Processo nº 0012634-46.2012.4.01.3200
ID: 324025789
Tribunal: TRF1
Órgão: Gab. 11 - DESEMBARGADOR FEDERAL MARCOS AUGUSTO DE SOUSA
Classe: APELAçãO CíVEL
Nº Processo: 0012634-46.2012.4.01.3200
Data de Disponibilização:
14/07/2025
Polo Passivo:
Advogados:
IZABEL DE SOUZA OLIVEIRA
OAB/AM XXXXXX
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EDUARDO KARAM SANTOS DE MORAES
OAB/AM XXXXXX
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JUSTIÇA FEDERAL Tribunal Regional Federal da 1ª Região PROCESSO: 0012634-46.2012.4.01.3200 PROCESSO REFERÊNCIA: 0012634-46.2012.4.01.3200 CLASSE: APELAÇÃO CÍVEL (198) POLO ATIVO: CARLOS DAVID REBOUCA…
JUSTIÇA FEDERAL Tribunal Regional Federal da 1ª Região PROCESSO: 0012634-46.2012.4.01.3200 PROCESSO REFERÊNCIA: 0012634-46.2012.4.01.3200 CLASSE: APELAÇÃO CÍVEL (198) POLO ATIVO: CARLOS DAVID REBOUCAS DE OLIVEIRA e outros REPRESENTANTES POLO ATIVO: EDUARDO KARAM SANTOS DE MORAES - AM9385-A e IZABEL DE SOUZA OLIVEIRA - AM3610-A POLO PASSIVO:Ministério Público Federal RELATOR(A):MARCOS AUGUSTO DE SOUSA PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO GAB. 11 - DESEMBARGADOR FEDERAL MARCOS AUGUSTO DE SOUSA Processo Judicial Eletrônico APELAÇÃO CÍVEL (198) 0012634-46.2012.4.01.3200 RELATÓRIO O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL MARCOS AUGUSTO DE SOUSA, Relator: Trata-se de recursos de apelação interposto por Hamilton Alves Villar e Carlos David Rebouças de Oliveira, em face da sentença proferida pelo Juízo da 1ª Vara Federal da Seção Judiciária do Amazonas que, nos autos da ação de improbidade administrativa proposta pelo MPF em face da existência de irregularidades na aplicação e prestação de contas dos recursos recebidos do Fundo Nacional de Assistência Social - FNAS, julgou parcialmente procedente o pedido para condenar os apelantes pela prática dos atos previstos nos arts. 10, caput, e 11, caput, I e VI, da Lei 8.429/1992, aplicando as sanções previstas no art. 12, II, da mesma Lei. Alega Hamilton Alves Villar que, ao contrário do que afirmou o MPF, houve parcial aprovação das contas pela Secretaria Nacional de Assistência Social e que os saques em espécie ocorreram em razão da inexistência de agência bancária no Município de Careiro/AM, o que inviabilizava transferências ou pagamentos formais. Alega, ainda, ausência de dolo ou de qualquer prova de desvio de finalidade dos recursos. Carlos David Rebouças de Oliveira, por sua vez, defende que não possuía o dever legal de prestar contas, agindo apenas sob ordens do então prefeito. Sustenta que não houve demonstração de vantagem indevida, tampouco prova de sua intenção de causar dano ao erário. Com contrarrazões (ID. 22441921, fls. 58/62). O MPF (PRR1) opina pelo não provimento da (ID. 22441921, fls. 73/85). É o relatório. Desembargador Federal MARCOS AUGUSTO DE SOUSA Relator PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO GAB. 11 - DESEMBARGADOR FEDERAL MARCOS AUGUSTO DE SOUSA Processo Judicial Eletrônico APELAÇÃO CÍVEL (198) 0012634-46.2012.4.01.3200 VOTO O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL MARCOS AUGUSTO DE SOUSA, Relator: Trata-se de ação de improbidade administrativa ajuizada pelo MPF contra Hamilton Alves Villar, ex-prefeito do Município de Careiro/AM, e Carlos David Rebouças de Oliveira, ex-tesoureiro municipal, em razão da suposta malversação de recursos repassados a esse município pelo Fundo Nacional de Assistência Social - FNAS, no exercício de 2008, no âmbito do Programa Único de Assistência Social. Segundo a inicial, os demandados deixaram de prestar contas da aplicação dos recursos federais, realizaram saques em espécie nas contas vinculadas ao programa e emitiram cheques ao portador, o que, segundo o parquet, impossibilitou aferir a correta destinação dos valores e evidenciou a intenção dolosa de apropriação indevida. A sentença, proferida pelo juízo da 1ª Vara Federal da Seção Judiciária do Amazonas, julgou parcialmente procedente o pedido, afastando a imputação de enriquecimento ilícito, mas condenando Hamilton Alves Villar pela prática dos atos de improbidade previstos nos arts. 10, caput, e 11, caput e inciso VI, da LIA, e Carlos David Rebouças de Oliveira pela prática dos atos previstos nos arts. 10, caput, e 11, caput e inciso I, da mesma lei. Ambos interpuseram apelações. Alegam, em síntese, a ausência de dolo específico na conduta e a inexistência de prova do desvio dos recursos públicos ou de má-fé na gestão dos valores. Sustentam que não houve comprovação de que os valores tenham sido utilizados para finalidades diversas das previstas nos programas sociais. A sentença merece ser reformada. Analisando a questão, verifico que a presente ação foi proposta ainda sob a redação original da Lei 8.429/1992, antes das alterações introduzidas pela Lei 14.230/2021, podendo esta ser aplicada às hipóteses anteriores à sua vigência, em circunstâncias específicas, respeitadas as balizas estabelecidas pelo STF no julgamento do ARE 843.989/PR, com repercussão geral (Tema 1.199). O STF, no mencionado julgamento, fixou, dentre outras, as seguintes teses após exame da Lei 14.230/2021: 1) É necessária a comprovação de responsabilidade subjetiva para a tipificação dos atos de improbidade administrativa, exigindo-se - nos artigos 9º, 10 e 11 da LIA - a presença do elemento subjetivo - DOLO; 2) A norma benéfica da Lei 14.230/2021 - revogação da modalidade culposa do ato de improbidade administrativa -, é IRRETROATIVA, em virtude do artigo 5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal, não tendo incidência em relação à eficácia da coisa julgada; nem tampouco durante o processo de execução das penas e seus incidentes; 3) A nova Lei 14.230/2021 aplica-se aos atos de improbidade administrativa culposos praticados na vigência do texto anterior da lei, porém sem condenação transitada em julgado, em virtude da revogação expressa do texto anterior; devendo o juízo competente analisar eventual dolo por parte do agente; (...). Do que se extrai, pois, do entendimento fixado pelo STF, pode-se concluir, primeiramente, que a nova lei exige que o elemento subjetivo “dolo” seja demonstrado nos tipos legais descritos nos arts. 9º, 10 e 11. Segundo, que a lei nova revogou a ação de improbidade na modalidade culposa trazida no antigo artigo 10 (dano ao erário - único que até então admitia a condenação também por culpa), em caráter irretroativo. No entanto, essa revogação não alcançará ações, iniciadas sob a égide da Lei 8.429/1992, que tiverem transitado em julgado. Cabe destacar, por oportuno, que o STF nada dispôs sobre a questão alusiva à revogação de alguns tipos da anterior Lei 8.429/1992, nem quanto às alterações introduzidas pela nova lei em certos tipos legais, até porque não era objeto do RE 843.989/PR. Não obstante, pode-se inferir, numa interpretação lógico-sistemática, ser possível a aplicação do princípio da retroatividade da lei mais benéfica ao réu, previsto no art. 5º, XL, da CF, aos casos em que houve revogação ou modificação de tipos legais, para as ações ainda em curso, a exemplo do quanto admitido para aquelas originadas por atos de improbidade culposos. O STJ, por sua vez, entendeu recentemente ser possível a aplicação da Lei 14.230/2021, com relação à exigência do dolo específico para a configuração do ato ímprobo, aos processos em curso. Precedente: REsp 2.107.601/MG, Primeira Turma, Rel. Min. Gurgel de Faria, DJe 02/05/2024. Destaque-se, ainda, que o artigo 1º, § 4º, da nova lei expressamente estabelece a aplicação ao sistema da improbidade dos princípios constitucionais do direito administrativo sancionador, os quais incidem retroativamente em benefício da parte ré. No caso, o Juízo de origem condenou Hamilton Alves Villar pela prática dos atos de improbidade previstos nos arts. 10, caput, e 11, caput e inciso VI, da LIA, e Carlos David Rebouças de Oliveira pela prática dos atos previstos nos arts. 10, caput, e 11, caput e inciso I, da mesma lei. As condutas previstas nesses dispositivos legais, antes das alterações introduzidas pela Lei 14.230/2021, encontravam-se expressas nos seguintes termos: Art. 10. Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º desta lei, e notadamente: (...) Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições, e notadamente: I - praticar ato visando fim proibido em lei ou regulamento ou diverso daquele previsto, na regra de competência; (...) VI - deixar de prestar contas quando esteja obrigado a fazê-lo; (...). Com a redação dada pela nova lei, o dispositivo ficou assim redigido: Art. 10. Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão dolosa, que enseje, efetiva e comprovadamente, perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º desta Lei, e notadamente: (...) Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública a ação ou omissão dolosa que viole os deveres de honestidade, de imparcialidade e de legalidade, caracterizada por uma das seguintes condutas: I - (revogado); (...) VI - deixar de prestar contas quando esteja obrigado a fazê-lo, desde que disponha das condições para isso, com vistas a ocultar irregularidades; (...). Com o advento da Lei 14.230/2021, o caput do art. 10 da LIA sofreu significativa alteração, passando a exigir, expressamente, a comprovação do dano efetivo e comprovado ao erário como elemento indispensável à configuração do ato ímprobo. A mera constatação de irregularidades formais ou de ilegalidades na execução de programas públicos já não é suficiente para ensejar a condenação. É necessário que se demonstre, de forma cabal, que os recursos públicos foram desviados de sua finalidade ou utilizados de modo a causar prejuízo concreto ao patrimônio público. No caso concreto, embora se reconheça que houve a realização de saques em espécie diretamente na boca do caixa, bem como a emissão de cheques ao portador, o MPF não apresentou prova de que os valores recebidos pelo Município do Careiro/AM tenham sido efetivamente desviados para fins alheios ao interesse público ou apropriados indevidamente pelos apelantes. Os fatos descritos na petição inicial, por mais que revelem condutas administrativas reprováveis sob o ponto de vista da gestão financeira, não foram acompanhados da devida demonstração de que os recursos públicos federais não tenham sido, em última análise, aplicados em favor da coletividade local. Dessa forma, a prova da irregularidade formal na movimentação bancária, desacompanhada da demonstração de dano concreto ou desvio de finalidade, revela-se insuficiente para sustentar a condenação por improbidade nos moldes exigidos atualmente pelo art. 10, caput, da Lei 8.429/1992. A efetiva ocorrência de lesão aos cofres públicos é necessária quando se trata de dano ao erário, já que é requisito objetivo para a configuração do tipo, sendo incabível o dano presumido (dano in re ipsa). Porém, o parquet não se desincumbiu do ônus de comprovar a perda patrimonial concreta. O STJ decidiu que a comprovação de prejuízo efetivo ao erário, como condição para a condenação baseada no art. 10 da Lei de Improbidade Administrativa, deve ser exigida nos processos relativos a fatos anteriores à Lei 14.230/2021 que ainda estejam em andamento. A propósito: ADMINISTRATIVO. ATO ÍMPROBO. DANO PRESUMIDO. ALTERAÇÃO LEGAL EXPRESSA. NECESSIDADE DE EFETIVO PREJUÍZO. MANUTENÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA DO STJ. IMPOSSIBILIDADE. 1. Em sessão realizada em 22/2/2024, a Primeira Seção, por unanimidade, cancelou o Tema 1.096 do STJ, o qual fora outrora afetado para definir a questão jurídica referente a "definir se a conduta de frustrar a licitude de processo licitatório ou dispensá-lo indevidamente configura ato de improbidade que causa dano presumido ao erário (in re ipsa)". 2. Após o referido cancelamento, ressurgiu a necessidade desta Primeira Turma enfrentar a seguinte controvérsia jurídica: com a expressa necessidade (tratada nas alterações trazidas pela Lei 14.320/2021) de o prejuízo ser efetivo (não mais admitindo o presumido), como ficam os casos anteriores (à alteração legal), ainda em trâmite, em que a discussão é sobre a possibilidade de condenação por ato ímprobo em decorrência da presunção de dano? 3. Os processos ainda em curso e que apresentem a supracitada controvérsia devem ser solucionados com a posição externada na nova lei, que reclama dano efetivo, pois sem este (o dano efetivo), não há como reconhecer o ato ímprobo. 4. Não se desconhece os limites impostos pelo STF, ao julgar o Tema 1199, a respeito das modificações benéficas trazidas pela Lei 14.320/2021 às ações de improbidade ajuizadas anteriormente, isto é, sabe-se que a orientação do Supremo é de que a extensão daquele tema se reservaria às hipóteses relacionadas à razão determinante do precedente, o qual não abrangeu a discussão ora em exame. 5. In casu, não se trata exatamente da discussão sobre a aplicação retroativa de alteração normativa benéfica, já que, anteriormente, não havia norma expressa prevendo a possibilidade do dano presumido, sendo este (o dano presumido) admitido após construção pretoriana, a partir da jurisprudência que se consolidara no STJ até então e que vinha sendo prolongadamente aplicada. 6. Esse entendimento (repita-se, fruto de construção jurisprudencial, e não decorrente de texto legal) não pode continuar balizando as decisões do STJ se o próprio legislador deixou expresso não ser cabível a condenação por ato ímprobo mediante a presunção da ocorrência de um dano, pois cabe ao Judiciário prestar a devida deferência à opção que seguramente foi a escolhida pelo legislador ordinário para dirimir essa questão. 7.Recurso especial desprovido. Embargos de declaração prejudicados. (REsp 1.929.685/TO, Primeira Turma, Rel. Min. Gurgel de Faria, DJe 02/09/2024.) Assim como a jurisprudência desta Corte. Confira-se: ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. LEI 8.429/1992. APLICAÇÃO RETROATIVA DA LEI 14.230/2021. TEMA 1199. ART. 10, CAPUT, E ART. 11, VI, AMBOS DA LIA. NÃO COMPROVAÇÃO DE EFETIVO PREJUÍZO AO ERÁRIO. AUSÊNCIA DO DOLO ESPECÍFICO DE OCULTAR IRREGULARIDADES. ATO DE IMPROBIDADE NÃO CARACTERIZADO. APELAÇÃO NÃO PROVIDA. (...) 4. A Lei 14.230/2021 deixou expresso no texto da Lei de Improbidade Administrativa a necessidade de efetivo e comprovado prejuízo ao Erário e a demonstração do elemento subjetivo (dolo) para configuração de ato de improbidade previsto no art. 10, bem como não mais se admite a responsabilização por ato lesivo na forma culposa. 5. O dano in re ipsa não mais serve como fundamento para condenação em ato ímprobo, uma vez que, como já mencionado, o art. 10, caput, da LIA, passou a exigir a comprovação do efetivo dano ao erário para configuração do ato ímprobo. (...) 7. Não há prova de que os recursos federais repassados pelo FNDE foram aplicados em fins alheios ao interesse público ou em proveito próprio do citado ex-prefeito ou de terceiro, também não há prova que demonstre a existência de irregularidades na utilização dos recursos federais repassados ao Ente Municipal. 8. O réu/apelado foi condenado tão somente porque deixou de prestar contas ao FNDE, não havendo prova de que ele teria deixado de prestar contas para ocultar irregularidades. Assim, não é o caso de sua condenação pela prática de ato ímprobo descrito no art. 11, inciso VI, da Lei 8.429/1992. 9. Posicionamento do STF, em recente julgado, entendeu que as alterações da Lei 14.230/2021 devem ser aplicadas às ações em curso, excetuando-se apenas aquelas em que já houve o trânsito em julgado (ARE 803568 AgR-segundo-EDv-ED, Relator(a): LUIZ FUX, Relator(a) p/ Acórdão: GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 22/08/2023, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-s/n DIVULG 05-09-2023 PUBLIC 06-09-2023). 10. Recurso de apelação não provido. (AC 1001217-78.2018.4.01.3100, Décima Turma, Rel. Des. Fed. Solange Salgado da Silva, PJe 24/05/2024.) Sendo assim, ausente a demonstração inequívoca da ocorrência de dano ao erário, não se configura a prática pelos apelantes do ato de improbidade administrativa tipificado no art. 10 da LIA. Passo à análise das condutas dos apelantes previstas no art. 11 da LIA. Inicialmente, cabe asseverar que inexiste hoje a possibilidade de enquadramento da conduta somente no caput desse artigo, porque tal dispositivo, isoladamente, não traz em si nenhum ato ou conduta que possa ser considerada ímproba e, portanto, só existe se vinculado a algum de seus incisos. Precedentes do TRF 1ª Região: AC 0011428-36.2009.4.01.3900, AC 0004242-33.2016.4.01.3312 e EDAC 0003493-86.2016.4.01.4000. Dessa forma, os incisos do art. 11 da LIA, após o advento da Lei 14.230/2021, passaram a ostentar caráter taxativo e não meramente exemplificativo como anteriormente, de sorte que a configuração da improbidade por violação aos princípios da administração pública somente ocorrerá ante a perfeita subsunção do fato específico aos tipos legais. Deste modo, deve ser afastada a pretensão de condenação dos apelantes com base no art. 11, caput, da LIA, em razão das alterações legislativas promovidas pela Lei 14.230/2021. Ademais, houve a revogação do inciso I do art. 11 LIA, tornando atípica a conduta imputada ao apelante Carlos David Rebouças de Oliveira. No que se refere à conduta prevista no art. 11, VI, da Lei 8.429/1992, imputada à Hamilton Alves Villar, ex-prefeito do Município de Careiro/AM, após as alterações legislativas promovidas pela Lei 14.230/2021, apenas restará configurado o ato de improbidade por ausência de prestação de contas se o responsável detinha todas as condições necessárias para efetivá-las, mas não o fez conscientemente, buscando a ocultação de possíveis irregularidades. Assim, foi conferido tratamento mais rigoroso ao afastar o dolo genérico antes admitido pela Lei 8.492/1992, exigindo o dolo específico para a configuração do ato ímprobo. No caso, a sentença, ao analisar a conduta do apelante, fundamentou-se na existência de três elementos para concluir pela prática de ato de improbidade administrativa previsto no art. 11, VI, da LIA: (i) o dever legal do então prefeito de prestar contas dos recursos públicos recebidos; (ii) a existência de saques em espécie diretamente na boca do caixa, prática vedada pela Instrução Normativa/STN 01/1997; e (iii) a emissão de cheques nominais ao portador, o que impossibilitou aferir a correta destinação dos valores. Contudo, conforme exigido após a nova redação da Lei 8.429/1992, não se demonstrou nos autos que o ex-prefeito Hamilton Alves Villar tivesse à sua disposição os meios materiais e operacionais para promover a prestação de contas nos moldes exigidos, tampouco que tenha agido com a intenção de ocultar irregularidades ou impedir a fiscalização pública. Nesse contexto, não é possível presumir que a conduta omissiva do gestor tenha sido dolosa, muito menos voltada ao encobrimento de desvio dos recursos ou má-fé, razão pela qual não se configura o dolo específico exigido pelo novo regime da improbidade administrativa. Além disso, persiste ainda outra questão relevante. Não se comprova, de forma inequívoca, que o ex-prefeito, ora apelante, estivesse efetivamente obrigado a realizar a prestação de contas relativa aos recursos recebidos no exercício de 2008, último ano de seu mandato. A ausência de clareza sobre a quem cabia, institucionalmente, a apresentação das contas nesse contexto de transição de gestão enfraquece ainda mais a tese de que tenha havido conduta dolosa voltada à ocultação de irregularidades. Dessa forma, a linha argumentativa trazida na inicial não pode ser aceita sem provas inequívocas, e como visto pelo conjunto probatório coligido, não há nos autos comprovação de ações deliberadas, conscientes, com o fim de deixar de prestar contas para ocultar irregularidades, que revelariam o “dolo específico” exigido na conduta do agente, de modo a fundamentar uma sentença condenatória pelo cometimento de ato de improbidade. Sobre o tema, cito precedentes deste Tribunal: PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AÇÃO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. LEI N. 8.429/92. PRELIMINARES AFASTADAS. ALTERAÇÕES PROMOVIDAS PELA LEI N. 14.230/2021. APLICAÇÃO AOS PROCESSOS EM CURSO. AUSÊNCIA DE PRESTAÇÃO DE CONTAS. ART. 11, VI DA LEI 8.429/92. DOLO E MÁ-FÉ NÃO CONFIGURADOS. CONDUTA ÍMPROBA MANIFESTAMENTE INEXISTENTE. ART. 17, §11, DA LEI 8.429/92. PROVIMENTO DO RECURSO. SENTENÇA REFORMADA. (...) 8. O enquadramento da conduta relativa a não prestação de contas impõe: (i) a demonstração de que o agente dispunha de condições para realizar o procedimento; (ii) a comprovação de que ele (o agente) tinha por escopo "ocultar irregularidades" e obter proveito ou benefício indevido para si ou para terceiros (inciso VI e §1 do art. 11 da LIA), circunstâncias não verificadas no caso dos autos. O legislador ordinário, validamente (cf. permissivo do art. 37, §4° da CF/88), tornou mais rígido o tipo previsto no inciso VI do art. 11, exigindo efetiva demonstração do dolo específico. 9. O exame detido dos autos impõe a reforma da sentença de primeiro grau, já que o posicionamento externado pelo juiz singular lastreou-se, exclusivamente, na materialidade e autoria do ato omissivo (considerando uma inércia deliberada), pautando-se, aparentemente, na caracterização de um dolo genérico, não mais admitido pelo atual ordenamento. 10. Embora haja indícios de materialidade e autoria do ato imputado ao ora Apelante, ex-Prefeito do Município de Peritoró/MA, gestor dos recursos à época dos fatos e sabedor do seu dever de prestar contas, não há qualquer comprovação de que a sua conduta teve o fim específico de ocultar alguma irregularidade, ou mesmo que tenha sido voltada à obtenção de algum proveito para si ou para outrem. Precedentes no voto. 11. Assente a compreensão de que a Lei de Improbidade Administrativa visa punir apenas o agente público (ou o particular a ele equiparado, cf. art. 2°, parágrafo unido, da Lei n° 8.429/92), que age com dolo, desprovido de lealdade, honestidade e boa-fé, o que não é possível extrair, com segurança, do relato exordiano, tampouco das provas colacionadas. 12. Em recente julgamento proferido pelo Plenário do STF (ARE 803568, em 22/08/2023), restou consignado que as alterações promovidas pela Lei n° 14.230/202, no art. 11 da Lei n° 8.429/92, aplicam-se aos atos de improbidade administrativa praticados na vigência do texto anterior, porém sem trânsito em julgado. 13. Ante a manifesta inexistência de ato de improbidade ausente a comprovação cabal do dolo específico o reconhecimento da improcedência dos pedidos é medida que se impõe, tal como prevê o art.17, §11, da Lei n° 8.429/92. 14. Recurso de apelação provido para reformar a sentença e julgar improcedentes os pedidos. (AC 0005653-10.2013.4.01.3703, TRF1, Terceira Turma, Rel. Des. Fed. Wilson Alves de Souza, PJe 24/07/2024). PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. MINISTÉRIO DA SAÚDE. PRESTAÇÃO DE CONTAS JUNTO AO SIOPS. EX-PREFEITO. OMISSÃO NO DEVER DE PRESTAR CONTAS. LEI N. 14.230/2021. OCULTAÇÃO DE IRREGULARIDADES NÃO EVIDENCIADA. DOLO NÃO COMPROVADO. PRELIMINARES REJEITADAS. APELAÇÃO PROVIDA. REFORMA PARCIAL DA SENTENÇA. IMPROCEDÊNCIA DA AÇÃO. 1. Ex-prefeito de Monte do Carmo/TO apela da sentença que o condenou, em ação de improbidade administrativa, ao pagamento de multa civil, a teor do art. 12, III, da Lei n. 8.429/92, em razão de omissão no dever de prestar contas (exercício de 2016), uma vez que deixou de informar dados ao Ministério da Saúde, por meio do Sistema de Informações sobre Orçamentos Públicos em Saúde - SIOPS. 2. Rejeitadas as preliminares de cerceamento de defesa (por indeferimento da produção de prova testemunhal e não intimação para apresentação de alegações finais); de inépcia da inicial (alegação de imputação de fatos genéricos); de ilegitimidade passiva do requerido; e de exigência de formação de litisconsórcio passivo necessário com a ex-Secretária Municipal de Saúde. 3. Segundo o art. 11, caput, da Lei n. 8.429/92 (alterada pela Lei n. 14.230/2021), "Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública a ação ou omissão dolosa que viole os deveres de honestidade, de imparcialidade e de legalidade", referindo-se em seu inciso VI à conduta de "deixar de prestar contas quando esteja obrigado a fazê-lo, desde que disponha das condições para isso, com vistas a ocultar irregularidades" (redação dada pela Lei n. 14.230/2021). 4. A ausência de prestação de contas ao SIOPS (Ministério da Saúde), na gestão do ora apelante, é fato incontroverso. Referida conduta representa, assim, uma ilegalidade, tendo em vista que ao demandado, na condição de ex-prefeito, competia a devida prestação de contas dos recursos públicos repassados à municipalidade e/ou a fiscalização do cumprimento do referido dever legal. 5. Não há notícia, nos autos, da existência de desvio de recursos públicos ou de prejuízos ao erário, tanto que a sentença não encontrou elementos para impor o ressarcimento decorrente desse item. 6. A sentença tornou definitiva a decisão que determinou, em sede de medida urgente, a exclusão do Município autor do Serviço Auxiliar de Informações para Transferências Voluntárias (CAUC), Sistema Integrado de Administração Financeira do Governo Federal (Siafi) e do Cadastro Informativo de Créditos não Quitados do Setor Público Federal (Cadin). 7. A instrução processual não tornou indene de dúvidas a imputação de que o requerido teria agido com má-fé ao se omitir no dever de prestar as contas junto ao SIOPS (exercício de 2016), mormente porque nenhum indício de irregularidade (pré-existente) foi cogitado na inicial. 8. Os atos de improbidade administrativa descritos no art. 11 da n. Lei n. 8.429/92 não se confundem com simples ilegalidades administrativas ou inaptidões funcionais, devendo, a mais disso, apresentar alguma aproximação objetiva com a essencialidade da improbidade. 9. A definição ampla do art. 11 exige interpretação restritiva, sob pena de transformação de qualquer infração administrativa em ato de improbidade. Como acentuou o STJ, "(...) a exegese das regras insertas no art. 11 da Lei 8.429/1992, considerada a gravidade das sanções e restrições impostas ao agente público, deve ser realizada com ponderação, máxime porque a interpretação ampliativa poderá acoimar de ímprobas condutas meramente irregulares, suscetíveis de correção administrativa e, a fortiori, ir além do que o legislador pretendeu." (STJ - 1ª Turma, REsp. 980.706/RS. Rel. Min. Luiz Fux - DJe 23/02/2011). 10. O discurso da inicial é apenas uma proposta de condenação, que não pode ser aceita sem provas inequívocas. Para que um ato seja considerado ímprobo é indispensável que a conduta venha informada pela má-fé, pelo propósito malsão, pela desonestidade no trato da coisa pública, com o nítido objetivo de lesar o erário, ou de violar os princípios da administração, o que não restou comprovado nos autos. 11. A improbidade administrativa é uma espécie de moralidade qualificada pelo elemento desonestidade, que pressupõe a conduta intencional, dolosa, a má-fé do agente ímprobo. A configuração do ato de improbidade exige que haja, no mínimo, a voluntariedade do agente público, não se contentando com a mera conduta culposa. A má-fé, caracterizada pelo dolo, é que deve ser apenada. 12. Embora a omissão na prestação de contas junto ao SIOPS tenha sido demonstrada, o elemento condicionante da conduta tipificada pela norma do inciso VI do art. 11 da Lei n. 8.429/92 (alterado pela Lei n. 14.230/2021) - consistente com o dolo específico de ocultar irregularidades - não restou evidenciado. 13. Tal como ocorre na ação penal, onde a insuficiência de provas leva à absolvição (art. 386, VII - CPP), o mesmo deve suceder na ação de improbidade administrativa, dado o estigma das pesadas sanções previstas na Lei n. 8.429/92, econômicas e políticas, e até mesmo pela dialética do ônus da prova. 14. Preliminares rejeitadas. Apelação provida. Sentença parcialmente reformada. Improcedência (in totum) da ação. (AC 0001795-81.2017.4.01.4300, TRF1, Quarta Turma, Rel. Juiz Federal convocado Saulo José Casali Bahia, e-DJF1 05/07/2022). ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA POR IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. ART. 11, INCISO VI, DA LEI Nº 8.429/92. ALTERAÇÕES DA LEI Nº 14.230/2021. DOLO ESPECÍFICO NÃO CONFIGURADO. RECURSO PROVIDO. 1. A Ação Civil Pública por Improbidade Administrativa imputa ao Requerido a prática de ato que viola princípios administrativos, tipificado no art. 11, inciso VI, da Lei nº 8.429/92. (...) 4. A Lei nº 8.429/92, após a reforma promovida pela Lei nº 14.230/2021, que inseriu o § 1º ao art. 1º, exige a presença do elemento subjetivo dolo para a configuração dos atos de improbidade administrativa tipificados nos arts. 9º, 10 e 11 da Lei. Ademais, o § 2º do art. 1º e o § 1º do art. 11, ambos da Lei nº 8.429/92, exigem o especial fim de agir. 5. Como resultado da incidência dos princípios do direito administrativo sancionador no sistema de improbidade administrativa disciplinado pela Lei nº 8.429/92, para situações que ainda não foram definitivamente julgadas, as novas disposições que tenham alterado os tipos legais que definem condutas ímprobas devem ser aplicadas de imediato, caso beneficiem o réu. 6. Não há prova do dolo específico do agente público quanto à omissão na prestação de contas. Logo, deve ser reformada a sentença. 7. Recurso provido. Improcedência da ação de improbidade administrativa. (AC 1002217-95.2019.4.01.4000, TRF1, Décima Turma, Rel. Des. Fed. Marcus Vinicius Reis Bastos, PJe 24/07/2024). Ademais, a jurisprudência é firme no sentido de que a improbidade administrativa não se confunde com a mera ilegalidade do ato ou a inabilidade do agente público que o pratica, porquanto o ato ímprobo, além de ilegal, é pautado pela desonestidade, deslealdade funcional e má-fé. A propósito: PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. DISPENSA DE LICITAÇÃO. PROGRAMA DE ASSISTÊNCIA FARMACÊUTICA. SUPERFATURAMENTO NÃO EVIDENCIADO. PROGRAMA PAB FIXO. APLICAÇÃO DE RECURSOS EM PROCEDIMENTOS DE MÉDIA E ALTA COMPLEXIDADE. IRREGULARIDADE. NÃO COMPROVAÇÃO DE DANO AO ERÁRIO. DOLO NÃO DEMONSTRADO. PRELIMINAR DE PRESCRIÇÃO AFASTADA. PROVIMENTO DAS APELAÇÕES. SENTENÇA REFORMADA. IMPROCEDÊNCIA DA AÇÃO. 1. A ação foi proposta pelo Ministério Público Federal em face dos apelantes (ex-prefeito de Araguaiana/MT e particular), em razão de suposta dispensa indevida de licitação para a aquisição de medicamentos (Programa de Assistência Farmacêutica), com indicativo de superfaturamento de preços; e em face apenas do ex-prefeito, por desvio de finalidade na aplicação dos recursos da Atenção Básica (Programa PAB Fixo), utilizados em procedimentos de média e alta complexidades. 2. A sentença julgou parcialmente procedente o pedido, condenando ambos os apelantes nas seguintes sanções (art. 12, II, da lei n. 8.429/92): (i) ressarcimento ao erário, no valor de R$ 20.857,57, relativo ao Programa de Assistência Farmacêutica, a ser corrigido; (ii) suspensão dos direitos políticos, pelo prazo de 5 (cinco) anos; e (iii) proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de 5 (cinco) anos. Aplicou, ainda, ao ex-prefeito as sanções de ressarcimento do valor de R$ 71.127,59, relativo ao Programa PAB Fixo, a ser corrigido; e pagamento de multa civil no valor de 3 (três) remunerações do cargo de prefeito, relativo à época dos fatos. (…) 5. O art. 10, caput, da Lei n. 8.429/92, com a redação dada pela Lei n. 14.230/21, estabelece que "Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão dolosa, que enseje, efetiva e comprovadamente, perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º desta Lei: [...]", referindo-se em seu inciso VIII à conduta de "frustrar a licitude de processo licitatório ou de processo seletivo para celebração de parcerias com entidades sem fins lucrativos, ou dispensá-los indevidamente, acarretando perda patrimonial efetiva". 6. A despeito da impropriedade apontada pela CGU - dispensa de licitação para aquisição de medicamentos em único estabelecimento farmacêutico no município -, o fato é que a frustração à licitação, presente no inciso VIII do art. 10 da Lei n. 8.429/92, está atrelada à existência de conduta dolosa, apta a ensejar perda patrimonial efetiva, não se configurando com ilações ou eventuais inconformidades formais no procedimento licitatório. 7. Não há nos autos demonstração de inexecução do objeto do Programa, ou de danos efetivos aos cofres públicos. Os fatos expressam meras desconformidades formais licitatórias, sem propósitos malsãos, o que configura uma atipicidade administrativa que não teve, nas circunstâncias do caso, o condão de assumir o qualificativo de ato de improbidade administrativa, que pressupõe má-fé e desonestidade do agente no trato da coisa pública, o que não ficou comprovado. 8. O fato de terem sido apurados, pela CGU, em relação a alguns itens confrontados, valores menores do que os praticados pela farmácia contratada, não comprova ipso facto a existência de superfaturamento: não há evidências de fraude na coleta de preços, mediante combinação e/ou ajuste entre os demandados, com o dolo de causar enriquecimento ilícito, desvio de verbas ou perda patrimonial efetiva. 9. Ao autor competia, em prova pericial, demonstrar que os preços oficiais, nos quais se baseou a Controladoria, deveriam ser amplamente utilizados e, ainda, que os valores orçados pelo estabelecimento farmacêutico teriam sido inadequados ou incompatíveis com os preços praticados no mercado (levando-se em conta o fato de o município estar localizado fora da região metropolitana). 10. No que diz com a imputação de conduta ímproba ao ex-prefeito em razão da aplicação das verbas do Programa de Atendimento Básico - PAB em despesas não elegíveis (serviços de média e alta complexidade), embora o fato seja indicativo de irregularidade formal, não comprova a existência de improbidade, à míngua de demonstração de dano. Não obstante a impropriedade vê-se que restou mantida a destinação pública de tais recursos, uma vez que aplicados em benefício da população. 11. A ausência de registro do nome dos pacientes e dos exames efetuados nas notas fiscais expedidas e nos respectivos empenhos afeiçoa-se à mera irregularidade, que não se eleva à categoria de atos de improbidade administrativa, mormente porque não evidenciada a prática de conduta dolosa. 12. Não se pode confundir meras faltas administrativas com as graves faltas sujeitas às severas sanções da Lei n. 8.429/92, aplicadas apenas quando a atuação do administrador destoe nitidamente dos princípios que regem a Administração Pública, em especial, a legalidade e a moralidade, transgredindo os deveres de retidão e lealdade ao interesse público. Todo ato ímprobo é um ato ilícito, irregular, mas nem todo ato ilícito ou irregular constitui ato de improbidade. 13. Os relatórios da CGU têm muita importância como início de prova, para dar base à propositura da ação, mas, documentos unilaterais elaborados sem os auspícios do contraditório, por si só, não são aptos (em princípio) a conduzir a uma condenação por atos de improbidade, devendo, mesmo como peças administrativas revestidas de presunção juris tantum de legitimidade, receber o apoio de outros meios de prova, que não foram produzidos. 14. Tal como ocorre na ação penal, onde a insuficiência de provas leva à absolvição (art. 386, VII - CPP), o mesmo deve suceder na ação de improbidade administrativa, dado o estigma das pesadas sanções previstas na Lei n. 8.429/92, econômicas e políticas, e até mesmo pela dialética do ônus da prova. 15. Preliminar de prescrição afastada. Apelações providas. Sentença reformada. Improcedência (in totum) da ação. (AC 0027450-02.2009.4.01.3600, TRF1, Quarta Turma, Rel. Des. Fed. Olindo Menezes, e-DJF1 20/04/2023.) Diante do exposto, ainda que as condutas relatadas sejam administrativamente reprováveis, não há nos autos elementos que comprovem de forma segura a ocorrência de dano efetivo ao erário ou a existência do dolo específico. Assim, devem ser afastadas as imputações dos arts. 10, caput, e 11, caput e VI da LIA em relação ao ex-prefeito Hamilton Alves Villar, bem como dos arts. 10, caput, e 11, caput e I quanto ao ex-tesoureiro Carlos David Rebouças de Oliveira, com a consequente improcedência da ação de improbidade. Ante o exposto, dou provimento às apelações para, reformando a sentença, julgar improcedente o pedido. É o voto. Desembargador Federal MARCOS AUGUSTO DE SOUSA Relator PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO GAB. 11 - DESEMBARGADOR FEDERAL MARCOS AUGUSTO DE SOUSA Processo Judicial Eletrônico APELAÇÃO CÍVEL (198) 0012634-46.2012.4.01.3200 ASSISTENTE: UNIÃO FEDERAL APELANTE: CARLOS DAVID REBOUCAS DE OLIVEIRA, HAMILTON ALVES VILLAR Advogado do(a) APELANTE: EDUARDO KARAM SANTOS DE MORAES - AM9385-A Advogado do(a) APELANTE: IZABEL DE SOUZA OLIVEIRA - AM3610-A APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL EMENTA ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. FUNDO NACIONAL DE ASSISTÊNCIA SOCIAL - FNAS. APROPRIAÇÃO INDEVIDA. AUSÊNCIA DE PRESTAÇÃO DE CONTAS. ALTERAÇÕES NA LEI 8.429/1992 PELA LEI 14.230/2021. RETROATIVIDADE. POSSIBILIDADE NO CASO CONCRETO. STF, ARE 843.989/PR. TEMA 1.199. AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DO DANO EFETIVO. PRECEDENTES DO STJ E DO TRF1. ART. 11, CAPUT E INCISO I, DA LEI 8.429/1992. IMPOSSIBILIDADE DE CONDENAÇÃO ISOLADA. ROL TAXATIVO. REVOGAÇÃO. ATIPICIDADE. PRECEDENTES DO TRF1. DOLO ESPECÍFICO DE OCULTAR IRREGULARIDADES. INEXISTÊNCIA. PRECEDENTES DO TRF. NÃO CONFIGURAÇÃO DO ATO DE IMPROBIDADE. PRECEDENTES DO TRF1. SENTENÇA REFORMADA. APELAÇÕES PROVIDAS. 1. Recursos de apelação interpostos contra sentença que, nos autos de ação de improbidade administrativa ajuizada pelo MPF, julgou parcialmente procedente o pedido para condenar os apelantes pelos atos previstos nos arts. 10, caput, e 11, caput, I e VI, da Lei 8.429/1992. 2. Há duas questões em discussão: (i) saber se os atos imputados aos apelantes configuram improbidade administrativa, à luz da redação original da Lei 8.429/1992 e das alterações promovidas pela Lei 14.230/2021; e (ii) saber se estão presentes os elementos necessários à configuração dos tipos previstos nos arts. 10 e 11 da LIA, especialmente, o dano efetivo ao erário e o dolo específico. 3. A presente ação foi proposta ainda sob a redação original da Lei 8.429/1992, antes das alterações introduzidas pela Lei 14.230/2021, podendo esta ser aplicada às hipóteses anteriores à sua vigência, em circunstâncias específicas, respeitadas as balizas estabelecidas pelo STF no julgamento do ARE 843.989/PR, com repercussão geral (Tema 1.199). 4. As condutas atribuídas aos apelantes, notadamente saques em espécie e emissão de cheques ao portador, não foram acompanhadas de prova de que os recursos públicos tenham sido desviados para finalidades alheias ao interesse coletivo ou apropriados indevidamente. 5. A prova da irregularidade formal na movimentação bancária, desacompanhada da demonstração de dano concreto ou desvio de finalidade, revela-se insuficiente para sustentar a condenação por improbidade nos moldes exigidos atualmente pelo art. 10, caput, da Lei 8.429/1992. Precedentes. 6. Inexiste hoje a possibilidade de enquadramento da conduta somente no caput do art. 11 da LIA, porque tal dispositivo, isoladamente, não traz em si nenhum ato ou conduta que possa ser considerada ímproba e, portanto, só existe se vinculado a algum de seus incisos. Precedentes. 7. Houve a revogação do art. 11, I, da LIA, tornando atípica a conduta imputada ao apelante. 8. Após as alterações legislativas promovidas pela Lei 14.230/2021, apenas restará configurado o ato de improbidade por ausência de prestação de contas se o responsável detinha todas as condições necessárias para efetivá-las, mas não o fez conscientemente, buscando a ocultação de possíveis irregularidades. Precedentes. 9. Não foi demonstrado nos autos que o ex-prefeito tivesse à sua disposição os meios materiais e operacionais para promover a prestação de contas nos moldes exigidos, tampouco que tenha agido com a intenção de ocultar irregularidades ou impedir a fiscalização pública. 10. Apelações providas. ACÓRDÃO Decide a Turma, por unanimidade, dar provimento às apelações. 4ª Turma do TRF da 1ª Região - 1º/07/2025 (data do julgamento). Desembargador Federal MARCOS AUGUSTO DE SOUSA Relator
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