Processo nº 1019005-71.2024.8.11.0000
ID: 298483171
Tribunal: TJMT
Órgão: Turma de Câmaras Criminais Reunidas
Classe: HABEAS CORPUS CRIMINAL
Nº Processo: 1019005-71.2024.8.11.0000
Data de Disponibilização:
13/06/2025
Polo Ativo:
ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO TURMA DE CÂMARAS CRIMINAIS REUNIDAS Número Único: 1019005-71.2024.8.11.0000 Classe: HABEAS CORPUS CRIMINAL (307) Assunto: [Regime inicial] Relator: Des(a). WESL…
ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO TURMA DE CÂMARAS CRIMINAIS REUNIDAS Número Único: 1019005-71.2024.8.11.0000 Classe: HABEAS CORPUS CRIMINAL (307) Assunto: [Regime inicial] Relator: Des(a). WESLEY SANCHEZ LACERDA Turma Julgadora: [DES(A). WESLEY SANCHEZ LACERDA, DES(A). GILBERTO GIRALDELLI, DES(A). HELIO NISHIYAMA, DES(A). JORGE LUIZ TADEU RODRIGUES, DES(A). JUANITA CRUZ DA SILVA CLAIT DUARTE, DES(A). JUVENAL PEREIRA DA SILVA, DES(A). LIDIO MODESTO DA SILVA FILHO, DES(A). LUIZ FERREIRA DA SILVA, DES(A). MARCOS MACHADO, DES(A). ORLANDO DE ALMEIDA PERRI, DES(A). RUI RAMOS RIBEIRO] Parte(s): [DEFENSORIA PUBLICA DO ESTADO DE MATO GRASSO (INTERESSADO), 1ª VARA CRIMINAL DE PRIMAVERA DO LESTE (INTERESSADO), DEFENSORIA PUBLICA DO ESTADO DE MATO GROSSO - CNPJ: 02.528.193/0001-83 (INTERESSADO), JUÍZO DA 1ª VARA CRIMINAL DA COMARCA DE PRIMAVERA DO LESTE (INTERESSADO), MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO - CNPJ: 14.921.092/0001-57 (TERCEIRO INTERESSADO), EDEAN DA SILVA RAMOS - CPF: 602.452.543-58 (EMBARGANTE)] A C Ó R D Ã O Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a TURMA DE CÂMARAS CRIMINAIS REUNIDAS do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência Des(a). ORLANDO DE ALMEIDA PERRI, por meio da Turma Julgadora, proferiu a seguinte decisão: À UNANIMIDADE, DENEGOU A ORDEM NOS TERMOS DO VOTO DO RELATOR. AUSENTE JUSTIFICADAMENTE O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR PAULO SÉRGIO CARREIRA DE SOUZA. E M E N T A DIREITO CONSTITUCIONAL, PENAL E PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS COLETIVO. EXECUÇÃO PENAL. EXAME CRIMINOLÓGICO. LEI N. 14.843/2024. IRRETROATIVIDADE. FUNDAMENTAÇÃO CONCRETA. PERDA PARCIAL DE OBJETO. PEDIDOS SUBSIDIÁRIOS. ORDEM DENEGADA. I. Caso em exame 1. Habeas corpus coletivo impetrado pela Defensoria Pública em favor de reeducandos da Unidade Prisional de Primavera do Leste/MT, visando obstar a exigência genérica de exame criminológico para progressão de regime, com base exclusiva na Lei n. 14.843/2024, mesmo em execuções penais iniciadas antes de sua vigência. Após a progressão dos pacientes indicados, o feito prosseguiu quanto aos pedidos subsidiários. II. Questão em discussão 2. A controvérsia restringe-se a: (i) impedir a exigência de exame criminológico, em execuções iniciadas antes da Lei n. 14.843/2024, salvo mediante decisão concretamente fundamentada; (ii) atribuir efeitos vinculantes à decisão para todos os Juízos de Execução Penal do Estado de Mato Grosso e, (iii) assegurar a oitiva prévia da defesa antes da determinação do referido exame. III. Razões de decidir 3. A pretensão da impetrante de impedir a realização de exame criminológico, nas execuções penais iniciadas antes da vigência da Lei n. 14.843/2024, salvo mediante fundamentação concreta, já se encontra em consonância com o entendimento adotado pelo Juízo da Execução Penal de Primavera do Leste. Esse alinhamento entre o pleito e a prática jurisdicional vigente implicaria, em tese, a perda do objeto do mandamus, uma vez que não se verifica resistência atual ou concreta por parte da autoridade apontada como coatora que justifique a atuação desta instância superior. 4. O entendimento da autoridade apontada como coatora - repita-se, alinhado com a própria pretensão da impetrante - encontra-se em plena consonância com a jurisprudência deste Egrégio Tribunal de Justiça e com a orientação firmada pelo c. STJ, no sentido de que a Lei n. 14.843/2024 não pode retroagir, além de que a exigência de exame criminológico, para fatos anteriores à referida lei, deve ser devidamente motivada, com fundamento em dados individualizados do caso em concreto. 5. A pretensão de estender os efeitos de eventual decisão concessiva, no sentido de impedir a realização de exame criminológico para execuções penais iniciadas antes da vigência da Lei n. 14.843/2024, salvo mediante fundamentação concreta - a todos os Juízos de Execução Penal do Estado, não encontra respaldo fático mínimo, pois inexiste nos autos prova pré-constituída acerca do teor das decisões proferidas pelas demais varas da execução penal do Estado, o que impede o controle jurisdicional em habeas corpus, cuja natureza exige demonstração inequívoca do alegado constrangimento ilegal. 6. Quanto à oitiva prévia da defesa, embora desejável à luz do contraditório e da ampla defesa, inexiste previsão legal obrigatória nesse sentido, tratando-se de boa prática jurisdicional, justamente porque o exame criminológico consiste em diligência destinada a subsidiar a decisão que analisará a progressão de regime, não havendo, inclusive, vedação para que o juiz o determine de ofício, desde que fundamentado em elementos concretos extraídos do curso da execução criminal. IV. Dispositivo 7. Habeas corpus parcialmente conhecido e, no mérito, ordem denegada. Dispositivos relevantes citados: CF, art. 5º, LV; LEP, art. 112, §§ 1º e 2º. Jurisprudência relevante citada: STF, HC 165704; STJ, AgRg no HC n. 955.989/SP, AgRg no HC n. 984.203/SP; TJMT, Agravo em Execução n. 1004828-68.2025.8.11.0000, Agravo em Execução n. 1002417-52.2025.8.11.0000, Agravo em Execução n. 1030289-76.2024.8.11.0000, Agravo em Execução n. 1007585-35.2025.8.11.0000. ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA Gabinete 2 - Primeira Câmara Criminal Gabinete 2 - Primeira Câmara Criminal HABEAS CORPUS CRIMINAL (307) 1019005-71.2024.8.11.0000 INTERESSADO: DEFENSORIA PUBLICA DO ESTADO DE MATO GROSSO EMBARGANTE: EDEAN DA SILVA RAMOS INTERESSADO: JUÍZO DA 1ª VARA CRIMINAL DA COMARCA DE PRIMAVERA DO LESTE R E L A T Ó R I O Trata-se de habeas corpus coletivo impetrado em favor de todos os reeducandos que cumprem pena na Unidade Prisional da Comarca de Primavera do Leste/MT, contra atos comissivos atribuídos ao Juízo da 1ª Vara Criminal da mesma Comarca, os quais, nos autos das execuções penais, têm determinado a realização de exame criminológico de forma, supostamente, indiscriminada, com fundamento exclusivo na recente alteração legislativa introduzida pela Lei n. 14.843/2024. A impetrante sustenta, em síntese, que: 1) a autoridade coatora vem exigindo, de forma genérica e sem fundamentação concreta, a realização de exame criminológico para fins de progressão de regime, inclusive nos processos cuja execução penal se iniciou antes da vigência da Lei n. 14.843/2024; 2) tal exigência configura afronta ao princípio da irretroatividade da lei penal mais gravosa (art. 5º, XL, da CF); 3) há violação ao contraditório, uma vez que as decisões são proferidas sem prévia manifestação da defesa sobre o requerimento ministerial; e 4) o constrangimento ilegal atinge coletivamente os reeducandos custodiados na unidade prisional local, razão pela qual é cabível a impetração de habeas corpus coletivo com efeito expansivo. Requer a impetrante: 1) que seja determinada a abstenção da exigência de exame criminológico para progressão de regime em execuções penais relativas a fatos anteriores à vigência da Lei n. 14.843/2024, salvo se devidamente fundamentada em elementos concretos; 2) a concessão da progressão de regime nos autos explicitados na inicial [2000046-94.2019.8.11.0037, 000147-58.2024.8.11.0037, 2000213-09.2022.8.11.0037, 0002715-33.2019.8.11.0045, 2000583-04.2022.8.11.0064 e 2000049-78.2021.8.11.0037]; 3) a obrigatoriedade de prévia oitiva da defesa sobre eventual requerimento ministerial de exame; e, caso acolhido o pedido, 4) que os efeitos da decisão sejam estendidos, de ofício, a todos os juízos de execução penal do Estado de Mato Grosso. O pedido liminar foi indeferido (id. 230020183). A autoridade, indicada como coatora, prestou informações (id. 227969655). A Procuradoria-Geral de Justiça exarou parecer pela prejudicialidade da impetração, ao argumento de que todos os pacientes nominados na inicial foram, no curso da tramitação do feito, beneficiados com o regime semiaberto, de modo que restaria esvaziado o objeto do habeas corpus. Destacou, ainda, que a superveniência da progressão de regime afastaria eventual constrangimento ilegal individualizado, não sendo possível a análise de mérito em sede de habeas corpus diante da ausência de interesse processual atual (i. Procurador de Justiça, Exmo Sr Dr João Augusto Veras Gadelha id. 235078186). Em consonância com o parecer ministerial, no dia 07.10.2024, o writ foi julgado prejudicado, “por perda de seu objeto, diante da progressão de regime de todos os pacientes apontados pelo impetrante.” (id. 244536155). A impetrante opôs embargos de declaração contra a decisão monocrática que julgou o writ prejudicado, sob argumento de que o d. relator não teria analisado todos os pedidos do habeas corpus (id. 246049177). A Procuradoria-Geral de Justiça apresentou contrarrazões aos embargos, pugnando pelo seu acolhimento com efeitos infringentes (id. 269379272). Os embargos de declaração foram acolhidos para determinar o prosseguimento do writ exclusivamente em relação aos pedidos subsidiários, formulados nos seguintes termos: (1) impedir que o Juízo da Execução Penal de Primavera do Leste exija a realização de exame criminológico para execuções iniciadas antes da vigência da Lei n. 14.843/2024, salvo mediante fundamentação concreta; (2) conferir a essa decisão, se possível, efeitos vinculantes a todos os Juízos da Execução Penal do Estado de Mato Grosso; e (3) assegurar a prévia oitiva da Defensoria Pública ou da defesa constituída antes da determinação da realização do exame criminológico. (id. 270234375). A autoridade, indicada como coatora, prestou informações atualizadas (id. 276308393). A Procuradoria-Geral de Justiça exarou parecer pela denegação da ordem, na lavra do i. Procurador de Justiça, Exmo Sr Dr João Augusto Veras Gadelha (id. 281992854). Relatado o feito. V O T O (MÉRITO) EXMO. SR. DES. WESLEY SANCHEZ LACERDA (RELATOR) Egrégia Turma Consoante relatado, conheço parcialmente do presente habeas corpus, limitando-me à análise dos pedidos subsidiários formulados, quais sejam: (1) impedir que o Juízo da Execução Penal de Primavera do Leste exija a realização de exame criminológico para execuções penais iniciadas antes da vigência da Lei n. 14.843/2024, salvo mediante fundamentação concreta; (2) conferir a essa decisão, se possível, efeitos vinculantes a todos os Juízos da Execução Penal do Estado de Mato Grosso; e (3) assegurar a prévia oitiva da Defensoria Pública ou da defesa constituída antes da determinação da realização do referido exame. Antes de adentrar ao mérito da impetração, cumpre ressaltar que o cabimento do habeas corpus coletivo é admitido nos casos em que há identidade de fundamentos e de situação fático-jurídica entre os beneficiários, submetidos à mesma prática jurisdicional supostamente ilegal, o que justifica o conhecimento da impetração em sua forma coletiva. Essa compreensão tem respaldo na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, que reconhece a possibilidade de impetração coletiva, como se observa a seguir: “(...) O cabimento do habeas corpus coletivo, sob a perspectiva do acesso à justiça, também encontra guarida nos tratados internacionais ratificados pelo Brasil e em decisões proferidas pelas Cortes Constitucionais de países vizinhos. (...) A plasticidade no cabimento do habeas corpus também encontra guarida no §2º do art. 654 do CPP, que admite a concessão da ordem ex officio, quando os juízes e tribunais verificarem, no curso de qualquer processo, que uma pessoa sofre ou está na iminência de sofrer coação ilegal. (...) Por todos esses motivos, entendo ser o caso de conhecimento do habeas corpus coletivo. (...) Com efeito, no precedente mencionado restou assentado, a partir do voto do Ministro Ricardo Lewandowski, que a legitimidade ativa para a impetração de habeas corpus coletivos deveria ser reservada aos atores listados no art. 12 da Lei 13.300/2016, por analogia ao que dispõe a legislação referente ao mandado de injunção coletivo. (...)” (HC 165704, Relator Min. Gilmar Mendes, Segunda Turma, Publicado em 24.02.2021) Tais fundamentos se aplicam plenamente à hipótese em exame, na medida em que o constrangimento ilegal alegado decorre de suposta prática uniforme e reiterada da autoridade coatora, atingindo coletivamente os reeducandos submetidos à sua jurisdição. Outrossim, a impetrante [Defensoria Pública] possui legitimidade ativa para a impetração coletiva, nos termos do julgado colacionado acima. Feitos esses registros, passa-se à análise do mérito, adiantando-se que a ordem deve ser denegada. Isso porque, ao prestar informações atualizadas, a autoridade coatora noticiou que “tem adotado o entendimento de irretroatividade da Lei n. 14.843, de 11 de abril de 2024, bem como fundamentado os casos em que julga pertinente a realização de exame criminológico”. Inclusive, colacionou decisões proferidas em executivos de pena em trâmite na Comarca de Primavera do Leste. Nesse sentido, veja-se o teor das informações prestadas, na parte em que interessa: “(...) Atualmente a Primeira Vara Criminal e a Vara de Execução Penal de Primavera do Lesta está sendo presidida pela Juíza de Direito, Dra. Luciana Braga Simão Tomazetti, que tem adotado o entendimento de irretroatividade da Lei n. 14.843, de 11 de abril de 2024, bem como fundamentado os casos em que julga pertinente a realização de exame criminológico. A seguir colaciono dois exemplos de decisões para melhor compreensão. a) 1º exemplo - concessão de progressão do regime fechado para o semiaberto sem a necessidade de exame criminológico: “Processo n. 0008034-40.2018.8.11.0037 VISTO, Cuida-se de executivo de pena privativa de liberdade em desfavor de EMANUEL LUCAS PEREIRA DO NASCIMENTO. Atestado de conduta carcerária juntado no movimento 199. Parecer Ministerial pela realização de exame criminológico pela Comissão Técnica de Classificação da Cadeia Pública da Comarca de Primavera do Leste/MT (mov. 202). Cálculo de pena com data prevista para o regime semiaberto no dia 20.12.2024 (mov. 195). Fundamento e Decido. Primeiramente, sob a petição de id. 163, indefiro o pedido, uma vez que a pena em razão da prática do crime de tráfico de drogas, foi extinta por reconhecimento da prescrição da pretensão executória em 14/12/2021 (conforme r. sentença acostada na seq. 45.1 – págs. 176/177). Prosseguindo, homologo a remição de 110 (cento e dez) dias, referente aos trabalhos artesanais realizados pelo reeducando no período de novembro/2023 a novembro/2024. Consigno que as remições já foram cadastradas nos Id’s. 153, 172 e 194, sem que houvesse a insurgências das partes. Ora, de acordo com a Lei de Execução Penal o apenado deve preencher os requisitos objetivo e subjetivo para a progressão de regime, nos termos do artigo 112 da LEP. Nesse contexto, constata-se que após o advento da Lei nº 10.792/03, que deu nova redação ao art. 112 da Lei de Execuções Penais, não mais se exige o exame criminológico como condição indispensável para a concessão da progressão de regime bastando a satisfação dos requisitos objetivos e subjetivos existentes na própria legislação. No entanto, a Lei n. 14.843, de 11 de abril de 2024 deu nova redação ao art. 112, § 1º, da Lei de Execução Penal e tornou obrigatória a realização do referido exame para a progressão de regime em todos os casos. Todavia, embora as alterações trazidas pela Lei n. 14.843/2024 tenha tornado obrigatória a realização de exame criminológico para a progressão de regime, tenho que a alteração legislativa não se aplica ao presente caso, tendo em vista que se trata de alteração relacionada à execução penal, que possui natureza da norma penal, de modo que a incidência se dá ao tempo do crime que ensejou a execução, não podendo retroagir em desfavor do reeducando. No presente caso, verifica-se que a condenação em desfavor do reeducando é anterior à Lei n. 14.843/2024, não sendo aplicável a disposição legal em comento de forma retroativa. (...) b) 2º exemplo – verificada a necessidade de exame criminológico: “Processo n. 2000014-71.2020.8.11.0064 VISTO, Cuida-se de executivo de pena privativa de liberdade em desfavor de FRANCISCO OSNIR DE SOUZA ROMÃO. No id. 301 foi juntada guia de execução penal definitiva, porém esta já se encontrava unificada nos autos, eis que encaminhada a provisória. Homologo as remições juntadas nos autos e já incluídas nos eventos, ante a ausência de insurgência das partes. Cálculo de pena com data prevista para o regime semiaberto no dia 29/01/2025 (mov. 315). Atestado de conduta carcerária juntado no movimento 317. Parecer Ministerial pela realização de exame criminológico pela Comissão Técnica de Classificação da Cadeia Pública da Comarca de Primavera do Leste/MT (mov. 326). Parecer da Defesa pela concessão de progressão de regime (mov. 332). Fundamento e Decido. Como é assente, a pena privativa de liberdade será executada de forma progressiva com a transferência do apenado para o regime menos gravoso, desde que preenchidos os requisitos legais dados, sobretudo, pelo art. 112 da Lei 7.210/1984. Para tanto, devem ser atendidos os requisitos objetivo, expressados pelo cumprimento parcial de pena, e subjetivo, com a demonstração da aptidão do condenado para ser submetido a regime que lhe confira menores restrições à sua liberdade. Nesse contexto, constata-se que após o advento da Lei nº 10.792/03, que deu nova redação ao art. 112 da Lei de Execuções Penais, não mais se exige o exame criminológico como condição indispensável para a concessão da progressão de regime bastando a satisfação dos requisitos objetivos e subjetivos existentes na própria legislação. Nesse sentido, a jurisprudência consolidou o entendimento de que o exame criminológico não é medida obrigatória e que a progressão de regime prisional não está condicionada à realização da investigação psiquiátrica sobre o condenado, admitindo-se, casuisticamente, a determinação do exame em face das especificidades do caso concreto e mediante decisão devidamente fundamentada. O entendimento foi cristalizado através da Súmula Vinculante 26 do Supremo Tribunal Federal e da Súmula 439 do Superior Tribunal de Justiça. Vejamos: “Súmula Vinculante 26 - Para efeito de progressão de regime no cumprimento de pena por crime hediondo, ou equiparado, o juízo da execução observará a inconstitucionalidade do art. 2º da Lei 8.072, de 25 de julho de 1990, sem prejuízo de avaliar se o condenado preenche, ou não, os requisitos objetivos e subjetivos do benefício, podendo determinar, para tal fim, de modo fundamentado, a realização de exame criminológico.” “Súmula 439 do STJ - Admite-se o exame criminológico pelas peculiaridades do caso, desde que em decisão motivada.” No entanto, a Lei n. 14.843, de 11 de abril de 2024 deu nova redação ao art. 112, § 1º, da Lei de Execução Penal e tornou obrigatória a realização do referido exame para a progressão de regime em todos os casos. Todavia, embora as alterações trazidas pela Lei n. 14.843/2024 tenha tornado obrigatória a realização de exame criminológico para a progressão de regime, tenho que a alteração legislativa não se aplica ao presente caso, tendo em vista que se trata de alteração relacionada à execução penal, que possui natureza da norma penal, de modo que a incidência se dá ao tempo do crime que ensejou a execução, não podendo retroagir em desfavor do reeducando. No presente caso, verifica-se que a condenação em desfavor do reeducando é anterior à Lei n. 14.843/2024, não sendo aplicável a disposição legal em comento de forma retroativa. Assim, passo a analisar o preenchimento dos requisitos para a progressão de regime pelo reeducando. O requisito objetivo resta devidamente comprovado pelo cálculo de liquidação de pena lançado nos autos que foi atingido em 29/01/2025. No que tange ao requisito subjetivo exigido, entendo ser o caso de submeter o reeducando ao exame criminológico, uma vez que depois de condenado pela prática do crime de homicídio qualificado – “Francisco, atuando em concurso de pessoas e agindo com desejo de matar, por motivo fútil e mediante recurso que dificultou a defesa da vítima, armados com arma de faca, surpreenderam a vítima e passara agredi-lo com golpes, que foram causa de sua morte." – e progredido para o regime semiaberto em 31/03/2022, mesmo tendo sido deferido pedidos de flexibilização dos horários para participação em cultos religiosos, ele tão logo, precisamente em 25/08/2022, praticou novo crime, a saber, roubo tentado – “Francisco, ciente da ilicitude e reprovabilidade de sua conduta, agindo com manifesto animus furandi, tentou subtrair para si, um 01 (um) caminhão carregado com fardos de algodão.” – vindo a ser novamente condenado. Por fim, a Portaria 001/2023/GAB 1ª Criminal deste Juízo, o qual criou a Comissão Técnica de Classificação da Cadeia Pública da Comarca de Primavera do Leste/MT e estabeleceu a atribuição de realizar o exame criminológico, diz respeito ao cumprimento da pena privativa de liberdade em regime fechado e não nos casos de progressão ao regime semiaberto. In verbis: “I – Criar a Comissão Técnica de Classificação da Cadeia Pública da Comarca de Primavera do Leste, composta pelas seguintes pessoas: (...) II – Designar o Diretor da Cadeia Pública como Presidente da Comissão Técnica de Classificação (art. 7º da LEP). III – Fixar as seguintes atribuições à Comissão Técnica de Classificação: 1. Classificação dos condenados segundo os seus antecedentes e personalidade, para orientar a individualização da execução penal – art. 5º da LEP. 2. Elaboração de programa individualizador da pena privativa de liberdade adequada ao condenado ou preso provisório – art. 6º da LEP. 3. Realização de exame criminológico em condenado ao cumprimento de pena privativa de liberdade em regime fechado – art. 8º da LEP. (...).” (destaquei). Ante o exposto, determino seja o reeducando submetido ao exame criminológico, a ser realizado no prazo de 05 (cinco) dias. (...)” Como se observa, a pretensão da impetrante para impedir a realização de exame criminológico para execuções penais iniciadas antes da vigência da Lei n. 14.843/2024, salvo mediante fundamentação concreta, já se encontra alinhada ao entendimento do Juízo da Execução Penal de Primavera do Leste. Salvo melhor juízo, esse alinhamento entre o pedido e a prática jurisdicional adotada implica, a rigor, perda de objeto do referido pedido, pois não se verifica resistência atual ou concreta por parte da autoridade coatora que justifique a atuação desta instância superior. Em outras palavras, a medida postulada já se encontra, espontaneamente, implementada pelo Juízo de origem, o que leva à constatação de ausência superveniente de interesse de agir, diante da inutilidade da tutela pretendida. Ademais, frisa-se que o entendimento da autoridade apontada como coatora - repita-se, alinhado com a própria pretensão da impetrante - encontra-se em plena consonância com a jurisprudência deste Egrégio Tribunal de Justiça e com a orientação firmada pelo c. STJ, no sentido de que a Lei n. 14.843/2024 não pode retroagir, além de que a exigência de exame criminológico, para fatos anteriores à referida lei, deve ser devidamente motivada, com fundamento em dados individualizados do caso em concreto. Cito os seguintes precedentes, a título exemplificativo: “(...) A exigência de exame criminológico para progressão de regime, introduzida pela Lei n. 14.843/2024, não pode retroagir para alcançar condenações por crimes cometidos antes de sua vigência. 2. A norma que introduz o exame criminológico como requisito obrigatório para progressão de regime é de natureza material, e sua aplicação retroativa é inconstitucional. (...)” (STJ, AgRg no HC n. 955.989/SP, relator Ministro Otávio de Almeida Toledo (Desembargador Convocado do TJSP), Sexta Turma, julgado em 9/4/2025); “(...) As Turmas que integram a Terceira Seção desta Corte Superior têm assentado, em reiterados julgados, o entendimento segundo o qual a redação dada pela Lei n. 14.843/2024 ao art. 112, § 1º, da LEP - que impôs ao condenado, como regra, a obrigação de realizar exame criminológico como condição para a progressão de regime - constituiu norma de natureza penal ou material, que não pode retroagir para prejudicar o réu, conforme previsto no art. 5º, XL, da CR. (...)” (AgRg no HC n. 984.203/SP, relator Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 9/4/2025); “(...) 1. A nova redação do art. 112, § 1º, da LEP, que tornou obrigatório o exame criminológico, não pode retroagir por possuir conteúdo mais gravoso, em respeito ao princípio constitucional da irretroatividade da lei penal mais severa. 2. Para fatos anteriores à Lei n. 14.843/2024, mantém-se a facultatividade do exame criminológico, que pode ser determinado mediante decisão fundamentada do juízo, conforme peculiaridades do caso concreto. (...)” (Agravo em Execução n. 1004828-68.2025.8.11.0000, Relator: Desembargador Lídio Modesto da Silva Filho, Quarta Câmara Criminal, julgado em 28/04/2025); “(...) A obrigatoriedade indistinta e universal de exame criminológico para progressão de regime introduzida pela Lei nº 14.843/24 não se aplica a condenações por fatos ocorridos antes de sua vigência, por configurar novatio legis in pejus. (...)” (Agravo em Execução n. 1002417-52.2025.8.11.0000, Relator: Desembargador Orlando de Almeida Perri, Quarta Câmara Criminal, julgado em 25/04/2025); “(...) 3. A nova redação do § 1º do art. 112 da LEP, que tornou obrigatório o exame criminológico para a progressão de regime, constitui norma penal mais gravosa, de natureza material, não podendo ser aplicada retroativamente, sob pena de violação ao art. 5º, XL, da CF/1988, e ao art. 2º, parágrafo único, do Código Penal. 4. O exame criminológico, embora não obrigatório para condenações anteriores à Lei nº 14.843/2024, pode ser exigido pelo magistrado, desde que de forma motivada, com base nas peculiaridades do caso concreto, conforme a Súmula Vinculante nº 26 do STF e a Súmula nº 439 do STJ. (...)” (Agravo em Execução n. 1030289-76.2024.8.11.0000, Relator: Desembargador Jorge Luiz Tadeu Rodrigues, Segunda Câmara Criminal, julgado em 16/04/2025); “(...) "1. A exigência de exame criminológico prevista na Lei n.º 14.843/2024 não retroage para fatos praticados antes de sua vigência, por configurar novatio legis in pejus. 2. A imposição de exame criminológico para progressão de regime exige fundamentação concreta e individualizada, não se admitindo motivação genérica baseada na gravidade abstrata do crime ou pena remanescente. 3. O atestado de bom comportamento carcerário e estudo psicossocial favorável são suficientes para aferição do requisito subjetivo, salvo prova em contrário. (...)” (Agravo em Execução n. 1007585-35.2025.8.11.0000, Relator: Desembargador Gilberto Giraldelli, Terceira Câmara Criminal, julgado em 11/04/2025). Por sua vez, quanto ao segundo pedido - consistente na pretensão de estender os efeitos de eventual decisão concessiva, no sentido de impedir a realização de exame criminológico para execuções penais iniciadas antes da vigência da Lei n. 14.843/2024, salvo mediante fundamentação concreta - a todos os Juízos de Execução Penal do Estado, impõe-se, igualmente, o reconhecimento de sua prejudicialidade. Ainda que não se reconhecesse a prejudicialidade, esse pleito de extensão de efeitos não encontra respaldo fático mínimo, pois inexiste nos autos prova pré-constituída acerca do teor das decisões proferidas pelas demais varas da execução penal do Estado, o que impede o controle jurisdicional em habeas corpus, cuja natureza exige demonstração inequívoca do alegado constrangimento ilegal. Por fim, no que se refere ao pleito de prévia oitiva da defesa antes da eventual determinação de realização de exame criminológico, observo que, embora a Lei de Execução Penal não estabeleça tal exigência como condição de validade da decisão judicial, trata-se de providência recomendável à luz dos princípios do contraditório e da ampla defesa (art. 5º, inciso LV, da Constituição Federal). Especialmente quando a medida for suscitada pelo Ministério Público, é desejável que o juízo da execução oportunize a manifestação da defesa técnica, como forma de assegurar maior transparência e segurança jurídica à decisão. Cuida-se, portanto, de boa prática jurisdicional, não havendo, contudo, imposição legal expressa. Em verdade, o § 2º, do art. 112 da Lei de Execução Penal exige a prévia manifestação do Ministério Público e da defesa antes da decisão judicial que determinar a progressão de regime, e não manifestação prévia especificamente quanto à determinação da realização do exame criminológico. Isso justamente porque o exame criminológico consiste em diligência destinada a subsidiar a decisão que analisará a progressão de regime, não havendo, inclusive, vedação para que o juiz o determine de ofício, desde que fundamentado em elementos concretos extraídos do curso da execução criminal. Desse modo, o pleito para assegurar a prévia oitiva da Defensoria Pública ou da defesa constituída antes da determinação da realização do exame criminológico se mostra incabível, por ausência de previsão legal. Ante o exposto, não identificado o constrangimento ilegal coletivo alegado, especialmente considerando o teor das informações atualizadas prestadas pela autoridade coatora, conheço parcialmente o writ e, no mérito, ORDEM DENEGADA, em consonância com o parecer da Procuradoria-Geral de Justiça. É como voto. Data da sessão: Cuiabá-MT, 05/06/2025
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