Processo nº 1008456-36.2025.8.13.0024
ID: 299072268
Tribunal: TJMG
Órgão: 3ª Vara dos Feitos da Fazenda Pública Municipal da Comarca de Belo Horizonte
Classe: PROCEDIMENTO COMUM CíVEL
Nº Processo: 1008456-36.2025.8.13.0024
Data de Disponibilização:
16/06/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
LUCIANO MIRANDA COSTA
OAB/MG XXXXXX
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PROCEDIMENTO COMUM CÍVEL Nº 1008456-36.2025.8.13.0024/MG
AUTOR
: INSTITUTO EDUCACIONAL PADRINHO E MADRINHA
ADVOGADO(A)
: LUCIANO MIRANDA COSTA (OAB MG208933)
DECISÃO
Vistos etc.
Trata-se de
AÇÃO DE …
PROCEDIMENTO COMUM CÍVEL Nº 1008456-36.2025.8.13.0024/MG
AUTOR
: INSTITUTO EDUCACIONAL PADRINHO E MADRINHA
ADVOGADO(A)
: LUCIANO MIRANDA COSTA (OAB MG208933)
DECISÃO
Vistos etc.
Trata-se de
AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C
OM PEDIDO DE
TUTELA DE URGÊNCIA
ajuizada pelo
INSTITUTO EDUCACIONAL PADRINHO E MADRINHA
, associação privada sem fins lucrativos, devidamente qualificada nos autos, contra o
MUNICÍPIO DE BELO HORIZONTE/
MG
, também qualificado.
A parte autora narra que foi idealizada para prestar serviços de atendimento à educação infantil gratuito a crianças carentes de 0 (zero) a 2 (dois) anos de idade, especialmente aquelas que se encontram em listas de espera nesta cidade e Comarca.
Afirma que sua sede, localizada na Rua Maria Rosa da Silva, nº 1.116, bairro Mantiqueira, Belo Horizonte/MG, foi totalmente construída sem recursos públicos, em uma região de alta vulnerabilidade social. Desde setembro de 2021, a instituição tem trabalhado na elaboração de um plano de trabalho para concretizar uma parceria público-privada com o Município de Belo Horizonte/MG, mas o atendimento aos bebês ainda não foi iniciado devido a “incontáveis exigências” realizadas pela Municipalidade.
Narra que o Município de Belo Horizonte/MG transferiu diversos patrimônios públicos para a sede da creche em dezembro de 2022, com o objetivo de viabilizar o atendimento aos bebês. A autora alega que, desde então, vem suportando os custos de manutenção e segurança desses bens públicos, incluindo contas de água, taxas bancárias e, principalmente, energia elétrica para manter as luzes acesas no período noturno, dada a localização da creche na Vila Mantiqueira.
Aduz que, em 21 de abril de 2025, foi surpreendida com uma notificação extrajudicial (nº 1722610) exigindo o pagamento dos aluguéis mensais de dezembro de 2022 até maio de 2025, sob pena de imediata retirada do patrimônio público alocado no imóvel e consequente despejo.
A inicial destaca que a autora está devidamente autorizada e credenciada na Secretaria Municipal de Educação, possuindo registro ativo no cadastro municipal de fornecedores (nº 16744). Informa que solicitou administrativamente a inclusão de recursos para pagamento dos aluguéis retroativos por meio de convalidação administrativa ou dispensa de licitação, mas ambas as solicitações foram negadas pelo Município requerido.
A parte autora busca, em sede de tutela de urgência, a determinação para que o Município requerido realize o depósito judicial do valor de R$ 11.000,00 (onze mil reais) e, subsequentemente, o pagamento mensal dos aluguéis do imóvel onde se encontra instalada, sob pena de constrição judicial e multa diária, visando garantir a permanência no local e o atendimento a crianças em lista de espera.
No mérito, pleiteia a confirmação da tutela e a condenação do Município a realizar convalidação administrativa ou dispensa de licitação para pagamento dos aluguéis retroativos, no importe de R$ 364.080,00 (trezentos e sessenta e quatro mil e oitenta reais), referentes ao período de dezembro de 2022 a maio de 2025.
O Município de Belo Horizonte/MG, ora requerido, devidamente intimado, manifestou-se preliminarmente pugnando pelo indeferimento da tutela de urgência.
Argumenta a ausência de
fumus boni iuris
, sustentando que o contrato de parceria ainda está em fase de elaboração e que o credenciamento não gera vínculo jurídico obrigatório. Afirma que não houve requisição da Municipalidade para uso do imóvel particular, e que as despesas de manutenção são unilaterais da autora, não implicando obrigação financeira para o ente público. Alega que a permanência dos bens públicos no local se dá por conveniência da autora e que a imposição de pagamento sem respaldo legal ou contratual violaria os princípios da legalidade, impessoalidade e moralidade administrativa.
Quanto ao
periculum in mora
, o Município requerido sustenta que a autora ainda não presta atendimento educacional, não havendo risco iminente ao interesse público ou a direitos fundamentais de terceiros. Assevera que o suposto risco de despejo decorre de relação privada e que a Administração Pública não pode ser compelida a realizar pagamentos sem previsão orçamentária ou instrumento jurídico-formal.
Por fim, manifesta-se contra a fixação de multa diária (astreintes), alegando que o Município requerido não criou obstáculos ao cumprimento da obrigação, que o valor pleiteado é desarrazoado e desproporcional, e que tal medida geraria prejuízo ao erário, citando a Recomendação nº 146/2023 do CNJ e o Enunciado nº 74 do FONAJUS.
É o breve relatório. Decido.
Inicialmente, verifica-se o cumprimento dos requisitos do art. 319 do Código de Processo Civil, estando a petição inicial devidamente instruída com os documentos necessários à propositura da demanda. Não se vislumbra, portanto, qualquer vício formal que justifique a necessidade de emenda à inicial.
A concessão da tutela de urgência está condicionada à existência dos requisitos estabelecidos pelo art. 300 do Código de Processo Civil, quais sejam: a probabilidade do direito invocado pelo requerente e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo, sendo certo que tais requisitos devem emergir simultaneamente quando do deferimento da medida.
Como ensina Luiz Guilherme Marinoni:
“A probabilidade do direito que autoriza o emprego da técnica antecipatória para a tutela dos direitos é a probabilidade lógica – que é aquela que surge da confrontação das alegações e das provas com os elementos disponíveis nos autos, sendo provável a hipótese que encontra maior grau de confirmação e menor grau de refutação nesses elementos. O juiz tem que se convencer de que o direito é provável para conceder ‘tutela provisória’.”
1
No tocante ao perigo de dano, esclarece o mesmo autor:
“Como é intuitivo, é preciso decidir de forma provisória justamente porque não é possível conviver com a demora: sem ‘tutela provisória’ capaz de satisfazer ou acautelar o direito, corre-se o perigo desse não poder ser realizado. O ‘pericolo di tartività’ (‘periculum in mora’), portanto, é o termo que traduz de maneira mais apurada a urgência no processo. (...) Há perigo na demora porque, se a tutela tardar, o ilícito pode ocorrer, continuar ocorrendo, ocorrer novamente ou pode o dano ser irreparável, de difícil reparação ou não encontrar adequado ressarcimento”
2
.
Em outros termos, tem-se que a tutela antecipada é medida que autoriza precariamente a execução provisória dos efeitos do pedido final do autor, destinada a preservar a segurança da parte que está sendo impedida de gozar de direito cuja probabilidade está o magistrado plenamente convencido.
Pois bem.
O direito à educação, em especial à educação infantil, é um direito fundamental social, consagrado na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.
O art. 208, inciso IV, da Carta Magna, estabelece que o dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de “educação infantil, em creche e pré-escola, às crianças até 5 (cinco) anos de idade”. Complementarmente, o art. 227 da Constituição Federal impõe à família, à sociedade e ao Estado o dever de assegurar à criança, com absoluta prioridade, o direito à educação, entre outros.
A responsabilidade pela oferta da educação infantil é prioritariamente municipal, conforme o art. 211, §2º, da Constituição Federal/88, que dispõe: “Os Municípios atuarão prioritariamente no ensino fundamental e na educação infantil.” Essa prioridade não se traduz em mera faculdade, mas em um dever jurídico vinculante, cuja omissão pode ser sindicada pelo Poder Judiciário.
Nesse sentido, o Supremo Tribunal Federal, em diversas oportunidades, tem reafirmado a natureza de direito público subjetivo da educação infantil, afastando a discricionariedade administrativa e a invocação da “reserva do possível” para justificar a inércia do Poder Público.
A propósito, segue ementa do Agravo Regimental no Recurso Extraordinário 410.715-5-SP, de relatoria do Ministro Celso de Mello, a qual é elucidativa sobre a matéria:
RECURSO EXTRAORDINÁRIO - CRIANÇA DE ATÉ SEIS ANOS DE IDADE - ATENDIMENTO EM CRECHE E EM PRÉ-ESCOLA - EDUCAÇÃO INFANTIL - DIREITO ASSEGURADO PELO PRÓPRIO TEXTO CONSTITUCIONAL (CF, ART. 208, IV) - COMPREENSÃO GLOBAL DO DIREITO CONSTITUCIONAL À EDUCAÇÃO - DEVER JURÍDICO CUJA EXECUÇÃO SE IMPÕE AO PODER PÚBLICO, NOTADAMENTE AO MUNICÍPIO (CF, ART. 211, § 2º) - RECURSO IMPROVIDO. - A educação infantil representa prerrogativa constitucional indisponível, que, deferida às crianças, a estas assegura, para efeito de seu desenvolvimento integral, e como primeira etapa do processo de educação básica, o atendimento em creche e o acesso à pré-escola (CF, art. 208, IV). - Essa prerrogativa jurídica, em consequência, impõe, ao Estado, por efeito da alta significação social de que se reveste a educação infantil, a obrigação constitucional de criar condições objetivas que possibilitem, de maneira concreta, em favor das “crianças de zero a seis anos de idade” (CF, art. 208, IV), o efetivo acesso e atendimento em creches e unidades de pré-escola, sob pena de configurar-se inaceitável omissão governamental, apta a frustrar, injustamente, por inércia, o integral adimplemento, pelo Poder Público, de prestação estatal que lhe impôs o próprio texto da Constituição Federal. - A educação infantil, por qualificar-se como direito fundamental de toda criança, não se expõe, em seu processo de concretização, a avaliações meramente discricionárias da Administração Pública, nem se subordina a razões de puro pragmatismo governamental. - Os Municípios - que atuarão, prioritariamente, no ensino fundamental e na educação infantil (CF, art. 211, § 2º) - não poderão demitir-se do mandato constitucional, juridicamente vinculante, que lhes foi outorgado pelo art. 208, IV, da Lei Fundamental da República, e que representa fator de limitação da discricionariedade político-administrativa dos entes municipais, cujas opções, tratando-se do atendimento das crianças em creche (CF, art. 208, IV), não podem ser exercidas de modo a comprometer, com apoio em juízo de simples conveniência ou de mera oportunidade, a eficácia desse direito básico de índole social. - Embora resida, primariamente, nos Poderes Legislativo e Executivo, a prerrogativa de formular e executar políticas públicas, revela-se possível, no entanto, ao Poder Judiciário, determinar, ainda que em bases excepcionais, especialmente nas hipóteses de políticas públicas definidas pela própria Constituição, sejam estas implementadas pelos órgãos estatais inadimplentes, cuja omissão - por importar em descumprimento dos encargos político-jurídicos que sobre eles incidem em caráter mandatório - mostra-se apta a comprometer a eficácia e a integridade de direitos sociais e culturais impregnados de estatura constitucional. A questão pertinente à “reserva do possível”. Doutrina. (RE 410715 AgR, Relator(a): CELSO DE MELLO, Segunda Turma, julgado em 22-11-2005, DJ 03-02-2006 PP-00076 EMENT VOL-02219-08 PP-01529 RTJ VOL-00199-03 PP-01219 RIP v. 7, n. 35, 2006, p. 291-300 RMP n. 32, 2009, p. 279-290)
Ademais, o Tema 548 da Repercussão Geral do STF, no RE 1008166, consolidou o entendimento de que:
RECURSO EXTRAORDINÁRIO. DIREITO ADMINISTRATIVO. REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA. GARANTIA DE VAGA EM CRECHE OU PRÉ-ESCOLA ÀS CRIANÇAS DE ZERO A CINCO ANOS DE IDADE. AUTOAPLICABILIDADE DO ART. 208, IV, DA CF/88. PRINCÍPIOS DA SEPARAÇÃO DOS PODERES E DA RESERVA DO POSSÍVEL. VIOLAÇÃO. INOCORRÊNCIA. RECURSO EXTRAORDINÁRIO A QUE SE NEGA PROVIMENTO. 1. A educação infantil representa prerrogativa constitucional indisponível, que assegura às crianças de zero a cinco anos de idade a primeira etapa do processo de educação básica mediante o atendimento em creche e o acesso à pré-escola (art. 208, IV, da Constituição Federal). 2. O Estado tem o dever constitucional de garantir o efetivo acesso e atendimento em creches e unidades de pré-escola, sob pena de configurar-se inaceitável omissão estatal e violação a direito subjetivo, sanável pela via judicial. Precedentes: ARE 639.337-AgR, Rel. Min. Celso de Mello, Segunda Turma, DJe de 15/9/2011; AI 592.075-AgR, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, Primeira Turma, DJe de 4/6/2009, e RE 384.201-AgR, Rel. Min. Marco Aurélio, Primeira Turma, DJ de 3/8/2007. 3. O Poder Judiciário pode impor à Administração Pública a efetivação de matrícula de crianças de zero a cinco anos de idade em estabelecimento de educação infantil, sem haja violação ao princípio constitucional da separação dos poderes. 4. Ex positis, voto no sentido de, no caso concreto, NEGAR PROVIMENTO ao recurso extraordinário interposto pelo Município de Criciúma.
5. A tese da repercussão geral fica assim formulada: 1. A educação básica em todas as suas fases – educação infantil, ensino fundamental e ensino médio – constitui direito fundamental de todas as crianças e jovens, assegurado por normas constitucionais de eficácia plena e aplicabilidade direta e imediata. 2. A educação infantil compreende creche (de zero a 3 anos) e a pré-escola (de 4 a 5 anos). Sua oferta pelo Poder Público pode ser exigida individualmente, como no caso examinado neste processo. 3. O Poder Público tem o dever jurídico de dar efetividade integral às normas constitucionais sobre acesso à educação básica.
(RE 1008166, Relator(a): LUIZ FUX, Tribunal Pleno, julgado em 22-09-2022, PROCESSO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-s/n DIVULG 19-04-2023 PUBLIC 20-04-2023)
No caso concreto sob exame, a probabilidade do direito da autora se manifesta de forma robusta.
O Instituto Educacional Padrinho e Madrinha, embora seja uma entidade privada, atua em colaboração com o Poder Público para suprir uma demanda essencial e constitucionalmente garantida.
A autora está devidamente credenciada junto à Secretaria Municipal de Educação desde 2021, com recredenciamento em 2023 (Evento 1, DOCCOMPROV22, fls. 196-197, e DOCCOMPROV23, fls. 199), e possui registro ativo no cadastro municipal de fornecedores (Evento 1, DOCCOMPROV10, fls. 102).
A sede da creche foi construída com recursos próprios da iniciativa privada e está pronta e adaptada para o atendimento de crianças, inclusive com capacidade para 43 bebês de 0 (zero) a 1 (um) ano.
A situação fática demonstra que o Município de Belo Horizonte/MG,
ao transferir um volume significativo de patrimônio público (material pedagógico, utensílios de cozinha, equipamentos de secretaria, móveis, brinquedos, etc. – Evento 1, DOCCOMPROV15, fls. 169-173, e DOCCOMPROV19, fls. 189-190) para o imóvel da autora em dezembro de 2022, criou uma expectativa legítima de formalização da parceria e de início das atividades
.
A alegação da Municipalidade de que a permanência dos bens se dá por “conveniência e interesse exclusivo da autora” (Evento 17, OUTDOC1, fls. 273) não se sustenta diante da finalidade pública desses bens e do contexto de uma parceria em andamento, ainda que não formalizada por instrumento próprio.
A demora na formalização do plano de trabalho e do convênio, atribuída à Administração Pública pela própria autora e corroborada pela decisão do Agravo de Instrumento nº 1.0000.23.251490-1/001 (Evento 1, DOCCOMPROV29, fls. 224-227), que já reconheceu a morosidade do ente municipal, não pode recair sobre a entidade que se dispõe a colaborar com o atendimento de uma demanda pública premente.
A notificação extrajudicial de despejo (Evento 1, INIC1, fls. 10) é um elemento crucial que demonstra a necessidade de intervenção judicial. A autora, uma associação sem fins lucrativos e inativa financeiramente, não possui meios para arcar com os aluguéis do imóvel que, de fato, está servindo, ainda que indiretamente, a um propósito público ao abrigar bens municipais e estar pronta para atender a uma demanda social.
A recusa do Município de Belo Horizonte/MG em realizar a convalidação administrativa ou dispensa de licitação para o pagamento dos aluguéis, conforme alegado pela autora, agrava a situação e impede a concretização do direito à educação para as crianças em lista de espera.
A existência de uma lista de espera com 436 (quatrocentos e trinta e seis) crianças aguardando vagas na educação infantil em Belo Horizonte/MG, sendo 73 (setenta e três) delas na Regional Venda Nova (onde a autora está localizada), incluindo 25 (vinte e cinco) bebês em berçário e 39 (trinta e nove) de 1 ano (Evento 1, DOCCOMPROV11, fls. 116-117), reforça a urgência e a necessidade de utilização da estrutura da autora.
O próprio Município requerido, em resposta à Lei de Acesso à Informação, reconhece que sua meta para 2025 é atender apenas 50% das crianças de 0 a 3 anos (Evento 1, DOCCOMPROV11, fls. 104).
A Lei Federal nº 14.851, de 3 de maio de 2024, que dispõe sobre mecanismos de levantamento e divulgação da demanda por vagas na educação infantil, sublinha a importância de se conhecer e atender essa demanda, o que a atuação da autora visa a fazer.
Portanto, a probabilidade do direito reside na conjugação do dever constitucional da Municipalidade de prover educação infantil, da situação de fato criada pela alocação de patrimônio público no imóvel da autora, da morosidade administrativa na formalização da parceria e da iminência de perda de uma estrutura apta a atender a demanda social.
Sob esse prisma, o perigo de dano é evidente e iminente. A notificação extrajudicial de despejo, com a ameaça de retirada do patrimônio público alocado no imóvel, representa um risco concreto de que a sede da creche, já pronta e adaptada para o atendimento de bebês, seja perdida.
Tal evento não apenas inviabilizaria a futura parceria com o Município requerido, mas também frustraria a expectativa de atendimento de dezenas de crianças que aguardam por uma vaga em creche na região de Venda Nova.
A perda da estrutura física, que já recebeu investimentos e adaptações, e que se encontra em condições de uso, representaria um retrocesso significativo na busca pela efetivação do direito à educação infantil.
O prejuízo não seria apenas para a associação autora, mas, primordialmente, para a coletividade de famílias e, em especial, para as crianças que necessitam do atendimento educacional em berçário.
A cada dia que passa sem que essas crianças estejam frequentando a creche, sua formação educacional é abalada, e enormes prejuízos são causados para a renda familiar, especialmente das mulheres, que muitas vezes dependem da vaga em creche para poderem trabalhar.
A alegação do Município requerido de que “não há risco iminente de prejuízo ao interesse público nem a direitos fundamentais de terceiros, como crianças em situação de vulnerabilidade, pois o serviço sequer foi iniciado” não merece acolhida.
O serviço não foi iniciado justamente pela morosidade e pelas exigências do próprio Município requerido, conforme demonstrado nos autos, que, ao mesmo tempo, alocou bens públicos no local e agora se recusa a arcar com os custos de manutenção do imóvel.
A inércia do Poder Público em formalizar a parceria e garantir a continuidade da posse do imóvel, somada à ameaça de despejo, cria um cenário de dano irreparável ou de difícil reparação ao direito fundamental à educação.
A urgência da medida se justifica pela necessidade de evitar o despejo e preservar a estrutura para o atendimento das crianças, que já se encontram em uma situação de vulnerabilidade social na Vila Mantiqueira.
A dotação orçamentária de R$ 420.000.004,00 para parcerias na educação infantil em 2025 (Evento 1, DOCCOMPROV25, fls. 213) demonstra que o Município de Belo Horizonte/MG possui recursos para honrar com a despesa, afastando a alegação de inviabilidade orçamentária para o pagamento mensal do aluguel.
Cumpre ressaltar que a intervenção do Poder Judiciário em políticas públicas, embora excepcional, é plenamente cabível quando há omissão ou atuação deficiente do Estado na garantia de direitos fundamentais, como é o caso da educação infantil.
Não se trata de ingerência indevida na discricionariedade administrativa, mas de controle da legalidade e da constitucionalidade da atuação estatal, visando à efetivação de direitos que não podem ser postergados.
Nesse passo, quanto à fixação de multa diária (astreintes), o art. 537 do Código de Processo Civil autoriza o juiz a impor multa diária ao devedor, independentemente de pedido do autor, se for suficiente e compatível com a obrigação e determinará prazo razoável para cumprimento do preceito.
A finalidade das astreintes é compelir o devedor a cumprir a obrigação específica, conferindo efetividade à decisão judicial.
O Município requerido argumenta contra a fixação da multa, citando a Recomendação nº 146/2023 do CNJ e o Enunciado nº 74 do FONAJUS, que sugerem o bloqueio em conta bancária como medida preferencial e a proporcionalidade das multas.
Contudo, a multa diária, quando fixada em patamar razoável e proporcional, é um instrumento legítimo e eficaz para garantir o cumprimento de decisões judiciais, especialmente contra a Fazenda Pública, que muitas vezes se vale da burocracia para postergar o cumprimento de suas obrigações.
O bloqueio de verbas, embora possível, pode ser mais gravoso e complexo de operacionalizar em um primeiro momento, enquanto a multa serve como um incentivo constante ao cumprimento.
Considerando a urgência da situação, a relevância do direito fundamental envolvido e a necessidade de compelir o Município de Belo Horizonte/MG a agir de forma célere, a fixação de astreintes se mostra adequada.
O valor deve ser suficiente para desestimular o descumprimento, sem, contudo, gerar enriquecimento ilícito ou onerar excessivamente o erário de forma desproporcional.
Assim, o valor de R$ 20.000,00 (vinte mil reais) diários, limitado a R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais), pleiteado pela autora, mostra-se elevado para uma medida liminar que visa ao pagamento mensal de aluguel. Um valor mais moderado, mas ainda coercitivo, é mais adequado neste momento processual.
Ressalta-se que a tutela de urgência deve focar na garantia da posse do imóvel para que a estrutura possa ser utilizada para o fim público a que se destina, ou seja, o atendimento das crianças.
O pagamento dos aluguéis mensais é a medida mais direta para evitar o despejo.
Lado outro, o pedido de pagamento dos aluguéis retroativos e a determinação de convalidação administrativa ou dispensa de licitação para tal fim constituem o mérito da ação e serão analisados em cognição exauriente.
Pelo exposto, e por tudo o que consta nos autos,
DEFIRO PARCIALMENTE
o pedido de tutela de urgência formulado pelo INSTITUTO EDUCACIONAL PADRINHO E MADRINHA em face do MUNICÍPIO DE BELO HORIZONTE/MG, para
DETERMINAR que o
ente público municipal
providencie, no prazo improrrogável de 5 (cinco) dias úteis, o depósito judicial do valor correspondente ao aluguel mensal do imóvel situado na Rua Maria Rosa da Silva, nº 1.116,
b
airro Mantiqueira, Belo Horizonte/MG
,
a partir do mês de junho de 2025
,
e que continue a realizar os depósitos mensais subsequentes, até o julgamento final da presente demanda
.
O valor do aluguel mensal
deverá ser comprovado pela parte autora nos autos
,
mediante apresentação do contrato de locação ou de notificação de cobrança que especifique o valor atual
.
FIXO
multa diária no valor de R$ 1.000,00 (mil reais), limitada a R$ 100.000,00 (cem mil reais), para o caso de descumprimento da presente decisão
.
INTIME-SE
, pessoalmente, a parte requerida, em atenção ao disposto na Súmula 410 do Superior Tribunal de Justiça
3
.
DÊ-SE
ciência ao Ministério Público
(CAOEDUC)
, considerando a relevância do direito fundamental à educação infantil e a Resolução Conjunta PGJ/CGMP nº 2, de 31 de março de 2025
.
DETERMINO
, ainda, a citação da parte requerida para que, no prazo de 15 (quinze) dias úteis, apresente sua resposta a esta ação (arts. 335, 342 e/ou 343, todos do CPC), sob pena de se presumirem verdadeiras as alegações de fato formuladas pelo autor (art. 344 do CPC).
Transcorrido o prazo acima, com ou sem manifestação da parte requerida, vista à parte autora:
a)
pelo prazo de 5 (cinco) dias úteis, se a parte requerida não tiver contestado esta ação, para que especifique a provas que pretenda produzir, se ainda não as tiver indicado e se for verificado a inocorrência dos efeitos da revelia, previsto no art. 344 do CPC, mais as hipóteses do art. 345 do CPC, tais como: I – havendo pluralidade de réus, algum deles contestar a ação; II – o litígio versar sobre direitos indisponíveis; III – a petição inicial não estiver acompanhada de instrumento que a lei considere indispensável à prova do ato e IV – as alegações de fato formuladas pelo autor forem inverossímeis ou estiverem em contradição com prova constante dos autos (art. 348 do CPC), ou;
b)
pelo prazo de 15 (quinze) dias úteis, se a parte requerida tiver alegado fato(s) impeditivo(s), modificativo(s) ou extintivo(s) do(s) direito(s) da(s) parte(s) autora(s), permitindo-lhe a produção de prova(s) (art. 350 do CPC), e ou;
c)
pelo prazo de quinze dias úteis, se a parte requerida tiver alegado qualquer das matérias enumeradas no art. 337 do CPC: I – inexistência ou nulidade da citação; II – incompetência absoluta e relativa; III – incorreção do valor da causa; IV – inépcia da petição inicial; V – perempção; VI – litispendência; VII – coisa julgada; VIII – conexão; IX – incapacidade da parte, defeito de representação ou falta de autorização; X – convenção de arbitragem; XI – ausência de legitimidade ou de interesse processual; XII – falta de caução ou de outra prestação que a lei exige como preliminar e XIII – indevida concessão do benefício de gratuidade de justiça, permitindo-lhe(s) a produção de prova(s) (art. 351 do CPC).
Se a parte autora requerer a juntada de documento(s) junto com as manifestações contidas nas alíneas “b” e ou “c”, a título de produção de prova(s), vista à(s) parte(s) requerida(s) para que, no prazo de quinze dias úteis, adote qualquer das posturas indicadas no art. 436 do CPC: I – impugnar a admissibilidade da prova documental; II – impugnar sua autenticidade; III – suscitar sua falsidade, com ou sem deflagração do incidente de arguição de falsidade e IV – manifestar-se sobre seu conteúdo (§ 1º, do art. 437, do CPC).
Transcorridos todos os prazos acima e ocorrendo as hipóteses de intervenção ministerial previstas em lei ou na Constituição Federal, bem como se este processo envolver: I – interesse público ou social; II – interesse de incapaz; III – litígios coletivos pela posse de terra rural ou urbana, vista ao Ministério Público, pelo prazo de trinta dias úteis, para intervir como fiscal da ordem jurídica (art. 178 do CPC).
Cumpram-se as determinações acima, sem novas conclusões até que esgotadas todas as alternativas anteriormente previstas, exceto se houver manifestações urgentes ou que impliquem a desnecessidade de continuar o cumprimento ordenado
.
Intime(m)-se.
Cumpra-se.
Belo Horizonte/MG, data da assinatura eletrônica.
1
MARINONI, Luiz Guilherme et al. Novo curso de processo civil: tutela dos direitos mediante procedimento comum. V. 2. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015, p. 203
2
MARINONI, Luiz Guilherme et al. Novo curso de processo civil: tutela dos direitos mediante procedimento comum. V. 2. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015, p. 199
3
SÚMULA N. 410-STJ – A prévia intimação pessoal do devedor constitui condição necessária para a cobrança de multa pelo descumprimento de obrigação de fazer ou não fazer.
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