, a interpretação teleológica da Lei Complementar Municipal nº 212/2009 e suas alterações revela que o propósito do legislador foi estabelecer um sistema progressivo de valorização da qualificação profissional dos servidores. A estrutura escalonada dos percentuais (de 5% a 35%) demonstra claramente uma hierarquização das titulações, premiando com maiores percentuais as formações de maior complexidade e duração. Ademais, o artigo 4º da LINDB dispõe que "quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito". Mesmo que se considerasse omissa a legislação quanto à possibilidade de cumulação dos percentuais dos incisos VIII a X (o que não é o caso, dada a previsão do §8º do artigo 30-A), os princípios gerais do direito administrativo, notadamente o da legalidade estrita e o da razoabilidade, orientariam no sentido da não cumulação. A interpretação que permite a cumulação dos percentuais levaria a situações juridicamente desproporcionais, em que servidores com certificados de cursos de aperfeiçoamento poderiam alcançar percentuais similares ou superiores àqueles concedidos a servidores com titulações acadêmicas de maior envergadura, como mestrado e doutorado, desvirtuando o evidente propósito legislativo de escalonamento valorativo das qualificações. Também é pertinente observar o artigo 20 da LINDB (incluído pela Lei nº 13.655/2018), que determina que "nas esferas administrativa, controladora e judicial, não se decidirá com base em valores jurídicos abstratos sem que sejam consideradas as consequências práticas da decisão". A interpretação que permite a cumulação indiscriminada de percentuais geraria significativo impacto orçamentário para o Município, sem que haja expressa previsão legal para tanto, contrariando o princípio do equilíbrio das contas públicas. À luz desses fundamentos da LINDB, a interpretação que melhor atende aos fins sociais da norma e às exigências do bem comum, considerando ainda suas consequências práticas, é aquela que reconhece a impossibilidade de cumulação dos percentuais de adicional de titulação, inclusive aqueles previstos nos incisos VIII a X do Art. 30-B da Lei Complementar Municipal nº 212/2009, devendo prevalecer o entendimento adotado no acórdão recorrido. Quanto à alegação de direito adquirido, cumpre destacar que, conforme entendimento consolidado do Supremo Tribunal Federal, não há direito adquirito à regime jurídico funcional, veja: "não há direito adquirido à regime jurídico-funcional pertinente à composição dos vencimentos ou à permanência do regime legal de reajuste de vantagem, desde que eventual modificação introduzida por ato legislativo superveniente preserve o montante global da remuneração, não acarretando decesso de caráter pecuniário. Precedentes. Agravo regimental a que se dá provimento. (RE 433621 AgR, Relator(a): EROS GRAU, Segunda Turma, julgado em 12-02-2008, DJe-047 DIVULG 13-03-2008 PUBLIC 14-03-2008) EMENTA: DIREITOS CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. ESTABILIDADE FINANCEIRA. MODIFICAÇÃO DE FORMA DE CÁLCULO DA REMUNERAÇÃO. OFENSA À GARANTIA CONSTITUCIONAL DA IRREDUTIBILIDADE DA REMUNERAÇÃO: AUSÊNCIA. JURISPRUDÊNCIA. LEI COMPLEMENTAR N. 203/2001 DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE: CONSTITUCIONALIDADE. 1. 0 Supremo Tribunal Federal pacificou a sua jurisprudência sobre a constitucionalidade do instituto da estabilidade financeira e sobre a ausência de direito adquirido a regime jurídico. 2. Nesta linha, a Lei Complementar n. 203/2001, do Estado do Rio Grande do Norte, no ponto que alterou a forma de cálculo de gratificações e, conseqüentemente, a composição da remuneração de servidores públicos, não ofende a Constituição da República de 1988, por dar cumprimento ao princípio da irredutibilidade da remuneração. 3. Recurso extraordinário ao qual se nega provimento. (563.965-7 RN, Relatora Carmen Lúcia DJe nº 53 Divulgação 19/03/2009 Publicação 20/03/2009 Ementário nº 2353-6) No caso em análise, não se trata de redução de vencimentos já incorporados ao patrimônio jurídico do servidor, mas de definição da forma de interpretação e aplicação de uma norma que, desde sua origem, estabeleceu um sistema escalonado de valorização da qualificação profissional. A alteração promovida pela Lei Complementar Municipal nº 513/2022, que passou a vedar expressamente a cumulação de todos os percentuais (incisos I a X), apenas veio a esclarecer a interpretação já decorrente da análise sistemática e teleológica da norma anterior, não representando inovação jurídica substancial. Por fim, é importante ressaltar que, no âmbito da Administração Pública, vigora o princípio da legalidade estrita, pelo qual o administrador somente pode fazer o que a lei expressamente autoriza, diferentemente da autonomia da vontade que rege as relações privadas. O princípio da legalidade, consagrado no art. 37, caput, da Constituição Federal, é o princípio basilar da Administração Pública e impõe que o administrador público somente pode fazer o que a lei expressamente autoriza. Sobre o princípio da legalidade no âmbito administrativo, ensina Hely Lopes Meireles: Na Administração Pública não há liberdade em vontade pessoal. Enquanto na administração particular é lícito fazer tudo que a lei não proíbe, na Administração Pública só é permitido fazer o que a lei autoriza. A lei para o particular significa ‘pode fazer assim’; para o administrador público significa ‘deve fazer assim’. As leis administrativas são, normalmente, de ordem pública e seus preceitos não podem ser descumpridos, nem mesmo por acordo ou vontade conjunta de seus aplicadores e destinatários, uma vez que contêm verdadeiros poderes-deveres, irrelegáveis pelos agentes públicos. Por outras palavras, a natureza da função pública e a finalidade do Estado impedem que seus agentes deixem de exercitar os poderes e de cumprir os deveres que a lei lhes impõe. Tais poderes, conferidos à Administração Pública para serem utilizados em benefício da coletividade, não podem ser renunciados ou descumpridos pelo administrador sem ofensa ao bem comum, que é o supremo e único objetivo de toda ação administrativa. (Direito administrativo brasileiro. São Paulo: Malheiros. 2016, pág. 93).” No caso em análise, o silêncio do legislador quanto à possibilidade de cumulação dos percentuais previstos nos incisos VIII a X do art. 30-B não pode ser interpretado como autorização para tal cumulação. Ao contrário, ausência de previsão explícita para cumulação dos percentuais dos incisos VIII, IX e X não pode ser interpretada como autorização tácita para tal acumulação, especialmente considerando a regra do §8º do artigo 30-A que estabelece o lapso temporal de 3 anos entre concessões de novos adicionais. Esta interpretação encontra respaldo na jurisprudência de outros tribunais, como o Tribunal de Justiça do Distrito Federal, que, em casos análogos, já decidiu pela impossibilidade de cumulação de percentuais da mesma natureza, por interpretação teleológica, mesmo quando a lei não vedava expressamente tal cumulação (TJDFT, 6ª Turma Cível, acórdão nº 916311, DJe 02.02.2016; 3ª Turma Recursal, acórdão nº 1004217, DJe 21.3.2017). Ante o exposto, CONHEÇO do incidente de uniformização de jurisprudência e NEGO-LHE PROVIMENTO, mantendo o entendimento adotado no acórdão recorrido, no sentido da impossibilidade de cumulação dos adicionais de titulação previstos nos incisos VIII, IX e X do Art. 30-B da Lei Complementar Municipal nº 212/2009. Sem custas e sem honorários advocatícios, diante da gratuidade de justiça conferida ao recorrente. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos oralmente estes autos, em que são partes as acima mencionadas, ACORDA A SEGUNDA TURMA RECURSAL DOS JUIZADOS ESPECIAIS em CONHECER DO PEDIDO DE UNIFORMIZAÇÃO E NEGAR-LHE PROVIMENTO, conforme voto da relatora, Dra. Geovana Mendes Baía Moisés, sintetizado na ementa. Goiânia, datado e assinado digitalmente. GEOVANA MENDES BAIA MOISES RELATORA PROPOSTA DE SÚMULA SÚMULA Nº XX: Os percentuais referentes ao adicional de titulação, formação e aperfeiçoamento, previstos no artigo 30-B da Lei Complementar Municipal nº 212/2009 de Anápolis, devem ser aplicados de forma exclusiva, sem acumulação entre si.. EMENTA. EMENTA. INCIDENTE DE UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA. DIREITO ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO MUNICIPAL. ADICIONAL DE TITULAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE DE CUMULAÇÃO DE PERCENTUAIS REFERENTES AOS CURSOS DE APERFEIÇOAMENTO. INTERPRETAÇÃO TELEOLÓGICA. LEI COMPLEMENTAR MUNICIPAL N° 212/2009. ALTERAÇÕES PELA LEI COMPLEMENTAR N° 513/2022. AUSÊNCIA DE DIREITO ADQUIRIDO A REGIME JURÍDICO. PRINCÍPIO DA LEGALIDADE. LAPSO TEMPORAL DE 3 ANOS ENTRE CONCESSÕES. INTENÇÃO DO LEGISLADOR DE ESTIMULAR O CONTÍNUO DESENVOLVIMENTO. CONFORMIDADE COM O PRINCÍPIO DA EFICIÊNCIA ADMINISTRATIVA. PEDIDO DE UNIFORMIZAÇÃO CONHECIDO E DESPROVIDO.

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