Processo nº 5008026-56.2024.4.04.7001
ID: 332857387
Tribunal: TRF4
Órgão: 11ª Vara Federal de Curitiba
Classe: PROCEDIMENTO DO JUIZADO ESPECIAL CíVEL
Nº Processo: 5008026-56.2024.4.04.7001
Data de Disponibilização:
23/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
OTAVIO MENDES MORAES
OAB/PR XXXXXX
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GUSTAVO HENRIQUE
OAB/PR XXXXXX
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ADLINEZ DE PAULA
OAB/PR XXXXXX
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PROCEDIMENTO DO JUIZADO ESPECIAL CÍVEL Nº 5008026-56.2024.4.04.7001/PR
AUTOR
: JOSY KELY APARECIDA DA SILVA SOUSA
ADVOGADO(A)
: ADLINEZ DE PAULA (OAB PR117173)
ADVOGADO(A)
: GUSTAVO HENRIQUE (OAB PR…
PROCEDIMENTO DO JUIZADO ESPECIAL CÍVEL Nº 5008026-56.2024.4.04.7001/PR
AUTOR
: JOSY KELY APARECIDA DA SILVA SOUSA
ADVOGADO(A)
: ADLINEZ DE PAULA (OAB PR117173)
ADVOGADO(A)
: GUSTAVO HENRIQUE (OAB PR106511)
ADVOGADO(A)
: OTAVIO MENDES MORAES (OAB PR112703)
DESPACHO/DECISÃO
I - RELATÓRIO
Em 06 de maio de 2024, JOSY KELY APARECIDA DA SILVA SOUSA deflagrou a presente demanda, sob o rito do juizado, em face da EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELÉGRAFOS, pretendendo a condenação da requerida à reparação de alegados danos materiais e morais, que disse ter suportado em razão de falhas na prestação de serviço postal.
A autora sustentou, para tanto, ter sido destinatária de uma correspondência enviada pelo Banco Vatorantim S/A, uma carta registrada com aviso de recebimento, a fim de constituí-la em mora, por ausência de pagamento de prestações de um contrato de mútuo, destinado ao financiamento da compra de um veículo. A missiva teria sido enviada à sua residência, tendo sido assinada, com falsidade ideológica, por preposto da requerida. Ela teria sido constituída em mora, ensejando a apreensão do veículo. A requerente postulou a gratuidade de justiça e atribuiu à causa o valor de R$ 43.302,33.
A Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos - ECT apresentou contestação no evento 7, alegando ter cumprido o serviço contratado, baseando-se nas condições especiais havidas durante a pandemia. Não teriam sido atendidos os requisitos para responsabilização civil. Argumentou fazer jus às prerrogativas processuais inerentes à Fazenda Pública.
A autora apresentou réplica no movimento 15, repisando os argumentos articulados na peça inicial. As partes foram intimadas para detalharem, querendo, os meios de prova pertinentes e necessários à solução da demanda. A requerente postulou a tomada do depoimento pessoal do preposto da requrida e inquirição de testemunhas. A ECT não postulou diligências probatórias no caso em exame.
Os autos vieram conclusos.
II - FUNDAMENTAÇÃO
2.1. Competência da Justiça Federal:
A presente demanda submete-se à alçada da Justiça Federal, dado versar sobre pretensão endereçada à Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos,
empresa pública criada com força no decreto-lei nº 509, de 20 de março de 1969
. Cuida-se, ademais, de exame atribuído à Justiça Federal, conforme
súmulas 140, 224 e 254, STJ
, e ao Superior Tribunal de Justiça, se suscitado conflito de competência, nos termos do art. 105, I, "d", Constituição.
2.2. Submissão da causa à alçada dos Juizados:
Como sabido, a competência dos Juizados Especiais Federais é absoluta, diante do previsto no art. 98, I, Constituição e art. 3º da lei n. 10.259, de 2001. Logo, em princípio, não pode ser ampliada ou reduzida, impondo-se sua apreciação de ofício pelo Poder Judiciário, conforme art. 64, CPC.
Não se submetem à
"
competência do Juizado Especial Cível as causas: (...) para a anulação ou cancelamento de ato administrativo federal, salvo o de natureza previdenciária e o de lançamento fiscal.
"
Convém ter em conta, todavia, que o processo é individualizado pela conjugação do trinômio partes, pedido e causa de pedir (art. 337, §2º, CPC/15). Em decorrência do princípio da substanciação, a parte autora é obrigada a detalhar, na peça inicial, a sua pretensão, indicando o pedido e também a motivação do pedido. Note-se ainda que, como notório, apenas o dispositivo transita em julgado, conforme se infere do Art.. 504, I, CPC:
"Não fazem coisa julgada: I - os motivos, ainda que importantes para determinar o alcance da parte dispositiva da sentença."
Assim, como têm entendido os tribunais, os Juizados Especiais são competentes para apreciação de pretensões nas quais a alegada nulidade do ato administrativo é invocada apenas como causa de pedir, e não como pedido:
"(....) Por outro lado, não é o caso de aplicação da exceção prevista no art. 3º , § 1º , III , da Lei 10.259 ,
uma vez que a autora invocou a alegada nulidade da revisão administrativa apenas como causa de pedir, dado que a sua pretensão é efetivamente condenatória
. Desse modo, firma-se a competência absoluta dos Juizados Especiais Federais para o julgamento do feito, nos termos do artigo 98, I, da Constituição Federal."
(TRF-4 - RECURSO CÍVEL: 50446614920184047000 PR 5044661-49.2018.4.04.7000, Relator: GERSON LUIZ ROCHA, Data de Julgamento: 02/04/2020).
Ainda segundo a Turma Recursal,
"O valor da causa atribuído pela parte autora é inferior a 60 salários, o qual não foi impugnado, logo, não há o que discutir quanto a esse aspecto.
Por outro lado, não é o caso de aplicação da exceção prevista no art. 3º, § 1º, III, da Lei 10.259, uma vez que "a autora invocou a alegada nulidade da revisão administrativa apenas como causa de pedir, dado que a sua pretensão é efetivamente condenatória
". Desse modo, firma-se a competência absoluta dos Juizados Especiais Federais para o julgamento do feito, nos termos do artigo 98, I, da Constituição Federal. "
(TRF-4 - RECURSO CÍVEL: 50029127820204047001 PR 5002912-78.2020.4.04.7001, Relator: GERSON LUIZ ROCHA, 22/10/2020, PRIMEIRA TURMA RECURSAL DO PR)
Atente-se para os julgados que transcrevo abaixo:
PROCESSUAL CIVIL. CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA INSTAURADO ENTRE JUÍZO FEDERAL E JUIZADO ESPECIAL FEDERAL CÍVEL. COMPETÊNCIA DESTA E. CORTE. SÚMULA 428 DO STJ. AÇÃO INDIVIDUAL DE DISPENSA DE PAGAMENTO DE PEDÁGIO. INEXISTÊNCIA DE PEDIDO DE ANULAÇÃO DE ATO ADMINISTRATIVO. VALOR DA CAUSA INFERIOR A SESSENTA SALÁRIOS MÍNIMOS. COMPETÊNCIA DO JUIZADO ESPECIAL FEDERAL CÍVEL. PRECEDENTES DESTA 2ª SEÇÃO. CONFLITO PROCEDENTE. 1 - Nos termos da Súmula 428 do Superior Tribunal de Justiça, compete a esta E. Corte dirimir o presente conflito negativo de competência entre Juízo Federal e Juizado Especial Federal Cível. 2 - Busca a autora tão somente o reconhecimento de seu direito individual à dispensa do pagamento de pedágio na praça de arrecadação instalada no entroncamento das rodovias BR 153 e BR 369, localizada no município de Jacarezinho/PR, com fundamento na Portaria do Ministério dos Transportes nº 155/2004 bem como na sentença proferida nos autos da Ação Civil Pública nº 2006.70.13.002434-3. 3 -
A questão relativa à desconstituição de ato administrativo não faz parte do pedido do autor, que dela tratou apenas de forma incidental, como causa de pedir, de modo que, no caso dos autos, resta afastada a aplicação do art. 3º, § 1º, III, da Lei 10.259/01. Precedentes desta Segunda Seçã
o. 4 - Aplicável à hipótese em tela a regra geral prevista no caput do artigo 3º da Lei 10.259/2001, que estabelece a competência dos Juizados Especiais Federais em se tratando de causas com valor inferior a sessenta salários mínimos. 5 - Conflito procedente, para declarar a competência do Juizado Especial Federal Cível de Ourinhos/SP.Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Segunda Seção do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, julgar procedente o conflito, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
(CC - CONFLITO DE COMPETÊNCIA - 21150 0000310-88.2017.4.03.0000, DESEMBARGADORA FEDERAL MÔNICA NOBRE, TRF3 - SEGUNDA SEÇÃO, e-DJF3 Judicial 1 DATA:14/07/2017).
DIREITO PROCESSUAL CIVIL. CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. JUÍZO FEDERAL DE JUIZADO ESPECIAL E JUÍZO FEDERAL DE JUIZADO COMUM. AÇÃO ORDINÁRIA QUE VISA O RECONHECIMENTO DE DIREITO. MERA REVISÃO DO ATO ADMINISTRATIVO. INAPLICABILIDADE DO INCISO III DO §1º DO ARTIGO 3º DA LEI Nº 10.250/01. A
parte autora pleiteia a declaração de direito à percepção de determinada vantagem pecuniária, não havendo pedido imediato de anulação de qualquer ato administrativo, o qual só seria atingido via reflexa, razão pela qual não se aplica, na espécie, a regra que excepciona da competência dos Juizados Especiais Federais para causas valoradas até sessenta salários mínimos. Inaplicável ao caso a exceção prevista no inc. III do §1º do art. 3º da Lei nº 10.259/01
. (TRF4 5018358-17.2016.4.04.0000, SEGUNDA SEÇÃO, Relatora VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA, juntado aos autos em 22/12/2016).
CONFLITO DE COMPETÊNCIA. JUÍZO FEDERAL DE JUIZADO ESPECIAL E JUÍZO FEDERAL DE JUIZADO COMUM. COMPETÊNCIA DO STJ PARA APRECIAR O CONFLITO. JUIZADO ESPECIAL FEDERAL. COMPETÊNCIA. CRITÉRIOS. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. COMPETÊNCIA DO JUIZADO ESPECIAL EM FACE DO VALOR DA CAUSA. 1. A jurisprudência do STJ é no sentido de que juízo de juizado especial não está vinculado jurisdicionalmente ao tribunal com quem tem vínculo administrativo, razão pela qual o conflito entre ele e juízo comum caracteriza-se como conflito entre juízos não vinculados ao mesmo tribunal, o que determina a competência do STJ para dirimi-lo, nos termos do art. 105, I, d, da Constituição. Precedentes. 2. A Lei 10.259/01, que instituiu os Juizados Cíveis e Criminais no âmbito da Justiça Federal, estabeleceu que a competência desses Juizados têm natureza absoluta e que, em matéria cível, obedece como regra geral a do valor da causa: são da sua competência as causas com valor de até sessenta salários mínimos (art. 3º). 3. A essa regra foram estabelecidas exceções ditadas (a) pela natureza da demanda ou do pedido (critério material), (b) pelo tipo de procedimento (critério processual) e (c) pelos figurantes da relação processual (critério subjetivo).
Entre as exceções fundadas no critério material está a das causas que dizem respeito a "anulação ou cancelamento de ato administrativo federal, salvo o de natureza previdenciária e o de lançamento fiscal". 4. No caso, a demanda tem valor da causa inferior a sessenta salários mínimos e visa a obter indenização por danos morais. A ilegitimidade dos atos administrativos constitui apenas fundamento do pedido, não seu objeto
. 5. Conflito conhecido, declarando-se a competência do Juízo Federal da 7ª Vara do Juizado Especial Cível da Subseção Judiciária de São Luís -MA, o suscitante. (STJ, CC 75314/MA, 1ª Seção, Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, DJ 27/08/2007).
CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. EXCEÇÃO DO ART. 3º, § 1º, INC. III, DA LEI Nº 10.259/01 AFASTADA. JUIZADO ESPECIAL CÍVEL.
A pretensão formulada nesta ação não se enquadra em nenhuma das hipóteses arroladas no § 1º do art. 3º da Lei nº 10.259, visto não tratar a ação de anulação ou cancelamento de ato administrativo típico.
O pedido envolve, apenas, reconhecimento de direito. Sendo o valor da causa inferior a 60 (sessenta) salários mínimos, cabe ao Juizado Especial Federal a competência para processar, conciliar e julgar as causas de competência da Justiça Federal
. (TRF4, conflito de competência (Seção) Nº 5008065-61.2011.404.0000, 2ª Seção, Des. Federal VILSON DARÓS, POR UNANIMIDADE, em 08/09/11).
Assim, e atribuído à causa o valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), tem-se que competente para o processamento e julgamento da lide o Juizado Especial Federal
. Diante do exposto, nos termos do disposto no art. 120, § único, do CPC, conheço do presente conflito e declaro competente para o processamento e julgamento da lide o juízo suscitado (Juízo Substituto da 1ª Vara de Florianópolis). Publique-se. Comuniquem-se os juízos conflitantes e, com as formalidades de estilo, dê-se baixa na distribuição e arquivem-se os autos.
(TRF4 5013834-11.2015.404.0000, Segunda Seção, Relator Candido Alfredo Silva Leal Junior, 11/07/2015)
A submissão da demanda à competência dos Juizados Especiais revelou escorreita.
"O valor da causa atribuído pela parte autora é inferior a 60 salários, o qual não foi impugnado, logo, não há o que discutir quanto a esse aspecto. Por outro lado, não é o caso de aplicação da exceção prevista no art. 3º , § 1º , III , da Lei 10.259 , uma vez que "a autora invocou a alegada nulidade da revisão administrativa apenas como causa de pedir, dado que a sua pretensão é efetivamente condenatória". Desse modo, firma-se a competência absoluta dos Juizados Especiais Federais para o julgamento do feito, nos termos do artigo 98 , I , da Constituição Federal."
(TRF-4 - RECURSO CÍVEL: 50446614920184047000/PR, Relator: GERSON LUIZ ROCHA, Data de Julgamento: 02/04/2020, PRIMEIRA TURMA RECURSAL DO PR)
Eventual complexidade
da demanda não afasta a sua submissão à alçada dos Juizados Especiais Federais, diante do disposto no art. 98, I, Constituição/88 e art. 3 da lei n. 10.259/2001:
"
Não há óbice na Lei nº 10.259/01 a produção de prova pericial nos processos de competência do Juizado Especial Federal. Ao contrário, há previsão expressa no seu Art. 12 relativa a realização de prova técnica. 2. É entendimento assente na jurisprudência que a complexidade da prova necessária ao julgamento da controvérsia não é incompatível com o rito do JEF, sendo certo que o legislador elegeu como único critério de delimitação de sua competência o valor da causa 3. Agravo de instrumento desprovido
."
(TRF-3 - AI: 50174760920214030000 SP, Relator: Desembargador Federal PAULO OCTAVIO BAPTISTA PEREIRA, Data de Julgamento: 07/12/2021, 10ª Turma, 10/12/2021)
Na situação em exame, o conteúdo econômico da pretensão deduzida na peça inicial é inferior a 60 salários mínimos, conforme
decreto 11.864, de 27 de dezembro de 2023
; ademais, trata-se de pretensão condenatória, de modo que o seu processamento sob o rito dos Juizados Especiais revela-se escorreito, sem esbarrar no art. 3, §1, III, lei 10.259/2001.
2.3. Competência da presente Subseção Judiciária:
A pretensão deduzida na peça inicial submete-se à alçada desta Subseção Judiciaria de Curitiba, por força do
art. 53, III, "d", CPC/15
, dado constituir-se no local de cogitado adimplemento da obrigação aludida na peça inicial, caso a pretensão da autora venha a ser julgada procedente, em sentença transitada em julgado. Ademais, ainda que assim não fosse, é fato que o STF tem aplicado o art. 109,§2º, Constituição, também quando em causa pretensões endereçadas às autarquias federais e empresas públicas federais.
CONSTITUCIONAL. COMPETÊNCIA. CAUSAS AJUIZADAS CONTRA A UNIÃO. ART. 109, § 2º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. CRITÉRIO DE FIXAÇÃO DO FORO COMPETENTE. APLICABILIDADE ÀS AUTARQUIAS FEDERAIS, INCLUSIVE AO CONSELHO ADMINISTRATIVO DE DEFESA ECONÔMICA - CADE. RECURSO CONHECIDO E IMPROVIDO. I - A faculdade atribuída ao autor quanto à escolha do foro competente entre os indicados no art. 109, § 2º, da Constituição Federal para julgar as ações propostas contra a União tem por escopo facilitar o acesso ao Poder Judiciário àqueles que se encontram afastados das sedes das autarquias. II –
Em situação semelhante à da União, as autarquias federais possuem representação em todo o território nacional. III - As autarquias federais gozam, de maneira geral, dos mesmos privilégios e vantagens processuais concedidos ao ente político a que pertencem. IV - A pretendida fixação do foro competente com base no art. 100, IV, a, do CPC nas ações propostas contra as autarquias federais resultaria na concessão de vantagem processual não estabelecida para a União, ente maior, que possui foro privilegiado limitado pelo referido dispositivo constitucional. V - A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal tem decidido pela incidência do disposto no art. 109, § 2º, da Constituição Federal às autarquias federais. Precedentes. VI - Recurso extraordinário conhecido e improvido
. (STF - RE: 627709 DF, Relator: Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Data de Julgamento: 20/08/2014, Tribunal Pleno, Data de Publicação: REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO)
Nesse mesmo sentido, convergem os julgados: RE 499.093-AgR-segundo/PR e AI 793.409/RS, rel. Min. Ricardo Lewandowski; RE 234.059/AL, Rel. Min. Menezes Direito; RE 484.235-AgR/MG, Rel. Min. Ellen Gracie; RE 488.704/RJ, RE 527.498/SC e RE 603.311/RS, Rel. Min. Marco Aurélio; RE 590.649/RJ, RE 474.691/SC e RE 491.331/SC, Rel. Min. Cármen Lúcia; RE 474.825/PR, Rel. Min. Dias Toffoli.
Nesse mesmo sentido, leia-se RE: 627709 DF, Relator: RICARDO LEWANDOWSKI, Data de Julgamento: 20/08/2014, Tribunal Pleno, Data de Publicação: 30/10/2014 e STJ - CC: 186847 DF 2022/0078782-6, Min. ASSUSETE MAGALHÃES, DJ 28/03/2022. Junto ao TRF4, destaca-se:
"art. 109, § 2º. Se a parte pode optar por qualquer dos foros do § 2º do art. 109 da Constituição Federal, para litigar contra a União,
tal opção deve ser estendida com toda razão às autarquias federais e empresas públicas
." (TRF-4 - AG: 50159035520114040000 5015903-55.2011.4.04.0000, Relator: MARIA LÚCIA LUZ LEIRIA, Data de Julgamento: 14/03/2012, TERCEIRA TURMA)
O art. 109, §2º, CF, prevalece sobre o art. 3º, §3º, da lei n. 10.259, de 2001. Com efeito,
"A competência absoluta dos Juizados Especiais, referida no art. 3º , § 3º , da Lei n. 10.259 /01 não constitui obstáculo à redistribuição para fins de equalização de acervo, desde que o encaminhamento ocorra para outra Vara com competência também vinculada ao sistema dos Juizados Especiais Federais. 5. A norma que afirma que "no foro onde estiver instalada Vara do Juizado Especial, a sua competência é absoluta" tem ligação histórica com a interpretação dada pela doutrina e pela jurisprudência à Lei nº 9.099 /95, no sentido de que "o ajuizamento da ação perante o juizado especial é uma opção do autor (art. 3 ., par.3., da Lei 9.099 /95)" ( REsp 151.703/RJ , Rel. Ministro RUY ROSADO DE AGUIAR, QUARTA TURMA, julgado em 24/03/1998, DJ 08/06/1998, p. 124). 6.
O ajuizamento obrigatório de causas de até 60 salários mínimos nos Juizados Especiais Federais empresta a essas ações uma competência absoluta para o próprio sistema dos Juizados Especiais, mas não torna essas ações infensas às medidas de equalização. Nada impede, portanto, a incidência do art. 109 , § 2º , da Constituição Federal , no sentido de que as causas intentadas contra a União poderão ser aforadas na seção judiciária em que for domiciliado o autor, naquela onde houver ocorrido o ato ou fato que deu origem à demanda ou onde esteja situada a coisa, ou, ainda, no Distrito Federal
."
(TRF-4 - CC: 50799694420214047000 PR 5079969-44.2021.4.04.7000, Relator: NICOLAU KONKEL JÚNIOR, Data de Julgamento: 24/02/2022, PRIMEIRA TURMA RECURSAL DO PR)
Por conseguinte,
considerando o alcance do art. 109, §2, CF, a tramitação desta causa perante esta Subseção Judiciária está em conformidade com a legislação
. Ademais, as partes não suscitaram exceção de incompetência, na forma do art. 65, CPC/15, e súmula 33, Superior Tribunal de Justiça.
2.4. Competência da presente unidade jurisdicional:
Dentre os Juízos com atuação nesta Subseção de Curitiba, a causa foi livremente distribuída ao presente Juízo Substituto da 11.VF, o que atendeu a garantia do Juízo Natural - art. 5, LIII, CF.
2.5. Prerrogativas da ECT:
Em princípio, enquanto empresa pública, a ECT não poderia usufruir prerrogativas inerentes ao regime jurídico de direito público, conforme se infere do art. 173, §2º, CF:
"
As empresas públicas e as sociedades de economia mista não poderão gozar de privilégios fiscais não extensivos às do setor privado
."
Cumpre notar, todavia, que a Suprema Corte tem sustentado que o art. 12 do Decreto-Lei 509/69 teria sido recepcionado pela Lei Maior, sendo também aplicável à empresa brasileira de Correios. A título de exemplo, confira-se o RE 220.906/DF (Rel. Min. Maurício Corrêa, DJ de 14.11.2002).
Nesse mesmo sentido, atente-se para o seguinte julgado do STJ:
EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELEGRÁFOS - ECT. Execução.
A ECT goza do privilégio da impenhorabilidade dos seus bens. Art. 12 do DL 509/69. RE 220.906-DF. Recurso conhecido e provido
.
(STJ - REsp: 463324 PE 2002/0111741-1, Relator: Ministro RUY ROSADO DE AGUIAR, Data de Julgamento: 19/11/2002, T4 - QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJ 16.12.2002 p. 347)
2.6. Conexão processual:
Não diviso um contexto de conexão processual, a ensejar a reunião desta demanda com outra para solução conjunta, conforme art. 55, §1, CPC e súmula 235, STJ, em leitura
a contrario sensu.
2.7. Singularidade da demanda:
A presente demanda aparenta ser singular, não havendo indicativos de violação à garantia do respeito à coisa julgada - art. 5, XXXVI, Constituição e art. 508, CPC/15. Tampouco há sinais de incorrer em litispendência, conforme definição do art. 337, §2, CPC.
2.8. Eventual suspensão do processo:
Na presente etapa da demanda, não vislumbro lastro para a suspensão da causa, na forma do art. 313, CPC, eis que não atendidos os requisitos para tanto. Em determinados casos, a suspensão é ditada pelos Colegiados Recursais, conforme art. 982, CPC, o que não ocorre no caso em apreço, conforme relatei acima.
2.9. Pertinência subjetiva das partes:
Atentando para o art. 17, CPC, anoto que a requerente está legitimada para a causa, dado que disse ter sido prejudicada pela ECT. Não deduziu em juízo pretensão alheia em nome próprio, de modo que a vedação do art. 18, CPC não se aplica.
Por seu turno, a ECT teria sido contratada para aludida entrega de missiva. A autora disse ter havido falsidade ideológica na assinatura lançada no documento, atestando entrega de correspondência para a autora. Saber se a pretensão da demandante prospera é questão a ser apreciada com exame de mérito, em sentença.
2.10.
Sucessão processual em razão do falecimento:
Sabe-se que -
quanto se dá no curso de uma demanda
-, nos termos do art. 313, I, CPC, a morte de qualquer das partes é causa de suspensão do processo. Por outro lado, segundo o art. 313, §2º, II, CPC/15,
"falecido o autor e sendo transmissível o direito em litígio, determinará a
intimação de seu espólio, de quem for o sucessor ou, se for o caso, dos herdeiros, pelos meios de divulgação que reputar mais adequados, para que manifestem interesse na sucessão processual e promovam a respectiva habilitação no prazo designado, sob pena de extinção do processo sem resolução de mérito
."
Atente-se para a lição de Araken de Assis, a respeito do tema:
"(...) O falecimento da pessoa natural que figura como parte em determinado processo é tanto causa de suspensão do processo (retro, 1.534.1), transmitido o objeto litigioso mortis causa, quanto de emissão de sentença terminativa, a teor do art. 485, IX, não se transmitindo o objeto litigioso. A causa da extinção reside no decesso do autor ou do réu, em virtude do caráter intransmissível, mortis causa, desse objeto. Desaparece o único legitimado possível.
Em princípio, os direitos, as pretensões e as ações mostram-se transmissíveis, mortis causa, litigiosos ou não. A exceção consiste na intransmissibilidade. Não é por outra razão que, em área de suma importância, o art. 943 do CC estabelece: O direito de exigir reparação e a obrigação de prestá-la transmitem-se com a herança. O dispositivo se aplica às ações de reparação do dano patrimonial e extrapatrimonial
.
Lei em sentido formal há de declarar intransmissível o direito. Tal exigência se deduz do art. 485, IX, referindo “disposição legal”. E, de fato, há direitos que, personalíssimos, extinguem-se com a morte do seu titular, antes ou depois do respectivo exercício, conforme estipulação legal. Essa característica permite classificar a intransmissibilidade em duas espécies: (a) absoluta; (b) relativa.
Intransmissibilidade absoluta do objeto litigioso – Em alguns casos, a morte da pessoa titular do direito, antes ou depois do seu exercício em juízo, provocará o desaparecimento imediato e irreversível do direito alegado e transformado, no processo, em hipótese de trabalho
.
É o caso do direito de pleitear a separação do cônjuge. A morte de per si extinguirá a sociedade conjugal (art. 1.571, I, do CC) e, por incompatibilidade, eliminam-se todos os direitos tendentes à obtenção da mesma finalidade. O STJ decidiu que os sucessores do sócio falecido não podem prosseguir na ação de exclusão de outro sócio, porque os primeiros, em razão da morte, por sua vez deixaram de integrar a sociedade."
(ASSIS, Araken de.
Processo civil brasileiro.
Volume II - Tomo II: institutos fundamentais. São Paulo: RT. 2015. p. 972-973).
2.11. Casos de intransmissibilidade:
Há hipóteses, portanto, em que o falecimento da parte enseja
extinção da demanda
, sem solução do mérito, por conta do caráter intransmissível da pretensão deduzida em juízo, notadamente quanto versam sobre direitos personalíssimos.
PREVIDENCIÁRIO. AGRAVO LEGAL. ARTIGO 557, § 1º, CPC. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. CARÁTER PERSONALÍSSIMO. MORTE DO BENEFICIÁIO. INTRANSMISSIBILIDADE. EXTINÇÃO DO PROCESSO. 1.O
benefício de prestação continuada é revestido de caráter personalíssimo, não transmissível aos dependentes do beneficiário, devendo ser cessado o seu pagamento no momento em que forem superadas as condições previstas pela lei ou em caso de morte do beneficiário
. 2. Não tem direito os sucessores aos valores atrasados do benefício em questão, uma vez que a sua finalidade restringe-se ao amparo material, que tornou-se descessário com a morte da parte Autora. Ademais, trata-se de benefício assistencial e não contributivo. 3. Agravo legal o qual se nega provimento.
(AC 00054093520054036119, DESEMBARGADOR FEDERAL ANTONIO CEDENHO, TRF3 - SÉTIMA TURMA, e-DJF3 Judicial 1 DATA:02/06/2010 PÁGINA: 369 ..FONTE_REPUBLICACAO:.)
2.12. Teoria da
Saisine
e representação do espólio:
Nos demais casos, porém, o falecimento da parte implicou suspensão da demanda, na forma do já mencionado art. 313, I, CPC, Note-se que, por força da teoria da
Saisine,
esposada pelo art. 1.784, Código Civil/2002,
"
Aberta a sucessão, a herança transmite-se, desde logo, aos herdeiros legítimos e testamentários
."
Isso não vigora, porém, quando eventual herança seja alvo de renúncia por parte do sucessor (art. 1804, parágrafo único, Código Civil/2002).
Em tais hipóteses, a parte deve ser substituída pelo espólio ou por seus sucessores. Note-se que, como regra, a lei exige que a habilitação se dê mediante comprovação do inventário/partilha (art. 687 e ss., CPC/15), por conta da regra do art. 1.991, Código Civil:
"
Desde a assinatura do compromisso até a homologação da partilha, a administração da herança será exercida pelo inventariante
."
A tanto converge, igualmente, o art. 75, VII, CPC/15.
2.13. Habilitação direta:
Em determinados casos, os herdeiros podem ser convocados a responder por eventuais dívidas do falecido, observados os limites da herança (art. 1.997 e art. 1792, Código Civil/2002). Atente-se, de toda sorte, para a lógica da
lei 6.858/1980
dispõe sobre o pagamento de valores devidos aos empregados, por parte dos seus empregadores:
Art. 1º - Os valores devidos pelos empregadores aos empregados e os montantes das contas individuais do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço e do Fundo de Participação PIS-PASEP, não recebidos em vida pelos respectivos titulares, serão pagos, em quotas iguais, aos dependentes habilitados perante a Previdência Social ou na forma da legislação específica dos servidores civis e militares, e, na sua falta, aos sucessores previstos na lei civil, indicados em alvará judicial,
independentemente de inventário ou arrolamento
.
Art. 2º - O disposto nesta Lei se aplica às restituições relativas ao Imposto de Renda e outros tributos, recolhidos por pessoa física, e, não existindo outros bens sujeitos a inventário, aos saldos bancários e de contas de cadernetas de poupança e fundos de investimento de valor até 500 (quinhentas) Obrigações do Tesouro Nacional.
Parágrafo único. Na hipótese de inexistirem dependentes ou sucessores do titular, os valores referidos neste artigo reverterão em favor do Fundo de Previdência e Assistência Social.
Menciono ainda o art. 112 da lei 8.213/1991:
"O
valor não recebido em vida pelo segurado só será pago aos seus dependentes habilitados à pensão por morte ou, na falta deles, aos seus sucessores na forma da lei civil, independentemente de inventário ou arrolamento
."
Vê-se que a aludida legislação busca simplificar o recebimento dos valores, de modo que a prova da condição de sucessor, já promovida junto ao INSS, basta para a percepção dos valores em juízo.
CIVIL. EMBARGOS À EXECUÇÃO. CERTIDÃO DA HABILITAÇÃO DE HERDEIROS PERANTE A PREVIDÊNCIA SOCIAL. DISPENSA EM FACE DO DISPOSTO NOS ARTS. 1º E 2º, DA LEI 6.858/80. - Diante da legislação em epígrafe,
o pagamento dos valores a que se refere pode, inequivocamente, ser feito, em um segundo grau de comprovação
,
aos sucessores previstos na lei civil, indicados em alvará judicial
, independentemente de inventário ou arrolamento, se, no primeiro grau de comprovação, não houver evidência de dependentes habilitados perante a Previdência Social ou, em se tratando de servidores públicos civis e militares, na forma da legislação específica que lhes for pertinente. Razoabilidade dos fundamentos da sentença recorrida." (AC 200270000422471/PR, Relator(a) Des. Federal VALDEMAR CAPELETTI, DJU 31/03/2004)
Também há situações, por outro lado, em que se admite a chamada
habilitação direta ou simplificada
(prevista no art. 689, CPC/15). Ela opera-se quando não há resistência por parte da parte antagônica; e exige a prova de que todos os herdeiros acorreram ao feito.
A cautela é necessária, dado que a destinação dos recursos deve ser promovida a quem possui aptidão para outorgar quitação da obrigação pertinente (art. 311, CC/2002), a fim de que o cumprimento de sentença seja então extinto, quanto ao débito em questão, conforme art. 924, II, CPC/15. Segundo conhecido ditado popular, quem paga mal, paga duas vezes.
AGRAVO DE INSTRUMENTO. PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO DE SENTENÇA. SUCESSÃO. HERDEIROS. HABILITAÇÃO DIRETA. DESCABIMENTO. ABERTURA DE INVENTÁRIO. NECESSIDADE. PREQUESTIONAMENTO.
Só é admissível a habilitação direta dos herdeiros na execução, independentemente de autorização expressa do Juízo de Inventário ou do Juízo competente em matéria de sucessões, quando inexistirem outros bens a inventariar ou testamento a ser verificado, condições não atendidas no caso em exame
. Registra-se, desde já, especialmente para fins de eventual interposição de recursos às Instâncias Superiores, que a presente decisão não implica violação a qualquer dispositivo legal, em especial ao art. 1.060, inc. I, do CPC que resta devidamente prequestionado nos termos da fundamentação. (AG 200904000203224, VALDEMAR CAPELETTI, TRF4 - QUARTA TURMA, D.E. 17/08/2009.)
"-A Corte Superior, inclusive com apoio no artigo 43, do Código de Processo Civil "Ocorrendo a morte de qualquer das partes, dar-se-á a substituição pelo seu espólio ou pelos seus sucessores, observado o disposto no art.265.", reconhece a possibilidade da sucessão processual, em sintonia com o artigo 1060, I, do mesmo Codex, ocorrer em favor de
TODOS
os sucessores, anote-se, hodiernamente, observado os artigos 1791, e § único do Código Civil, "
A herança defere-se como um todo unitário, ainda que vários sejam os herdeiros. Parágrafo único. Até a partilha, o direito dos co-herdeiros, quanto à propriedade e posse da herança, será indivisível, e regular-se-á pelas normas relativas ao condomínio
.", artigo 1829, inciso I a IV," A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte: I - aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens (art. 1.640, parágrafo único); 298 ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares; II - aos ascendentes, em concorrência com o cônjuge; III - ao cônjuge sobrevivente; IV - aos colaterais.", todos do Código Civil - (RSTJ 130/299, 3ª Turma; RSTJ 172/451, 4ª Turma; STJ, 1ª Turma, Resp 1028187, DJ 4/6/08, mutatis mutandis), o que conduz, como corolário ao não trânsito do inconformismo. -Assim sendo, a meu juízo os argumentos alinhados, em nada abalam o teor da decisão objurgada, não se vislumbrando motivos para o exercício de retratação, nem para que se reforme o decisum, razão pela qual mantenho-a por seus próprios fundamentos. -Recurso desprovido." (AG 201002010038001, Desembargador Federal POUL ERIK DYRLUND, TRF2 - PRESIDÊNCIA, E-DJF2R - Data::18/11/2013, omiti parte do julgado)
Deve-se aplicar à sucessão a legislação vigente ao tempo do falecimento do instituidor da herança.
2.14.
Ordem de sucessão
hereditária:
No que diz respeito à ordem de sucessão hereditária, convém atentar para os seguintes dispositivos, todos do Código Civil/2002:
Art. 1.829. A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte: (Vide Recurso Extraordinário nº 646.721) (Vide Recurso Extraordinário nº 878.694) I - aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens (art. 1.640, parágrafo único); ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares; II - aos ascendentes, em concorrência com o cônjuge; III - ao cônjuge sobrevivente; IV - aos colaterais. Art. 1.830. Somente é reconhecido direito sucessório ao cônjuge sobrevivente se, ao tempo da morte do outro, não estavam separados judicialmente, nem separados de fato há mais de dois anos, salvo prova, neste caso, de que essa convivência se tornara impossível sem culpa do sobrevivente. Art. 1.831. Ao cônjuge sobrevivente, qualquer que seja o regime de bens, será assegurado, sem prejuízo da participação que lhe caiba na herança, o direito real de habitação relativamente ao imóvel destinado à residência da família, desde que seja o único daquela natureza a inventariar. Art. 1.832. Em concorrência com os descendentes (art. 1.829, inciso I) caberá ao cônjuge quinhão igual ao dos que sucederem por cabeça, não podendo a sua quota ser inferior à quarta parte da herança, se for ascendente dos herdeiros com que concorrer. Art. 1.833. Entre os descendentes, os em grau mais próximo excluem os mais remotos, salvo o direito de representação. Art. 1.834. Os descendentes da mesma classe têm os mesmos direitos à sucessão de seus ascendentes. Art. 1.840. Na classe dos colaterais, os mais próximos excluem os mais remotos, salvo o direito de representação concedido aos filhos de irmãos. Art. 1.841. Concorrendo à herança do falecido irmãos bilaterais com irmãos unilaterais, cada um destes herdará metade do que cada um daqueles herdar. Art. 1.842. Não concorrendo à herança irmão bilateral, herdarão, em partes iguais, os unilaterais. Art. 1.843. Na falta de irmãos, herdarão os filhos destes e, não os havendo, os tios. § 1 o Se concorrerem à herança somente filhos de irmãos falecidos, herdarão por cabeça. § 2 o Se concorrem filhos de irmãos bilaterais com filhos de irmãos unilaterais, cada um destes herdará a metade do que herdar cada um daqueles. § 3 o Se todos forem filhos de irmãos bilaterais, ou todos de irmãos unilaterais, herdarão por igual.
Logo, são herdeiros do autor sua esposa e seus filhos, nos termos da escritura pública de declaração de nomeação de inventariante (mov. 1.4).
2.15. Eventual execução e limite da herança:
Por outro lado, sabe-se que, em solo nacional, não e herdam dívidas, salvo quando tais dívidas possam ser suportadas por eventuais bens auferidos mediante sucessão
causa mortis,
conforme ar
ts. 830 e 1792 do Código Civil/02
. Cabe ao executado o õnus da prova de eventual excesso.
APELAÇÃO CÍVEL. NEGÓCIOS JURÍDICOS BANCÁRIOS. EMBARGOS À EXECUÇÃO. AÇÃO DE EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL. AÇÃO AJUIZADA CONTRA DEVEDOR FALECIDO. LEGITIMIDADE PASSIVA DOS HERDEIROS DO FALECIDO PARA RESPONDER A EXECUÇÃO ATÉ O LIMITE DA HERANÇA. JUROS REMUNERATÓRIOS. ABUSIVIDADE. NÃO DEMONSTRADA. Legitimidade passiva. Não há falar em ilegitimidade, pois, à ausência de inventários, os sucessores são legitimados a compor o polo passivo da lide, desde que observado o limite da herança em relação a cada um dos herdeiros para responder à presente execução. Artigo 1.792, Código Civil:
?O herdeiro não responde por encargos superiores às forças da herança; incumbe-lhe, porém, a prova do excesso, salvo se houver inventário que a escuse, demostrando o valor dos bens herdado
s?. Juros remureratórios. Não se apresenta abusiva a pactuação em percentual superior a 12% ao ano, uma vez que as instituições financeiras não estão sujeitas às disposições do Decreto nº 22.626/1933. Súmula 382 do STJ: ?A estipulação de juros remuneratórios superior a 12% ao ano, por si só, não indica abusividade?.NEGARAM PROVIMENTO AO APELO. UN NIME.(Apelação Cível, Nº 70081743494, Décima Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Giovanni Conti, Julgado em: 24-10-2019) (TJ-RS - AC: 70081743494 RS, Relator: Giovanni Conti, Data de Julgamento: 24/10/2019, Décima Sétima Câmara Cível, Data de Publicação: 31/10/2019)
2.16. Habilitação - caso em exame:
Na hipótese, noticiou-se o falecimento da autora no movimento 20, anexando-se certidão de óbito. O advogado da demandante peticionou a inclusão da sra. ANNA JULIA SILVA DE OLIVEIRA no polo passivo da demanda, filha da autora. Postulou a citação do ELESSANDRO ROQUE DE SOUSA, viúvo da demandante. Os autos não veiculam certidão de nascimento ou documentos de identificação da sra. Ana. Ela constou como declarante do falecimento na certidão de óbito.
DEFIRO, ao menos por ora, a habilitação da sra. Anna. Ela deverá apresentar documentos nos autos, porém, comprovando sua identificação e a filiação alegada. Defiro, ademais, a intimação do sr. Elessandro.
2.17. Litisconsórcio necessário:
No caso em análise, não diviso situação de litisconsórcio necessário, para os fins dos arts. 114, 115, 506, CPC/15. Eventual acolhimento da pretensão do demandante, em sentença transitada em julgado, não atingirá situações jurídicas de terceiros.
2.18. Quanto ao interesse processual:
Como sabido, o Poder Judiciário está obrigado a apreciar a alegação de ocorrência de lesão ou ameaça de lesão a direitos (art. 5, XXXV, CF). Ao mesmo tempo, porém, a deflagração de uma demanda não é isenta de condições. Note-se que, dentre outros requisitos, com a deflagração do processo a autora deve almejar um bem que lhe seja útil. O ingresso em Juízo deve ser necessário para a satisfação da pretensão da autora. Por fim, o procedimento escolhido pelo requerente deve ser adequado para a eventual obtenção do mencionado bem.
Na espécie, aludidos requisitos foram satisfeitos pela autora, dado que - caso sua pretensão venha a ser julgada procedente, em decisão transitada em julgado - isso se traduzirá em reparação dos prejuízos que alegou ter suportado. Ao que informam os autos, a medida não seria satisfeita na esfera extrajudicial, sendo que o procedimento eleito se revela adequado à finalidade proposta.
2.19. Prazos prescricionais:
A pretensão da autora está submetida ao prazo prescricional de 05 anos, conforme
art. 1º do Decreto 20.910/1932
, com a interrupção na forma da súmula 383, Supremo Tribunal Federal. Trata-se de norma de conteúdo especial quando confrontada com o art. 206, §3º, V, Código Civil:
ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. PRESCRIÇÃO. PRAZO QUINQUENAL. DECRETO 20.910/32. REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA RESP 1.251.993/PR. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1.
A Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do REsp. 1.251.993/PR, submetido ao rito do art. 543-C do CPC, assentou que o prazo de prescrição quinquenal, previsto no Decreto nº 20.910/32, aplica-se às ações indenizatórias ajuizadas contra a Fazenda Pública, em detrimento do prazo trienal contido do Código Civil de 2002
. a4. 2. Agravo regimental a que se nega provimento. ..EMEN: (AGARESP 201302893979, MARGA TESSLER (JUÍZA FEDERAL CONVOCADA DO TRF 4ª REGIÃO), STJ - PRIMEIRA TURMA, DJE DATA:12/03/2015 ..DTPB:.)
Cuidando-se de pretensão endereçada a uma empresa pública federal com prerrogativas da Fazenda Pública, aplica-se ao caso o prazo prescricional de 5 anos. Por outro lado, dada a aplicação do CDC/1990, como anoto abaixo, aplica-se o prazo de cinco anos, também por conta do art. 27 da lei n. 8.078/1990
. Referido lapso deve ser computado a partir da data em que o sujeito toma conhecimento da agressão aos seus interesses, conforme conhecido postulado da
actio nata,
e art. 189, Código Civil/2002.
Por conta do exposto, considerando a data do alegado extravio e a data do ingresso da autora em Juízo não decorreram mais de 05 anos, de modo que a pretensão da autora não foi atingida pela prescrição.
2.20. Eventual
decadência
do direito invocado na inicial:
Pode-se cogitar de decadência, por conta do eventual decurso do prazo previsto no art. 26, II, §1º, CDC/1990:
"O direito de reclamar pelos vícios aparentes ou de fácil constatação caduca em: (...) II -
noventa dias
, tratando-se de fornecimento de serviço e de produtos duráveis. §1°
Inicia-se a contagem do prazo decadencial a partir da entrega efetiva do produto ou do término da execução dos serviços
."
A respeito do tema, os Tribunais têm decidido como segue:
"Para a solução da questão é necessário conceituar o defeito que macula os serviços ora discutidos. Se estivermos diante da hipótese de responsabilidade por fato do serviço (art. 14, do CDC), o prazo prescricional a ser aplicado é o do art. 27 dessa lei, de cinco anos. Se estivermos diante de responsabilidade por vício do produto (art. 18, do CDC) o prazo será decadencial, disciplinado no art. 26.
Esta Terceira Turma, em precedente de minha relatoria, já teve a oportunidade de se posicionar no sentido de que, nas hipóteses de inadimplemento absoluto, não se estaria no âmbito do art. 18 (e, conseqüentemente, do art. 26 do CDC), mas no âmbito do art. 14, que, quanto à prescrição, leva à aplicação do art. 27, com prazo de cinco anos para o exercício da pretensão do consumidor. Isso se deu por ocasião do julgamento do REsp nº 278.893/DF (DJ de 4/11/2002), assim ementado:
Recurso Especial. Civil. "Pacote turístico". Inexecução dos serviços contratados. Danos materiais e morais. Indenização. Art. 26, I, do CDC. Direto à reclamação. Decadência. -
O prazo estatuído no art. 26, I, do CDC, é inaplicável à espécie, porquanto a pretensão indenizatória não está fundada na responsabilidade por vícios de qualidade do serviço prestado, mas na responsabilidade contratual decorrente de inadimplemento absoluto, evidenciado pela não-prestação do serviço que fora avençado no "pacote turístico
". (STJ, Resp, rel. Min. Nancy Andrighi, julgamento unânime por não conhecer do Recurso Especial) (...)
Além disso, o acórdão recorrido reconheceu a existência de dano moral causado pela conduta das requerentes. Na esteira do precedente formado a partir do julgamento do REsp nº 722.510/RS (de minha relatoria, DJ de 1/2/2006), nas hipóteses em que "
o vício não causa dano, correrá para o consumidor o prazo decadencial, para que proceda a reclamação, previsto neste artigo 26. No entanto, vindo a causar dano, ou seja, concretizando-se a hipótese do artigo 12, deste mesmo Código, deve-se ter em mente o prazo qüinqüenal, disposto no art. 27, sempre que se quiser pleitear indenização
" (Arruda Alvim, Código do Consumidor Comentado. 2ª ed., São Paulo: RT, 1995, pp. 172/173).
(STJ, REsp n.º 773.994/MG, Rel. Ministra Nancy Andrighi, em 22/05/2007)
Como têm deliberado o TRF4,
"O prazo de 90 dias estatuído no art. 26, II, § 1º, do CDC, não se subsume ao caso vertente, em que não se está a tratar de reclamação quanto a um vício aparente na prestação de serviços, mas do alegado direito da parte autora de obter o diploma pelo curso que prestou, assim como a reparação civil pela impossibilidade de obtê-lo."
(TRF-4 - AC: 50147831220144047003 PR, Relatora: VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA, Data de Julgamento: 30/10/2019, QUARTA TURMA)
Assim, no caso em análise, não se ultimou o prazo decadencial.
2.21. Quanto à
aplicação
do Código de Defesa do Consumidor:
Com a publicação do CDC, inaugurou-se uma conhecida polêmica sobre o alcance das suas disposições. Grosso modo, as opiniões distribuíram-se em duas grandes correntes: os finalistas e os maximalistas.
Os finalistas amparam-se sobremodo na regra do art. 2º da lei 8078/1990:
"Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final."
Logo, em princípio, o CDC apenas tutelaria aquelas relações em que o serviço fosse prestado ou o bem fosse fornecido ao destinatário último, sem subsequentes repasses.
Essa orientação foi compartilhada, ao que se sabe, pelos principais idealizadores do projeto que eclodiu no código consumerista brasileiro: Ada Pellegrini Grinover, Antônio Herman de Vasconcellos e Benjamin e outros.
Já a orientação maximalista promove uma leitura ampla do conceito de consumidor, destacando que a lei 8078 não tutelaria apenas o destinatário final de bens e serviços, sendo oponível também às relações entre empresas e até mesmo a órgãos públicos (amparando-se, nesse caso, na regra do art. 22, CDC). Essa orientação é compartilhada por Rizzato Nunes, por exemplo (conforme o seu Curso de direito do consumidor. São Paulo: Saraiva, 2004).
Com esse pano de fundo, inúmeras discussões foram promovidas ao longo desses anos de vigência da lei 8078. Ao que releva, o CDC também se aplica a entidades da Administração Pública, quando em causa serviços remunerados mediante preços públicos, ou quando em causa atividades econômicas
stricto senso
(art. 22, CDC).
DANO MORAL. DANO MATERIAL. EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELÉGRAFOS. ERRONA PRESTAÇÃO DE SERVIÇO. PERDA DE PRAZO PROCESSUAL. APLICAÇÃO DO CDC. 1. Entrega de correspondência para o destinatário errado, causando demora na entrega ao endereço correto e conseqüente perda de prazo processual. 2. Cabível dano material e dano moral. 3.
Aplicação do Código de Defesa do Consumidor, pois demonstrado a relação de consumo entre a ECT e o apelado
. 4. Recurso a que se nega provimento.(AC 200071050018995, JOEL ILAN PACIORNIK, TRF4 - QUARTA TURMA, DJ 25/09/2002 PÁGINA: 704.)
CIVIL. EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELÉGRAFOS - ECT. CONTRATO DETRANSPORTE DE ENCOMENDA SEM DECLARAÇÃO DE VALOR. EXTRAVIO DE MERCADORIA. VALORDA INDENIZAÇÃO.1.
Qualifica-se como de consumo a relação jurídica contratual de transporte de encomendas. Precedente do STJ
. 2. É do fornecedor o ônus de provar claramente as condições contratuais particularmente em relação à opção de informar ou não o valor da mercadoria e o custo do serviço para o fim de indenização em caso de extravio segundo o valor exato da mercadoria transportada.3. Não é aceitável o fornecedor simplesmente alegar que o consumidor não declarou o valor para indenizar o prejuízo de acordo com critério unilateral.4. Apelação provida. (AC 00626681319984010000, JUIZ FEDERAL WILSON ALVES DE SOUZA (CONV.), TRF1 - TERCEIRA TURMA SUPLEMENTAR (INATIVA), DJ DATA:23/06/2005 PAGINA:81.)
D'outro tanto, em princípio, pessoas jurídicas também podem ser qualificadas como consumidoras, para fins de aplicação da lei 8.078/1990, desde que não esteja em causa a aquisição de matéria prima para seus processos produtivos.
RECURSO ESPECIAL. FORNECIMENTO DE ÁGUA. CONSUMIDOR. DESTINATÁRIOFINAL. RELAÇÃO DE CONSUMO. DEVOLUÇÃO EM DOBRO DOS VALORES PAGOSINDEVIDAMENTE. APLICAÇÃO DOS ARTIGOS 2º E 42, PARÁGRAFO ÚNICO, DALEI Nº 8.078/90.I - "
O conceito de "destinatário final", do Código de Defesa do Consumidor, alcança a empresa ou o profissional que adquire bens ou serviços e os utiliza em benefício próprio
" (AgRg no Ag nº807159/SP, Rel. Min. HUMBERTO GOMES DE BARROS, DJ de 25/10/2008).II - No caso em exame, a recorrente enquadra-se em tal conceituação, visto ser empresa prestadora de serviços médico-hospitalares, que utiliza a água para a manutenção predial e o desenvolvimento de suas atividades, ou seja, seu consumo é em benefício próprio. III - A empresa por ser destinatária final do fornecimento de água e, portanto, por se enquadrar no conceito de consumidora, mantém coma recorrida relação de consumo, o que torna aplicável o disposto no artigo 42, parágrafo único, da Lei 8.078/90.IV - Recurso especial conhecido e provido...EMEN: (RESP 200800133166, FRANCISCO FALCÃO, STJ - PRIMEIRA TURMA, DJE DATA:30/04/2008..DTPB:.)
Quanto à aplicação do CDC, quando se trate da prestação de serviços por empresas públicas, remunerados mediante preços públicos/tarifas, convém atentar para o art. 22, CDC:
"
Os órgãos públicos, por si ou suas empresas, concessionárias, permissionárias ou sob qualquer outra forma de empreendimento, são obrigados a fornecer serviços adequados, eficientes, seguros e, quanto aos essenciais, contínuos
. Parágrafo único. Nos casos de descumprimento, total ou parcial, das obrigações referidas neste artigo, serão as pessoas jurídicas compelidas a cumpri-las e a reparar os danos causados, na forma prevista neste código."
Atente-se ainda para os seguintes julgados:
EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA. CONSTITUIÇÃO FEDERAL. CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. CORREIOS. CARTA REGISTRADA. EXTRAVIO. DANOS MORAIS. IN RE IPSA. 1. As empresas públicas prestadoras de serviços públicos submetem- se ao regime de responsabilidade civil objetiva, previsto no art. 37, § 6º, da Constituição Federal e nos arts. 14 e 22 do Código de Defesa do Consumidor. 2. No caso, a contratação de serviços postais oferecidos pelos Correios, por meio de tarifa especial, para envio de carta registrada, que permite o posterior rastreamento pelo próprio órgão de postagem revela a existência de contrato de consumo, devendo a fornecedora responder objetivamente ao cliente por danos morais advindos da falha do serviço quando não comprovada a efetiva entrega. 3. É incontroverso que o embargado sofreu danos morais decorrentes do extravio de sua correspondência, motivo pelo qual o montante indenizatório fixado em R$ 1.000,00 (mil reais) pelas instâncias ordinárias foi mantido pelo acórdão proferido pela Quarta Turma, porquanto razoável, sob pena de enriquecimento sem causa. 4. Embargos de divergência não providos. ..EMEN:
(ERESP 201303279910, RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, STJ - SEGUNDA SEÇÃO, DJE DATA:24/02/2015 ..DTPB:.)
DANO MORAL. DANO MATERIAL. EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELÉGRAFOS. ERRO NA PRESTAÇÃO DE SERVIÇO. PERDA DE PRAZO PROCESSUAL. APLICAÇÃO DO CDC. 1. Entrega de correspondência para o destinatário errado, causando demora na entrega ao endereço correto e conseqüente perda de prazo processual. 2. Cabível dano material e dano moral. 3. Aplicação do Código de Defesa do Consumidor, pois demonstrado a relação de consumo entre a ECT e o apelado. 4. Recurso a que se nega provimento.
(AC 200071050018995, JOEL ILAN PACIORNIK, TRF4 - QUARTA TURMA, DJ 25/09/2002 PÁGINA: 704.)
De sua parte, Justen Filho enfatiza a dificuldade, não raro, de se conjugar o regime jurídico público - próprio das concessões - com a aplicação da lógica do Código de Defesa do Consumidor:
"Ocorre que nem sempre é possível conciliar o regime de direito público com aquele do direito do consumidor. A cumulação dos mecanismos de serviço público e de direito do consumidor provoca um conflito de competências e de regime jurídico, cuja solução deve ser realizada com cautela.
Um exemplo permite compreender de imediato o problema. Segundo o direito do consumidor, é obrigatório o empresário manter a oferta realizada nas condições originais. Já no âmbito do serviço público, a mutabilidade é da sua inerência. Suponha-se, portanto, o caso da telefonia fixa. Imagine-se que o concessionário estabeleça relação jurídica com o usuário, orientando-se por determinada regulação do poder concedente. Se houver necessidade e conveniência, o poder concedente alterará as regras pertinentes, com reflexos na situação jurídica do usuário. Em face do regime de Direito Administrativo, o usuário não poderia invocar direito adquirido à manutenção de regime jurídico. Mas sua pretensões poderia encontrar respaldo no regime característico do direito do consumidor.
Não seria excessivo afirmar que a concepção do serviço público defere ao poder concedente a função de tutelar e defender o interesse coletivo (aí abrangido também o interesse do usuário). Já o direito do consumidor assegura ao próprio consumidor e às entidades da sociedade a função de sua defesa (sem que isso exclua a intervenção de órgãos estatais)
.
É fundamental tomar em vista, então, que a aplicação das normas do direito do consumidor não pode fazer-se em face do serviço público com idêntica extensão aplicável no caso de relações puramente privadas, relacionadas com a exploração de atividade econômica em sentido restrito." (JUSTEN FILHO, Marçal.
Teoria geral das concessões de serviço público.
São Paulo: Dialética, 2003, p. 557-558)
Conjugando-se esses elementos, enfatizo que a lei n. 8.078 se aplica ao caso vertente, dado cuidar-se de demanda sobre alegadas falhas na prestação de prestação de serviço por parte dos Correios, entidade contratada mediante o pagamento de preços públicos.
2.22. Consequências da aplicação do CDC:
Na situação em exame, aplica-se, por conseguinte, o regime consumerista no que toca à relação entre a autora e a ECT. Dada a aplicação do CDC, isso implica o reconhecimento de um conjunto de garantias asseguradas ao consumidor, conforme se infere dos arts. 4º, 39 e 51 da lei 8078/1990.
Destaco, nesse âmbito, o dever de atuar com boa-fé (e o correspondente respeito à boa-fé objetiva), preconizado no art. 4º, III, CDC. Como diz Rizzatto Nunes,
"a boa-fé objetiva, que é a que está presente no Código de
defesa do consumidor
, pode ser definida, grosso modo, como sendo uma regra de conduta, isto é, o dever das partes de agir conforme certos parâmetros de honestidade e lealdade, a fim de se estabelecer o equilíbrio nas relações de consumo (...) Assim, quando se fala em boa-fé objetiva, pensa-se em comportamento fiel, leal, na atuação de cada uma das partes contratantes a fim de garantir respeito à outra."
(RIZZATTO NUNES
apud
EFING, Antônio Carlos.
Contratos e procedimentos bancários à luz do Código de defesa do consumidor.
2. ed. rev. São Paulo: RT, 2012, p. 87).
Esse dever de respeito à boa-fé também foi preconizado pelo art. 422, CC:
"Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé."
Vale a pena atentar para a lição de Antônio Carlos Efing:
"
A boa-fé, assim, possui no macrossistema de direito civil, e, consequentemente no microssistema do direito do consumidor, uma séria de efeitos, seja como um princípio de função interpretativa, seja como cláusula geral geradora de deveres anexos e critério de constatação de exercício abusivo de um direito ou de uma cláusula abusiva
. Como bem sintetiza Cláudia Lima Marques, 'o princípio da boa-fé objetiva na formação e na execução das obrigações possui muitas funções na nova teoria contratual: (a) como fonte de novos deveres especiais de conduta na nova teoria contratual; (b) como causa limitadora do exercício, antes lícito, hoje abusivo, dos direitos subjetivos, e (c) na concreção e interpretação dos contratos."
(EFING, Antônio Carlos.
Obra citada.
p. 90)
De outro tanto, a incidência do CDC implica o dever, por parte do fornecedor, de disponibilizar ao consumidor informação adequada e clara sobre os diferentes serviços e produtos, com especificação correta da quantidade, características, composição, qualidade, tributos incidentes e preço (art. 6º, III, CDC c/ redação veiculada pela lei 12.741/2012).
Esses são alguns dos efeitos decorrentes da aplicação do CDC.
2.23. Eficácia vinculante dos contratos:
O contrato é manifestação da autonomia da vontade. Em regra, desde que a vontade seja exteriorizada sem vícios (dolo, coação, vício redibitório etc.), ele vincula as partes, obrigando-as ao cumprimento das cláusulas avençadas. É fato que essa concepção liberal do contrato tem sido esmaecida, dada a sua progressiva funcionalização. Importa dizer: a legislação atual também exige, para exame da validade do contrato, que os seus resultados sejam tidos em conta (p.ex., a vedação da onerosidade excessiva, conforme arts. 39 e 51, CDC e arts. 478/480, CC).
Logo, em determinados casos, esse caráter vinculante dos contratos resta mitigado, frente à constatação de que muitos pactos são celebrados por adesão (contratos formulário), a existência de contratos cativos, superendividamento de muitos consumidores, propaganda abusiva etc. Assim, não se desconhece que o Direito pátrio esposou, de certa forma, a teoria das bases objetivas do contrato, desenvolvida por Karl Larenz em solo alemão:
"Pela base objetiva do negócio tem de se entender o conjunto de circunstâncias e estado geral de coisas cuja existência ou subsistência é objetivamente necessária para que o contrato, segundo o significado das intenções de ambos os contratantes, possa subsistir como regulação dotada de sentido.
A base do negócio objetivo tem desaparecido: a) quando a relação de equivalência entre prestação e contraprestação pressuposta no contrato se tem destruído em tal medida que não pode falar-se racionalmente de uma contraprestação (destruição da relação de equivalência); b) quando a comum finalidade objetiva do contrato, expressada em seu conteúdo, tenha resultado definitivamente inalcançável, ainda quando a prestação do devedor seja, todavia, possível (frustração da finalidade).
Nos casos de destruição da relação de equivalência (IX, a), a parte prejudicada, no caso de não haver realizado a prestação, pode negar-se a fazê-lo contanto que a outra parte não consinta um adequado aumento da contraprestação que restaure a equivalência. Se se rechaça este aumento terminantemente
, a parte prejudicada pode resolver ou, em caso de uma prestação de larga duração já iniciada, denunciar imediatamente o contrato. Se tem realizado sua prestação pode, quando não se admita um adequado aumento posterior da contraprestação, reclamar uma indenização pelo valor do enriquecimento da outra parte.
Nos casos de frustração da finalidade (IX, b), o credor da prestação que resultou inútil pode recusá-la e negar-se a realizar sua contraprestação desde que suporte os gastos que a outra parte tenha realizado para a preparação e execução do contrato e que podiam considerar-se indispensáveis" (LARENZ, Karl.
Base del negócio jurídico y cumplimiento de los contratos.
Tradução do alemão para o espanhol por Carlos Fernándes Rodrigues. Granada: Editorial Comares, 2.002, pp. 211-212. Traduzi).
Reporto-me, a respeito do tema, ao seguinte julgado:
"
Não se perquire mais, como na teoria da Imprevisão, sobre a previsibilidade do fato econômico superveniente. E nem se deveria
. Com efeito, o fato pode ser até previsível, mas não é esperado, porque se esperado fosse, nem o Banco emprestaria o dinheiro e nem o tomador assumiria um compromisso que não pode arcar. Logo, o fato previsível, mas não esperado, situa-se na área do risco inerente a qualquer atividade negocial."
(TJRS, apelação cível de autos 193051083, quarta câmara cível, relator desembargador Márcio de Oliveira Puggina, julgado em 24 de junho de 1994)
Ademais, a legislação consumerista determina a revisão parcial dos contratos, atingindo-se apenas as cláusulas eventualmente viciadas, mas preservando seus demais termos (art. 51, §2º, CDC).
Em que pese tudo isso, é fato, porém, que o contrato não pode ser simplesmente desconsiderado pelo Judiciário. Ele ainda é instituto fundamental para a economia, permitindo o fluxo de bens e o planejamento individual. Logo, conquanto seja certo que o contrato não pode ser suposto como algo inexorável, igualmente certo que tampouco pode ser simplesmente abstraído, como se fosse destituído de qualquer eficácia obrigacional. Tanto por isso, a revisão contratual deve ser promovida com cautelas. Deve-se conjugar a preservação dos direitos fundamentais - cláusulas de ordem pública veiculadas na lei 8078/1990 -, com o reconhecimento da força vinculante dos pactos.
Por sinal, eventuais dificuldades financeiras, caso suportadas pelo devedor, não justificam, por si, o reconhecimento de onerosidade excessiva. Pode-se cogitar de eventual aplicação da teoria da lesão contratual, mas desde que preenchidos os rigorosos requisitos do art. 157, CC.
"A desproporção manifesta é sempre referida à prestação considerada objetivamente, e não à situação subjetiva na qual se encontra o devedor cujas dívidas derivadas de outras relações obrigacionais tenham, por hipótese, aumentado."
(COSTA, Judith Martins.
Comentários ao novo código civil.
Do direito das obrigações. Do adimplemento e da extinção das obrigações. Arts. 304 a 388.
Volume V, tomo I, 2. ed. RJ: Forense, 2003, p. 305).
2.24. Funcionalização dos contratos:
Diante do já exposto, vê-se que o instituto jurídico do contrato tem sido funcionalizado, em tempo mais recente. Isso significa que ele deve atender a interesses sociais relevantes, viabilizando-se um controle do seu conteúdo quanto às cláusulas abusivas, manifestamente desproporcionais. O tema é bem exemplificado pela ingerência estatal em contratos de locação, contratos
educacionais
etc.
No passado, um contrato apenas poderia ser invalidado se as vontades houvessem sido manifestadas com vícios. O exemplo clássico era do sujeito que, pensando ter comprado um candelabro de prata, leva para casa um de ferro fundido, podendo então revisar aludido contrato. Em um período mais recente, porém, os contratos passaram a sofrer significativa ingerência estatal, emk prol da efetivação de certos valores comunitários.
O Estado interfere em contratos de prestação de serviços de saúde, em contratos de locação, em contratos de prestação de serviços
educacionais
, em contratos de transporte e assim por diante. Trata-se de uma funcionalização dos pactos, que passam a servir de instrumento para efetivação de valores que transcentem os interesses imediatos dos contratantes.
2.25. Interpretação de contratos de adesão:
Note-se, d'outro tanto, que o contrato não pode ser presumido como inválido tão somente por ter sido lavrado em um formulário padronizado (contrato de adesão). Afinal de contas, tais instrumentos são indispensáveis para o comércio jurídico contemporâneo.
Contudo, havendo cláusulas ambíguas, a lei determina que sejam interpretadas de modo mais favorável ao aderente:
Quando houver no contrato de adesão cláusulas
ambíguas ou contraditórias
, dever-se-á adotar a interpretação mais favorável ao aderente."
(art. 423, Código Civil). Segundo o art. 424, CC,
"Nos contratos de adesão, são nulas as cláusulas que estipulem a renúncia antecipada do aderente a direito resultante da natureza do negócio."
De outro tanto, registro que a súmula nº 381 do STJ preconiza que "
nos contratos bancários, é vedado ao julgador conhecer, de ofício, da abusividade das cláusulas.
" Na espécie, todavia, referida norma é suavisada por força da designação do defensor dativo para atuar no caso.
2.26. Exceção de
contrato
não cumprido:
Cuidando-se de contrato sinalagmático,
"nenhum dos contratantes, antes de cumprida a sua obrigação, pode exigir o implemento da do outro.
" (art. 476, Código Civil/2002). Cuida-se de simples projeção do postulado
non venire contra factum proprium,
dado que ninguém pode exigir aquilo que não está disposto a cumprir. Quem inadimpliu o contrato tampouco pode exigir que o outro contratante cumpra suas obrigações, como cediço.
Explicita Maria Helena Diniz que
"A exceptio non adimpleti contractus é a cláusula resolutiva tácita que se prende ao contrato bilateral.
Isto é assim porque o contrato bilateral requer que as duas prestações sejam cumpridas simultaneamente, de forma que nenhum dos contratantes poderá, antes de cumprir suas obrigações, exigir o implemento das do outro
. (...) Pelo enunciado n. 24, aprovado na 1. Jornada de direito comercial, os contratos empresariais coligados, concretamente formados por unidade de interesses econômicos, permitem a arguição da exceção de contrato não cumprido, salvo quando a obrigação inadimplida for de escassa importância."
(DINIZ, Maria Helena.
Código civil anotado.
17. ed. São Paulo: Saraiva. 2014. p. 450). Por conseguinte, também nesse âmbito, deve-se aferir se houve adimplemento substancial.
2.27.
Contrato
postal:
Por outro lado, desde 1969 o serviço postal brasileiro é prestado pela Empresa de Correios e Telégrafos (Decreto n. 506/1969). Dado cuidar-se de empresa pública isso poderia suscitar a aplicação do art. 173, §2º, CF/1988:
"
As empresas públicas e as sociedades de economia mista não poderão gozar de privilégios fiscais não extensivos às do setor privado
."
Todavia, a jurisprudência da Suprema Corte brasileira tem atribuído à ECT uma natureza bastante peculiar, aproximando-a da figura da 'Fazenda Pública', de modo a lhe aplicar, p.ex., a garantia da imunidade tributária recíproca e a sistemática de execução pela via dos precatórios (art. 100, CF e art. 730, CPC).
CONSTITUCIONAL. PROCESSUAL CIVIL. EMPRESA PÚBLICA PRESTADORA DE SERVIÇO PÚBLICO: EXECUÇÃO: PRECATÓRIO. I. - Os bens da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos, uma empresa pública prestadora de serviço público, são impenhoráveis, porque ela integra o conceito de fazenda pública. Compatibilidade, com a Constituição vigente, do D.L. 509, de 1969. Exigência do precatório: C.F., art. 100. II. - Precedentes do Supremo Tribunal Federal: RREE 220.906-DF, 229.696-PE, 230.072-RS, 230.051-SP e 225.011-MG, Plenário, 16.11.2000. III. - R.E. não conhecido. (RE 229444, CARLOS VELLOSO, STF.)
CONSTITUCIONAL. COMPETÊNCIA. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. AÇÃO CÍVEL ORIGINÁRIA. ART. 102, I, "F", DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELÉGRAFOS - EBCT. EMPRESA PÚBLICA. PRESTAÇÃO DE SERVIÇO POSTAL E CORREIO AÉREO NACIONAL. SERVIÇO PÚBLICO. ART. 21, X, DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. 1. A prestação do serviço postal consubstancia serviço público [art. 175 da CB/88]. A Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos é uma empresa pública, entidade da Administração Indireta da União, como tal tendo sido criada pelo decreto-lei nº 509, de 10 de março de 1969. 2.
O Pleno do Supremo Tribunal Federal declarou, quando do julgamento do RE 220.906, Relator o Ministro MAURÍCIO CORRÊA, DJ 14.11.2002, à vista do disposto no artigo 6o do decreto-lei nº 509/69, que a Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos é "pessoa jurídica equiparada à Fazenda Pública, que explora serviço de competência da União (CF, artigo 21, X)"
. 3. Impossibilidade de tributação de bens públicos federais por Estado-membro, em razão da garantia constitucional de imunidade recíproca. 4. O fato jurídico que deu ensejo à causa é a tributação de bem público federal. A imunidade recíproca, por sua vez, assenta-se basicamente no princípio da Federação. Configurado conflito federativo entre empresa pública que presta serviço público de competência da União e Estado-membro, é competente o Supremo Tribunal Federal para o julgamento da ação cível originária, nos termos do disposto no artigo 102, I, "f", da Constituição. 5. Questão de ordem que se resolve pelo reconhecimento da competência do Supremo Tribunal Federal para julgamento da ação. (ACO-QO 765, MARCO AURÉLIO, STF.)
De outro tanto, convém ter em conta que, ao apreciar a ADPF 46, o Supremo Tribunal decidiu como segue:
ARGÜIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL. EMPRESA PÚBLICA DE CORREIOS E TELEGRÁFOS. PRIVILÉGIO DE ENTREGA DE CORRESPONDÊNCIAS. SERVIÇO POSTAL. CONTROVÉRSIA REFERENTE À LEI FEDERAL 6.538, DE 22 DE JUNHO DE 1978. ATO NORMATIVO QUE REGULA DIREITOS E OBRIGAÇÕES CONCERNENTES AO SERVIÇO POSTAL. PREVISÃO DE SANÇÕES NAS HIPÓTESES DE VIOLAÇÃO DO PRIVILÉGIO POSTAL. COMPATIBILIDADE COM O SISTEMA CONSTITUCIONAL VIGENTE. ALEGAÇÃO DE AFRONTA AO DISPOSTO NOS ARTIGOS 1º, INCISO IV; 5º, INCISO XIII, 170, CAPUT, INCISO IV E PARÁGRAFO ÚNICO, E 173 DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. VIOLAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA LIVRE CONCORRÊNCIA E LIVRE INICIATIVA. NÃO-CARACTERIZAÇÃO. ARGUIÇÃO JULGADA IMPROCEDENTE. INTERPRETAÇÃO CONFORME À CONSTITUIÇÃO CONFERIDA AO ARTIGO 42 DA LEI N. 6.538, QUE ESTABELECE SANÇÃO, SE CONFIGURADA A VIOLAÇÃO DO PRIVILÉGIO POSTAL DA UNIÃO. APLICAÇÃO ÀS ATIVIDADES POSTAIS DESCRITAS NO ARTIGO 9º, DA LEI. 1.
O serviço postal --- conjunto de atividades que torna possível o envio de correspondência, ou objeto postal, de um remetente para endereço final e determinado --- não consubstancia atividade econômica em sentido estrito. Serviço postal é serviço público
. 2. A atividade econômica em sentido amplo é gênero que compreende duas espécies, o serviço público e a atividade econômica em sentido estrito. Monopólio é de atividade econômica em sentido estrito, empreendida por agentes econômicos privados. A exclusividade da prestação dos serviços públicos é expressão de uma situação de privilégio. Monopólio e privilégio são distintos entre si; não se os deve confundir no âmbito da linguagem jurídica, qual ocorre no vocabulário vulgar. 3. A Constituição do Brasil confere à União, em caráter exclusivo, a exploração do serviço postal e o correio aéreo nacional [artigo 20, inciso X]. 4.
O serviço postal é prestado pela Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos - ECT, empresa pública, entidade da Administração Indireta da União, criada pelo decreto-lei n. 509, de 10 de março de 1.969. 5. É imprescindível distinguirmos o regime de privilégio, que diz com a prestação dos serviços públicos, do regime de monopólio sob o qual, algumas vezes, a exploração de atividade econômica em sentido estrito é empreendida pelo Estado
. 6. A Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos deve atuar em regime de exclusividade na prestação dos serviços que lhe incumbem em situação de privilégio, o privilégio postal. 7. Os regimes jurídicos sob os quais em regra são prestados os serviços públicos importam em que essa atividade seja desenvolvida sob privilégio, inclusive, em regra, o da exclusividade. 8. Argüição de descumprimento de preceito fundamental julgada improcedente por maioria. O Tribunal deu interpretação conforme à Constituição ao artigo 42 da Lei n. 6.538 para restringir a sua aplicação às atividades postais descritas no artigo 9º desse ato normativo. STF, ADPF 46, relator para o acórdão Min. Eros Grau, decisão de 05 de agosto de 2009.
Também é sabido que os serviços postais têm sido prestados, no Brasil, sob regime de monopólio (regime de
publicatio
), conforme art. 2º do Decreto 506/1969, art. 9º da lei 6.538/1978 e art. 21, X, CF/1988. Além disso, registro que a TNU tem reputado o extravio de postagem implicaria o reconhecimento da presença de danos morais
in re ipsa:
PEDIDO DE UNIFORMIZAÇÃO INTERPOSTO PELA PARTE AUTORA. ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL. EXTRAVIO DE CORRESPONDÊNCIA REGISTRADA. COMPROVAÇÃO DOS DANOS MORAIS. DESNECESSIDADE. INCIDENTE CONHECIDO E PROVIDO. 1. Trata-se de Pedido de Uniformização da parte autora em face de julgado oriundo de Turma Recursal de São Paulo. 2. A parte autora ajuizou ação em face da Empresa Brasileira de Correios Telégrafos- ECT, postulando indenização por danos morais e materiais em razão de extravio de carta registrada enviada à cidade de Vicência/PE, contendo cópia de seus documentos pessoais necessários para expedição de declaração de tempo de serviço prestado à prefeitura daquela cidade, a ser utilizada em seu pedido de aposentadoria. 3. Na sentença foi julgado improcedente o pedido sob o fundamento de que não há dano moral ensejador de ressarcimento. A Turma Recursal de origem negou provimento ao recurso inominado, devido à ausência de prova do conteúdo da correspondência, motivo pelo qual concluíram os julgadores ser impossível aferir a existência de dano moral, considerando que este não decorre automaticamente da prestação de serviço defeituoso por parte da ECT. 4. Afirma que o acórdão da origem está em confronto com o acórdão paradigma, oriundo de Turma Recursal do Tocantins. 5. Como bem destacado pela parte recorrente, a questão limita-se quanto à caracterização de danos morais na ocorrência de extravio de correspondência registrada, ainda que o consumidor não tenha declarado o conteúdo da mesma. 6. Com razão a parte recorrente, sendo que esta TNU reafirmou, por vezes, o entendimento de que, em se cuidando de extravio de correspondência registrada - ou que permite rastreamento - evidencia-se dano moral in re ipsa, cuja comprovação consiste na falha da prestação do serviço
postal
. Veja-se: PEDIDO DE UNIFORMIZAÇÃO INTERPOSTO PELA PARTE RÉ. ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL. EXTRAVIO DE CORRESPONDÊNCIA REGISTRADA. COMPROVAÇÃO DOS DANOS MORAIS. DESNECESSIDADE. INCIDENTE NÃO PROVIDO. 1. Cuida-se de incidente de uniformização de interpretação de lei federal, interposto pela parte ré, contra acórdão da Turma Recursal do Pará, que entendeu desnecessária a declaração de conteúdo e valor do objeto postado para comprovação de danos morais decorrentes do extravio de correspondência. Pretende uniformizar o entendimento de que a comprovação do dano moral pelo extravio de produtos postados não prescinde de declaração do respectivo conteúdo e valor. Indica precedentes de Tribunais Regionais Federais e de Turmas Recursais de distintas regiões. 1. Os acórdãos de Tribunais Regionais Federais não são suficientes para ensejar o pretendido juízo de admissibilidade, nos termos do art. 14,§2º., da Lei 10.259/01. De outra sorte, o precedente da Turma Recursal de Santa Catarina aborda a tese que se pretende uniformizar, conforme transcrito: “1. A declaração de conteúdo dos documentos a serem postados constitui-se em uma forma de garantia aos usuários dos serviços prestados pela EBCT. Ao declarar o conteúdo ou valor de uma determinada correspondência, o emitente resguarda o seu direito a ser indenizado em caso de extravio da correspondência. 2. Não promovendo a devida declaração de conteúdo, a condenação à indenização por danos relativos a extravio de correspondência torna imprescindível a demonstração incontestável do conteúdo da correspondência extraviada, recaindo o ônus da prova sobre a parte-autora. 3. Não se pode presumir o conteúdo da correspondência, tampouco se pode exigir que a EBCT demonstre o que nela constava, pois a própria Constituição Federal garante a inviolabilidade da correspondência nos termos do artigo 5º, XII.” 2. Por essa forma, merece ser conhecido o incidente de uniformização de jurisprudência. 3. Impende salientar envolver a lide hipótese de carta que permite rastreamento (SEDEX), conforme consta na decisão impugnada. 4. Importa ao reconhecimento do direito, uma vez identificada a responsabilidade objetiva dos correios por equiparação à administração pública na prestação de serviços do interesse da coletividade (arts. 21-X e 37, § 6º, ambos da Constituição Federal) e a incidência de normas do Código de Defesa do Consumidor (arts. 6º.-VI, 14 e 22), a existência de relação causal entre a falha no serviço de postagem, ao extraviar correspondência registrada ou rastreada, e o dano juridicamente qualificado como injusto, por decorrer de atividade irregular – falha do serviço - dos correios. Por sua vez, a jurisprudência tem albergando o princípio da presunção de dano e afirmado a desnecessidade de comprovação específica nas hipóteses em que se demonstra inerente ao próprio evento. Isto, por ser considerado notório o fato de que o extravio de correspondência acarreta transtornos para a pessoa que dependia deste serviço.
Distintamente do que ocorre com o dano patrimonial advindo dos prejuízos materiais causados pela ausência de entrega de correspondência, a ser demonstrado por fatos concretos, o dano extrapatrimonial decorre da experiência comum e da ponderação de valores que integram os direitos da personalidade. A intensidade do dissabor, dos inconvenientes e do abalo psíquico provocado adquirem relevância na gradação do quantum indenizatório, posto que a comprovação do dano se origina do evento danoso em si. 5. Sobre o tema, o E. STJ consolidou o entendimento de que a contratação de serviços postais oferecidos pelos correios, quando permitido o posterior rastreamento pelo próprio órgão de postagem, evidencia a existência de
contrato
de consumo, respondendo objetivamente a fornecedora por danos morais decorrentes da falha do serviço, se não comprovada a efetiva entrega, configurando dano moral in re
ips
a, conforme precedente a seguir transcrito: “(...)2.O extravio de correspondência registrada acarreta dano moral in re ipsa (EREsp 1.097.266/PB, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 10/12/2014, DJe de 24/2/2015). 3. Constatada a falha na prestação do serviço
postal
, é devida a reparação por dano moral” (STJ-4ª.T, AgRg no AREsp 655441 / MA, Rel. Min. RAUL ARAÚJO DJe 03/08/2015). Destaco que o precedente em questão é recente e evidencia jurisprudência dominante da Corte, visto que alicerçado em acórdão da 2ª.Seção do STJ. 6. A decisão impugnada, em consonância com a jurisprudência dominante do STJ, considerou a existência de abalo extrapatrimonial decorrente de falha na prestação do serviço, não sendo suficiente a configuração da conduta ilícita dos correios. Acrescenta-se que a jurisprudência tem-se orientado tanto pela desvinculação à concepção meramente patrimonialista de dano, como também pela inexistência de um catálogo exaustivo de espécies de danos morais. Por isso, não se estribou exclusivamente no aspecto da necessidade de comprovação de um efetivo prejuízo moral, senão na responsabilidade do prestador do serviço pelos constrangimentos e abalo psíquico presumidamente advindos da prestação de serviço deficiente, do que resulta dano moral in re ipsa, e impõe ao prestador do serviço, seja sob a ótica administrativa ou consumerista, o dever de eficiência e de reparação da falha do serviço. 7. Destarte, demonstrada a existência de jurisprudência dominante do E. Superior Tribunal de Justiça no mesmo sentido da decisão impugnada, cumpre alinhamento jurisprudencial deste colegiado àquela Corte Superior, reafirmando o entendimento de que, em se cuidando de extravio de correspondência registrada - ou que permite rastreamento - evidencia-se dano moral in re ipsa, cuja comprovação consiste na falha da prestação do serviço
postal
. 8. Voto, então, por conhecer e negar provimento ao incidente de uniformização de jurisprudência. Acordam os membros da Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais conhecer e negar provimento ao pedido de uniformização. (PEDILEF 00056647820084013100, JUÍZA FEDERAL SUSANA SBROGIO GALIA, TNU, DOU 27/09/2016.) 7. Ante o exposto CONHEÇO do presente incidente de uniformização e DOU-LHE PROVIMENTO para o fim de reiterar a tese de que, para a configuração do dano moral, em casos de extravio de correspondência registrada, não se faz obrigatória a comprovação do conteúdo da postagem, devendo, assim, haver o retorno dos autos à Turma Recursal de origem visando à adequação do julgado à presente orientação, conforme a Questão de Ordem nº 20/TNU.
(PEDILEF 00053371120104036301, JUÍZA FEDERAL CARMEN ELIZANGELA DIAS MOREIRA DE RESENDE, TNU, DJE 03/10/2017.)
2.28. Requisitos da responsabilização civil:
É bem sabido que o tema da responsabilidade civil pode ser distribuído em dois grandes blocos: a responsabilidade por condutas ilícitas
,
em sentido amplo, e responsabilidade por comportamentos lícitos.
No primeiro caso - ou seja, a responsabilização por condutas ilícitas - tem-se o que se costuma chamar de responsabilização subjetiva ou de responsabilização fundada na culpa (responsabilização civil aquiliana e a responsabilização civil por violação do contrato). Todo aquele que cause dano a terceiros, mediante violação de cláusula contratual ou violação da lei, tem o dever de indenizar. Esse é o conteúdo dos arts. 186-187, Código Civil.
Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.
Art. 187.
Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes
.
Nesse âmbito, a responsabilização demanda os seguintes requisitos:
"A caracterização genérica do ato ilícito absoluto (ato ilícito stricto sensu), segundo a definição legal do art. 186, exige a conjugação de elementos objetivos e subjetivos: I - os requisitos objetivos são - a) a conduta humana antijurídica; b) o dano; c) o nexo de causalidade entre a conduta humana e o dano. II - os requisitos subjetivos são - a) a imputabilidade e b) a culpa em sentido estrito (dolo ou culpa em sentido estrito)."
(THEODORO JÚNIOR, Humberto.
Comentários ao código civil.
Vol. III. Arts. 185 a 232. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 31)
Já o art. 187, CC/2002, trata da figura do abuso de direito. Ainda segundo a lição de Humberto Teodoro Jr.,
"O titular de qualquer direito para conservar-se no campo da normalidade não basta legitimar sua conduta dentro das faculdades reconhecidas pelas normas legais em face de sua individual situação jurídica. Haverá de cuidar para que o uso das prerrogativas legais não se desvie para objetivos ilícitos e indesejáveis, dentro do contexto social.
O abuso de direito acontecerá justamente por infringência desse dever e se dará sempre que o agente invocar uma faculdade prevista em lei, aparentemente de forma adequada, mas para alcançar objetivo ilegítimo ou não tolerado pelo consenso social."
(THEODORO JÚNIOR, Humberto.
Obra citada,
p. 113).
Por conseguinte, o art. 187, CC/2002, impõe certos temperamentos à ideia de 'direito subjetivo', compreendido formalmente (i.e., como uma absoluta faculdade de agir, franqueada pela lei). Não basta apenas a adequação à norma legal, exigindo-se também certa proporcionalidade, um uso comedido e adequado das prerrogativas asseguradas pelo ordenamento jurídico.
O STJ já reconheceu como abuso de direito, por exemplo, a conduta do agente bancário que, invocando cláusula contratual, satisfaz seu crédito utilizando recursos mantidos pelo correntista e destinados ao pagamento dos seus empregados (STJ, REsp. 250.523, Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar p. DJ 18/12/2000). Ou seja, a despeito de haver cláusula contratual prevendo-a, a conduta seria viciada por destoar de um uso comedido, razoável, do direito.
Os requisitos para o reconhecimento do abuso de direito são os seguintes:
"
Partindo da definição legal do exercício abusivo de um direito como ato ilícito (art. 187), teremos os seguintes requisitos como necessários à sua configuração: a) conduta humana, b) exercício de um direito subjetivo, c) exercício desse direito de forma emulativa (ou, pelo menos, culposa), d) dano para outrem, e) ofensa aos bons costumes e à boa fé; ou f) prática em desacordo com o fim social ou econômico do direito subjetivo
."
(THEODORO JÚNIOR, Humberto.
Obra citada,
p. 120-121).
Esses são os contornos, grosso modo, da responsabilização por comportamentos inválidos (ilícitos ou que violem regras contratuais). Por outro lado, a responsabilidade por condutas lícitas corresponde, em síntese, à responsabilidade fundada no incremento do risco (p.ex., art. 14 da lei 6938 e também à responsabilidade objetiva estatal).
Ora, a
responsabilidade pelo incremento do risco
diz respeito àquelas atividades que - conquanto sejam lícitas - ensejam um grau maior de contingências para a vida em comum. Nesse âmbito, portanto, busca-se simplesmente uma internalização das externalidades provocadas pela atividade econômica, a fim de que o poluidor arque com os resultados do seu extrativismo ou industrialização.
Essa responsabilização pelo risco está prevista, por exemplo, no art. 14, §1º, lei 6.938/1981; no art. 927, parágrafo único, Código Civil/2002 e - destaque-se - também art. 225, §§2º e 3º, Constituição/1988.
Por outro lado, também há a responsabilização objetiva do Estado, prevista no art. 37, §6º, Constituição. Cuida-se de simples decorrência do postulado da isonomia (igual distribuição do custeio público).
"A atividade administrativa exerce-se no interesse de todos; se os danos que daí resultam para alguns não fossem reparados, eles seriam sacrificados à coletividade, sem que nada pudesse justificar semelhante discriminação. A indenização restabelece o equilíbrio afetado em seu detrimento
.''
(RIVERO, Jean.
Direito administrativo.
Coimbra: Almedina, 1981. p. 305).
Celso Antônio Bandeira de Mello enfatiza:
"No caso de comportamentos lícitos, assim como na hipótese de danos ligados a situação criada pelo Poder Público - mesmo que não seja o Estado o próprio autor do ato danoso -, entendemos que o fundamento da responsabilidade estatal é garantir uma equânime repartição dos ônus provenientes de atos ou efeitos lesivos, evitando que alguns suportem prejuízos ocorridos por ocasião ou por causa de atividades desempenhadas no interesse de todos. De conseguinte, seu fundamento é o princípio da igualdade, noção básica do Estado de Direito."
(MELLO, Celso Antônio Bandeira de.
Curso de direito administrativo.
17. ed. SP: Malheiros, 2004, p. 890)
2.29. Caracterização do dano material:
O dano material compreende o desfalque do patrimônio do ofendido, a ser traduzido em pecúnia. Ele pode ser reconduzido ao dano emergente (montante que a vítima efetivamente perdeu) e o lucro cessante (aquilo que ela deixou de lucrar).
Colho a lição de Humberto Theodoro Júnior:
"O
dano emergente é mais facilmente quantificável
. Resume-se a uma avaliação do patrimônio lesado, antes e depois do ato ilícito. Já no caso de lucros cessantes, a situação é mais delicada, pois é preciso determinar que vantagens esperadas efetivamente o ilícito impediu a vítima de perceber. Não se pode levar o ressarcimento a cobrir expectativas remotas de lucros e vantagens que poderiam ou não acontecer, no futuro.
O lucro cessante tem de ser visto como lucro certo, em função do quadro afetado pelo ato ilícito. Deve corresponder a consequência imediata da paralisação de um negócio lucrativo que a vítima explorava, ou a frustração do rendimento que era razoavelmente esperado do bem lesado.
Para evitar pretensões quiméricas, o art. 403 do novo Código, na tradição do art. 1059 do Código anterior, determina que a reparação dos lucros cessantes só compreenda o que a vítima razoavelmente deixou de lucrar. Com isso se impede a vítima do ato ilícito de afastar-se dos critérios objetivos e navegar nas águas do meramente hipotético ou imaginário.
A indenização terá de ser fixada à luz do bom senso e do razoável, sempre a partir de dados concretos e não de simples suposições. É por isso que o art. 403 completa o enunciado do art. 402, que fala em reparação para o que a vítima razoavelmente deixou de lucrar, acrescentando que os lucros indenizáveis são apenas os que cessaram por efeito direto e imediato da inexecução da obrigação (i.e., do ato ilícito).
Em suma, nem o dano material, nem os lucros cessantes, podem ser deferidos sob condição de apuração futura em liquidação. A parte que pleiteia reparação tem de prová-los adequadamente, antes da condenação, mesmo que essa seja genérica." (THEODORO JÚNIOR, Humberto.
Comentários ao código civil.
Vol. III. Arts. 185 a 232. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 36-37)
Por sinal, a lei processual civil veda a prolação de sentenças condicionadas (art. 460, parágrafo único, CPC); ao mesmo tempo em que também veda ao demandante a formulação de pedidos genéricos, com as exceções verbalizadas no art. 286, CPC.
Convém apenas destacar que a lei não vaticina a pretensão à percepção de lucros cessantes de caráter hipotético:
RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO ESTADO - ACIDENTE SOFRIDO NO INTERIOR DE HOSPITAL PÚBLICO - DANOS MATERIAIS E MORAIS - AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DO NEXO DE CAUSALIDADE - INDENIZAÇÃO INDEVIDA. 1- A responsabilidade objetiva independe da comprovação de culpa ou dolo, ou seja, basta estar configurada a existência do dano, da ação ou omissão e do nexo de causalidade entre ambos (art. 37, §6º, da CF/88). 2 - Ante o conjunto probatório trazido aos autos, ausente, na hipótese, nexo de causalidade entre o acidente que provocou o ferimento na Autora e qualquer ato omissivo ou comissivo por parte da Administração. 3 -
Não restando nos autos qualquer despesa ou ônus de origem material, deve ser afastada a indenização por dano material, pois, para ser indenizável, o dano deve ser certo, não sendo passíveis de indenização os danos hipotéticos
. 4 - Ante a ausência do nexo de causalidade, incabível também a indenização por danos morais. 5 - Apelação improvida. Sentença confirmada. (AC 200751010001080, Desembargador Federal WILSON JOSE WITZEL, TRF2 - SEXTA TURMA ESPECIALIZADA, E-DJF2R - Data::24/03/2010 - Página::307/308.)
D'outro tanto, a teoria da perda de uma chance tem origem na França (
perte d’une chance),
nos idos de 1950, conquanto já houvesse sido reconhecida no caso inglês Chaplin
versus
Hicks, de 1911.
Segundo Sérgio Cavalieri,
"
caracteriza-se essa perda de uma chance quando, em virtude da conduta de outrem, desaparece a probabilidade de um evento que possibilitaria um benefício futura para a vítima, como progredir na carreira artística ou militar, arrumar um melhor emprego, deixar de recorrer de uma sentença desfavorável pela falha do advogado, e assim por diante
. Deve-se, pois, entender por chance a probabilidade de se obter um lucro ou de se evitar uma perda" (
CAVALIERI FILHO, Sérgio.
Programa de Responsabilidade Civil.
8. ed. São Paulo: Atlas, 2008, p. 71).
Trata-se, pois, de um exame estocástico, estatístico.
Em princípio, não há como se obrigar alguém a responder poder eventos futuros e incertos. Exagerando, para melhor compreender: alguém subtrai, da vítima, o valor de R$ 2,00. Ele ingressa em Juízo, dizendo que iria utilizar aquele recurso para jogar na mega-sena, com a chance de se tornar milionário, exigindo a reparação do dano na sua totalidade.
Por óbvio que não se pode imputar ao causador do dano o dever de responder por consequências incertas e improváveis. Situação obviamente diversa ocorre quando o único candidato de um concurso público, selecionado para a última etapa, já tendo demonstrado expertise nas fases anteriores, é impedido de realizar a última prova por conta de um acidente de trânsito.
O Superior Tribunal de Justiça tem enfatizado o seguinte:
RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL. PERDA DE UMA CHANCE. DESCUMPRIMENTO DE CONTRATO DE COLETA DE CÉLULAS-TRONCO EMBRIONÁRIAS DO CORDÃO UMBILICAL DO RECÉM NASCIDO. NÃO COMPARECIMENTO AO HOSPITAL. LEGITIMIDADE DA CRIANÇA PREJUDICADA. DANO EXTRAPATRIMONIAL CARACTERIZADO. 1. Demanda indenizatória movida contra empresa especializada em coleta e armazenagem de células tronco embrionárias, em face da falha na prestação de serviço caracterizada pela ausência de prepostos no momento do parto. 2. Legitimidade do recém nascido, pois "as crianças, mesmo da mais tenra idade, fazem jus à proteção irrestrita dos direitos da personalidade, entre os quais se inclui o direito à integralidade mental, assegurada a indenização pelo dano moral decorrente de sua violação" (REsp. 1.037.759/RJ, Rel. Min. Nancy Andrighi, TERCEIRA TURMA, julgado em 23/02/2010, DJe 05/03/2010). 3.
A teoria da perda de uma chance aplica-se quando o evento danoso acarreta para alguém a frustração da chance de obter um proveito determinado ou de evitar uma perda. 4. Não se exige a comprovação da existência do dano final, bastando prova da certeza da chance perdida, pois esta é o objeto de reparação
. 5. Caracterização de dano extrapatrimonial para criança que tem frustrada a chance de ter suas células embrionárias colhidas e armazenadas para, se for preciso, no futuro, fazer uso em tratamento de saúde. 6. Arbitramento de indenização pelo dano extrapatrimonial sofrido pela criança prejudicda. 7. Doutrina e jurisprudência acerca do tema. 8. RECURSO ESPECIAL PROVIDO. ..EMEN: (RESP 201102672798, PAULO DE TARSO SANSEVERINO, STJ - TERCEIRA TURMA, DJE DATA:01/10/2014 ..DTPB:.)
(...) PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. PREJUÍZOS DECORRENTES DE DESAPROPRIAÇÃO. TEORIA DA PERDA DE UMA CHANCE. REVISÃO DO CONTEXTO FÁTICO-PROBATÓRIO DOS AUTOS. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 7/STJ. 1.
A jurisprudência desta Corte admite a responsabilidade civil e o consequente dever de reparação de possíveis prejuízos com fundamento na denominada teoria da perda de uma chance, "desde que séria e real a possibilidade de êxito, o que afasta qualquer reparação no caso de uma simples esperança subjetiva ou mera expectativa aleatória
" (REsp 614.266/MG, DJe de 2/8/2013). 2. Impossível rever a premissa fática fixada pelas instâncias ordinárias por demandar o reexame do acervo fático-probatório dos autos, a atrair o óbice da Súmula 7/STJ. 3. Agravo em recurso especial não provido. ..EMEN: (RESP 201202432776, ELIANA CALMON, STJ - SEGUNDA TURMA, REPDJE DATA:06/03/2014 DJE DATA:24/10/2013)
2.30. Considerações gerais sobre
danos
morais:
O art. 5º, V, CF/1988, preconiza que "
é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem."
Por seu turno, o art. 5º, X, dispõe que
"são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação."
Segundo Ramon Daniel Pizarro, "
dano moral é uma modificação desvaliosa do espírito, no desenvolvimento da sua capacidade de entender, querer ou sentir, conseqüência de uma lesão a um interesse não patrimonial, que haverá de traduzir-se em um modo de estar diferente daquele ao que se encontrava antes do fato, como conseqüência deste e animicamente prejudicial
." (PIZARRO citado por SANTOS, Antonio Jeová.
Dano moral indenizável.
4. ed. SP: RT, 2003. p. 97).
Como explica o juiz Jeová Santos, "
Dano é prejuízo. É diminuição de patrimônio ou detrimento a afeições legítimas. Todo ato que diminua ou cause menoscabo aos bens materiais ou imateriais, pode ser considerado dano. O dano é um mal, um desvalor ou contravalor, algo que se padece com dor, posto que nos diminui e reduz; tira de nós algo que era nosso, do qual gozávamos ou nos aproveitávamos, que era nossa integridade psíquica ou física, as possibilidades de acréscimo ou novas incorporações, como diz Jorge Mosse Iturraspe."
(SANTOS, Antônio Jeová.
Obra citada.
p. 74).
Anote-se, pois, que
nem todo dissabor é suscetível de indenização
. O convívio humano é marcado por maiores ou menores conflitos; há situações que, conquanto desconfortáveis, não ensejam, só por isso, reparação (p.ex., a permanência por vários minutos em uma fila de banco, o tom ríspido com que perguntas são respondidas, sarcasmos ou irritações variadas etc.).
Melhor dizendo, "
o dano moral não deve ser confundido com os acontecimentos indesejáveis próprios da existência em sociedade, ou seja, não são quaisquer sensações desagradáveis do cotidiano, como também não são os simples aborrecimentos do dia-a-dia, que ensejam a indenização"
(ARAÚJO, Mariana de Cássia. A reparabilidade do dano moral transindividual in
Revista Jurídica nº 378.
abril/2009, p. 85).
Desse modo, "
conquanto existam pessoas cuja suscetibilidade aflore na epiderme, não se pode considerar que qualquer mal-estar seja apto para afetar o âmago, causando dor espiritual. Quando alguém diz ter sofrido prejuízo espiritual, mas este é conseqüência de uma sensibilidade exagerada ou de uma suscetibilidade extrema, não existe reparação. Para que exista dano moral é necessário que a ofensa tenha alguma grandeza e esteja revestida de certa importância e gravidade
." (SANTOS, Antônio J.
Obra citada.
p. 111).
Destaco, ademais, o seguinte excerto da obra de Jeová Santos:
"Simples desconforto não justifica a indenização (....) asseveram GABRIEL STIGLITZ e CARLOS ECHEVESTI (responsabilidad civil, p. 24 3), diferente do que ocorre com o dano material, a alteração desvaliosa o bem-estar psicofísico do indivíduo deve apresentar certa magnitude para ser reconhecida como prejuízo moral. Um mal-estar trivial, de escassa importância, próprio do risco cotidiano da convivência ou da atividade que o indivíduo desenvolva, nunca o configurarão (....) O mero incômodo, o desconforto, o enfado decorrentes de alguma circunstância, como exemplificados aqui, e que o homem médio tem de suportar em razão mesmo do viver em sociedade, não servem para que sejam concedidas indenizações.
O dano moral somente ingressará no mundo jurídico, com a subseqüente obrigação de indenizar, em havendo alguma grandeza no ato considerado ofensivo a direito personalíssimo. Se o ato tido como gerador do dano extrapatrimonial não possui virtualidade para lesionar sentimentos ou causar dor e padecimento íntimo, não existiu dano moral passível de ressarcimento. Para evitar a abundância de ações que tratam de danos morais presentes no foro, havendo uma autêntica confusão do que seja lesão que atinge a pessoa e do que é mero desconforto, convém repetir que não é qualquer sensação de desagrado, de molestamento ou de contrariedade que merecerá a indenização. O reconhecimento do dano moral exige certa envergadura." (SANTOS, Antônio Jeová.
Obra citada.
p. 112 e 113)
Semelhante é a análise de Humberto Theodoro Júnior, quando afirma que "
Se o incômodo é pequeno (irrelevância) e se, mesmo sendo grave, não corresponde a um comportamento indevido (licitude), obviamente não se manifestará o dever de indenizar (ausência da responsabilidade civil cogitada no art. 186 do CC)."
(THEODORO JÚNIOR, Humberto.
Comentários ao código civil.
Vol. III. Arts. 185 a 232. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 44)
Com efeito, não se pode prodigalizar a condenação para pagamento de alegados danos morais. Solução diversa teria o condão apenas de diminuir a própria importância do instituto, banalizando a sua invocação.
Em casos verdadeiramente graves fixam-se valores módicos de indenização, insuscetíveis,
concessa venia
, de realmente ressarcir o dano extrapatrimonial (p.ex., o sofrimento da mãe que perdeu um filho em acidente). Justamente por isto, deve-se empregar grande prudência do Judiciário na fixação do dever de indenizar, de modo que não se transforme em uma verdadeira responsabilização objetiva, sem previsão legal.
Reporto-me aos seguintes julgados:
'I - Como anotado em precedente(REsp 202.504-SP, DJ 1.10.2001), o inadimplemento do contrato, por si só, pode acarretar danos materiais e indenização por perdas e danos, mas, em regra, não dá margem ao dano moral, que pressupõe ofensa anormal à personalidade. Embora a inobservância das cláusulas contratuais por uma das partes possa trazer desconforto ao outro contratante - e normalmente o traz - trata-se, em princípio, do desconforto a que todos podem estar sujeitos, pela própria vida em sociedade.' STJ, REsp 338162, rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJU 18/02/2002, p. 459.
'Para viabilizar a procedência da ação de ressarcimento de prejuízos, a prova da existência do dano efetivamente configurado e pressuposto essencial e indispensável. ainda mesmo que se comprove a violação de um dever jurídico, e que tenha existido culpa ou dolo por parte do infrator, nenhuma indenização será devida, desde que, dela, não tenha decorrido prejuízo.' STJ, REsp 20.386, rel. Min. Demócrito Reinaldo, DJU de 27/06/94, p. 16.894.
De outro tanto, sempre que preenchidos os requisitos para a reparação de danos morais, a indenização deve ser arbitrada com lastro nos seguintes critérios: a) as circunstâncias e peculiaridades do caso; b) a repercussão do ato ilícito; c) a eventual participação do ofendido para configuração do evento danoso; d) o caráter pedagógico da indenização, a ponto de desestimular a prática de novas condutas ilícitas; e, por fim, e) a moderação/proporcionalidade, de modo a se evitar enriquecimento sem causa.
2.31. Despacho postal:
A cobrança do despacho postal configura preço público, na medida em que é o custo para a prestação do serviço promovido pela ECT - empresa de correios e telégrafos, não se cuidando de efetiva taxa. Tal cobrança decorre do art. 18 da Convenção Postal Universal, introduzida ordenamento jurídico brasileiro com a publicação do Decreto nº 84.774, de 06 de junho de 1980:
Artigo 18.º Controlo alfandegário. Direitos aduaneiros e outros direitos 1. A administração postal do país de origem e a do país de destino estão autorizadas a submeter os objectos ao controlo alfandegário, de acordo com a legislação destes países. 2.
Os objectos submetidos ao controlo alfandegário podem ser agravados, a título postal, de uma taxa de apresentação à alfândega cujo montante indicativo é fixado pelos Regulamentos. Esta taxa só é cobrada a título da apresentação à alfândega e do desalfandegamento dos objectos que foram agravados de direitos aduaneiros ou de qualquer outro direito da mesma natureza
. 3. As administrações postais que obtiveram a autorização para realizar o desalfandegamento em nome dos clientes estão autorizadas a cobrar aos clientes uma taxa baseada nos custos reais da operação. 4. As administrações postais estão autorizadas a cobrar aos remetentes ou aos destinatários dos objectos, conforme o caso, os direitos aduaneiros e quaisquer outros direitos eventuais.
Assim, segundo a mencionada Convenção Postal Universal, a taxa de despacho postal não possuiria natureza jurídica de tributo e tampouco teria relação com os serviços postais comuns, de remessa, armazenamento ou de entrega de encomendas. A cobrança decorreria dos custos relativos às operações de fiscalização e desembaraçamento aduaneiro promovidos pela Receita Federal em conjunto com a administração postal.
Em princípio, haveria autorização para que a administração de origem promova a cobrança de
taxa de apresentação à alfândega
sobre as mercadorias advindas do exterior, conforme previsto no art. 18 da Convenção Postal. A cobrança não tomaria por base a totalidade das mercadorias internalizadas no território nacional, incidindo apenas sobre aquelas escolhidas pela Receita para serem fiscalizadas. Independentemente de a fiscalização ser indevida ou não, os Correios seriam obrigados a atuar no procedimento de desembaraçamento do objeto, exigindo o pagamento da taxa ao final.
Por conta disso, os Tribunais já chegaram a deliberar que
"A cobrança da taxa de despacho postal pelos Correios decorre diretamente de atos de fiscalização aduaneira e tributação por parte da Receita Federal, por força do Decreto n° 84.774/80 (Convenção Postal Universal).
Nestas hipóteses, este Colegiado já decidiu que a via correta, nesse caso, não é a repetição de indébito, mas sim a reparação civil, que deve ser dirigida a quem deu causa ao dano, no caso, a União, que por intermédio do Ministério da Fazenda criou hipótese de incidência ilegal (conforme delineado no tópico acima) e, por meio da Receita Federal, realizou o lançamento tributário, determinando aos Correios a notificação do destinatário e o indevido recolhimento do tributo (legitimando assim a cobrança da tarifa por parte da empresa).
"
(Turma Recursal, RC nº 5002829-40.2017.4.04.7010, rel. Juíza Federal Márcia Vogel Vidal de Oliveira, decisão de 07.03.2018).
Tem prevalecido, contudo, o entendimento de ser inválida a cobrança do aludido encargo, dado o seu caráter abusivo, se confrontado com os ditames do Código de Defesa do Consumidor (lei n. 8.078, de 1990), como bem evidencia o seguinte precedente, promovido em sede de uniformização de julgados:
CIVIL. INCIDENTE DE UNIFORMIZAÇÃO REGIONAL. EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELÉGRAFOS. ECT. COBRANÇA DA TAXA DE DESPACHO POSTAL. ABUSIVIDADE. DEVER DE RESTITUIÇÃO. 1.
Nos termos do Código de Defesa do Consumidor, a taxa de despacho postal mostra-se abusiva, uma vez que o remetente já pagou pelo serviço postal por meio de selos ou carimbos específicos, colados ou apostos na origem, quando da remessa da mercadoria pelos Correios
. 2. Em face da sua abusividade, a taxa de despacho postal não pode ser cobrada pela ECT e, portanto, deve ser restituída pela autarquia ao consumidor. 3. Uniformizada a tese no sentido de que "a cobrança da taxa de despacho postal pela Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos - ECT é abusiva, sendo que cabe a esta, por ser a destinatária do valor, a responsabilidade pela devolução da quantia indevidamente cobrada". 4. Incidente de uniformização provido. (TRF-4 - Pedido de Uniformização de Interpretação de Lei (TRU): 50134958720184047003 PR 5013495-87.2018.4.04.7003, Relator: JOÃO BATISTA LAZZARI, Data de Julgamento: 26/06/2020, TURMA REGIONAL DE UNIFORMIZAÇÃO DA 4ª REGIÃO)
De modo semelhante, a 3ª Turma Recursal de Santa Catarina já sustentou que
"a custódia das encomendas até a sua entrega final é um serviço já pago pelo remetente, e o recolhimento do imposto de importação e o seu repasse à União é prestado à Receita Federal. Ao contrário do que é fornecido por algumas empresas de entrega do exterior, no Brasil, a ECT não entrega a mercadoria na residência do consumidor; apenas envia um aviso de recebimento da mercadoria. (...) Feitas tais considerações, tenho que a Taxa para Despacho Postal é abusiva"
. (RC Nº 5025550-03.2014.404.7200/SC)
Atente-se para o voto do juiz Andrei Pitten Veloso:
"(...) Frente ao Código de Defesa do Consumidor, a referida taxa/tarifa mostra-se abusiva, uma vez que o remetente já pagou pelo serviço postal por meio de selos ou carimbos específicos, colados ou apostos na origem, quando da remessa da mercadoria pelos Correios. Destarte, ao cobrar a referida taxa, sem que haja alguma causa para tanto, incorre em vedação prevista no art. 39 do CDC:
Art. 39. É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas: (...) V - exigir do consumidor vantagem manifestamente excessiva; (...) X - elevar sem justa causa o preço de produtos ou serviços
Além disso, não há qualquer ato normativo autorizando a cobrança de tal taxa, carecendo, portanto, de fundamento legal.
Ainda, ao contrário do decidido no acórdão recorrido, entendo que os prejuízos advindos da cobrança da taxa postal devem ser cobrados da ECT, destinatária da remuneração pelo serviço.
Em consulta ao
site
dos correios, tal cobrança se encontra explicitada nos seguintes termos:
Despacho Postal - Não é frete nem tributo. O Despacho Postal é o valor pago aos Correios pela prestação dos serviços de suporte às atividades de tratamento aduaneiro e tem o objetivo de cobrir os custos com o processo de recebimento dos objetos, inspeção de raio X, armazenagem, recolhimento e repasse dos impostos (quando houver), comunicação com destinatário e remetente, além da devolução da encomenda quando o destinatário não realiza o pagamento dos tributos. Com o novo modelo de importação implantado, todas as encomendas internacionais estão sujeitas à cobrança do serviço.
Em face da sua abusividade, a taxa de despacho postal não pode ser cobrada pela ECT e que, portanto, deve ser restituída por esta ao consumidor.
Assim, deve ser uniformizada a tese no sentido de que a
cobrança da taxa de despacho postal pela Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos - ECT é abusiva, sendo que cabe a esta, por ser a destinatária do valor, a responsabilidade pela devolução da quantia indevidamente cobrada.
Portanto, deve ser provido o Pedido de Uniformização Regional interposto, com o retorno dos autos à Turma Recursal de origem para adequação ao entendimento ora uniformizado." (TRF-4 - Pedido de Uniformização de Interpretação de Lei
(TRU): 50123465620184047003 PR 5012346-56.2018.4.04.7003, Relator: MARCELO MALUCELLI, Data de Julgamento: 15/05/2020, TURMA REGIONAL DE UNIFORMIZAÇÃO DA 4ª REGIÃO)
2.32. Configuração da mora:
As obrigações são instrumentos fundamentais para o discurso jurídico e para o tráfego jurídico. Elas devem ser cumpridas no prazo e condições avençadas. Quando o dever deixa de adimpli-las, no prazo pactuado, isso pode dar ensejo ao descumprimento inexorável - sem que lhe seja dado o cumprimento tardio. Em determinados casos, o inadimplemento é relativo, de modo que o devedor pode cumprir a obrigação com atraso, suportando, porém, os encargos que porventura decorram disso.
O tema é versado pelo art. 394, Código Civil/2002:
"Considera-se em mora o devedor que não efetuar o pagamento e o credor que não quiser recebê-lo no tempo, lugar e forma que a Lei ou a convenção estabelecer."
Note-se que nos contratos bilaterais (sinalagmáticos) há obrigações recíprocas de ambas as partes. Assim, ambos os pactuantes podem incorrer em mora. A mora do devedor é
debitoris,
a do credor é
accipiendi.
Não raro, o credor pode impor dificuldades para que o credor satisfaça o crédito. Isso se dá quando a obrigação é quesível, devendo ser cumprida no domicílio do devedor, e o credor se recusa ao deslocamento ou a assegurar meios para efetivação do pagamento. Restará ao devedor a faculdade de ingressar com a consignação em pagamento, na forma do art. 337, Código Civil, medida que afatará os encargos da mora do devedor, contanto que sua pretensão seja acolhida.
Esse é um aspecto da questão.
Por outro lado, há obrigações que, para que o devedor seja constituído em mora, depende de prévio protesto, previa notificação. Isso se dá na forma do art. 397, parágrafo único, Código Civil, no que toca às obrigações sem prazo determinado
. Transcrevo o art. 397:
"O inadimplemento da obrigação, positiva e líquida, no seu termo, constitui de pleno direito em mora o devedor. Parágrafo único. Não havendo termo, a mora se constitui mediante interpelação judicial ou extrajudicial."
Nos demais casos, cuidando-se de obrigações com valor previamento definido, com data de vencimento certa e do conhecimento do devedor, a mora se dá pelo simples vencimento da obrigação -
dies interpellat pro homine,
não se fazendo necessária a notificação para que surta esse feito. Isso porque cabe ao devedor acompanhar a evolução da sua dívida, atentar para as datas de vencimento das obrigações e buscar regularizar eventuais atrasos. Caso recaia em situação de inadimplemento e promova o pagamento dos débitos em atraso - a purgação da mora -, isso implica retomada da negócio jurídico nos seus ulteriores termos.
Há contratos que fixam um determinado período de graça - ou seja, um quantitativo de prestações em atraso, de modo a admitir purgação da mora. No geral, vencidas 03 pretações, sem que sejam pagas e sem que haja justificativa idônea para tanto, o saldo devedor (dívida vincenda) é vencido antecipadamente, tornando-se exigível. Assim, o salvo devedor - dívida que existiria naquela data, caso as prestações houvessem sido pagas regularmente - é antecipado e as prestações em atraso, corrigidas e com encargos moratórios, são somadas, resultando no total da dívida (dívida vencida corrigida + encargos moratórios + dívida vincenda com exigibilidade antecipada).
Em regra, débitos decorrente de financiamento bancário se submetem ao
dies interpellat pro homine,
não exigindo a notificação do devedor para sua constituição em mora.
E M E N T A PROCESSO CIVIL. CONTRATO BANCÁRIO. EMBARGOS À EXECUÇÃO. LEGITIMIDADE AD CAUSAM . AVALISTA. DEVEDOR SOLIDÁRIO. PRINCÍPIO DIES INTERPELLAT PRO HOMINE. NOTIFICAÇÃO PRÉVIA . DEVEDOR. INEXIGIBILIDADE. SÚMULA Nº 26 DO STJ. TÍTULO EXECUTIVO EXTRAJUDICIAL . LIQUIDEZ. 1. Trata-se de execução de dívida oriunda de Cédula de Crédito Bancário (Empréstimo PJ com Garantia FGO), a qual veio satisfatoriamente instruída com o contrato firmado entre as partes e demonstrativo de débito. 2 . "Nos termos de jurisprudência pacífica do Superior Tribunal de Justiça, que culminou na edição da Súmula 26, o aval prestado em contrato de mútuo deve ser compreendido como assunção de responsabilidade solidária, nos termos do artigo 112 do Código Civil, figurando o avalista, nessas hipóteses, não como fiador, mas como coobrigado, codevedor ou garante solidário" (ApCiv/SP, 5017831-57.2018.4.03 .6100, Rel. Desembargador Federal Helio Egydio de Matos Nogueira, 1ª Turma, e - DJF3 Judicial 1 DATA: 04/12/2019). 3. Respondem, pois, solidariamente pelo débito as pessoas físicas que assinam como "avalistas" na cédula de crédito bancário celebrada com a pessoa jurídica . 4.
No caso, como se trata de obrigação é certa e positiva, com previsão contratual, se o devedor acertou um prazo para cumprir a obrigação e se não há dúvida quanto o valor a ser pago, não há razão para se exigir que o credor o notifique quanto ao inadimplimento (princípio dies interpellat pro homine).
5. "A Cédula de Crédito Bancário é título executivo extrajudicial e representa dívida em dinheiro, certa, líquida e exigível, seja pela soma nela indicada, seja pelo saldo devedor demonstrado em planilha de cálculo, ou nos extratos da conta corrente, elaborados conforme previsto no § 2º" (art . 28 da Lei nº 10.931/04). 6. O método de apuração da dívida consta do contrato firmado pela embargante, não havendo que se falar em desconhecimento . 7. Alegações genéricas de incorreção dos valores cobrados não possuem o condão de desconstituir a dívida, uma vez que a regra geral é que o ônus da prova incumbe a quem alega os fatos constitutivos de seu direito. Esta era a dicção do artigo 333 do CPC/73, atual artigo 373, I, do CPC/2015. 8 . Apelação a que se nega provimento. (TRF-3 - ApCiv: 50017976220184036114 SP, Relator.: Desembargador Federal WILSON ZAUHY FILHO, Data de Julgamento: 04/05/2020, 1ª Turma, Data de Publicação: e - DJF3 Judicial 1 DATA: 06/05/2020)
2.33. Eventual alienação fiduciária em garantia:
A alienação fiduciária em garantia é versada pelos arts. 1.361 a 1.368-A do Código Civil em vigor, cuidando-se de projeção de um instituto jurídico antigo, na medida em o Direito Romano já havia conhecido a
fiducia cum amico,
pela qual alguém alienava a outrem seus bens, com a condição de que lhe fossem restituídos ao término de determinados eventos (guerras, viagens etc.), como explicita Marco Aurélio Viana:
"
Nesse sentido é o enunciado ao art. 1361, CC, que diz considerar fiduciária a propriedade resolúvel que o devedor, com o fim de garantia, transfere ao credor. O que percebemos é que o fiduciário adquire uma propriedade limitada, resolúvel. É proprietário sob condição resolutiva, e o fiduciante proprietário sob condição suspensiva
. O legislador pátrio optou pelo mecanismo da propriedade resolúvel, o que significa, em outras palavras, que o implemento da condição resolutória determina a reversão da propriedade ao fiduciante de forma irreversível, o que nos permite dizer, como encarecia Orlando Gomes, no estudo do direito anterior, que não temos, em verdade, o fator confiança (fidúcia), uma vez que o implemento da obrigação pelo devedor implica o direito de reaver a coisa, o que decorre de cláusula contratual." (VIANA, Marco Aurélio S.
Comentários ao novo
Código
Civil.
Dos direitos reais. Arts. 1.225 a 1.510. Volume XVI. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2013, p. 622)
Cuida-se, por conseguinte, da constituição de um direito real de garantia. O credor-fiduciário mantém-se como proprietário do bem outorgado em garantia exclusivamente enquanto subsistir a obrigação garantida. Adimplidas as prestações contratuais, o credor fica obrigado a retransferir a coisa para o fiduciante, de modo automático
. A constituição da propriedade fiduciária - a ser lançada nos registros públicos pertinentes (art. 131, §1º, CC) - implica desdobramento da posse, eis que o devedor fiduciante mantém-se na posse direta do bem, mas outorga a posse indireta ao credor fiduciário.
Semelhante era o conteúdo do
art. 66 da lei 4.728/1965
, com a redação veiculada pelo
art. 1º do Decreto-lei 911/1969
. Por seu turno, o art. 1.363, CC, dispõe que o devedor é obrigado a entregar a coisa alienada ao credor, caso a dívida não seja paga no vencimento. O art. 1.364, Código Civil, preconiza que
"Vencida a dívida, e não paga, fica o credor obrigado a vender, judicial ou extrajudicialmente, a coisa a terceiros, a aplicar o preço no pagamento de seu crédito e das despesas de cobrança, e a entregar o saldo, se houver, ao devedor."
Já o
art. 2º do DL 911/1969
preconizava que
"No caso de inadimplemento ou mora nas obrigações contratuais garantidas mediante alienação fiduciária, o proprietário fiduciário ou credor poderá vender a coisa a terceiros, independentemente de leilão, hasta pública, avaliação prévia ou qualquer outra medida judicial ou extrajudicial, salvo disposição expressa em contrário prevista no contrato, devendo aplicar o preço da venda no pagamento de seu crédito e das despesas decorrentes e entregar ao devedor o saldo apurado, se houver."
Anote-se, ainda, que o Código Civil proíbe o pacto comissório (art. 1365).
A lei n
9.514/1994
tratou da alienação fiduciária de imóveis.
2.34.
Quanto ao ônus da prova:
No que toca à demonstração dos fatos, registro que, na espécie, não há lastro para a inversão do ônus da prova, prevista no art. 6º, VIII, CDC. Aludida inversão não se dá de modo automático, como explicita Rizzatto Nunes: "
Por isso, o reconhecimento da hipossuficiência do consumidor para fins de inversão do ônus da prova não pode ser visto como forma de proteção ao mais pobre. Ou, em outras palavras, não é por ser pobre que deve ser beneficiado com a inversão do ônus da prova, até porque a questão da produção da prova é processual, e a condição econômica do consumidor diz respeito ao direito material. Na realidade, para beneficiar o carente econômico no processo não seria necessária a inversão. Bastaria determinação judicial de que o fornecedor arcasse com eventuais custas processuais para a produção de provas, tais como as periciais. Determinar-se-ia a inversão do pagamento, e aí sim estar-se-ia protegendo, de forma justa, o economicamente fraco."
(NUNES, Rizzatto.
Curso de direito do consumidor.
SP: Saraiva, 2004, p. 731-733).
Atente-se para os seguintes julgados:
AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. ART. 273 DO CPC. PREQUESTIONAMENTO. AUSÊNCIA. SÚMULAS 282 E 356/STF. INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA. MATÉRIA DE PROVA. REEXAME. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 7/STJ. 1. Inviável o recurso especial quando ausente o prequestionamento das questões de que tratam os dispositivos da legislação federal apontados como violados. 2. A inversão do ônus da prova, prevista no art. 6º, VIII, do Código de Defesa do consumidor, fica a critério do juiz, conforme apreciação dos aspectos de verossimilhança das alegações do consumidor ou de sua hipossuficiência. 3. Na hipótese em exame, a eg. Corte de origem manteve a aplicação ao caso do Código de Defesa do consumidor, e após sopesar o acervo fático-probatório reunido nos autos, concluiu pela configuração da verossimilhança das alegações da parte agravada, bem como de sua hipossuficiência. Desse modo, o reexame de tais elementos, formadores da convicção do d. Juízo da causa, não é possível na via estreita do recurso especial, por exigir a análise do conjunto fático-probatório dos autos. Incidência da Súmula 7/STJ. 4. Agravo regimental a que se nega provimento. ..EMEN: (AGARESP 201300457409, RAUL ARAÚJO, STJ - QUARTA TURMA, DJE DATA:24/06/2013 ..DTPB:.)
AÇÃO CAUTELAR DE EXIBIÇÃO DE DOCUMENTOS. CADERNETA DE POUPANÇA. EXTRATOS. REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO. NEGATIVA. ÔNUS DA PROVA. INTERESSE DE AGIR. INEXISTÊNCIA. 1.
A aplicação das regras do Código de Defesa do consumidor aos contratos como o presente não resulta na automática inversão do ônus da prova, sendo para isso necessária a com provação da hipossuficiência ou da plausibilidade do direito sustentado pelo autor, o que não se deu no caso em exame
. 2. No caso concreto, não há entre os documentos que instruem a ação cautelar, qualquer prova da negativa do agente financeiro em fornecer os respectivos documentos. Aliás, não há sequer a comprovação de que houve requerimento administrativo para tal fim, restando caracterizada a falta de interesse de agir. (AC 00015741320094047011, MARGA INGE BARTH TESSLER, TRF4 - QUARTA TURMA, D.E. 26/04/2010.)
Ademais, a inversão prevista no art. 373, CPC também deve ser empregada com comedimentos, conforme análise crítica de Araken de Assis:
"Essa teoria tem cunho autoritário, porque concentra poderes no órgão judiciário, e, desse modo, traz consigo alto risco de subjetivismo. Duas objeções principais, relevando o risco de prevaricação e o dever de fidelidade do juiz ao direito, opõem-se à doutrina: (a) o já mencionado risco de subjetividade e, ademais, de relatividade: o que é fácil para certo juiz pode não o ser para outro; e (b) a violação positiva ao direito fundamental processual do contraditório. Contra o risco de subjetividade, inexiste remédio; para a violação do contraditório, a medida cabível é a exigência de que haja motivo concreto, prévio e delimitado para a distribuição ope judicis. A distribuição do ônus da prova na decisão de saneamento e de organização do processo (art. 357, III) contrabalança os riscos, norteando a atividade das partes na instrução das causas. Seja como for, as objeções evidenciam que, entre nós, inexiste ainda densidade do direito fundamental à prova. O contraditório argumentantivo (dizer e contradizer) não mais satisfaz. "
(ASSIS, Araken.
Processo civil brasileiro.
Volume II - Tomo II: Institutos fundamentais. SP: RT. 2015. p. 203-209).
No caso em exame, aludida inversão não se justifica, eis que a demandante tem oportunidade para a demonstração das alegações lançadas na peça inicial, de modo que aplico ao caso o art. 373, I e II, CPC/15
.
2.35. Elementos de convicção - exame precário:
A autora apresentou, com a peça inicial, um aviso de recebimento que ela disse não ter assinado:
Anexou instrumento de contrato de locação residencial, indicando o seguinte endereço:
Ela anexou cópia de CTPS, carteira funcional - enfermagem, cédula de crédito bancário - financiamento de veículo, apresentou demonstrativo das parcelas do financiamento, com datas de vencimento. Apresentou boleto bancário no valor de R$ 623,71. Anexou cópia dos autos do processo de busca e apreensão de veículo, deflagrado em seu desfavor (autos 0000031-81.2023.8.16.0102).
A requerida anexou cópia de peça de informações sobre a correspondência em questão:
Apresentou ofício detalhando as medidas a sereem empregadas na pandemia da COVID. No evento 20, anexou-se certidão de óbito da autora.
2.36
. Dilação probatória - parâmetros:
Em regra, o Poder Judiciário deve facultar a ambas as partes, observados os prazos de lei, a realização da mais ampla dilação probatória, desde que conexa o pedido e causa de pedir deduzidos nos autos.
Isso não significa, porém, que todo e qualquer pedido, lançado pelos contendores, deva ser automaticamente deferido. Ao contrário, as diligências destinadas a esclarecer fatos totalmente impertinentes com o
thema decidendum
não hão de ser realizadas, sob pena de converter o processo em um verdadeiro trabalho de Sísifo. Como sabido,
frusta probatur quod probantum non relevat.
Não se defere a realização de diligências destinadas a demonstrar fatos insuscetíveis de influenciar o resultado da demanda.
Esse é, por exemplo, o conteúdo do art. 464, §1º, do CPC. Reporto-me também ao art. 38, §2º, da Lei nº 9.784/99, que regula o processo administrativo:
"
Somente poderão ser recusadas, mediante decisão fundamentada, as provas propostas pelos interessados quando sejam ilícitas, impertinentes, desnecessárias ou protelatórias
."
Outro não é o conteúdo do art. 370, parágrafo único, CPC.
2.38. Inquirição de testemunhas:
Eventual inquirição de testemunhas deve se dar com atenção ao limite do
art. 34 da lei n. 9.099/1995
, contanto que não seja manifestamente impertinente à solução da demanda. Incumbirá às partes, por meio dos advogados, a notificação de suas testemunhas, salvo quando atendidos os requisitos do art. 455, §4, CPC.
2.39. Tomada do depoimento pessoal:
No que toca ao depoimento pessoal, convém atentar para os arts. 385 e 386, CPC/15:
Art. 385.
Cabe à parte requerer o depoimento pessoal da outra parte, a fim de que esta seja interrogada na audiência de instrução e julgamento, sem prejuízo do poder do juiz de ordená-lo de ofício
. §1 Se a parte, pessoalmente intimada para prestar depoimento pessoal e
advertida da pena de confesso
, não comparecer ou, comparecendo, se recusar a depor, o juiz aplicar-lhe-á a pena. § 2
É vedado a quem ainda não depôs assistir ao interrogatório da outra parte. § 3
O depoimento pessoal da parte que residir em comarca, seção ou subseção judiciária diversa daquela onde tramita o processo poderá ser colhido por meio de videoconferência ou outro recurso tecnológico de transmissão de sons e imagens em tempo real, o que poderá ocorrer, inclusive, durante a realização da audiência de instrução e julgamento.
Art. 386.
Quando a parte, sem motivo justificado, deixar de responder ao que lhe for perguntado ou empregar evasivas, o juiz, apreciando as demais circunstâncias e os elementos de prova, declarará, na sentença, se houve recusa de depor.
Logo, a tomada do depoimento pessoal se destina à eventual obtenção da confissão da contraparte. E isso mitiga a aplicação do instituto, quando em causa entidades de Direito Público, por força da indisponibilidade do interesse público primário. Com efeito, reitero que, quanto a entidades de regime jurídico, sequer o decurso
in albis
do prazo para contestação enseja os efeitos inerentes à revelia, conforme se infere do art. 344, II, CPC/15).
Não desconheço a análise pontualmente distinta de Araken de Assis, quem afirma
"Não ser diferente o regime das pessoas jurídicas de direito público. Já se sustentou que semelhante depoimento traduziria providência juridicamente inadmissível, porque a indisponibilidade do objeto litigioso torna ineficaz a confissão dos órgãos das pessoas jurídicas de direito público. Na perspectiva aqui adotada, não se pode tomar os efeitos como causa. O depoimento pessoal serve a outros propósitos e, precipuamente, à formação da convicção do juiz. E, nesse sentido, as declarações desses órgãos são tão boas ou más como as de qualquer outra pessoa."
(ASSIS, Araken.
Processo civil brasileiro.
Volume III. Parte especial. São Paulo: RT. 2015. p. 515).
Anoto que prepostos apenas podem ser ouvidos, nessa condição, quando disponham de poderes suficientes para confessar em nome do banco. Nos demais casos, devem ser inquiridos como informantes ou testemunhas.
2.40. Complementação da documentação:
Como regra, incumbe à parte autora apresentar, com a petição inicial, os documentos em que ampara sua pretensão - art. 320, CPC. Os requeridos devem apresentar seus documentos junto com a resposta, na forma do art. 434, CPC.
Em princípio, documentos complementares apenas podem ser apresentados, em momentos posteriores a estas fases, quando de se tratar de meios probatórios novos - surgidos no curso da demanda -, ainda que destinados a comprovar fatos anteriores ao início do processo. Também podem ser anexados quando - a despeito de se cuidar de documentos antigos -, sua relevância para o processo apenas teria sido conhecida no curso do processo, a exemplo do que ocorre quando reportados por testemunhas e desconhecidos das partes até então. Também há os casos de fatos havidos no curso do processo, na forma do art. 493, CPC/15, e que podem/devem ser comprovados pelas partes, com lastro em documentos pertinentes, ainda que havidos em fases distintas daquelas indicadas no movimento 434, CPC/15.
No rito dos juizados, em determinados casos, a complementação da documentação pode ser promovida em outras etapas do processo, por conta da informalidade que o caracteriza - art. 2. da lei n. 9.099/1995.
2.41. Eventual exame pericial - considerações gerais:
Não raras vezes, a análise da veracidade de determinadas narrativas sobre fatos depende da apreciação de uma
episteme,
e não da mera
doxa -
ou seja, não do senso comum, do conhecimento não reflexivo e sistematizado. Para tanto, se faz necessária a designação de peritos(as) para apresentação de laudo técnico, com emprego do estado da arte da ciência.
A medida se justifica sobremodo quando há temas mais complexos, e que admitam uma apreciação razoavelamente objetiva por parte de experts. A perícia não se destina a consultar a opinião dos profissionais da área, eis que exige o emprego do método científico, com detalhando o grau de acurácia dos resultados indicados.
2.42. Diligências probatórias - caso em exame:
No caso, a parte autora postulou a tomada de depoimento pessoal do preposto da parte requerida e a inquirição de testemunhas.
Em primeiro exame, tais medidas se revelam impertinentes para a solução do caso. A argumentação da autora foi centrada, na peça inicial, de que não teria sido validamente constituída em mora, por conta da falhas na prestação do serviço postal por parte da ECT. Isso teria ensejado a deflagração da demanda de busca em apreensão do veículo financiado, como registrei acima. Ela apresentou cópia dos autos da demanda judicial pertinente.
Ora, como registrei acima, em princípio, cuidando-se de obrigações com prazo de vencimento delimitado e com valor fixo, a mora não se dá com a notificação. Ela se dá pelo simples vencimento dos prazos pertinentes, conforme art. 397, Código Civil. Cabia à parte autora, em princípio, acompanhar a evolução da vídia e pagar as prestações nas datas pertinentes. Nâo se fazia necessária a notificação do banco para que ela tomasse conhecimento de estar em atraso para com as obrigações contratuais.
Em tais casos, aplica-se o postulado
dies interpellat pro homine.
Assim, reputo que aludidas medidas, requeridas pela parte autora, não surtirão efeitos sobre a demanda. Quando muito, levariam a corroborar a narrativa dos fatos, promovida na peça inicial. Contudo, em primeiro exame, a questão não gravita em torno disso. Ela consiste em apurar as consequências jurídicas de tais fatos, tomando-se em conta o referido art. 397, Código Civil.
INDEFIRO, pois, os pedidos de diligências probatórias formulados pela autora, dado que se revelam impertinentes à solução do caso.
III - EM CONCLUSÃO
3.1. DECLARO a competência da Justiça Federal para esta demanda e sua submissão ao rito dos Juizados Especiais.
3.2. REGISTRO que a presente demanda não mantém relação de conexão com outra causa, a ensejar a reunião de processos e solução conjunta, conforme art. 55, §1, CPC e súmula 235, STJ.
3.3. ACRESCENTO que não há sinais de violação à garantia da coisa julgada - art. 5, XXXVI, CF e art. 508, CPC -, ou de incursão em litispendência, art. 337, §2, CPC. Tampouco é caso de suspensão da demanda, na forma do art. 313, CPC.
3.4. ANOTO que ambas as partes estão legitimadas para esta causa, não ser caso de litisconsórcio necessário e que a autora possui interesse processual, conforme art. 17, CPC/15.
3.5. DEFIRO, ao menos por ora, a habilitação da sra. ANNA JULIA SILVA DE OLIVEIRA, diante do falecimento da autora. Defiro ainda a citação do viúvo da autora, indicado no evento 20.
3.6. INTIME-SE a sra. ANNA, por meio do seu advogado, para que traga aos autos comprovantes da filiação e documentos de identificação pessoal. RETIFIQUE-SE a autuação, incluindo o nome de amboas as pessoas indicada no evento 20.
3.7. CITE-SE o sr. ELESSANDRO ROQUE DE SOUSA facultando-lhe resposta no prazo de 15 dias úteis, contados na forma do art. 231, Código de Processo Civil.
3.8. INTIME-SE a parte autora para, querendo, apresentar réplica, tão logo sobrevenha a manifestação do sr. Elessandro. Prazo de 15 dias úteis, contados da intimação - art. 351, CPC.
3.9. DELIMITEI, acima, as narrativas sobre os fatos havidos e as normas suscetíveis de serem aplicadas ao caso.
3.10. REPUTO incabível a inversão do ônus da prova, devendo aplicar-se ao caso as regras dos arts. 373, I e II, CPC/15.
3.11. INTIMEM-SE as partes a respeito da presente deliberação, para os fins previstos no art. 357, §1.º, CPC/15. INTIMEM-SE os contendores para, querendo, manifestarem-se a respeito do presente despacho, no prazo de 05 dias úteis, contados da intimação, conforme arts. 219, 224, 357, §1º, CPC e art. 5º da lei n. 11.419/2006.
3.12. VOLTEM-ME CONCLUSOS, caso sobrevenham pedidos de complementação ou retificação deste despacho.
3.13. INDEFIRO os pedidos de diligências probatórias, deduzidos pela parte autora, eis que impertinentes para a solução do caso.
3.14 ANOTO que pesa, em primeiro exame, a constatação de que a obrigação de pagar prestações do mútuo feneractício avençado como o banco está submetida ao postulado
dies interpellat pro homine,
na forma do art. 397, Código Civil, não dependendo de notificação para constituição e mora. A vingar tal premissa, cabia à mutuária o encargo de conferir a evolução das prestações mensais pertinentes, não se podendo atribuir à ECT os prejuízos noticiados na peça inicial. Ressalvo nova análise em sentença.
3.15. INTIMEM-SE as partes a respeito deste despacho.
3.16. Anexados aos autos os documentos requisitados junto à sra. Anna, postulante à habilitação, eventual contestação do sr. Elessandro, apontado como viúvo da utora, e eventual réplica da parte autora - ou ainda, esgotados os prazos fixados para tanto - VOLTEM-ME conclusos para prolação de sentença.
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