Ministério Público Do Trabalho e outros x Lazaro Batista Das Dores
ID: 261933159
Tribunal: TRT3
Órgão: 01ª Turma
Classe: RECURSO ORDINáRIO - RITO SUMARíSSIMO
Nº Processo: 0011041-89.2024.5.03.0138
Data de Disponibilização:
29/04/2025
Polo Passivo:
Advogados:
PEDRO ZATTAR EUGENIO
OAB/MG XXXXXX
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RAFAEL ALFREDI DE MATOS
OAB/BA XXXXXX
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PEDRO PAULO POLASTRI DE CASTRO E ALMEIDA
OAB/BA XXXXXX
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PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA DO TRABALHO TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 3ª REGIÃO 01ª TURMA Relatora: Paula Oliveira Cantelli 0011041-89.2024.5.03.0138 : UBER DO BRASIL TECNOLOGIA LTDA. : LAZAR…
PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA DO TRABALHO TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 3ª REGIÃO 01ª TURMA Relatora: Paula Oliveira Cantelli 0011041-89.2024.5.03.0138 : UBER DO BRASIL TECNOLOGIA LTDA. : LAZARO BATISTA DAS DORES Ficam as partes intimadas do acórdão proferido nos autos do processo 0011041-89.2024.5.03.0138, cujo teor poderá ser acessado no 2º grau pelo link https://pje.trt3.jus.br/consultaprocessual. Intimação gerada de modo automatizado, por intermédio do Projeto Solária (RJ-2). O Tribunal Regional do Trabalho da Terceira Região, em Sessão Ordinária Presencial da Primeira Turma, hoje realizada, julgou o presente processo e, preliminarmente, à unanimidade, conheceu do recurso ordinário interposto pela ré (Id 0260e7b), porquanto próprio, tempestivo e preenche os pressupostos de admissibilidade recursal; sem divergência, rejeitou a preliminar de incompetência material da justiça do trabalho suscitada pela ré e, no mérito, deu parcial provimento ao apelo para reformar a sentença e reconhecer a validade do contrato de trabalho por prazo indeterminado. Mantido o valor da condenação, pois compatível. DADOS CONTRATUAIS: na exordial, o autor alega ter sido admitido em 08/10/2021, na função de motorista, recebendo remuneração semanal, no valor de, aproximadamente, R$700,00, tendo sido bloqueado sumariamente da plataforma, no dia 01/11/2022. Pela sentença (Id 7983541), o d. Juízo de Origem reconheceu o vínculo empregatício entre as partes e determinou a anotação da CTPS para constar a função de motorista, na modalidade de contrato intermitente, com admissão em 17/06/2022 e dispensa imotivada em 01/11/2022. RECURSO DA RÉ PRELIMINAR DE INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO A ré, suscita a incompetência da Justiça do Trabalho para processar a julgar a presente demanda e pugna pela extinção do processo sem resolução de mérito. Sem razão. Na peça exordial (Id f6a8b83), o autor alega que trabalhou na ré na condição de empregado, pleiteando o reconhecimento de vínculo empregatício. A discussão acerca da existência ou não de vínculo empregatício é de competência desta Justiça Especial, nos termos do art. 114, inciso I, da Constituição Federal, na esteira do seguinte precedente do C. TST, in verbis: "A) AGRAVO DE INSTRUMENTO DA RECLAMADA. I) INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO - INTRANSCENDÊNCIA - DESPROVIMENTO. 1. No caso dos autos, em relação ao tema da incompetência da Justiça do Trabalho, o recurso de revista não atende a nenhum dos requisitos do art. 896-A, caput e § 1º, da CLT, uma vez que a matéria não é nova nesta Corte, tampouco o TRT proferiu decisão conflitante com jurisprudência sumulada do TST ou do STF ou com dispositivo constitucional assecuratório de direitos sociais (intranscendência jurídica, política e social), não havendo, também, de se falar em transcendência econômica para um valor da condenação de R$ 15.000,00. Ademais, os óbices elencados pelo despacho agravado (art. 896, § 9º, da CLT e Súmula 126 do TST) subsistem, a contaminar a própria transcendência. 2. Ainda, o pedido e a causa de pedir denotam pretensão declaratória quanto à existência de relação de emprego. Logo, é esta Justiça Especializada competente para analisar se, no caso concreto, existem, ou não, os elementos caracterizadores da relação empregatícia, nos termos dos arts. 2º e 3° da CLT. 3. Assim, o recurso de revista não logra ultrapassar a barreira da transcendência, quanto ao tema em epígrafe, razão pela qual não merece ser destrancado." (TST. RRAg - 0000833-67.2022.5.11.0017. Orgão Judicante: 4ª Turma. Relator: Ives Gandra da Silva Martins Filho. Julgamento: 05/03/2024.Publicação: 08/03/2024). Diante do exposto, rejeito a preliminar. VÍNCULO EMPREGATÍCIO - CONTRATO INTERMITENTE A ré argumenta que sua atividade é estritamente voltada para tecnologia e intermediação digital, sem qualquer ingerência sobre a forma como os motoristas exercem seu trabalho. Aduz que não pode ser considerada empresa de transporte, e que a relação jurídica com o autor é de natureza civil. Alega que há diversos precedentes no âmbito da Justiça do Trabalho, nos quais é afastada a relação de vínculo empregatício entre o motorista e a recorrente. Destaca que os motoristas cadastrados na plataforma têm liberdade total para escolher seus horários, aceitar ou recusar corridas e até mesmo utilizar outros aplicativos concorrentes. Alega, em suma, que não estão presentes a subordinação, a pessoalidade, a onerosidade e a não eventualidade, requisitos essenciais para o reconhecimento de vínculo empregatício conforme o artigo 3º da CLT. Requer, desse modo, a reforma da r. sentença para que seja afastado o reconhecimento da relação empregatícia. Em tópico diverso, subsidiariamente, a ré sustenta que a relação com o autor não se equipara ao contrato de trabalho intermitente, pois este exige forma escrita, o que não se verifica no caso. Argumenta que, conforme o art. 452-A, §4º, da CLT, trabalhadores intermitentes que descumprem uma oferta sem justificativa devem pagar multa de 50% da remuneração, diferentemente dos motoristas parceiros da Uber, que não sofrem penalizações ao cancelar viagens aceitas, demonstrando sua autonomia. Entretanto, a ré defende a necessidade de considerar os períodos offline do autor como tempo de inatividade, não podendo ser computados como tempo à disposição da empresa. Além disso, caso seja mantido o reconhecimento do vínculo intermitente, requer a aplicação integral do art. 452-A, §4º, da CLT, de modo que as viagens canceladas estejam sujeitas à multa prevista. Por fim, caso haja condenação, pleiteia que sejam aplicadas todas as disposições legais atinentes ao contrato intermitente. Ao exame. FUNDAMENTOS DA SENTENÇA: " A discussão dessa matéria não é nova na jurisprudência dos Tribunais, e se encontra na ordem do dia dos ambientes acadêmicos. A relevância do tema também é notória, diante do expressivo número de trabalhadores que retiram sua fonte de renda utilizando-se de forma de trabalho essencialmente ligada a aplicativos de celular voltados ao transporte, de aproximadamente 1,5 milhão de pessoas, segundo dados do IPEA (https://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2022-05/ipea-brasil-tem-15-milhao-de-motoristas-eentregadores-de-produtos#:~:text=De%20acordo%20com%20dados%20de,de%20transporte%20para%20entregar%20produtos). Fato é que as inovações tecnológicas no Século XXI já alteraram de forma significativa as relações de trabalho, e mais inovações são esperadas com o que se convencionou nominar "indústria 4.0". Mas ainda que a vida seja muito mais rica do que o Direito, é certo também que a evolução da tecnologia não demanda, para cada passo que dá, uma nova qualificação jurídica para o "fenômeno" criado, como se a Constituição, as Convenções internacionais, os princípios e as leis já existentes fossem incapazes de regular a "nova tecnologia" a contento. Nesse contexto, em análise das inovações provocadas por aplicativos de transporte, diversos autores defendem que houve uma "inovação disruptiva" no setor de transportes (termo criado por Clayton M. Christensen a partir da teoria da destruição criadora de Schumpeter), ao argumento de que a nova tecnologia rompeu com o modo de se prestar e oferecer o serviço de transporte individual (a exemplo, MARQUES NETO, Floriano de Azevedo. Estado contra o mercado: Uber e o consumidor. Publicado em 11/06/2015. Disponível em: ). O próprio autor da teoria, contudo, diverge da classificação realizada, afirmando se tratar, em verdade, de uma "inovação sustentável", e não propriamente de uma inovação disruptiva. (CHRISTENSEN, Clayton M; RAYNOR, Michael E; MCDONALD, Rory. What is disruptive innovation? Harvard Business Review, pp. 44-53, dez/2015). E uma inovação sustentável nada mais é do que a evolução de um produto já existente (na ótica do próprio autor, aparelhos de barbear com mais lâminas, televisões com melhores imagens, celulares com melhor recepção de sinal). Essa distinção acaba sendo relevante para que não haja ilusões quanto a essas inovações, como se a transformação ocorrida fosse tamanha que não seria possível realizar análise jurídica a partir dos institutos já existentes no ordenamento jurídico. É justamente o oposto. A necessidade de reflexão jurídica sobre qualquer inovação no mundo dos fatos é a tarefa diuturna do jurista, assim como a adequada compreensão de cada conceito dos elementos da relação de emprego, para que tenham a dimensão necessária, no tempo e espaço, para interpretação de qualquer lógica produtiva que se possa imaginar. E é a partir dessas premissas que se irá realizar a análise da relação havida entre as partes. Como em qualquer outro feito em que se pleiteia o reconhecimento de vínculo de emprego, mister a verificação dos requisitos previstos no art. 3º da CLT, quais sejam: trabalho prestado por pessoa física, não eventual, com pessoalidade, onerosidade e subordinação. No caso dos autos, a discussão fática é praticamente inexistente. Não à toa a reclamada e os poucos escritórios de advocacia que patrocinam massas de trabalhadores neste Regional tem acordado processualmente com utilização de provas emprestadas e registrado diversos pontos incontroversos na própria ata de instrução. Sem pretensões de inovar toda a cizânia relacionada ao tema, perfilho o entendimento de que: - o objeto social da reclamada é de transporte de passageiros e mercadorias. Não apenas porque fixa o preço e entrega efetivamente o serviço final de transporte, mas porque o aplicativo é mero instrumento para consecução de suas atividades, e o faturamento advém da cobrança de percentual sobre as corridas realizadas. No mesmo sentido já decidiu o Tribunal de Justiça da União Europeia (https://curia.europa.eu/juris/document/document.jsf?text=&docid=198047&pageIndex=0&doclang=PT&mode=req&dir=&occ=first∂=1); - não há dúvidas de que a parte reclamante é pessoa física; - o cadastro de cada motorista é individual, sendo irrelevante se há ou não compartilhamento de veículo para a consecução do trabalho; - não é possível ao motorista se passar por outro ao fazer log in, sob pena de violação dos termos de uso do aplicativo, de modo que a prestação de serviços é pessoal; - uma vez estabelecida a premissa de que a reclamada é que fixa o preço e que seu objeto social é relacionado ao transporte, resta evidente que não é o motorista que remunera a empresa, ou os passageiros que remuneram os motoristas, mas sim que a própria reclamada remunera os motoristas que lhe prestam serviço, o que torna a prestação de serviços onerosa; - o fato de haver a possibilidade de o motorista receber diretamente do passageiro não altera a conclusão anterior, pois o fato de excepcionalmente haver contato com dinheiro em espécie após uma corrida não altera o pacto remuneratório existente entre motorista e a reclamada, que realizará oportuna compensação, dentro da comissão ajustada; - a não eventualidade é baseada na expectativa de repetição do trabalho, e demanda análise casuística. - há muito é consagrada a ideia de que o poder diretivo não necessariamente precisa ser exercido pelo empregador para que a relação de emprego subsista, razão pela qual a ausência de adequada análise na vinculação do motorista à plataforma, a ausência de exigência de tempo mínimo conectado, a ausência de punições pela não conexão do motorista e qualquer outra tolerância que foge à usual relação de emprego não podem ser utilizadas como fundamento para a descaracterização da subordinação; - há um conjunto rígido de regras que devem ser observadas pelos motoristas que se cadastram na plataforma, e qualquer violação sujeita o motorista às punições ali descritas, inclusive o descadastramento da plataforma; - inexiste liberdade do motorista para definir os rumos da atividade econômica, o preço que irá cobrar pelo serviço, e até mesmo um número alto de recusas de viagens o sujeita a punições; - não exigir tempo conectado pelos trabalhadores é, em verdade, irrelevante ao racional do negócio da reclamada, já que sua política de preços é baseada essencialmente em relação de oferta e demanda, com pagamentos diferenciados em horários com maior demanda e menor oferta; - o conjunto de medidas adotadas pela reclamada resulta em relação de subordinação. Esclarecido o posicionamento deste magistrado, tenho que na relação entre um motorista e a reclamada há relação de trabalho desenvolvida por pessoa física, com pessoalidade, onerosidade e subordinação (art. 6º da CLT). Passo à análise do requisito da não eventualidade. Como dito, trabalho não eventual é aquele em que há expectativa de repetição, independentemente da frequência com que isso ocorra. Da análise do histórico de viagens (fls. 667/674), é possível verificar que a parte reclamante realizou volume expressivo de viagens ao longo da prestação de serviços, com frequência suficiente para a caracterização da não eventualidade. O extrato de viagens demonstra que o reclamante iniciou a prestação e serviços em 17/06/2022 (fl. 667), à míngua e provas em sentido contrário, deve ser considerada esta como a data de início da prestação de serviços. Já em relação ao término da prestação de serviços, embora o histórico de viagens demonstra que o autor realizou sua última viagem em 17/02/2023 (fl. 673), este juízo fica adstrito ao pedido e causa de pedir, de modo a reconhecer como término da prestação de serviços a data de 01/11/2022, como sustentado pelo autor na inicial. Desse modo, necessário o reconhecimento de vínculo de emprego do reclamante, no período de 17/06/2022 a 01/11/2022, na função de motorista, com remuneração à base de comissões, e média salarial conforme histórico de viagens realizadas (fls. 640/896). Saliento que o fato de a parte reclamante poder se vincular a outros aplicativos não é impeditivo ao reconhecimento do vínculo, já que exclusividade nunca foi requisito para reconhecimento do vínculo. Em relação à modalidade de vínculo, é certo que, nada obstante a presença de subordinação, há possibilidade - ainda que limitada - de recusa do trabalho pelo motorista, bem como há possibilidade de existir períodos de inatividade ao longo do vínculo. Ainda, apesar de a regra ser o vínculo de emprego por prazo indeterminado (por força de princípio basilar do Direito do Trabalho), e não haver pacto expresso das partes para excepcionar a aplicação da regra ao caso, da harmonização com o princípio da primazia da realidade sobre a forma exsurge que a modalidade de trabalho efetivamente realizada pelas partes foi a do trabalho intermitente (art. 443, 3º, da CLT), inserida no ordenamento jurídico pela lei n. 13.467/2017. Ausente qualquer garantia provisória de emprego que justifique a interferência no poder diretivo do empregador, não há que se falar em nulidade da dispensa e consequente reintegração do reclamante. (...)" FUNDAMENTOS DE REFORMA PARCIAL Nos termos do art. 818, I, da CLT, a prova das alegações incumbe à parte que as fizer. No mesmo sentido o artigo 373, I e II, do CPC/2015, que estabelece a distribuição do encargo probatório. Quando debatida a existência da relação de emprego, sendo incontroversa a prestação de serviços, a configuração do vínculo empregatício ressai favoravelmente ao empregado, podendo ser elidida somente pelo conjunto probatório em sentido contrário. O reconhecimento da relação de emprego exige o preenchimento dos requisitos estabelecidos nos artigos 2º e 3º da CLT, quais sejam: trabalho prestado por pessoa física, com pessoalidade, não eventualidade, onerosidade e subordinação jurídica. A reunião concomitante dos elementos fáticos e jurídicos enseja a configuração do vínculo empregatício. A natureza jurídica da relação que se forma entre os motoristas vinculados e a ré, bem como entre motorista e outras plataformas de transporte similares, vem sendo discutida não apenas no Brasil, sendo que a relevância do debate decorre tanto do seu caráter inédito e inovatório, decorrente do avanço tecnológico, quanto do fato de que o reconhecimento do vínculo de emprego garante aos motoristas o acesso à rede de proteção social normatizada pela ordem jurídica em socorro dos trabalhadores. No contrato social da ré, em especial, a cláusula 4ª (ID. 3cadf78 - Pág. 8), observa-se que a sociedade tem por objeto: "a) licenciamento de direito de acesso e uso de programas de computação; b) disponibilização a sociedades afiliadas de serviços de suporte e marketing; c) prestação de serviços administrativos, financeiros, técnicos e de gestão para terceiros; d) intermediação de serviços sob demanda, por meio de plataforma tecnológica digital, e) realização de quaisquer outros atos que, direta ou indiretamente, levem à concretização dos objetos acima mencionados, no seu mais amplo sentido; e f) operação de portais, provedores de conteúdo e outros serviços de informação na internet; g) venda e/ou circulação de mercadorias em suporte ao desenvolvimento dos demais objetivos sociais; h) desenvolvimento de programas de computador, endereços eletrônicos sob encomenda e desenvolvimento/criação de interfaces para a internet (web design). Parágrafo Único - As unidades auxiliares da Sociedade somente poderão desenvolver atividades de apoio à Sociedade, inexistindo atividade econômica própria." Alega a demandada que a finalidade da empresa seria realizar a mera intermediação de serviços sob demanda, por meio de plataforma tecnológica digital. A ré apresenta-se não como empresa de transporte de pessoas com motoristas contratados e subordinados a ela, mas como mera intermediária entre motoristas autônomos e pessoas interessadas em contratar os serviços desses profissionais. Ante a necessária observância do princípio da primazia da realidade, balizador dos julgamentos proferidos por esta Especializada e que constitui importante instrumento para impedir a fraude à legislação trabalhista (art. 9º da CLT), faz-se necessária a análise da situação fática posta para averiguação da verdadeira natureza da relação havida entre as partes. O fato de o autor ter se cadastrado na plataforma, de forma voluntária, mediante informação, no Termo de Uso do Aplicativo, de que seria classificado como autônomo, por si só, não afasta a condição de empregado da ré. Passa-se, portanto, à verificação da subsunção (ou não) da realidade fática exposta nos autos aos já citados requisitos legalmente previstos para a caracterização da relação de emprego, quais sejam, a prestação de serviços por pessoa física, com pessoalidade, de forma não eventual, onerosa e subordinada. Na audiência de instrução realizada, as partes fixaram os seguintes pontos como incontroversos (ID. fb46ff6 - Pág. 2 e 3): "1- ficava a critério do motorista o início e término do horário de utilização da plataforma; 2- o motorista poderia alterar a rota definida pelo aplicativo em comum acordo com o passageiro, o que pode ou não gerar alteração de valor; 3- não havia exigência quanto ao número mínimo de viagens diárias; 4- ficava a critério do motorista a participação ou não em promoções; 5- o motorista apenas fez o cadastro por meio do aplicativo, não sendo realizado nenhum processo seletivo; 6- é critério do motorista utilizar outras plataformas; 7- o motorista decide os dias de folga e nos dias de folga, não era necessário justificar a ausência na plataforma; 8- poderia receber o valor da viagem diretamente do passageiro, quando pago em dinheiro; 9- o motorista arca com as despesas do veículo, inclusive seguro; 10- a reclamada não garante remuneração mínima ao final do dia /mês; 11- a reclamada aceita que dois motoristas usem o mesmo carro; 12- não é obrigatório o fornecimento de água e bala, ficando a critério do motorista." Além disso, foi convencionada a produção de prova emprestada, consistente nos depoimentos das testemunhas Vitor de Lalor Rodrigues da Silva (ID. 6baa4e6) e Walter Tadeu Martins Filho (ID. 4f2eecd), pela ré; e Chrystinni Andrade Souza(ID 530a8b3), pelo autor. Extrai-se da referida prova oral: "(...) no aplicativo podem se cadastrar somente pessoas físicas; a Uber não determina para os motoristas uma zona específica onde possa dirigir, nem o horário respectivo; o motorista parceiro pode ter outros motoristas vinculados a sua conta; se o motorista parceiro não quiser oferecer bala e água, não sofre punição; o motorista pode usar aplicativos concorrentes; o GPS já indica uma rota, mas fica a cargo do motorista e do passageiro, em comum acordo, escolherem a melhor rota; a Uber emite nota fiscal para o motorista; o motorista não tem autonomia de fazer cadastro de outros motoristas; cada motorista que roda tem que ter um login e uma senha pessoais; não conhece o reclamante; quando o passageiro dá nota e faz comentário sobre o motorista, este último tem acesso a nota e ao comentário, mas não ao passageiro que os deu; a nota serve para avaliar a qualidade do serviço prestado ao passageiro; se o motorista tiver uma nota baixa, ele recebe um e-mail automático informando que a nota dele está abaixo da média da região; se o motorista tiver sucessivas notas baixas, pode ser encerrada a parceria; existem promoções e incentivos para o motorista rodar em determinado local;não sabe dizer exatamente quem apura as notas mencionadas." (Depoimento da testemunha Chrystinni Andrade Souza - ID. 530a8b3- Pág. 2). Destaques acrescidos. "(...) que qualquer pessoa pode acessar a plataforma para a Uber; que não é feita entrevista nem feito treinamento; que não há uso de uniforme obrigatório; que não há chefe para o motorista parceiro; que o motorista não envia relatório; que não precisa autorização para desligar o aplicativo; que não é obrigatório bala e água; que é possível o motorista cadastrar mais uma pessoa para conduzir o veículo; que o pagamento é feito ao motorista principal mas o auxiliar recebe um relatório do que ele fez; que é possível usar o aplicativo de concorrente e não há punição; que a avaliação do motorista é feita apenas pelo usuário; que o motorista também avalia o usuário, sem interferência da empresa; que o caminho a ser seguido é decisão do usuário; que é possível ao motorista ficar dias sem se conectar, inclusive longos períodos (6 meses/1 ano) sem precisar avisar ninguém; que o cancelamento de viagem pelo motorista não gera punição; que pode ocorrer de um motorista cancelar a viagem durante seu desenvolvimento; que o motorista pode dar desconto se o pagamento é feito em dinheiro; que não há ajuda financeira da Uber ao motorista para combustível, IPVA e manutenção; que a Uber emite nota fiscal; que se o usuário tem algum débito isso é cobrado na viagem seguinte" (Depoimento da testemunha Vitor de Lalor Rodrigues da Silva - ID. 6baa4e6- Pág. 2). Destaques acrescidos. "(...) que para ser cadastrado o motorista tem que dar o "aceite" no termo de uso do aplicativo; que o cadastro é pessoal e intransferível; que eventualmente a Uber pode pedir uma selfie por questões de segurança; que não há treinamento para uso do aplicativo; que o motorista não é descadastrado por ficar um espaço de tempo sem utilizar o aplicativo; que não há um período máximo no qual o motorista pode ficar descadastrado; que o motorista não apresenta relatórios para a reclamada; que o motorista não é punido quando não está online; que o motorista não é obrigado a enviar atestado médico para a reclamada; que o motorista pode se cadastrar e permanecer online em outros aplicativos; que a rota da viagem é definida em conjunto pelo motorista e passageiro; que o motorista escolhe o local onde permanecerá online; que o veículo pode ser compartilhado com outros motoristas, mas todos devem estar cadastrados; que a reclamada não exige um número mínimo de viagens a serem feitas; que o motorista é avaliado pelo passageiro e vice-versa; que a avaliação não interfere na distribuição de viagens; que o motorista pode ser descadastrado se mantiver uma nota abaixo da média definida para a cidade de atuação;(...)" (Depoimento da testemunha Walter Tadeu Martins Filho - ID. 4f2eecd- Pág. 3 e 4). Destaques acrescidos. A prestação de serviço por pessoa física, bem como a pessoalidade, malgrado o esforço argumentativo da demandada, são verificadas, in casu, pelo fato de a ré utilizar motoristas, pessoas físicas, que ficam à sua disposição para proceder à condução de passageiros, não podendo se fazer substituírem por terceiros. Dos termos de uso do aplicativo anexados pela ré, no ID. cda6c81, se extrai que é necessária a identificação das pessoas físicas que dirigem os automóveis, com o cadastramento de todos que prestam serviços, o que demonstra a vedação de o motorista se fazer substituir por outro, configurando a pessoalidade e a intransferibilidade do serviço. Deverá a pessoa, considerada apta pela ré para utilizar seu aplicativo, passar pelos critérios definidos pela empresa. Ademais, no caso concreto, o demandante, para trabalhar na ré, procedeu à sua inscrição "on line", de maneira individualizada, conforme alegado na defesa. O requisito da pessoalidade não se descaracteriza pela possibilidade de mais de um motorista guiar o mesmo veículo, sendo que apenas prestadores previamente habilitados e autorizados pela "Uber" poderiam oferecer os serviços pelo aplicativo. A não eventualidade, por sua vez, apreciada pelo prisma do caso concreto, ficou caracterizada pela prestação contínua de serviços pelo autor, no período em que se manteve vinculada à demandada. Ressalte-se que a caracterização do requisito se dá também pela imprescindibilidade da atividade laborativa da obreira - teoria da fixação aos fins do empreendimento. A teor dos termos de uso do aplicativo, "A RESCISÃO PODERÁ SER EXERCIDA POR NÓS (i) IMEDIATAMENTE POR DESCUMPRIMENTO DESTES TERMOS, DA POLÍTICA DE DESATIVAÇÃO, OU DO CÓDIGO DE CONDUTA DA UBER, COM A SUA CONSEQUENTE DESATIVAÇÃO DA PLATAFORMA, SEM QUALQUER ÔNUS INDENIZATÓRIO OU AVISO PRÉVIO, E (ii) NOS DEMAIS CASOS, MEDIANTE ENVIO DE NOTIFICAÇÃO A VOCÊ COM 7(SETE) DIAS DE ANTECEDÊNCIA." (Id cda6c81- Pág. 11 - grifos acrescidos). Segundo as Políticas de Desativação (disponíveis no site da ré: https://www.uber.com/br/pt-br/drive/safety/deactivations/?uclick_id=b1eceede-58eb-49e3-b503-618aa48f122d), existem diversas hipóteses em que o obreiro poderia ser desativado da plataforma, como, por exemplo, manter uma média de taxa de aceitação abaixo da média de avaliação. A lista indicada no referido site "é meramente exemplificativa e descreve algumas das ações que podem levar à desativação de sua conta. Quaisquer outros comportamentos e/ou usos da plataforma por parte dos parceiros que possam colocar outros usuários em risco, ou que coloquem em risco a reputação da plataforma e impliquem em violação aos termos e políticas da Uber podem levar à rescisão contratual e fazer com que o motorista parceiro perca acesso ao Aplicativo de Motorista e aos Serviços da Uber, conforme os Termos de Uso da Plataforma" (grifos acrescidos). Além disso, a própria ré fixava o percentual a ser recebido pela demandante em cada viagem, o que se extrai dos Termos da cláusula 7.6, do contrato de uso (Id cda6c81- Pág. 7), onde se prevê, ainda, alterações no cálculo e ajuste das taxas de cada viagem individualizada exclusivamente a critérios da ré. A alegação de que o percentual repassado ao autor exorbita o que se tem por razoável, nas relações de emprego, não merece prosperar, uma vez que é incontroverso que o motorista arca com diversas despesas, a exemplo de manutenção e combustível do veículo, telefone celular e plano de dados. A análise da subordinação, por sua vez, é a mais delicada, vez que o principal elemento que diferencia o trabalhador empregado do trabalhador autônomo é a sujeição jurídica, considerando-se que ambos podem prestar serviços pessoais, com onerosidade e não eventualidade e, portanto, a constatação desses últimos requisitos, de forma isolada, é insuficiente à distinção que ora se faz necessária. A subordinação jurídica exigida para a configuração da relação empregatícia pode se verificar, segundo a moderna doutrina, nas dimensões subjetiva, objetiva ou estrutural. Pode ser subjetiva, quando se revela por meio de intensas ordens e deveres de obediência; objetiva, em virtude da realização pelo obreiro dos objetivos sociais da empresa; e, estrutural, nas hipóteses em que o trabalho insere-se na organização, funcionamento e estrutura do empreendimento. Caso presente uma dessas dimensões, configurado está o elemento mais sensível e de destaque da relação de emprego. Há o poder diretivo utilizado por meios telemáticos e informatizados, conforme previsto no parágrafo único do art. 6º da CLT, podendo ser também exercido de outras formas, como por exemplo, pela prerrogativa de estabelecer regras, fiscalizar o cumprimento e punir em caso de descumprimento pelo trabalhador. O que não se deve permitir é que as novas tecnologias, que impactam as relações de trabalho profundamente, quando utilizadas em combinação com o poder regulamentar da empresa, sejam utilizadas para fraudar e burlar a legislação trabalhista, travestindo uma verdadeira relação de emprego como contrato cível de parceria. Da análise dos autos, observa-se que a subordinação é clara e patente. Com efeito, a ré confeccionou um regime de trabalho específico com regulamentação que abrange a conduta que o motorista deve ter, o que não se coaduna com a autonomia defendida. Verifica-se a ausência de autonomia do autor por diversos motivos: - Conforme já abordado o valor das taxas cobradas pela ré são fixas, independente de eventual desconto concedido pelo motorista ao usuário, o que, na prática, mitiga a liberdade do condutor de estipular os valores, bem como descaracteriza a condição de intermediária da demandada que tem ingerência direta no valor a ser cobrado pelos serviços prestados; - Há sanção do condutor em diversas hipóteses, o que aponta pleno poder diretivo e disciplinar acerca de sanções em razão de descumprimento de normas unilateralmente estabelecidas, com supressão da autonomia do motorista de aceitar ou cancelar as corridas a seu bel prazer; - Observa-se o controle da qualidade da prestação de serviço e da conduta dos motoristas por meio de avaliações dos usuários; - Evidencia-se a existência de orientações taxativas da ré, a exemplo do modus faciendi, caracterizado pela definição das rotas que deveriam ser seguidas pelos motoristas(pelo aplicativo ou pelos clientes). Pelo tempo efetivo de conexão com o aplicativo e a disposição para "corridas", o motorista é dirigido pelas políticas de preços e de relacionamento com o cliente definidas unilateralmente pela ré, estando obrigado a partilhar o valor de todas as corridas com a demandada, segundo percentual por ela definido. Ainda que não houvesse ordens ditadas pessoalmente por superior hierárquico, o cadastramento no aplicativo e a política de uso (contemplando preços) permitiam o acompanhamento ostensivo pela ré dos serviços prestados e da remuneração correspondente, com a direção da forma de pagamento e mediante o desligamento do trabalhador no caso de descumprimento da política definida pela ré. Resta incontroverso que a ré dá instruções aos motoristas, sendo que, se não obedecerem a tais diretrizes, podem ser descadastrados, segundo o juízo discricionário da empresa. A demandada também é receptora das reclamações feitas pelos usuários do aplicativo e define as soluções a serem tomadas, de forma unilateral. A falta de controle de jornada, de per si, não exclui o reconhecimento da relação de emprego, sendo que há legislação específica em relação a empregados que não se submetem a tal controle, nos termos do art. 62, I da CLT. Mostra-se irrelevante o fato de ser facultado o autor trabalhar em outras atividades ou com outros aplicativos, visto que o ordenamento jurídico pátrio não veda a manutenção de mais de um contrato de trabalho simultaneamente e tampouco o exercício de mais de uma atividade. Destarte, ainda que existam elementos de autonomia na relação havida entre as partes, não são aptos para afastar a configuração da relação de emprego ante a quantidade de requisitos que apontam a efetiva existência de subordinação algorítmica, com poder diretivo e disciplinar por parte da demandada. O autor desempenhava atividade inserida no núcleo produtivo da ré, sendo que a finalidade da empresa é prestar serviços de transporte de passageiro, ainda que alegue ser mera intermediária, sendo que a motorista, além de essencial às suas atividades, estava obrigada a seguir todas as suas normas organizacionais na execução de suas atividades, sob pena de sanção. Reitere-se que, in casu, não se está diante de um modelo clássico de subordinação, devendo-se considerar as novas concepções de trabalho subordinado. Na presente hipótese, deve-se considerar presente a subordinação algorítimica ou digital. A própria CLT prevê no art. 6º que: "Os meios telemáticos e informatizados de comando, controle e supervisão se equiparam, para fins de subordinação jurídica, aos meios pessoais e diretos de comando, controle e supervisão do trabalhado alheio". Há sensível e atual discussão doutrinária e jurisprudencial acerca dos contornos dessa nova relação de trabalho, possibilitada pela inovação tecnológica. Vale lembrar, in casu, as lições de Carlos Maximiliano, que, em sua obra "Hermenêutica e Aplicação do Direito", ensina que a doutrina e a jurisprudência devem avançar dia a dia, acompanhando a evolução e as transformações da sociedade, as novas formas de produção e as inovações tecnológicas: "Fixou-se o Direito Positivo; porém a vida continua, envolve, desdobra-se em atividades diversas, manifesta-se sob aspectos múltiplos: morais, sociais, econômicos. Transformam-se as situações, interesses e negócios que teve o Código em mira regular. Surgem fenômenos imprevistos, espalham-se novas ideias, a técnica revela coisas cuja existência ninguém poderia presumir quando o texto foi elaborado. Nem por isso se deve censurar o legislador, nem reformar a sua obra. A letra permanece: apenas o sentido se adapta às mudanças que a evolução opera na vida social. [...] Portanto, a doutrina e a jurisprudência, ora consciente, ora inconscientemente, avançam dia a dia, não se detêm nunca, acompanham o progresso, acompanham novas atividades, sustentam as modernas conquistas, reprimem os inesperados abusos, dentro dos princípios antigos, evolutivamente interpretados, num esforço dinâmico inteligente, sem embargo de aludirem ainda muitos a uma vontade diretora, perdida nas trevas do passado remoto. Eis aí a ficção: presume-se o impossível; que o legislador de decênios atrás previsse as grandes transformações até hoje operadas, e deixasse, no texto elástico, a possibilidade para abrigar futuros direitos periclitantes, oriundos de condições novíssimas". Na obra "Tecnologias Disruptivas e a Exploração do Trabalho Humano: A intermediação de mão de obra a partir das plataformas eletrônicas e seus efeitos jurídicos sociais"(Ana Carolina Reis Paes Leme, Bruno Alves Rodrigues e José Eduardo de Resende Chaves Júnior, coordenadores, São Paulo, LTR: 2017) encontram-se valiosas análises das implicações jurídicas do trabalho intermediado por plataformas de serviços - como a Uber. Colhe-se do livro, em artigo de João Leal Amado (Professor Associado da Faculdade de Direito de Coimbra) e de Catarina Gomes Santos (Assistente Convidada da Faculdade de Direito de Coimbra), relato das características da política de uso do aplicativo Uber e de precedente paradigmático de Direito Comparado, envolvendo pedido de reconhecimento de vínculo de emprego por motoristas cadastrados, qual seja, a sentença proferida pelo Tribunal de Londres no Case Nº 2202551/2015 & Others, em 28 de outubro de 2016, no sentido de afastamento da classificação, dada pela Uber aos motoristas cadastrados, de trabalhadores autônomos, reconhecendo-se que eles atuavam como workers, espécie intermediária entre autônomos e os employees, no Reino Unido. A seguir, excertos do artigo: "2. O pagamento No final de cada viagem, a tarifa é calculada pelo "servidor" da Uber, com base nos dados GPS emitidos pelo smartphone do motorista. O cálculo leva em consideração o tempo despendido e a distância percorrida. O passageiro paga a tarifa na íntegra O passageiro paga a tarifa na íntegra à Uber, através de cartão de crédito/débito, e recebe o correspondente recibo por e-mail 6. A Uber processa os pagamentos aos motoristas semanalmente. O pagamento será o resultado das tarifas cobradas por cada motorista, descontado o valor correspondente a uma taxa pelo uso da App (em regra, 25%). Embora podendo aceitar gorjetas dos passageiros, os motoristas não devem solicitá-las, sendo tal prática fortemente dissuadida pela Uber. Quando os passageiros reclamem da tarifa cobrada, argumentando, por exemplo, que o motorista seguiu uma rota ineficiente, e que daí resultou um custo inflacionado, a questão é analisada pela Uber, que decide se o passageiro deverá ser ou não compensado. Caso decida reembolsar parte da tarifa paga, isso determinará o recálculo do valor a pagar ao motorista, muitas vezes sem que este seja disso previamente advertido. [...] 4. Relação entre a Uber e o motorista 4.1. Enquadramento geral Os termos tendentes a disciplinar a relação entre a Uber e os motoristas constavam inicialmente de um documento datado de 01.07.2013, intitulado 'Partner Terms',que principiava pelas seguintes definições: [...] Nesse documento, era referido que o 'Partner' reconhecia e concordava que a Uber não prestava quaisquer serviços de transporte e que não era uma empresa transportadora. A Uber atuaría apenas disponíbilizando informação e uma ferramenta para conectar 'Customers', que buscam 'Driving Services', aos 'Drivers' que possam prestar tal serviço, não fornecendo, nem visando fornecer, ela mesma, serviços de transporte, nem de qualquer outra forma atuar enquanto empresa transportadora. [...] A Uber reservava para si amplos poderes para alterar os 'Partner Terms' unilateralmente. prevendo-se a cessação automática do Acordo quando o 'Partner' e/ou os seus 'Drívers' deixassem de estar aptos para prestar o 'Driving Service' ou para conduzir o 'Vehicle' segundo a lei aplicável ou os parâmetros de qualidade da Uber. [...] Sempre que a classificação média de um 'Driver' desça aquém do 'Minimum Average Rating', a Uber notificará o 'Customer' (sendo que, como se disse, na grande maioria dos casos, 'Customer' e 'Driver' são a mesma pessoa?) podendo proporcionar-lhe um período do tempo, livremente definido pela empresa para que este eleve o seu nível médio de classificação. Decorrido tal período, se esse objetivo nào for alcançado, a Uber reserva-se o direito de 'desativar' ('deactivate') o acesso do 'Driver' à 'Driver ADD' e aos 'Uber Serviços'. [...] Prevê-se, ainda, que o "Driver" pode ser 'desativado' ('deactivated'), ou de outra forma impedido de aceder ou usar a 'Driver App' ou os 'Uber Services', no caso de violação da 'Addendum', ou de incumprimento do 'Services Agreemente' pela 'Transportaion Company', ou ainda nas hipóteses de depreciação da Uber pela 'Transportation Company', de prática de atos ou omissões dos 'Drivers' ou da 'Transportation Company' que causem dano à marca, reputação ou negócio da Uber, segundo o juízo discricionário feito por esta. A Uber detém igualmente o direito de desativar; ou de outra forma impedir o "Driver' de aceder ou usar a "driver App' ou os 'Uber Services', por qualquer outro motivo, segundo seu critério exclusivo. [...] 4.5. Direitos e liberdades dos motoristas e outros ásperos sacados pela Uber No processo judicial em análise, a Uber destaca vários aspectos de autonomia autonomia dos motoristas, designadamente: i) o facto de, para além de trabalharem para, ou através da, Uber, eles poderem também trabalhar para outras empresas, incluindo concorrentes diretos que operam igualmente através de plataformas digitais; ii) a circunstância de serem eles a suportar as despesas associadas à manutenção das viaturas; iii) a liberdade que lhes assiste para selecionar os 'produtos' em que pretendem operar 12 ; iv) o respetivo enquadramento fiscal enquanto trabalhadores por conta própria; v) a ausência de qualquer uniforme ou vestuário alusivo à Uber [...J 5. As questões suscitadas Os Autores na ação objeto da sentença em análise são, ou foram no passado, motoristas da Uber, e alegam a falta de pagamento do salário mínimo, devido ao abrigo do 'Employment Rights Act 1996' ('ERA'), Parte II, em articulação com o 'National Minimum Wage Act 1998' ('NMWA') e regulamentação conexa, assim como o não pagamento de férias remuneradas (...) [...] Em suma, na sentença em comentário esteve essencialmente em causa determinar se os Autores revestiam o estatuto de 'workers' para efeitos da aplicação dos diplomas legais referidos supra, e, em caso afirmativo, na consequente delimitação do que conta como trabalho, ou tempo de trabalho, para efeitos de aplicação do 'WTR' e da legislação sobre o salário mínimo nacional. [...] A sentença do Tribunal do Trabalho de Londres sobre este caso da Uber reafirma um velho e bem conhecido princípio do direito dos contratos, segundo o qual 'os contratos são o que são, não o que as partes dizem que são'. [...] A liberdade contratual não se confunde, pois, com a manipulação ilícita da da qualificação da relação contratual [...]. Destarte, apurando-se a existência de umas prestação de atívidade em regime de heterodeterminação e a troco de uma retribuição, toparemos com um contrato de trabalho e não com um qualquer contrato de prestação autônoma de serviço, ainda que esta seja a designação contratual adotada pelas partes. Trata-se, afinal, de dar prevalência à vontade real das partes, desvelada pela execução contratual, sobre a vontade declarada [...] Ora, nesse caso, o tribunal: ií) Considera irrealista tentar negar que a Uber é uma empresa que explora um serviço de transportes e emprega motoristas para esse mesmo fim: a Uber não é uma mera technology company, não é uma mera plata forma digital, antes está no mercado para fornecer serviços de transporte. [...] O tribunal entende, pelo contrário, que, quando o motorista e o passageiro se encontram o negócio já foi celebrado, justamente entre a Uber e o passageiro, sendo o suposto contrato entre motorista e passageiro uma pura ficção, sem qualquer correspondência no verdadeiro relacionamento contratual entre as partes envolvidas (§ 91). v) Entende, por isso, não corresponder minimamente à realidade considerar que a Uber trabalha para os seus motoristas, sendo que a inversa é que é verdadeira: a Uber é uma empresa oue explora um serviço/negócio de transportes; os motoristas dísponibilízam a mão-de-obra especializada através da qual a empresa fornece os seus serviços ao público e aufere os seus lucros. [...] vii) Assinala a marcada assimetria de poder entre as partes contratantes [...] O tribunal conclui, em síntese, que, sempre que um motorista (a) tem a App ligada, b) se encontra no território no qual está autorizado a trabalhar, e c) está capaz e disponível para aceitar missões/clientes. então, encontrando-se estas condições satisfeitas, ele estará a trabalhar para a Uberao abríçío de um 'worker con- trac'. [...] Decidindo como decidiu, o Tribunal do Trabalho de Londres confirmou a vitalidade daquilo que a doutrina brasileira designa, amiúde, por 'princípio da primazia da realidade', precisamente para vincar que as relações jurídico-laborais se definem pela situação de facto, isto é, pela forma_como_se realiza a prestação de serviços, pouco importando o nome que lhe foi atribuído pelas partes. [...] Employee ou worker, o certo é que, para o Tribunal do Trabalho de Londres, os motoristas da Uber não são self-employed independent contractors. Tanto basta ara que as leis do trabalho, em matéria de jornada e de salário, lhes sejam aplicáveis." (p. 335/348) Destaques diversos dos originais. Esta relatora coaduna com as razões de decidir proferidas no Tribunal do Trabalho de Londres, replicando-as ao caso em análise. O autor está submetido aos Termos de Uso da plataforma da ré, bem como às suas políticas de preço e de relacionamento com o usuário do serviço de transporte. Tal como no caso julgado pelo Tribunal do Trabalho de Londres, o serviço de transporte é prestado pela ré, por intermédio da força de trabalho dos motoristas cadastrados, trabalhadores dependentes e subordinados. É certo que, no Direito do Trabalho brasileiro, não existe a figura intermediária, entre autônomo e o empregado, como worker categorizado no direito britânico. Contudo, como bem apontam os doutos professores e pesquisadores signatários do artigo supra transcrito, a conclusão comum inescapável é a de que os motoristas cadastrados pelos aplicativos de transporte não são trabalhadores autônomos, encontram-se a eles subordinados e economicamente dependentes, relacionando-os com terceiros segundo a marca do aplicativo, nos estritos moldes de suas políticas de preços e relacionamento, de cumprimento obrigatório, sob pena de desligamento. Neste sentido, jurisprudência do Col. TST, reconhecendo vínculo de empregado entre motorista e a plataforma digital, cuja ratio se aplica ao caso em tela, in verbis(destaques acrescidos): "I - AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA. SUMARÍSSIMO. LEI Nº 13.467/2017. RECLAMANTE. TRANSCENDÊNCIA. VÍNCULO DE EMPREGO. CARACTERIZAÇÃO. MOTORISTA. TRANSPORTE VIA APLICATIVO. PLATAFORMA DIGITAL. SUBORDINAÇÃO JURÍDICA POR MEIOS TELEMÁTICOS OU INFORMATIZADOS (ALGORITMOS). 1 - Há transcendência jurídica quando se constata em exame preliminar discussão a respeito de questão nova, ou em vias de construção jurisprudencial, na interpretação da legislação trabalhista. 2 - Aconselhável o provimento do agravo de instrumento, para determinar o processamento do recurso de revista, em razão da provável violação dos arts. 1°, III e IV, e 7°, caput , da Constituição Federal. 3 - Agravo de instrumento a que se dá provimento . II - RECURSO DE REVISTA. SUMARÍSSIMO. LEI Nº 13.467/2017. RECLAMANTE. VÍNCULO DE EMPREGO. CARACTERIZAÇÃO. MOTORISTA. TRANSPORTE VIA APLICATIVO. PLATAFORMA DIGITAL. SUBORDINAÇÃO JURÍDICA POR MEIOS TELEMÁTICOS OU INFORMATIZADOS (ALGORITMOS). 1 - Para verificar a configuração de vínculo empregatício deve-se aferir - independentemente da atividade exercida pelo empregador ou pela forma de gestão adotada pela empresa - a presença dos elementos caracterizadores do vínculo de emprego: prestação de trabalho por pessoa física, com pessoalidade pelo trabalhador, não eventualidade (ou habitualidade), com subordinação e onerosidade. 2 - Quando se trata de trabalho efetuado com a intermediação de plataformas digitais, é simples a aferição dos critérios da prestação de trabalho por pessoa física e com onerosidade. No que tange à pessoalidade, faz-se necessário verificar se o trabalhador, em relação à plataforma digital, é infungível ou se há autorização para que se faça substituir livremente por outra pessoa. 3 - Para que o labor por meio de plataformas digitais seja considerado eventual - logo, sem habitualidade - , é imprescindível que o trabalho seja prestado como consequência de circunstâncias incertas ou imprevistas. Se, ao contrário, o trabalho é prestado como resultado de cenários previstos contratualmente pelas partes, que previamente acordaram a prestação do serviço sem expectativa de que ela cesse definitivamente, conclui-se que tal trabalho é exercido de forma não eventual. Afinal, a habitualidade não é definida somente pelo tempo de duração do trabalho ou pela quantidade de dias laborados ao longo da vigência do contrato, mas, sim, pela causa do trabalho, a qual resulta do interesse das partes pactuantes. Nessa linha, o art. 452-A, §§ 1° e 2°, da CLT faculta ao empregador definir os períodos de atividade do empregado intermitente, o que lhe outorga flexibilidade para organizar os fatores de produção de sua atividade empresária, sem que isso lhe enquadre como trabalhador eventual. 4 - Já no que diz respeito à subordinação, a relação de emprego é caracterizada pela contraposição entre o poder de comando do empregador (para organizar, dirigir e disciplinar a prestação dos serviços) e a subordinação do empregado (que deve observar as instruções do empregador quanto à forma como lhe presta serviços). Essa contraposição origina a espécie denominada subordinação jurídica . 5 - Ressalta-se que é irrelevante, para a configuração da subordinação jurídica, que o trabalho realizado seja controlado ou supervisionado pela pessoa física do empregador ou de seus prepostos. Com a evolução tecnológica e a possibilidade de realização do trabalho fora da sede do empregador, a CLT passou a prever expressamente a subordinação jurídica verificada por meio de meios telemáticos ou informatizados de controle e supervisão (art. 6º, parágrafo único, da CLT). 6 - Nessa linha, tem-se o algoritmo, que é um meio informatizado, definido pelo art. 3°, I, da Resolução n. 332/2020 do CNJ , como " sequência finita de instruções executadas por um programa de computador, com o objetivo de processar informações para um fim específico ". As instruções nas quais se pautam a programação de um algoritmo de aplicativo de transporte não são originalmente criadas pelo próprio modelo de inteligência artificial, mas, sim, pelo sujeito que o elaborou, que determinará as instruções de acordo com sua finalidade. 7 - Como os algoritmos de aplicativos de transporte destinam-se, por natureza e finalidade próprias, a atender a instruções previamente definidas pelo gestor do modelo de inteligência artificial que os processará, é inequívoco o exercício, das empresas que realizam a gestão de trabalho por meio de plataformas digitais, do poder de organização , já que predefine as variáveis relevantes à execução dos serviços de transporte. Em razão da adaptabilidade do algoritmo como elemento operável para o fim da organização e da direção do trabalho alheio, o método adotado pela reclamada origina verdadeiro algoritmo de plataformas de transporte. Trata-se de um mecanismo construído inequivocamente com a finalidade de organizar e dirigir a prestação de serviços de transporte por motoristas, por intermédio de aplicativo acessado por usuários que conhecem a finalidade básica da respectiva plataforma, e nela depositam confiança, exatamente, pelo fato de ser submetida a diretrizes estabelecidas pela empresa que lhe empresta o nome. 8 - Da subordinação jurídica extrai-se o "poder de comando" do empregador que, em sua integralidade, contemplam o poder de organização, direção e disciplina do trabalho alheio, de maneira a orientar os trabalhadores a prestar os serviços de maneira condizente com os limites regulamentares - e, nas plataformas de trabalho, com os algoritmos orientadores - estipulados unilateralmente pela reclamada e aceitos em contrato de adesão pelo reclamante. 9 - Cabe ressaltar que a subordinação clássica e a "subordinação algorítmica ", embora cumuláveis, não se confundem. Esta última consiste em classificação moderna do instituto da subordinação que não se deve ao fundamento da existência da subordinação (o contrato, na subordinação jurídica; o patrimônio, na econômica; o conhecimento, na técnica), mas, sim, à forma de exercício do poder de comando pelo empregador . 10 - Não afasta a subordinação jurídica a possibilidade de o empregado recusar determinadas corridas, ou cancelar corridas inicialmente aceitar por ele por meio da plataforma digital. Afinal, o ordenamento jurídico vigente contém previsão expressa, direcionada ao trabalho intermitente (que é formalizado mediante relação de emprego), no art. 452-A, § 3°, da CLT, de que a recusa de determinado serviço não descaracteriza, por si só, a subordinação . Logo, se a recusa de uma oferta diretamente oriunda do empregador não é suficiente a descaracterizar o requisito da subordinação, de acordo com a lei, no caso da recusa se direcionar à plataforma digital tampouco afasta a subordinação, especialmente quando os algoritmos programados pelo próprio empregador já admitem e preveem a possibilidade de recusa ou cancelamento de um serviço pelo motorista. 11 - É importante notar, ademais, que a possibilidade do trabalhador se vincular a mais de uma plataforma digital para exercer a mesma atividade ou de realizar outra atividade econômica, paralelamente à prestação de serviços por meio de aplicativos, não afasta a subordinação jurídica, uma vez que a exclusividade não é um requisito da relação de emprego, tampouco da subordinação jurídica. 12 - A controvérsia sobre o vínculo de emprego de trabalhadores que prestação serviços por meio de plataformas digitais não é um debate observado tão somente no Brasil. A Comissão Europeia anunciou, em 9/12/2021, proposta de diretiva destinada a assegurar condições dignas aos trabalhadores que prestam serviços mediante plataformas digitais. 13 - Nessa mesma linha, o Tribunal Distrital de Amsterdã ( Holanda ) manifestou o entendimento de que a liberdade relativa assegurada aos motoristas não impede a configuração de "contrato de trabalho" (naquele ordenamento, equivalente ao contrato empregatício brasileiro). Ainda, a Corte Superior de competência trabalhista da Alemanha também conserva predominante jurisprudência no sentido de que os motoristas de aplicativos são empregados. Na mesma linha, na Bélgica , a Comissão Administrativa de regulamentação da relação de trabalho entendeu que " tais organizações de trabalho obrigam o motorista a fornecer uma prestação inteiramente padronizada e são incompatíveis com a qualificação de relação de trabalho independente ". No Uruguai , o Tribunal de Apelaciones del Trabajo , em junho de 2020, manteve sentença que reconhecia como empregado motorista de aplicativos. Em relação aos entregadores, há decisões reconhecendo o vínculo empregatício no Tribunal de Apelação do Chile e na Fair Work Comission na Austrália. Além disso, o Exmo. Ministro Mauricio Godinho Delgado, no julgamento do RR-100353-02.2017.5.01.0066 (3ª Turma, DEJT 11/04/2022), cita julgados da Corte de Cassação francesa, Tribunal Superior de Justiça de Madri, Suprema Corte da Califórnia e decisão do Tribunal de Justiça da União Europeia. 14 - No Tribunal Superior do Trabalho, já há julgados reconhecendo o vínculo de emprego no serviço prestado por meio de plataformas digitais da 3ª, 6ª e 8ª Turmas. 15 - Diante desse contexto - e considerando ser incontroversa a prestação de serviços - cabia à reclamada o ônus de demonstrar que o trabalho tenha sido prestado de maneira não subordinada, ou de forma desacompanhada de algum dos demais elementos fático-jurídicos da relação de emprego, por se tratar de fato impeditivo do direito do reclamante (art. 818, II, CLT). 16 - No caso dos autos , ficou consignado pelo Regional (fl. 963) que o reclamante prestou serviços de forma pessoal. Além disso, não há qualquer registro fático de que o reclamante poderia se fazer substituir por outra pessoa no exercício de seu labor. Logo, é presente o requisito da pessoalidade. 17 - É também incontroverso (art. 374, III, CPC), o fato de o reclamante ter prestado serviços com o intuito de obter pagamento em dinheiro . Afinal, foi consignada pelo Regional (fl. 963) a presença de tal elemento fático-jurídico. Logo, é presente o requisito da onerosidade. 18 - O Regional assentou que o reclamante tinha flexibilidade para determinar os horários de início e término de sua jornada (fl. 963), bem como a duração concernente: a carga horária de cada dia era definida pelo próprio reclamante. Contudo, tal circunstância fática consignada pelo Regional, por si só, não é apta a afastar a presença da habitualidade na prestação dos serviços. 19 - No caso concreto, a causa do trabalho do reclamante é a existência de contrato previamente celebrado entre as partes, a fim de que o reclamante, no momento em que sentir necessário, inicie ou termine a prestação laboral. Ademais, a manutenção de cadastro pela reclamada e sua contínua fiscalização dos serviços prestados (por meio de controle de avaliações lançadas ao aplicativo) viabiliza a conclusão de que tal prestação laboral era permanentemente tutelada pelas partes. Não significa que o labor houvesse de ser contínuo, mas, sim, que a relação jurídica contratual mantida entre as partes era contínua (não há consignação fática de que o termo final era um elemento acidental do negócio jurídico celebrado). Portanto, é presente, também, o requisito da habitualidade (não eventualidade). 20 - É incontroversa (art. 374, III, CPC) a existência de prévia relação contratual entre as partes, formada especificamente para que o reclamante passasse a prestar os serviços como motorista em favor dos clientes que acessavam o aplicativo, administrado e organizado pela reclamada, em busca de transporte para a localidade de seu desejo. Portanto, era factualmente possível a existência de contraposição entre um "poder de comando" (organização, direção e disciplina do trabalho a cargo do credor da obrigação de fazer) e "subordinação jurídica" (acatamento da forma de execução da obrigação de fazer pelo seu devedor). 21 - O TRT consignou (fl. 963) que a reclamada estipulou regras procedimentais para que o reclamante, na condição de motorista, prestasse o serviço de transporte aos clientes do aplicativo por ela gerenciado. Ademais, como a reclamada exigia do reclamante, como motorista, a obediência a determinadas diretrizes para a prestação dos serviços de transporte (fl. 963), é caracterizado, de plano, o exercício do poder de direção. Ainda, depreende-se do contexto fático consignado pelo Regional (procedimentos adotados pela reclamada como forma de "coordenação necessária das atividades") que a ausência de observância das diretrizes e dos procedimentos (regulamentos) estabelecidos pela reclamada acarretava a aplicação de sanções aos motoristas, como o reclamante. Logo, é patente que a reclamada tinha a faculdade contratualmente prevista de aplicar sanções em face do reclamante, o que denota o pleno exercício do poder disciplinar. 22 - Recurso de revista de que se conhece e a que se dá provimento" (RR-10404-81.2022.5.03.0018, 6ª Turma, Relatora Ministra Katia Magalhaes Arruda, DEJT 15/09/2023) No entendimento desta Relatora não há dúvidas de que a ré controla e desenvolve o negócio, estabelecendo os critérios de remuneração de seus motoristas. Em contraposição, está o motorista, que se sujeita às regras estabelecidas pela UBER e ao seu poder disciplinar, como por exemplo, a desativação do trabalhador, com baixa/má reputação. Citem-se, ainda, outros precedentes deste Eg. Regional em que reconhecido o vínculo de emprego entre aplicativos de transporte e motoristas cadastrados: 0010318-15.2022.5.03.0179 (ROPS); Disponibilização: 01/08/2022; Órgão Julgador: Primeira Turma; Relator: Maria Cecilia Alves Pinto/ 0010246-41.2022.5.03.0110 (ROPS); Disponibilização: 01/08/2022; Órgão Julgador: Oitava Turma; Relator: Sérgio Oliveira de Alencar/ 0010258-68.2022.5.03.0041 (ROPS); Disponibilização: 01/08/2022; Órgão Julgador: Decima Primeira Turma; Relator: Des. Antonio Gomes de Vasconcelos/ 0010911-82.2021.5.03.0113 (ROT); Disponibilização: 28/07/2022; Órgão Julgador: Oitava Turma; Relator: Marcelo Lamego Pertence. Por fim, conforme se observa na notícia veiculada em 04/03/2020 pela Revista Exame, a Cour de Cassation, Tribunal Superior da França, firmou o mesmo entendimento, ora adotado, para reconhecer o status de empregado a motorista da demandada, ao fundamento de que o trabalhador não pode definir os próprios preços, bem como ter a sua própria clientela. Segundo a revista: "O tribunal superior da França reconheceu o direito de um motorista da Uber de ser considerado como funcionário da empresa, em uma decisão que pode prejudicar o modelo de negócios da companhia ao abrir brecha para que seja obrigada a pagar mais impostos e benefícios trabalhistas. [...] A Cour de Cassation confirmou uma decisão anterior de um tribunal de apelação, dizendo que o motorista da Uber não poderia se qualificar como contratado autônomo, porque ele não podia ter sua própria clientela ou definir seus próprios preços, fazendo dele um subordinado da empresa. 'Ao se conectar à plataforma digital Uber, é estabelecida uma relação de subordinação entre o motorista e a empresa', afirmou o tribunal em comunicado. 'Portanto, o motorista não presta serviços como autônomo, mas como funcionário.' (https://exame.abril.com.br/negocios/tribunal-da-franca-reconhece-status-de-funcionario-a-motorista-da-uber/, acesso em 13/04/2020, às 15h53). O teor da decisão pode ser acessado por meio do sítio oficial da corte, no link https://www.courdecassation.fr/jurisprudence_2/chambre_sociale_576/374_4_44522.html. Ante todo o exposto, à luz do princípio da primazia da realidade sobre a forma, como restaram preenchidos, no plano fático e jurídico, os elementos configuradores da relação de emprego, impõe-se o seu reconhecimento, nos termos do art. 2º e 3º ambos da CLT. Quanto ao reconhecimento do vínculo na modalidade de contrato de trabalho intermitente, com a devida venia ao entendimento adotado na origem, acolho a pretensão subsidiária da ré e reconheço a validade do contrato de trabalho por prazo indeterminado, mormente considerando que o pacto intermitente exige o preenchimento de requisitos específicos, previstos no artigo 452-A, da CLT, destacando-se que a sua celebração deve se dar por escrito, sendo esta uma formalidade essencial ao tipo contratual, in verbis: "O contrato de trabalho intermitente deve ser celebrado por escrito e deve conter especificamente o valor da hora de trabalho, que não pode ser inferior ao valor horário do salário mínimo ou àquele devido aos demais empregados do estabelecimento que exerçam a mesma função em contrato intermitente ou não". Por todo o exposto, dou provimento parcial ao apelo apenas para reconhecer que o contrato de trabalho foi pactuado por prazo indeterminado. RESCISÃO CONTRATUAL. JUSTA CAUSA. A ré postula que seja reconhecido a rescisão contratual por justa causa, alegando que o autor descumpriu regras da plataforma ao realizar o compartilhamento indevido de sua conta, conforme demonstra a foto utilizada na base e a foto submetida à plataforma, que, segundo a ré, se tratam de pessoas diferentes. FUNDAMENTOS DA SENTENÇA "(...) Quanto à forma de rompimento do vínculo, a dispensa por justa causa é ato reservado para faltas expressamente elencadas no art. 482 da CLT, com grande impacto na vida do trabalhador. Por tal razão, deve ser reservada a condutas típicas (dolosa ou culposa), graves, com nexo causal e proporcional da pena, e deve ser aplicada de forma imediata, singular, inalterável, sem discriminação e, em regra, após gradação. Compete à empregadora comprovar a existência dos requisitos configuradores da dispensa motivada, na forma do art. 818 da CLT c/c art. 373, inc. II, do CPC. No caso, a justa causa arguida pela ré não se sustenta, uma vez que não há qualquer comprovação de que o autor teria afrontado os termos de uso da ré, sendo certo que os excertos de imagens acostados ao corpo da contestação, nada comprovam neste sentido. A ré tampouco juntou aos autos qualquer comunicado de rescisão contratual por ter o autor, em tese, afrontado o item 6.2 dos Termos do Uso, por ter compartilhado sua conta com terceiros, como sustentado pela ré. Deste modo, não há que se falar em reconhecimento de rescisão contratual por justa causa. Assim, considero que o reclamante foi dispensado sem justa causa em 01/11/2022, nos limites do pedido." FUNDAMENTOS ACRESCIDOS Com relação à modalidade de dispensa, a justa causa exige prova robusta e incontestável da conduta irregular do autor, sendo as fotografias apresentadas nos autos insuficientes para a aplicação da penalidade, pois não demonstram com clareza e segurança os elementos essenciais para a configuração da falta grave. Inexiste nos autos quaisquer provas robusta capazes de evidenciar que o autor realizou condutas que violaram os termos de uso da ré. Em face disso, não há respaldo legal para a decretação do encerramento do vínculo de emprego por justa causa. Nada a prover. MÉDIA DA REMUNERAÇÃO A ré pugna para que a média remuneratória seja fixada com base no histórico de viagens e os resumos fiscais anexados com a peça contestatória, de cujos valores deve ser descontada a taxa pela utilização da plataforma. Aduz, ainda, que devem ser observados os dias efetivamente trabalhados pelo obreiro. FUNDAMENTOS DA SENTENÇA "(...) Deverá a reclamada proceder à anotação do vínculo de emprego do reclamante, na modalidade intermitente, para fazer constar admissão em 17/06/2022, na função de motorista, e saída em 01/12/2022, já considerada a projeção do aviso-prévio (OJ-SDI1-82 do TST), com remuneração por comissões, e média salarial conforme histórico de viagens realizadas (fls. 640/896) (...)" (Id 7983541 - Pág. 10) FUNDAMENTOS ACRESCIDOS É incontroverso que o autor recebia remuneração variável, conforme o histórico de viagens (Id 3117b46) acostado aos autos, que devem ser considerados para a apuração do valor a ser adotado para o cálculo das parcelas deferidas. Rejeito o pedido de desconto da taxa de serviço. A dedução pretendida também implicaria a transferência dos riscos/custos da atividade econômica da empregadora para o empregado, em desacordo com a norma contida no caput do art. 2º da CLT. Quanto ao pedido de que a remuneração do autor seja apurada com base nos valores líquidos localizados nos histórico de viagens de id 3117b46, observa-se que esse foi o comando da r. sentença para o cálculo da remuneração. Nada a prover. CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIA / FGTS / FISCAL A ré requer o afastamento da condenação ao pagamento de contribuições previdenciárias de todo o período reconhecido, tendo em vista que a Justiça do Trabalho só é competente para executar as contribuições previdenciárias decorrentes das parcelas deferidas nas sentenças condenatórias, conforme Súmula 368 do TST. Sustenta-se que não há fundamento para a determinação de depósitos de FGTS até o ajuizamento da ação, visto que o contrato ainda está vigente. Sem razão. A competência desta Especializada já foi analisada e reconhecida em tópico precedente. Tendo em vista a manutenção do reconhecimento do vínculo empregatício, permanece a obrigação de comprovar os recolhimentos previdenciários e fiscais. Nada a prover. FÉRIAS VENCIDAS ACRESCIDAS DE 1/3 Pugna a ré pela reforma da sentença, com a exclusão da condenação ao pagamento das férias, em razão dos períodos de inatividade. Sem razão. O art. 130 da CLT dispõe: Após cada período de 12 (doze) meses de vigência do contrato de trabalho, o empregado terá direito a férias, na seguinte proporção: I - 30 (trinta) dias corridos, quando não houver faltado ao serviço mais de 5 (cinco) vezes; II - 24 (vinte e quatro) dias corridos, quando houver tido de 6 (seis) a 14 (quatorze) faltas; III - 18 (dezoito) dias corridos, quando houver tido de 15 (quinze) a 23 (vinte e três) faltas; IV - 12 (doze) dias corridos, quando houver tido de 24 (vinte e quatro) a 32 (trinta e duas) faltas. § 1º - É vedado descontar, do período de férias, as faltas do empregado ao serviço. § 2º - O período das férias será computado, para todos os efeitos, como tempo de serviço. Eventuais períodos de inatividade do autor no aplicativo não são considerados como faltas injustificadas ao trabalho, diante do modelo de trabalho proposto pela empresa. Logo, impõe-se a manutenção da sentença que condenou a ré ao pagamento das férias acrescidas de 1/3, observado o artigo 452-A, §9º, da CLT, bem como à gratificação natalina proporcional. Apelo desprovido. MULTA DO ART. 477, §8º, DA CLT A ré pugna, caso seja mantida a r. sentença, que a multa do §8º do artigo 477 da CLT seja excluída. Defende que as verbas deferidas por meio de decisão judicial afastam a aplicação da multa em comento. FUNDAMENTOS DA SENTENÇA "Multa do art. 477 da CLT Tendo em vista que não houve o pagamento das verbas rescisórias a tempo e modo, julgo procedente o pedido de pagamento da multa prevista no art. 477 da CLT. O fato de o vínculo ter sido reconhecido apenas em sentença não obsta a condenação da multa, já que o reconhecimento tem natureza declaratória e não constitutiva. Produz, portanto, efeitos ex tunc (Súmula 462 do TST)." FUNDAMENTOS ACRESCIDOS Ultrapassada a discussão sobre a existência do vínculo de emprego nesta instância, são devidas as verbas trabalhistas deferidas na sentença. A multa do art. 477, §8°, da CLT é devida, em face do disposto na Súmula 462, do TST e na orientação Jurisprudencial das Turmas nº 25, deste Eg. Regional, in litteris: "Súmula nº 462 do TST MULTA DO ART. 477, § 8º, DA CLT. INCIDÊNCIA. RECONHECIMENTO JUDICIAL DA RELAÇÃO DE EMPREGO (Republicada em razão de erro material) - DEJT divulgado em 30.06.2016 A circunstância de a relação de emprego ter sido reconhecida apenas em juízo não tem o condão de afastar a incidência da multa prevista no art. 477, §8º, da CLT. A referida multa não será devida apenas quando, comprovadamente, o empregado der causa à mora no pagamento das verbas rescisórias." "Orientação Jurisprudencial das Turmas n. 25 Relação de emprego controvertida. Aplicação da multa prevista no § 8º do art. 477 da CLT. Mesmo havendo séria controvérsia sobre a existência de vínculo empregatício e sendo este reconhecido apenas em Juízo, aplica-se ao empregador a multa por atraso no pagamento das verbas rescisórias. (ex-Súmula n. 12/TRT-MG) (Disponibilização/divulgação: DEJT/TRT-MG 18/09/2013, 19/09/2013 e 20/09/2013)." Nada a prover. Tomaram parte no julgamento os Exmos. Desembargadores: Paula Oliveira Cantelli (Relatora), Luiz Otávio Linhares Renault e Maria Cecília Alves Pinto (Presidente). Ausente com causa justificada a Exma. Desembargadora Adriana Goulart de Sena Orsini. Participou do julgamento, a Exma. representante do Ministério Público do Trabalho, Dra. Júnia Castelar Savaget. Sustentação oral: Advogado Raiko Augusto Teixeira de Brito, pela Reclamada. Julgamento realizado em Sessão Presencial (Resolução TRT3 - GP nº 208, de 12 de novembro de 2021). Belo Horizonte, 14 de abril de 2025. BELO HORIZONTE/MG, 28 de abril de 2025. TANIA DROSGHIC ARAUJO MERCES
Intimado(s) / Citado(s)
- LAZARO BATISTA DAS DORES
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