Processo nº 1002227-02.2024.8.11.0008
ID: 276420253
Tribunal: TJMT
Órgão: 2ª VARA DE BARRA DO BUGRES
Classe: AçãO CIVIL PúBLICA CíVEL
Nº Processo: 1002227-02.2024.8.11.0008
Data de Disponibilização:
22/05/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
MARLI GUARNIERI DE LIMA
OAB/MT XXXXXX
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ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO 2ª VARA DE BARRA DO BUGRES DECISÃO Processo: 1002227-02.2024.8.11.0008 AUTOR(A): MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO REU: EDNA DA SILVA VIEIRA Vistos. 1…
ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO 2ª VARA DE BARRA DO BUGRES DECISÃO Processo: 1002227-02.2024.8.11.0008 AUTOR(A): MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO REU: EDNA DA SILVA VIEIRA Vistos. 1. Trata-se de Ação Civil Pública Ambiental, ajuizada pelo Ministério Público do Estado de Mato Grosso, em desfavor de Edna da Silva Vieira, (qualificado nos autos), pretendendo, em síntese, obter medida condenatória consistente na indenização pecuniária pelos danos materiais ambientais, bem como pelos danos ambientais extrapatrimoniais causados. 2. Narra a exordial, em síntese, que, conforme consta nos autos do Inquérito Civil –instaurado em razão do recebimento do Auto de Infração n° 1542001423.2023, lavrado pela Secretaria de Estado de Meio Ambiente – SEMA/MT –, no imóvel rural, denominado “Sítio 5 Irmãs II”, de responsabilidade da parte Requerida, Sra. Edna da Silva Vieira, localizado na Comarca de Barra do Bugres-MT, foram constatadas degradações ambientais consistentes no desmatamento a corte raso de 9,3400 hectares de vegetação nativa do tipo Cerrado, em área especial de preservação, após 22/07/2008. Relata que a área desmatada foi objeto de embargo/interdição nº 1542001523, bem como fora elaborado o Relatório Técnico nº 0000005930.2023 pela SEMA/MT, sendo constatado que a degradação ocorrera em área de vegetação nativa, sem autorização, motivo pelo qual o órgão ambiental determinou a paralisação imediata da intervenção. 3. Assim, ajuizou a presente demanda, visando a reparação dos danos ambientais causados pela parte ré, requerendo a concessão das seguintes medidas, em caráter liminar: a) Não explorar economicamente as áreas passíveis de uso desmatadas sem autorização do órgão ambiental após 22/07/2008, até que haja a validação das informações do Cadastro Ambiental Rural - CAR confirmando a inexistência de passivo de Reserva Legal, conforme previsto no art. 3°, § 2° do Decreto Estadual n° 262/2019; b) Não realizar o uso produtivo das áreas irregularmente desmatadas após 22/07/2008, utilizando-as somente para a finalidade de recuperação ambiental; c) Espacializar e recuperar a ARL degradada ou alterada, mediante apresentação e execução do Projeto de Recuperação de Áreas Degradadas ou Alteradas (PRADA) aprovado pelo órgão ambiental estadual, visando atingir os indicadores ambientais constantes nos arts. 73 a 77 do Decreto n° 1.491/2018, conforme se tratem de formações florestais, savânicas ou campestres; d) Corrigir, complementar, zelar e cuidar dos indivíduos arbóreos, inclusive mediante a implementação de todos os ajustes, estudos complementares e retificações necessários para suplantar as impropriedades do Projeto de Recuperação de Áreas Degradadas ou Alteradas (PRADA), objetivando o atingimento dos indicadores ambientais constantes nos arts. 73 a 77 do Decreto n° 1.491/2018; e) Incluir no Projeto de Recuperação Ambiental da Área Degradada e/ou Alterada a área de ARL decorrente de desmatamento realizado antes de 22/07/2008, na hipótese de existência de passivo ambiental; f) Abster-se de promover novos desmatamentos não autorizados e manter todas as suas atividades poluidoras ou potencialmente poluidoras devidamente licenciadas; g) Seja decretada a indisponibilidade de bens do requerido, até o valor de R$ 53.584,51 (cinquenta e três mil, quinhentos e oitenta e quatro reais e cinquenta e um centavos), com o fim de garantir a efetividade e utilidade do provimento final (efetividade da proteção do meio ambiente), promovendo-se as seguintes medidas, sem prejuízo de outras posteriormente indicadas caso estas se mostrarem insuficientes: inclusão de ordem de bloqueio no BACEN-JUD; inclusão de ordem de bloqueio no RENAJUD; expedição de ofício a ANOREG solicitando seja informado se existem imóveis registrados em nome do demandado. Com a vinda dessas informações que seja providenciado o envio de ofício aos cartórios respectivos para anotação da indisponibilidade; expedição de ofício ao Banco Central, para que noticie a decisão de indisponibilidade às instituições financeiras, em face da existência de possíveis aplicações financeiras e/ou investimentos em nome do promovido, exceto se for possível efetivar o bloqueio imediato dos valores depositados em contas bancárias, em montante suficiente para a garantia do ressarcimento do dano ambiental, independentemente de ofício, por intermédio do sistema BACENJUD; expedição de ofício à Junta Comercial do Estado do Mato Grosso, para a indisponibilidade de todas as ações e/ou cotas sociais das empresas lá registradas das quais seja o requerido sócio, administrador ou usufrutuário de cotas/ações, com remessa a estes autos dos contratos sociais, no prazo de 05 (cinco) dias; expedição de ofício ao Instituto de Defesa Agropecuária – INDEA, com a determinação para que informe o número de animais registradas em nome do requerido, bem como indique a respectiva localização e realize a indisponibilidade; Seja oficiado o Banco Central com a ordem de suspensão da participação do requerido em linha de financiamentos em estabelecimentos oficiais de crédito, bem como em incentivos e benefícios fiscais concedidos pelo poder público; Seja oficiada a Secretaria de Estado de Meio Ambiente para que tome conhecimento dos termos desta decisão, da liminar eventualmente deferida e que realize a fiscalização da determinação de embargo judicial da área e sua anotação no Cadastro Ambiental Rural; A suspensão a incentivos e benefícios fiscais concedidos pelo Poder Público, além da suspensão de participação em linhas de financiamento em estabelecimentos oficiais de crédito, medidas estas que retiram estímulos à continuidade da exploração ilegal. 4. Ao final, pugnou pelo julgamento procedente da ação, para o fim de condenar a requerida ao pagamento de danos materiais irreversíveis causados, além do pagamento de danos extrapatrimoniais, a ser revertido em prol do Fundo Municipal do Meio Ambiente. 5. Com a inicial de Id. 161144977, págs. 01/25, colacionou documentos 6. Recebida a exordial (Id. 161252087), a liminar fora parcialmente concedida, sendo determinado à requerida suspender as atividades de exploração econômica nas áreas desmatadas irregularmente, assim como se abster de realizar novos desmatamentos não autorizados pelo órgão ambiental, e manter suas atividades potencialmente poluidoras devidamente licenciadas. No mais, fora determinada a sua citação, bem assim encaminhado os autos à audiência de conciliação. 7. Realizada a audiência de conciliação (Id. 174703320), esta restou infrutífera, haja vista que as partes não formularam acordo. 8. Devidamente citada (Id. 171061064), a requerida apresentou Contestação ao Id. 177168361, págs. 01/17, alegando, em suma, que não houve o desmatamento de área nativa, mas sim a remoção de área de pastagens, a qual argumenta que seria destinada ao plantio de mandioca para subsistência familiar. Ademais, aduz que não foram 9,3 hectares como alegado na inicial, arguindo possível ocorrência de erros em autuações baseados em imagem de satélite. Relata, ainda, que a mesma área era usada pela antiga possuidora para atividade pecuária entre o período de 2014 e 2019. Não obstante, argumenta que a lavratura do auto de infração ambiental não comprova a materialidade e autoria para a propositura de ação civil pública, tampouco obrigação de reparar ou indenizar, e, ainda, que não houve dano moral coletivo. Por fim, argumenta preliminar de inépcia da inicial, alegando que não fora realizada audiência de conciliação ambiental pela SEMA/MT e pelo Ministério Público anterior ao ajuizamento da ação. Assim, pugna pelo acolhimento das preliminares arguidas, e julgamento improcedente da demanda. 9. O Ministério Público apresentou Impugnação à Contestação ao Id. 178159734, págs. 01/05, afastando os argumentos da requerente quanto a alegada inépcia da exordial, anotando que a ausência de audiência de conciliação na fase extrajudicial não impede a composição, sobretudo, considerando que esta pode ser realizada a qualquer momento nos autos, bem assim fora designada pelo Juízo, sendo infrutífera. No mais, sustenta que os documentos apresentados pela SEMA/MT, revelam a autuação da requerida por ilícito ambiental, sendo suficientes para atestar a prática do ilícito e a responsabilidade da ré, bem como alega ser evidente que a conduta da parte requerida causou dano moral à coletividade, tratando-se de interesse difuso, cujo dano atinge a sociedade de forma indeterminada. Por fim, pugna pelo julgamento antecipado da demanda, com a procedência de todos os pedidos iniciais. 10. Vieram-me os autos conclusos. É o Relatório. Fundamento e Decido. 11. Trata-se de Ação Civil Pública Ambiental, ajuizada pelo Ministério Público do Estado de Mato Grosso, em desfavor de Edna da Silva Vieira, (qualificado nos autos), pretendendo, em síntese, obter medida condenatória consistente na indenização pecuniária pelos danos materiais ambientais, bem como pelos danos ambientais extrapatrimoniais causados. 12. Primeiramente, impende destacar, que os fatos foram provados por documentos, não sendo necessário, portanto, a designação de audiência instrução, motivo pelo qual procedo ao julgamento antecipado da lide, nos termos do artigo 355, inciso I, do Novo Código de Processo Civil, uma vez que as provas juntadas aos autos são seguras e conclusivas, não havendo necessidade de se produzir provas em audiência, com fundamento no princípio da economia processual. 13. Dispõe o artigo 355, I, do Código de Processo Civil, que: “O juiz julgará antecipadamente o pedido, proferindo sentença com resolução de mérito, quando: I - não houver necessidade de produção de outras provas; (...)” 14. Ademais, em tais casos, diz a Jurisprudência: “Presentes as condições que ensejam o julgamento antecipado da causa, é dever do juiz, e não mera faculdade, assim proceder.” (REsp 2.832-RJ, STJ, 4ª. Turma, DJU de 17.09.90) “Processo civil - Cerceamento de defesa - Julgamento antecipado da lide. Inexiste cerceamento se os fatos alegados haveriam de ser provados por documentos, não se justificando a designação de audiência.” (REsp 1.344-RJ, Rel. Min. Eduardo Ribeiro, DJU de 4.12.89) 15. Ainda: “O juiz é o destinatário da prova, submetendo-se a seu prudente arbítrio a ponderação da necessidade da dilação instrutória, sem risco de lesar direito da parte, se o feito contém elementos suficientes para embasar sua convicção”. (TJSC – Apelação cível nº 97.003339-7, da Capital, Rel. Des. Francisco Borges). 16. Em que pese o feito estar sendo julgado de maneira antecipada, no caso em tela, não representa cerceamento de defesa ou violação ao princípio do contraditório, pois há nos autos elementos suficientes para que a decisão seja proferida, evitando-se que a causa tenha seu desfecho retardado. 17. Humberto Theodoro Júnior ensina que essa regra “harmoniza-se com a preocupação de celeridade que deve presidir à prestação jurisdicional, e que encontra regra pertinente ao art. 125, nº II, que manda o Juiz “velar pela rápida solução do litígio”, e no art. 130 que recomenda indeferir “as diligências inúteis ou meramente protelatórias” (Curso de Direito Processual Civil, vol. I, 47ª. Ed., Ed. Forense, 2007, p. 463). 18. No mesmo sentido é o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, litteris: “Inexiste cerceamento de defesa se os fatos alegados haveriam de ser provados por documentos, não se justificando a designação de audiência” (STJ-3° Turma, REsp 1.344-RJ, rel. Min. Eduardo Ribeiro, DJU 4.12.89) 19. Compulsando os autos, anote-se que a parte requerida foi devidamente citada, consoante Certidão – Id. 171061064, apresentando Contestação ao Id. 177168361, págs. 01/17, oportunidade na qual arguiu preliminar de inépcia da inicial, sob o argumento de que não foi realizada audiência de conciliação ambiental pela SEMA/MT, tampouco pelo Ministério Público, antes da propositura da presente demanda. Entretanto, tem-se que tal argumento não deve prosperar, mormente, considerando que, ainda que não realizada a audiência de conciliação anteriormente, como alegado pela parte requerida, a aludida audiência fora oportunizada desde o despacho inaugural proferido na presente ação (Id. 161252087), sendo devidamente designada pelo Centro de Judiciário de Solução de Conflitos e Cidadania – CEJUSC desta Comarca, e realizada em 06 de novembro de 2024, todavia, restando infrutífera, haja vista que as partes não formularam acordo (Termo de audiência – Id. 174703320). 20. Não obstante, registre-se que a nova Lei Processual Civil prima pela cooperação entre as partes para a solução amigável da demanda, de modo que as partes podem acordaram entre si a qualquer tempo, na forma do art. 3º, § 2º e § 3º, e art.139, inciso V, ambos do Código de Processo Civil. Dessa forma, não se desincumbiu a parte demandada na comprovação de causa excludente de sua responsabilidade ou, ainda, fato impeditivo, extintivo ou modificativo do direito do direito do autor, conforme dispõe art. 373, inciso II, do CPC. 21. No mais, presentes as condições da ação e os pressupostos processuais de existência e validade, inexistindo quaisquer nulidades ou irregularidades que devam ser declaradas ou sanadas, bem como demais preliminares ou questões prévias que pendam de apreciação, passo a analisar o mérito. 22. De proêmio, anoto que desde a “Declaração do Meio Ambiente” (ONU/UNESCO, Estocolmo, 1972, artigo 1º), a proteção jurídica do ambiente passou a ser uma realidade: “Todo o ser humano tem direito a um ambiente sadio em que possa viver”. 23. No caso em apreço, é forçoso destacar que a saúde, assim como a educação, o trabalho, o lazer e a segurança, foi incluída pelo legislador constituinte na Constituição Federal de 1988 como um direito fundamental do cidadão (CF, artigo 6.º), estipulando-se, ao mesmo tempo, ser dever do Estado garanti-lo a cada um dos brasileiros (CF, artigo 196). 24. A Constituição Federal, em seu artigo 225, prevê a efetiva garantia: “Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”. 25. Norma reiterada pela Constituição do Estado de Mato Grosso, em seu artigo 263 e parágrafos. 26. Na medida em que cresce a degradação irracional ao meio ambiente, em especial o natural, afetando negativamente a qualidade de vida das pessoas e colocando em risco as futuras gerações, torna-se curial a maior e eficaz tutela dos recursos ambientais pelo Poder Público e por toda a coletividade. 27. É preciso compreender que o crescimento econômico não poderá ser ilimitado, pois depende diretamente da disponibilidade dos recursos ambientais naturais, que são limitados, já podendo, inclusive, ter ultrapassado os lindes da sustentabilidade. 28. Decerto, o modo de produção capitalista e a implantação de uma sociedade de consumo de massa são fatores decisivos para a elevação da poluição neste planeta, em que muitos milhões de pessoas possuem bem mais do que necessitam para ter uma existência digna, enquanto outros tantos milhões continuam a passar as necessidades mais básicas. 29. Nessa esteira, será preciso que o Poder Público intensifique as suas políticas públicas ambientais, que normalmente são de três naturezas: as regulatórias, consistentes na elaboração de normas jurídicas que regulam a utilização dos recursos naturais, bem como as instituições responsáveis pela fiel execução das leis ambientais; as estruturadoras, realizadas mediante a intervenção estatal direta na proteção ambiental, como a criação de espaços territoriais especialmente protegidos pelos entes políticos; as indutoras, em que o Poder Público adota medidas para fomentar condutas em prol do equilíbrio ambiental, com a utilização de instrumentos econômicos como a tributação ambiental, que visa estimular condutas com um tratamento privilegiado em favor daqueles que reduzem a sua poluição, por meio da extrafiscalidade. 30. No Brasil, de acordo com o artigo 2.º, da Lei 9.985/2000, norma que disciplina as unidades de conservação (espaços ambientais protegidos), a conservação da natureza é “o manejo do uso humano da natureza, compreendendo a preservação, a manutenção, a utilização sustentável, a restauração e a recuperação do ambiente natural, para que possa produzir o maior benefício, em bases sustentáveis, às atuais gerações, mantendo seu potencial de satisfazer as necessidades e aspirações das gerações futuras, e garantindo a sobrevivência dos seres vivos em geral. 31. A definição legal do meio ambiente se encontra insculpida no artigo 3.º, I, da Lei 6.938/1981, que pontifica que o meio ambiente é “o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas”. 32. Aliás, o próprio Conselho Nacional do Meio Ambiente – CONAMA nos trouxe um conceito de meio ambiente mais completo do que o posto na Lei 6.938/1981, englobando o patrimônio cultural e artificial, o definindo como o “conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química, biológica, social, cultural e urbanística, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas. 33. Outrossim, a definição de Direito Ambiental também não é simples, gozando da mesma dificuldade da conceituação do meio ambiente. É possível defini-lo como ramo do direito público composto por princípios e regras que regulam as condutas humanas que afetem, potencial ou efetivamente, direta ou indiretamente, o meio ambiente, quer o natural, o cultural ou o artificial. 34. Objetiva o Direito Ambiental no Brasil especialmente o controle da poluição, a fim de mantê-la dentro dos padrões toleráveis, para instituir um desenvolvimento econômico sustentável, atendendo as necessidades das presentes gerações sem privar as futuras da sua dignidade ambiental, pois um dos princípios que lastreiam a Ordem Econômica é a Defesa do Meio Ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação. 35. Na interpretação da legislação ambiental, é justo destacar a posição adotada pelo STJ na defesa do meio ambiente, pois essa Corte vem dando enormes contribuições para a preservação ambiental e a implantação do desenvolvimento sustentável, por meio da tomada de decisões vanguarda. 36. De acordo com o Ministro Humberto Martins, “a interpretação das normas que tutelam o meio ambiente não comporta apenas, e tão somente, a utilização de instrumentos estritamente jurídicos, pois é fato que as ciências relacionadas ao estudo do solo, ao estudo da vida, ao estudo da química, ao estudo da física devem auxiliar o jurista na sua atividade cotidiana de entender o fato lesivo ao Direito Ambiental” (Passagem de voto no AgRg nos EDcl no Recurso Especial 1.094.873 – SP). 37. Essa correta observação do Ministro retrata o caráter multidisciplinar do Direito Ambiental, que exige que o intérprete tenha conhecimentos mínimos das ciências ambientais não jurídicas, sob pena de não compreender o sentido e o alcance real das normas ambientais. 38. Por tudo isso, a atual interpretação que o STJ perpetrou do artigo 27, do antigo Código Florestal, é um excelente exemplo concreto de como deve se operar a revelação do sentido e do alcance de uma norma ambiental, tomada em um momento de grave crise ambiental e que exige do exegeta uma posição arrojada em prol da defesa ambiental, com base em uma hermenêutica jurídica específica para o Direito Ambiental. 39. É que a interpretação das regras e princípios ambientais é tão peculiar que justifica o desenvolvimento de uma hermenêutica especial, a exemplo da adoção da máxima in dubio pro ambiente, sendo defensável que o intérprete, sempre que possível, privilegie o significado do enunciado normativo que mais seja favorável ao meio ambiente. 40. De acordo com o STJ, “as normas ambientais devem atender aos fins sociais a que se destinam, ou seja, necessária a interpretação e a integração de acordo com o princípio hermenêutico in dubio pro natura” (REsp 1.367.923, de 27.08.2013). 41. Nesse caminho, vale transcrever o posicionamento de JOSÉ RUBENS MORATO LEITE e de GERMANA BELCHIOR, fundado da doutrina do mestre Canotilho: “É viável a utilização do in dubio pro ambiente ou interpretação mais amiga do ambiente, expressão esta utilizada por Canotilho, o que não acarreta em uma visão radical na defesa do meio ambiente. Aponta o doutrinador lusitano que o princípio da interpretação mais amiga do ambiente, ‘como expresso ou ratio da maioria das normas jurídicas aplicáveis ao caso, é inatacável, não goza, em termos apriorísticos e abstractos, de uma prevalência absoluta”. (Estado de Direito Ambiental: uma análise da recente jurisprudência ambiental do STJ sob o enfoque na hermenêutica jurídica. Revista de Direito Ambiental. São Paulo: RT, v. 56, 2009). 42. De acordo com o STJ, no julgamento do Recurso Especial 1.198.727, de 14.08.2012, “a legislação de amparo dos sujeitos vulneráveis e dos interesses difusos e coletivos deve ser interpretada da maneira que lhes seja mais favorável e melhor possa viabilizar, no plano da eficácia, a prestação jurisdicional e a ratio essendi da norma. A hermenêutica jurídico-ambiental rege-se pelo princípio in dubio pro natura”. 43. Outrossim, uma série de princípios ambientais vem listada no artigo 3.º, da Lei 12.187/2009, que aprovou a Política Nacional sobre Mudança do Clima: princípios da precaução, da prevenção, da participação cidadã, do desenvolvimento sustentável e das responsabilidades comuns, porém diferenciadas, este último, no âmbito internacional. 44. Posteriormente, o artigo 6.º, da Lei 12.305/2010, que instituiu a Política Nacional de Resíduos Sólidos, previu os seguintes princípios ambientais: prevenção, precaução, poluidor-pagador, protetor-recebedor, a visão sistêmica (na gestão dos resíduos sólidos, que considere as variáveis ambiental, social, cultural, econômica, tecnológica e de saúde pública), desenvolvimento sustentável, ecoeficiência (mediante a compatibilização entre o fornecimento, a preços competitivos, de bens e serviços qualificados que satisfaçam as necessidades humanas e tragam qualidade de vida e a redução do impacto ambiental e do consumo de recursos naturais a um nível, no mínimo, equivalente à capacidade de sustentação estimada do planeta), entre outros. 45. O Princípio da Prevenção está implicitamente consagrado no artigo 225, da CRFB, e presente em resoluções do CONAMA, já se tem base científica para prever os danos ambientais decorrentes de determinada atividade lesiva ao meio ambiente, devendo-se impor ao empreendedor condicionantes no licenciamento ambiental para mitigar ou elidir os prejuízos. 46. Saliente-se que é um dos objetivos da Política Nacional do Meio Ambiente “a imposição, ao poluidor e ao predador, da obrigação de recuperar e/ou indenizar os danos causados e, ao usuário, da contribuição pela utilização de recursos ambientais com fins econômicos”, nos moldes do inciso VII, do artigo 4.º, da Lei 6.938/1981. 47. O princípio da Solidariedade Intergeracional encontra-se fundamento na parte final do caput do artigo 225 da CRFB, as presentes gerações devem preservar o meio ambiente e adotar políticas ambientais para a presente e as futuras gerações, não podendo utilizar os recursos ambientais de maneira irracional de modo que prive seus descendentes do seu desfrute. Não é justo utilizar recursos naturais que devem ser reservados aos que ainda não existem. 48. Sob essa perspectiva, informa o Princípio 03, da Declaração do RIO: “O direito ao desenvolvimento deve ser exercido de modo a permitir que sejam atendidas equitativamente as necessidades de desenvolvimento e de meio ambiente das gerações presentes e futuras”. 49. Este princípio já foi reconhecido expressamente pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, consoante passagem colacionada do julgamento do recurso especial 647.493, de 22.05.2007: “Recurso especial. Ação civil pública. Poluição ambiental. Empresas mineradoras. Carvão mineral. Estado de Santa Catarina. Reparação. Responsabilidade do Estado por omissão. Responsabilidade solidária. Responsabilidade Subsidiária. 1. A responsabilidade civil do Estado por omissão é subjetiva, mesmo em se tratando de responsabilidade por dano ao meio ambiente, uma vez que a ilicitude no comportamento omissivo é aferida sob a perspectiva de que deveria o Estado ter agido conforme estabelece a lei. 2. A União tem o dever de fiscalizar as atividades concernentes à extração mineral, de forma que elas sejam equalizadas à conservação ambiental. Esta obrigatoriedade foi alçada à categoria constitucional, encontrando-se inscrita no artigo 225, §§ 1.º, 2.º e 3.º da Carta Magna. 3. Condenada a União a reparação de danos ambientais, é certo que a sociedade mediatamente estará arcando com os custos de tal reparação, como se fora autoindenização. Esse desiderato apresenta-se consentâneo com o princípio da equidade, uma vez que a atividade industrial responsável pela degradação ambiental – por gerar divisas para o país e contribuir com percentual significativo de geração de energia, como ocorre com a atividade extrativa mineral – a toda a sociedade beneficia”. 50. Além dos princípios já mencionados, chamo atenção para o Princípio da Obrigatoriedade da Proteção Ambiental que inspirou parcela do caput do artigo 225 da CRFB, pois é dever irrenunciável do Poder Público promover a proteção do meio ambiente, por ser bem difuso (de todos, ao mesmo tempo), indispensável à vida humana sadia e também da coletividade. 51. Deverá o Estado atuar como agente normativo e regulador da Ordem Econômica Ambiental, editando normas jurídicas e fiscalizando de maneira eficaz o seu cumprimento. 52. Por essa razão, entende-se que o exercício do poder de polícia ambiental é vinculado (em regra), inexistindo conveniência e oportunidade na escolha do melhor momento e maneira de sua exteriorização. Outrossim, pelo bem ambiental ser indisponível e autônomo, em regra não poderá ser objeto de transação judicial. 53. Segundo o mestre Paulo Affonso Leme Machado (2009, p. 60-62) é importante destacar o Princípio do Direito à Sadia Qualidade de Vida como evolução do tradicional direito fundamental à vida, vez que é preciso uma existência com qualidade de vida, que pressupõe condições ambientais dignas, sem as quais não se terá sequer uma saúde pública. Aponta, ainda, o Princípio da Reparação (2009, p. 93-94) que prega a necessidade de restauração ou compensação dos danos ambientais, sendo objetiva esta responsabilidade civil no Brasil (artigo 14, § 1.º, da Lei 6.938/1981). Este princípio já foi reconhecido expressamente pelo Tribunal Regional Federal da 1.ª Região, vejamos: Ambiental. Dano ambiental. Ação civil pública. Área degradada. Atribuições do IBAMA. Legitimidade para o ajuizamento da ação coletiva. Desmatamento. Regeneração natural e recuperação. Princípio da reparação integral. Proteção especial do meio ambiente. Art. 225 da Constituição. 1. O art. 2.º da Lei n. 7.735/1989 atribuiu ao IBAMA a preservação e conservação do meio ambiente, estando a autarquia federal legitimada para, no exercício da função que lhe cabe, o ajuizamento de ação coletiva na defesa do meio ambiente, tal como prevê os art. 1.º, I e 3.º da Lei 7.347/1985. 2. Comprovado o dano ambiental e o ato ilícito, cumpre ao causador o dever de repará-lo. 3. O meio ambiente goza de proteção especial, prevista no art. 225 da Constituição. Daí exsurge o princípio da reparação integral em caso de degradação. 4. A regeneração natural da reserva legal é um procedimento demorado e tem sentido apenas se se tratar de pequenos espaços. Se o tamanho da área desmatada não é pequeno (375 hectares no caso), a reparação deve se dar por meio da recuperação ambiental” (AC 2006.41.00.002874-8, de 20.07.2011). 54. É forçoso destacar que um ato ilegal praticado contra o meio ambiente não se convalida pelo decurso do tempo, devendo ser combatido, mesmo que gere uma situação consolidada. 55. Assim, a Teoria do Fato Consumado não se aplica ao Direito Ambiental, conforme declarado pelo STF, no julgamento do RE 609.748 AgR/RJ, de 23.08.2011: “Agravo regimental no Recurso Extraordinário. Direito ambiental. Mandado de segurança. Ausência de licença ambiental. Matéria infraconstitucional. Reexame de fatos e provas. Inaplicabilidade da teoria do fato consumado. 1. A competência do IBAMA para fiscalizar eventuais infrações ambientais está disciplinada em lei infraconstitucional (Lei 9.605/1998), eventual violação à Constituição é indireta, o que não desafia o apelo extremo. Precedentes: AI 662.168, Rel. Min. Joaquim Barbosa, DJe de 23.11.2010, e o RE 567.681-AgR, Rel. Min. Cármen Lúcia, 1.ª Turma, DJe de 08.05.2009. 2. In casu, o Tribunal de origem asseverou não ter a recorrente trazido prova pré-constituída da desnecessidade de licenciamento ambiental; para dissentir-se desse entendimento seria necessário o reexame de fatos e provas, providência vedada nesta instância mercê o óbice da Súmula n. 279 do Supremo Tribunal Federal, verbis: “Para simples reexame de prova não cabe recurso extraordinário”. 3. A teoria do fato consumado não pode ser invocada para conceder direito inexistente sob a alegação de consolidação da situação fática pelo decurso do tempo. Esse é o entendimento consolidado por ambas as turmas desta Suprema Corte. Precedentes: RE 275.159, Rel. Min. Ellen Gracie, Segunda Turma, DJ 11.10.2001; RMS 23.593-DF, Rel. Min. MOREIRA ALVES, Primeira Turma, DJ de 02/02/01; e RMS 23.544-AgR, Rel. Min. Celso de Mello, Segunda Turma, DJ 21.6.2002. 4. Agravo regimental a que se nega provimento”. 56. A Lei 4771/65, que institui o Código Florestal, por sua vez, em seu artigo 22, trata da responsabilidade municipal pela a fiscalização das questões referentes às áreas de preservação ambiental de interesse local, senão vejamos: A União, diretamente, através do órgão executivo específico, ou em convênio com os Estados e Municípios, fiscalizará a aplicação das normas deste Código, podendo, para tanto, criar os serviços indispensáveis. Parágrafo único: Nas áreas urbanas, a que se refere o parágrafo único do art. 2º desta Lei, a fiscalização é de competência dos municípios, atuando a União supletivamente.” 57. José Afonso da Silva ensina que o "meio ambiente é, assim, a interação do conjunto de elementos naturais, artificiais e culturais que propiciem o desenvolvimento equilibrado da vida em todas as suas formas. A integração busca assumir uma concepção unitária do ambiente compreensiva dos recursos naturais e culturais” (Direito ambiental constitucional, p. 2., 2007). 58. Ainda é necessário salientar, que no artigo 225 da Constituição Federal em seu §3º, é disposto, que as pessoas físicas ou jurídicas, que se submetam a praticar condutas lesivas ao meio ambiente, estão sujeitas a sanções penais e administrativas. Senão vejamos: § 3º As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados. 59. Por fim, é imperioso destacar que a lei 6.938/81, nos termos dos artigos 3°, IV, e 14 e seu §1º, estabelece a responsabilidade objetiva pela degradação ambiental. Senão vejamos: Art. 3º Para os fins previstos nesta Lei, entende-se por: IV - poluidor: a pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, responsável, direta ou indiretamente, por atividade causadora de degradação ambiental; Art. 14. Sem prejuízo das penalidades definidas pela legislação federal, estadual e municipal, o não cumprimento das medidas necessárias à preservação ou correção dos inconvenientes e danos causados pela degradação da qualidade ambiental sujeitará os transgressores: I - à multa simples ou diária, nos valores correspondentes, no mínimo, a 10 (dez) e, no máximo, a 1.000 (mil) Obrigações Reajustáveis do Tesouro Nacional - ORTNs, agravada em casos de reincidência específica, conforme dispuser o regulamento, vedada a sua cobrança pela União se já tiver sido aplicada pelo Estado, Distrito Federal, Territórios ou pelos Municípios; II - à perda ou restrição de incentivos e benefícios fiscais concedidos pelo Poder Público; III - à perda ou suspensão de participação em linhas de financiamento em estabelecimentos oficiais de crédito; IV - à suspensão de sua atividade. § 1º Sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o poluidor obrigado, independentemente de existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade. O Ministério Público da União e dos Estados terá legitimidade para propor ação de responsabilidade civil e criminal por danos causados ao meio ambiente." 60. No caso em apreço, verifica-se que a Promotoria de Justiça do Estado de Mato Grosso demonstrou a violação e degradação do meio ambiente por parte da requerida, a partir do Auto de Infração nº 1542001423 (Id. 161144979, págs. 01/05); Termo de Embargo/Interdição nº 1542001523 (Id. 161144979, págs. 06/07); Relatório Técnico elaborado pela Secretaria de Estado de Maio Ambiente – SEMA/MT nº 0000005930 (Id. 161144979, págs. 08/13); Recibo de Inscrição CAR – MT (Id. 161144979, págs. 19/25); Nota Técnica Ambiental nº 03/2022 (Id. 161144979, págs. 26/36) e Relatório Técnico sobre valoração monetária dos danos ambientais causados por desmatamento nº 907/2024 (Id. 161144979, págs. 37/41), ambos elaboradas pelo Centro de Apoio Técnico à Execução Ambiental – CAEx Ambiental. 61. Não obstante, no que se refere ao dano moral coletivo, tenho que estão preenchidos os seus requisitos. 62. A possibilidade de condenação judicial por dano moral coletivo tem fundamento no artigo 1º, caput e inciso I, da Lei 7.347, de 24 de julho de 1985: “Art. 1º Regem-se pelas disposições desta Lei, sem prejuízo da ação popular, as ações de responsabilidade por danos morais e patrimoniais causados: I- ao meio-ambiente; II- ao consumidor; (...)". [g.n.]. 63. A possibilidade legal é cristalina. Não olvido da discussão doutrinária e até mesmo jurisprudencial sobre a possibilidade ou não de existência de danos morais coletivos. Filio-me à corrente que vê na sociedade um corpo como consciência de valores próprios da coletividade, na senda do que era a cidade antiga para os povos itálicos e gregos (Cf. Fustel de Coulanges, A cidade antiga), afastada a questão da religiosidade. "A coletividade é titular de valores materiais e imateriais protegidos pelo sistema jurídico, mas que não se confundem com o patrimônio material ou moral dos indivíduos que a compõem. Existem valores próprios da coletividade, tais como a dignidade, honra, bom nome, reputação, tradição, paz, tranqüilidade, liberdade, dentre outros aspectos relacionados aos direitos da personalidade." (Héctor Valverde Santana, in Dano moral no direito do consumidor, biblioteca de Direito do Consumidor- 38, Coord. Antônio Herman V. Benjamin e Claudia Lima Marques, Ed. Revista dos Tribunais, p. 170). 64. A Constituição da República protege direitos transindividuais, intergeracionais até, o que nos leva a creditar a tese de abalo moral praticado contra a coletividade, atingida de modo difuso nos valores e princípios que a governam; do que é exemplo maior a corrupção e a impunidade. Quem não se indigna com as notícias de corrupção diuturnas, que tornam os homens de bem descrentes da Justiça e da moral, vendo triunfar a bandalheira enquanto a Justiça, personificada na Deusa Thêmis (Grega) ou Iustitia (Romada), resta prostrada no chão, abatida pela incúria, pela cupidez, pela vilania. "Importante é, também, destacar que esse grupo não corresponde a uma pessoa de existência ideal. O titular do direito atingido nem é uma pessoa individual, ou mesmo uma pluralidade de indivíduos, nem é uma pessoa coletiva ou jurídica, mas um grupo ou categoria que, coletivamente e por uma mesma causa global, foi atingido nos seus interesses juridicamente tutelados." (Artur Oscar de Oliveira Deda, A reparação dos danos morais, Ed. Saraiva, 2000, p. 90). 65. Dispensa-se até mesmo a prova direta do dano moral coletivo, porquanto não se configura apenas com a verificação da “dor” da coletividade, mas presume-se em razão da demonstração do fato violador dos valores Coletivos ‘damnum in re ipsa’ (Carlos Alberto Bittar Filho, Do dano moral coletivo no atual contexto jurídico brasileiro, Revista de Direito do Consumidor, vol. 12, out./dez. 1994, p. 55). 66. No que toca ao dever de indenizar resultante da atividade degradante ao meio ambiente promovida pela ré, anota-se que a questão da responsabilidade do dano moral coletivo é objeto de controvérsia na doutrina e na jurisprudência. E parte das razões desse desencontro e conflito de entendimentos resulta da circunstância que se avalia o dano moral coletivo com os mesmos critérios que se examina a ocorrência do dano moral no ser humano. 67. Na avaliação do dano moral coletivo não podem ser considerados elementos da subjetividade individual, do psiquismo das pessoas enquanto seres biológicos. Na apreciação do chamado dano moral coletivo não se indaga sobre o “sofrimento”, a “dor”, o “padecimento”, o transtorno mental, o abatimento dos sentimentos. Não se procede a esses tipos de questionamentos porque a coletividade, a sociedade não são entes biológicos. 68. Sociedade, agrupamento social, coletividade são conceitos da Antropologia e da Sociologia. São, antes de tudo, realidades históricas e sociais. Mas as coletividades os grupos sociais para se desenvolverem, para subsistirem no tempo e no espaço, precisam adotar certas regras de conduta e valores. Os agrupamentos humanos, que o Direito denomina de “coletividade” desenvolvem valores, concepção de decência e patrimônio ideal que devem ser protegidos. Por isso, a consideração jurídica transindividual da tutela dos interesses difusos e coletivos, inclusive quanto ao dano moral, não tem como parâmetro sofrimento psíquico do indivíduo, mas uma violação a valores e direitos objetivamente considerados. 69. Examina-se o dano moral coletivo no seu aspecto objetivo relativamente a ofensa a valores e/ou interesses coletivos, a gravidade da lesão objetivamente considerada para o grupo social. O dano esta in re ipsa. Após, examina-se a existência do dano e suas consequências sob o aspecto subjetivo do ofensor: a responsabilidade de sua conduta; a intenção de causar dano; o conhecimento das consequências nefastas de sua conduta lesiva. 70. Em síntese, o fundamento do dano moral coletivo é também resultante de uma regra moral não é justo auferir-se benefício em detrimento do direito de outrem. 71. O Ministro Luiz Fux, quando integrante do Superior Tribunal de Justiça decidiu que sob o enfoque infraconstitucional a Lei n. 8.884/94 introduziu alteração na LACP, segundo a qual restou expresso que a ação civil pública objetiva a responsabilidade por danos morais e patrimoniais causados a quaisquer dos valores transindividuais de que cuida a lei. 72. Pese a omissão legislativa, a doutrina não diverge sobre a dupla função da indenização moral. De fato, tem-se decidido que, para a fixação do montante da indenização, devem ser levados em conta os seguintes parâmetros: “A eficácia da contrapartida pecuniária está na aptidão para proporcionar tal satisfação em justa medida; de modo que tampouco signifique enriquecimento despropositado da vítima; mas está também em produzir no agressor, impacto bastante para persuadi-lo a não perpetrar novo atentado. Trata-se então, de uma estimação prudencial, que não dispensa sensibilidade para as coisas da dor e da alegria ou para os estados d’alma humana, e que, destarte, deve ser feita pelo mesmo Juiz, ou, quando não, por outro jurista - inútil por em ação a calculadora do técnico em contas ou em economia. É nesta direção que o citado Brebbia, em sua excelente monografia, aponta elementos a serem levados em conta na fixação da paga: a gravidade objetiva do dano, a personalidade da vítima (situação familiar, social e reputação), gravidade da falta e da culpa, que repercutem na gravidade da lesão e a personalidade (condições) do autor do ilícito” (Essa Inexplicável Indenização por Dano Moral, Des. Walter Moraes, Repertório IOB de Jurisprudência, nº 23/89, p. 417). 73. Procedendo à convergência dos caracteres consubstanciadores da reparação pelo dano moral, quais sejam: i) punitivo e profilático, para que as causadoras do dano, pelo fato da condenação, vejam-se castigadas pela ofensa perpetrada, bem assim intimidadas a se conduzirem de forma diligente no exercício de seu mister; e ii) compensatório, para que a(s) vítima(s) receba(m) uma soma de dinheiro que lhe proporcione prazeres como contrapartida pelo mal sofrido. 74. Além do mais, verifica-se pela cópia do processo administrativo constante nos autos, que a requerida apresentou defesa prévia na esfera administrativa, momento na qual alegou que não houve desmate da área nativa, mas a remoção de área de pastagens, que na ocasião seria destinado a plantio de mandioca para subsistência familiar. Outrossim, afirmou que a área degradada corresponde ao máximo de 04 hectares, arguindo possível ocorrência de erros em autuações baseados em imagem de satélite, conforme se verifica ao Id. 177168362, págs. 05/11, o que foi afastado pelos Relatórios Técnicos e Termo de Embargo/Interdição aportados aos autos, notadamente, Termo de Embargo/Interdição nº 1542001523 (Id. 161144979págs. 06/07); Relatório Técnico elaborado pela Secretaria de Estado de Maio Ambiente – SEMA/MT nº 0000005930 (Id. 161144979, págs. 08/13) e Nota Técnica Ambiental nº 03/2022 (Id. 161144979, págs. 26/36) e Relatório Técnico sobre valoração monetária dos danos ambientais causados por desmatamento nº 907/2024 (Id. 161144979, págs. 37/41), ambos elaboradas pelo Centro de Apoio Técnico à Execução Ambiental – CAEx Ambiental, os quais constataram o desmatamento a corte raso de 9,3400 hectares de vegetação nativa do tipo Cerrado, em área especial de preservação. 75. Assim, anota-se que o Ministério Público do Estado de Mato Grosso, por meio do Relatório Técnico sobre valoração monetária dos danos ambientais causados por desmatamento nº 907/2024 (Id. 161144979, págs. 37/41), especificou, tão somente, o quantum da condenação requerido a título de danos ambientais materiais, estimando-o no montante de R$ 53.584,51 (cinquenta e três mil, quinhentos e oitenta e quatro reais e cinquenta e um centavos), deixando de especificar, portanto, o valor que pretendia a título de indenização por danos morais coletivos. Desse modo, preponderando, como orientação central, a ideia do caráter pedagógico, entendo que o montante total de R$ 2.804,79 (dois mil, oitocentos e cinquenta e quatro reais e setenta e nove centavos), é razoável e suficiente a título de danos extrapatrimoniais, sendo correspondente à 30% (trinta por cento) da quantia fixada pela via administrativa a título de multa pela infrações cometidas referente ao Auto de Infração nº 1542001423 (Id. 161144979, págs. 01/05). 76. Da análise da situação retratada nos autos, tenho que a procedência do pedido formulado na exordial é medida que se impõe. 77. Ante o exposto, com fundamento no artigo 487, inciso I, do Novo Código de Processo Civil, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE o pedido inicial, para: a) CONDENAR a ré em se abster, de imediato, de praticar qualquer atividade na área degradada, salvo para o fim de recuperá-la, bem como se abstenha de realizar novas degradações ou desmatamentos naquele espaço, devendo este protocolar, no prazo máximo de 90 (noventa) dias, junto ao IBAMA, o Plano de Recuperação de Área Degradada (PRAD), a fim de recompor o ambiente degradado, objeto da presente actio, sob pena de pagamento de multa diária de R$ 5.000,00 (cinco mil reais); e b) CONDENAR a ré a efetuar o pagamento no valor de R$ 56.389,30 (cinquenta e seis mil, trezentos e oitenta e nove reais e trinta centavos), à título de danos materiais e extrapatrimoniais coletivos, corrigido monetariamente e acrescido de juros de mora de 1% (um por cento) ao mês até o efetivo pagamento (art. 406, CC c/c art. 161, §1º, CTN), a partir da sentença, a ser convertido em prol do Fundo Municipal De Meio Ambiente – FMA CNPJ 45.827.760/0001-05, de Barra do Bugres/MT (End. Praça Felipe Ferreira Mendes 1000, Centro, Barra do Bugres MT, 78390-000 - Conta bancária do Fundo, identificada como sendo Banco do Brasil, Ag. 0832-X CC 49.945-5 (conta-corrente). A comprovação do adimplemento da obrigação em apreço se dará mediante a apresentação nos autos, do comprovante de depósito identificado. 78. Condeno a parte requerida ao pagamento das custas e despesas processuais, e deixo de condená-la ao pagamento de honorários advocatícios, conforme recomenda o art. 85, § 8º, do Código de Processo Civil, em face do disposto no art. 128, § 5º, II, “a”, da Constituição Federal, que veda a percepção de tal verba pelo Ministério Público. 79. Decorridos 60 (sessenta) dias do Trânsito em Julgado, sem que o Ministério Público promova a execução, intime-o para fazê-lo, nos termos do art. 15, da Lei 7.347/85. P. R. I. Cumpra-se. Barra do Bugres-MT, 21 de maio de 2025. Arom Olímpio Pereira Juiz de Direito
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