Jessyca Maria Fernandes Luna Ribeiro Alencar e outros x Estado Do Ceara
ID: 333256227
Tribunal: TJCE
Órgão: 1º Gabinete da 1ª Câmara de Direito Público
Classe: AGRAVO DE INSTRUMENTO
Nº Processo: 3008343-52.2024.8.06.0000
Data de Disponibilização:
24/07/2025
Polo Passivo:
Advogados:
ADEMAR CORREIA DE ALENCAR JUNIOR
OAB/CE XXXXXX
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ESTADO DO CEARÁPODER JUDICIÁRIOTRIBUNAL DE JUSTIÇAGABINETE DO DESEMBARGADOR FERNANDO LUIZ XIMENES ROCHA PROCESSO: 3008343-52.2024.8.06.0000 - AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) AGRAVANTE: JESSYCA MARIA FER…
ESTADO DO CEARÁPODER JUDICIÁRIOTRIBUNAL DE JUSTIÇAGABINETE DO DESEMBARGADOR FERNANDO LUIZ XIMENES ROCHA PROCESSO: 3008343-52.2024.8.06.0000 - AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) AGRAVANTE: JESSYCA MARIA FERNANDES LUNA RIBEIRO ALENCAR AGRAVADO: ESTADO DO CEARÁ E PRESIDENTE DA COMISSÃO PERMANENTE DE TRABALHO RESPONSÁVEL PELAS DEMANDAS REFERENTES AOS CONCURSOS FINALIZADOS PARA OS CARGOS DE SOLDADO E TENENTE DA POLÍCIA MILITAR DO ESTADO DO CEARÁ RELATOR: DESEMBARGADOR FERNANDO LUIZ XIMENES ROCHA EMENTA: DIREITO CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO DE INSTRUMENTO E AGRAVO INTERNO. JULGAMENTO CONJUNTO. MANDADO DE SEGURANÇA. CONCURSO PÚBLICO. TESTE DE APTIDÃO FÍSICA. CANDIDATA EM PERÍODO PÓS-PARTO. DIREITO À REMARCAÇÃO DO EXAME FÍSICO EM PRAZO RAZOÁVEL. DESCUMPRIMENTO PARCIAL DE DECISÃO LIMINAR DA RELATORIA. MULTA PESSOAL À AUTORIDADE COATORA. POSSIBILIDADE. AGRAVO DE INSTRUMENTO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO. AGRAVO INTERNO PREJUDICADO. I. CASO EM EXAME 1. Agravo de instrumento interposto por candidata ao cargo de Primeiro Tenente da Polícia Militar do Estado do Ceará contra decisão que indeferiu o pleito liminar de remarcação do Teste de Aptidão Física (TAF) nos autos de mandado de segurança, em virtude da curta margem temporal entre a liberação médica para atividades físicas e a convocação para o exame. Agravo interno interposto pelo Estado do Ceará contra decisão do Relator que deferiu, em parte, a tutela antecipada recursal. Requerimento superveniente da impetrante quanto à aplicação de multa pessoal ante o descumprimento da ordem provisória. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO 2. Há duas questões em discussão: (i) avaliar a existência do direito à remarcação do teste de aptidão física em prazo razoável para candidata em estado pós-parto, independentemente de previsão em edital; e (ii) definir a possibilidade de imposição de multa pessoal à autoridade coatora em razão do descumprimento parcial da decisão liminar que assegurou o referido direito. III. RAZÕES DE DECIDIR 3. O ordenamento jurídico brasileiro assegura proteção especial à maternidade, à gestante e ao nascituro, impondo à Administração Pública o dever de adotar medidas que garantam a saúde, a igualdade de condições e a dignidade da mulher em período gestacional e puerperal. 4. O Supremo Tribunal Federal, ao julgar o Tema 973 da Repercussão Geral, firmou a tese de que é constitucional a remarcação de teste de aptidão física para candidatas gestantes, mesmo sem previsão editalícia, como forma de garantir igualdade material e proteção à maternidade. 5. O Superior Tribunal de Justiça, por sua vez, ampliou esse entendimento às candidatas lactantes e em resguardo pós-parto, considerando incompatível com a dignidade da pessoa humana a submissão dessas mulheres a testes físicos extenuantes em prazos inadequados. 6. A convocação da candidata para o exame físico no quinto mês após o parto cesáreo configura afronta aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, especialmente porque, conforme orientação médica, ela esteve impedida de realizar atividades físicas durante os quatro primeiros meses do puerpério. Assim, o período restante - de apenas um mês - não se revela razoável nem suficiente para a devida preparação física exigida para a etapa do certame. Estão presentes, assim, a probabilidade do direito e a urgência da medida. 7. Entende-se que a designação de nova data para a realização do teste físico, com antecedência mínima de 60 (sessenta) dias para treinamento, afigura-se compatível com o atestado médico constante dos autos, com os princípios constitucionais e infraconstitucionais correlatos e com a jurisprudência pátria dominante. 8. Por fim, constata-se o descumprimento parcial da decisão liminar por parte da autoridade coatora, o que justifica a imposição de multa pessoal. IV. DISPOSITIVO 9. Agravo de instrumento conhecido e parcialmente provido. Agravo interno prejudicado. Dispositivos relevantes citados: CF/1988, arts. 6º, 7º, XVIII, 201, II, 203, I, e 226, § 7º; CC, art. 2º; Lei 12.016/2009, art. 26. Jurisprudência relevante citada: STF, RE nº 1058333 (Tema 973), Rel. Min. Luiz Fux, j. 21.11.2018; STJ, RMS nº 52622/MG, Rel. Min. Gurgel de Faria, j. 26.03.2019; STJ, AgInt no REsp nº 1405170/PR, Rel. Min. Sérgio Kukina, j. 11.06.2019; TJCE, AC nº 0099362-86.2007.8.06.0001, Rel. Des. José Tarcílio Souza, j. 27.02.2023; TJCE, Apelação nº 0181938-63.2012.8.06.0001, Rel. Des. Lisete de Sousa Gadelha, j. 16.04.2018. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos, acorda a 1ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará, por julgamento de Turma e decisão unânime, em conhecer do agravo de instrumento, para dar-lhe parcial provimento, julgando prejudicado o agravo interno, nos termos do voto do Relator. Fortaleza, 7 de julho de 2025. DESEMBARGADOR FERNANDO LUIZ XIMENES ROCHA Relator RELATÓRIO Cuida-se de agravo de instrumento interposto por Jessyca Maria Fernandes Luna Ribeiro Alencar contra decisão interlocutória (id. 17025996, p. 20-23) proferida pelo Juiz de Direito Emilio de Medeiros Viana, da 10ª Vara da Fazenda Pública da Comarca de Fortaleza, nos autos de mandado de segurança (Processo nº 3043608-15.2024.8.06.0001) impetrado em face do Presidente da Comissão Permanente de Trabalho responsável pelas demandas referentes aos concursos finalizados para os cargos de Soldado e Tenente da Polícia Militar do Estado do Ceará (Portaria nº 0142/2023 - GC), que negou a medida liminar requestada, nestes termos: […] O STF há muito editou precedente qualificado, assegurando às gestantes na época da respectiva aplicação o direito à remarcação do teste de aptidão física levado a efeito em concurso público (Tese correspondente ao Tema 973 da sistemática da Repercussão Geral). Aludida autorização não se traduz na possibilidade de que seja outorgado prazo irrazoável para a realização do teste de aptidão física. Não se pode ignorar as restrições pra a vida normal da mulher que resultam de parto, especialmente o cesáreo Nada obstante, é adequado estender demasiadamente o prazo para realização de teste de aptidão física, mesmo quando já superado em quase cinquenta dias o prazo de restrição da imperante para a realização de atividades físicas. De mais a mais, não reside nos autos prova de que a autoridade impetrada tenha agendado a segunda oportunidade para o teste de aptidão física (para ontem e hoje) e de que tenha recusado remarcação. Impossível, em tais condições, cogitar de risco de ineficácia da decisão porventura proferida ao final. Sendo assim, impõe-se a REJEIÇÃO, ao menos por agora, do pleito de liminar. [sic] A impetrante protocolou petição visando à retratação do decisum, porém o Juízo a quo manteve o indeferimento da liminar (id. 17025996, p. 6-8). Nas razões recursais (id. 17025679), a agravante alega, em síntese, que: a) obteve, a partir do julgamento do Processo nº 0103829-88.2019.8.06.0001 (transitado em julgado em 13/12/2022), o direito de participar da terceira fase do concurso público para o ingresso no Cargo de Primeiro Tenente do Quadro de Oficiais da Polícia Militar do Estado do Ceará (Edital nº 07/2014), qual seja, o Curso de Formação; b) em 28/05/2024, em virtude de gestação, requereu a fruição de regime especial à Academia Estadual de Segurança Pública (AESP), o que foi deferido, garantindo-lhe o retorno às atividades do curso após 3 (três) meses da data do parto (cesariana realizada em 28/06/2024), sem prejuízo de eventual prorrogação; c) na data prevista para término do período de regime especial, em 29/09/2024, o curso de formação estava suspenso, desde o dia 14/09/2024, ou seja, não havia nenhuma disciplina sendo lecionada; d) em 17/10/2024, colocou-se à disposição da AESP, por meio de requerimento administrativo, para retornar às atividades acadêmicas de forma gradativa, ficando no aguardo de deliberação; e) em 30/10/2024, antes de retornar às atividades acadêmicas, realizou avaliação psicológica, sendo aprovada; f) em 11/11/2024, foi convocada, via whatsapp, para a retomada das aulas, que se daria no dia 25 do mesmo mês; g) em 22/11/2024, foi surpreendida com a sua convocação para a realização do Teste de Aptidão Física (TAF), a se realizar nos dias 28 e 29 de novembro do respectivo ano; h) o teste físico fora designado precocemente para após 03 (três) dias de seu retorno ao curso de formação, não sendo-lhe viabilizada a participação nas aulas de educação física militar, nem mesmo tempo hábil para se preparar fora do ambiente acadêmico; i) o médico obstetra, responsável pelo seu parto cesárea, atestou que a liberação para realização de esforço físico maior somente seria possível após 04 (quatro) meses do procedimento cirúrgico, ou seja, em 29/10/2024, o que diminuiria ainda mais o tempo de preparo para a realização do TAF, extinguindo sua possibilidade de aprovação; j) apesar de devidamente liberada para realização de atividade física, o esforço exigido para a aprovação do aludido teste é de alta intensidade, o que impossibilita sua participação em igualdade de condições com os demais candidatos, devido à recente intervenção cesariana a qual fora submetida; k) em 12/12/2024, quando aguardava a resposta do requerimento de remarcação da 1ª oportunidade do TAF, formulado perante a Comissão Organizadora, fora novamente convocada para a 2ª e última oportunidade do teste, prevista para acontecer no dia 20 de dezembro; e l) o indeferimento da liminar deve ser revisto porque candidata grávida ou em estado de recuperação pós-parto merece receber tratamento diferenciado, especialmente à luz do Tema 973 do STF e do julgamento do RE 1519280 AP. Sob tais fundamentos, requer a concessão da tutela antecipada recursal para anular a anterior convocação para o teste de aptidão física, bem como para determinar a concessão de prazo de, no mínimo, 180 (cento e oitenta) dias, até a realização de novo teste, a contar da marcação, para seu preparo físico em tempo adequado. O recurso veio instruído com a documentação constante dos ids. 17025680 a 17025996. Distribuição por sorteio para este relator, em 19/12/2024, na abrangência da 1ª Câmara de Direito Público. Por meio de decisão interlocutória (id. 17284854), deferi parcialmente a tutela antecipada recursal pleiteada, determinando à autoridade coatora que designasse nova data para a realização do teste de aptidão física pela impetrante/agravante, respeitado o prazo mínimo de 60 (sessenta) dias, a contar da efetiva convocação para o referido ato. O Estado do Ceará apresentou contrarrazões ao recurso (id. 17729493), pugnando pela manutenção da decisão agravada. Na mesma oportunidade, interpôs agravo interno (id. 17729492), requerendo a reconsideração da decisão interlocutória ou, alternativamente, a submissão da insurgência a julgamento pelo colegiado. Após petição da candidata noticiando o descumprimento da decisão liminar e seu consequente desligamento do concurso para o cargo de 1º Tenente da PMCE - conforme publicação no Diário Oficial do Estado em 28/01/2025, data posterior ao deferimento da medida liminar (id. 17807490) -, adverti a autoridade coatora acerca da possibilidade de aplicação de multa diária no valor de R$ 1.000,00 (mil reais), limitada ao montante de R$ 30.000,00 (trinta mil reais), em caso de persistência no descumprimento da ordem judicial (id. 18051355). Em parecer ministerial, o Procurador de Justiça Luis Laércio Fernandes Melo opinou pelo parcial provimento do agravo de instrumento (id. 19885650). Em novas petições (ids. 19370930 e 20539345), a recorrente apontou a recalcitrância da autoridade coatora e do Estado do Ceará em cumprir integralmente a decisão liminar e requereu a expedição de ofício à Academia Estadual de Segurança Pública do Estado do Ceará-AESP, para que fosse determinada sua imediata reconvocação às aulas e demais atividades acadêmicas, sob pena de multa diária a ser aplicada pessoalmente ao diretor da referida instituição. Autos conclusos em 31/05/2025. É o relatório. VOTO Conferidos os pressupostos de admissibilidade e estando o agravo de instrumento apto a julgamento, passo à sua análise em conjunto com o agravo interno. O cerne da controvérsia consiste no pleito de remarcação de Teste de Aptidão Física (TAF), pertinente ao Curso de Formação de Oficiais para o ingresso no Cargo de Primeiro Tenente do Quadro de Oficiais da Polícia Militar do Estado do Ceará (Edital nº 07/2014), no qual a agravante se encontra matriculada por força de decisão judicial transitada em julgado (ref. ao Processo nº 0103829-88.2019.8.06.0001), para período não inferior a 180 (cento e oitenta) dias, em razão de parto cesárea realizado em 28/06/2024. A ação mandamental foi protocolada em 18/12/2024. Na inicial, a impetrante ressente-se de que foi convocada para realizar o teste físico em situação puerperal (1ª oportunidade: dias 28 e 29 de novembro de 2024; 2ª oportunidade: dia 20 de dezembro de 2024), sem que houvesse disposto de tempo necessário para preparar-se, já que estava impossibilitada de fazer esforço físico durante os 04 (quatro) meses subsequentes ao parto, consoante atestado por seu médico obstetra (id. 17025683). Pleiteou medida liminar para tornar nula a convocação para o teste, assim como a redesignação da respectiva avaliação física, com, no mínimo, 180 (cento e oitenta) dias de antecedência, a fim de que fosse possível o seu preparo físico em tempo hábil. Pois bem. Ab initio, salienta-se que a proteção jurídica conferida à gestante e à maternidade no ordenamento jurídico brasileiro encontra respaldo em diversas normas constitucionais e infraconstitucionais. A Constituição Federal de 1988 consagra essa tutela em seus artigos 6º (enquanto direito social), 7º, inciso XVIII (assegurando a licença-maternidade), 201, inciso II (no âmbito da previdência social), e 203, I (no contexto da assistência social). Além disso, o Código Civil, em seu artigo 2º, estabelece a salvaguarda dos direitos do nascituro desde a concepção. A recusa em conceder tratamento diferenciado a candidatas em período gestacional ou puerperal configura violação ao princípio da isonomia, uma vez que essas mulheres se encontram em condição específica que as distingue dos demais concorrentes. Exigi-las que se submetam a etapas do certame que possam comprometer sua saúde ou a do recém-nascido (ou a do nascituro) revela-se medida irrazoável e incompatível com os preceitos legais que asseguram a dignidade da pessoa humana, bem como a proteção integral à maternidade e ao desenvolvimento da criança. Sobre o tema, o Supremo Tribunal Federal, sob a sistemática da Repercussão Geral, no julgamento do RE 1058333 (Tema 973), definiu a seguinte tese jurídica: É constitucional a remarcação do teste de aptidão física de candidata que esteja grávida à época de sua realização, independentemente da previsão expressa em edital do concurso público. A ementa ficou assim redigida: RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. CANDIDATA GRÁVIDA À ÉPOCA DA REALIZAÇÃO DO TESTE DE APTIDÃO FÍSICA. POSSIBILIDADE DE REMARCAÇÃO INDEPENDENTE DE PREVISÃO EDITALÍCIA. DIREITO À IGUALDADE, DIGNIDADE HUMANA E LIBERDADE REPRODUTIVA. RECURSO EXTRAORDINÁRIO DESPROVIDO. 1) O teste de aptidão física para a candidata gestante pode ser remarcado, posto direito subjetivo que promove a igualdade de gênero, a busca pela felicidade, a liberdade reprodutiva e outros valores encartados pelo constituinte como ideário da nação brasileira. 2) A remarcação do teste de aptidão física, como único meio possível de viabilizar que a candidata gestante à época do teste continue participando do certame, estende-lhe oportunidades de vida que se descortinam para outros, oportunizando o acesso mais isonômico a cargos públicos. [sic] 3) O princípio da isonomia se resguarda, ainda, por a candidata ter de, superado o estado gravídico, comprovar que possui a mesma aptidão física exigida para os demais candidatos, obtendo a performance mínima. 4) A família, mercê de ser a base da sociedade, tem especial proteção do Estado (artigo 226 da CRFB), sendo certo que a Constituição de República se posicionou expressamente a favor da proteção à maternidade (artigo 6º) e assegurou direito ao planejamento familiar (artigo 226, § 7º), além de encontrar especial tutela no direito de previdência social (artigo 201, II) e no direito de assistência social (artigo 203, I). 5) O direito à saúde, tutelado expressamente no artigo 6º, requer uma especial proteção no presente caso, vez que a prática de esforços físicos incompatíveis com a fase gestacional pode por em risco a saúde da gestante ou mesmo do bebê. 6) O constituinte expressamente vedou qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou privadas que obstaculize o planejamento familiar (art. 226, § 7º), assim como assegurou o acesso às informações e meios para sua efetivação e impôs o dever de propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito. 7) A ampla acessibilidade a cargos, empregos e funções públicas é assegurada expressamente em nosso sistema constitucional (art. 37, I), como corolário do princípio da isonomia, da participação política e o da eficiência administrativa. 8) A remarcação do teste de aptidão física realiza com efetividade os postulados constitucionais, atingindo os melhores resultados com recursos mínimos, vez que o certame prossegue quanto aos demais candidatos, sem descuidar do cânone da impessoalidade. 9) A continuidade do concurso em geral, com reserva de vagas em quantidade correspondente ao número de candidatas gestantes, permite que Administração Pública gerencial desde logo supra sua deficiência de contingente profissional, escopo último do concurso, assim como permite que os candidatos aprovados possam ser desde logo nomeados e empossados, respeitada a ordem de classificação. 10) O adiamento fundamentado na condição gestatória se estende pelo período necessário para superação da condição, cujas condições e prazos devem ser determinados pela Administração Pública, preferencialmente em edital, resguardada a discricionariedade do administrador público e o princípio da vinculação às cláusulas editalícias. 11) A inexistência de previsão em em edital do direito à remarcação, como no presente caso, não afasta o direito da candidata gestante, vez que fundado em valores constitucionais maiores cuja juridicidade se irradia por todo o ordenamento jurídico. Por essa mesma razão, ainda que houvesse previsão expressa em sentido contrário, assegurado estaria o direito à remarcação do teste de aptidão para a candidata gestante. 12) A mera previsão em edital do requisito criado pelo administrador público não exsurge o reconhecimento automático de sua juridicidade. 13) A gravidez não se insere na categoria de "problema temporário de saúde" de que trata o Tema 335 de Repercussão Geral. É que a condição de gestante goza de proteção constitucional reforçada, por ter o constituinte estabelecido expressamente a proteção à maternidade, à família e ao planejamento familiar. 14) Nego provimento ao recurso, para fixar a tese de que "É constitucional a remarcação do teste de aptidão física de candidata aprovada nas provas escritas que esteja grávida à época de sua realização, independentemente da previsão expressa em edital do concurso público". (STF - RE: 1058333 PR, Relator: LUIZ FUX, Data de Julgamento: 21/11/2018, Tribunal Pleno, Data de Publicação: 27/07/2020) [Grifei] O Superior Tribunal de Justiça, por sua vez, tem ampliado a interpretação acerca da remarcação de etapas em concursos públicos, de modo a contemplar as candidatas lactantes: ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. AGENTE PENITENCIÁRIO FEMININO. CURSO DE FORMAÇÃO . CANDIDATA LACTANTE. PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL. REMARCAÇÃO. POSSIBILIDADE . 1. O Supremo Tribunal Federal, sob a sistemática da repercussão geral (RE 630.733/DF), pacificou o entendimento de que não há direito à remarcação de provas de concurso público em razão de circunstâncias pessoais dos candidatos, exceto se previsto em edital, julgado este que tem sido acompanhado pelas duas Turmas de Direito Público desta Corte Superior. 2 . Em julgamento mais hodierno, a Excelsa Corte, também sob a sistemática da repercussão geral, entendendo que o RE 630.733/DF não seria aplicável às candidatas gestantes, estabeleceu a seguinte tese: "É constitucional a remarcação do teste de aptidão física de candidata que esteja grávida à época de sua realização, independentemente da previsão expressa em edital do concurso público". 3. Hipótese em que as premissas estabelecidas no novel julgado são plenamente aplicáveis à candidata que, ao ser convocada para o Curso de Formação para o cargo de Agente Penitenciário Feminino, encontrava-se em licença maternidade, com apenas um mês de nascimento da sua filha, período em que sabidamente todas as mulheres estão impossibilitadas de praticar atividades físicas, estando totalmente voltadas para amamentação e cuidados com o recém-nascido. 4. Direitos constitucionalmente previstos (saúde, maternidade, família e planejamento familiar) que devem ser protegidos, merecendo a candidata lactante o mesmo amparo estabelecido pelo STF para as gestantes. 5. Recurso provido. (STJ - RMS: 52622 MG 2016/0315894-7, Relator.: Ministro GURGEL DE FARIA, Data de Julgamento: 26/03/2019, T1 - PRIMEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 29/03/2019) [Grifei] ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. CONCURSO PÚBLICO. POLICIAL MILITAR ESTADUAL. TESTE DE APTIDÃO FÍSICA (TAF). REMARCAÇÃO POR FORÇA MAIOR. GRAVIDEZ. POSSIBILIDADE. PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA ISONOMIA. PRECEDENTES DO STF E DO STJ. 1. Cuida-se de recurso ordinário interposto contra acórdão que, por maioria, denegou a segurança em pleito para remarcação de teste de aptidão física em razão da comprovada gravidez da candidata. 2. A fase denominada teste de aptidão e avaliação física foi iniciada após dois anos do transcurso das inscrições, configurando razoável identificar a situação da candidata como imprevista e de força maior; o edital de convocação dos candidatos não previu essa possibilidade, apenas indicando que gestantes deveriam comparecer às provas munidas de atestado médico para realizar os testes, em igualdade com as demais candidatas, após a firma de termo de responsabilidade pessoal por eventual dano físico. 3. O Tribunal de origem considerou que a violação versava sobre o não comparecimento, quando resta claro que a impetração deu-se contra a norma do edital concretizada pelo afastamento da candidata gestante do certame. 4. O Supremo Tribunal Federal pacificou o tema no sentido de que é possível a remarcação dos testes de aptidão física sem que isto implique qualquer violação do princípio constitucional da isonomia. Precedentes: AgRg no AI 825.545/PE, Relator Min. Ricardo Lewandowski, Primeira Turma, publicado no DJe 084 em 6.5.2011 e no Ementário vol. 2516-03, p. 623; AgRg no RE 598.759/AL, Relatora Min. Cármen Lúcia, Primeira Turma, publicado no DJe 223 em 27.11.2009 e no Ementário vol. 2384-06, p. 1145; AgRg no AI 630.487/DF, Relatora Min. Cármen Lúcia, Primeira Turma, publicado no DJe 030 em 13.2.2009, no Ementário vol. 2348-06, p. 1168 e no LEXSTF v. 31, n. 362, 2009, p. 114-119; e AgRg no RE 376.607/DF, Relator Min. Eros Grau, Segunda Turma, publicado no DJ em 5.5.2006, p. 35 e no Ementário vol. 2231-03, p. 589. 5. A jurisprudência da Sexta Turma do STJ tem acompanhado o entendimento do STF, no sentido da possibilidade de remarcação dos testes de aptidão física sem que isto induza violação do edital ou do princípio da isonomia. Precedentes: RMS 28.400/BA, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, DJe 27.2.2013; e RMS 31.505/CE, Rel. Ministra Maria Thereza de Assis Moura, DJe 27.8.2012. Recurso ordinário provido. (STJ - RMS: 37328 AP 2012/0049916-9, Relator: Ministro HUMBERTO MARTINS, Data de Julgamento: 21/03/2013, T2 - SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJe 02/04/2013) [Grifei] Essa posição reflete a sensibilidade da Corte Superior em reconhecer as condições peculiares do período de amamentação e a necessidade de proteção da mãe e do recém-nascido. Impedir a lactante de realizar as provas ou submetê-la a condições que comprometam o aleitamento materno e a saúde do bebê seria uma violação aos princípios da dignidade da pessoa humana, da isonomia e da proteção à maternidade e infância, já consagrados na Constituição Federal. Nesta senda, diversos precedentes têm reconhecido que o prazo de 120 (cento e vinte) dias após o parto configura lapso temporal razoável para a recuperação da parturiente, sendo necessário assegurar, ainda, período adicional para sua preparação física, tendo em vista que o TAF demanda esforço intenso e condicionamento específico. A propósito, cito precedentes deste Tribunal de Justiça em situações similares: CONCURSO PÚBLICO. TESTE DE APTIDÃO FÍSICA. CANDIDATA EM ESTADO PUERPERAL. POSSIBILIDADE DE REMARCAÇÃO. MITIGAÇÃO DA TESE EDITALÍCIA. DIREITOS GARANTIDOS CONSTITUCIONALMENTE. TESE DE REPERCUSSÃO GERAL Nº 973. APLICAÇÃO AO CASO. NECESSIDADE DE INTERVENÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO NA LIDE. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. SENTENÇA MANTIDA. 1 - Trata-se de recurso de apelação que busca a reforma da sentença de primeiro grau, que deu provimento ao pedido da ação ordinária com pleito de tutela antecipada em face do apelante. 2 - "Possibilidade de remarcação do teste de aptidão física de candidata grávida à época de sua realização, independentemente de haver previsão expressa nesse sentido no edital do concurso público". (Tema 973, STF) 3 - No presente caso, a candidata estava no período do puerpério à época da realização do teste físico do certame, não se encontrando em igualdade de condições com os demais candidatos, devendo ser afastada a previsão do edital quanto a impossibilidade de remarcação do teste. 4 - A garantia à maternidade, à gestante e lactante não afronta o princípio da isonomia, ao contrário, impedir que a parte autora continue nas demais fases do certame, por se encontrar em um período pós-parto, violaria a isonomia 5 - Resta demonstrada a necessidade de intervenção do Poder Judiciário no caso, tendo em vista que a autora comprovou que estava no puerpério durante a data da realização do teste físico, devendo ser aplicado o Tema 973 do STF ao caso. 6 - Recurso de apelação conhecido e desprovido. Sentença mantida. (TJ-CE - AC: 00993628620078060001 Fortaleza, Relator: JOSÉ TARCÍLIO SOUZA DA SILVA, Data de Julgamento: 27/02/2023, 1ª Câmara Direito Público, Data de Publicação: 27/02/2023) [Grifei] CONSTITUCIONAL. PROCESSUAL CIVIL. REMESSA NECESSÁRIA E APELAÇÃO. CONCURSO PÚBLICO PARA PERÍCIA FORENSE - PEFOCE. CONVOCAÇÃO PARA TESTE DE APTIDÃO FÍSICA. CANDIDATA EM PERÍODO GESTACIONAL. SOLICITAÇÃO DE DESIGNAÇÃO DE NOVA DATA. POSSIBILIDADE. INAPLICABILIDADE DO TEMA 335 DO STF (PARTICIPANTE COM DOENÇA INCAPACITANTE) - REPERCUSSÃO GERAL. CASOS DISTINTOS. OBSERVÂNCIA AO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. PRECEDENTES STF E TJCE. REMESSA NECESSÁRIA E APELAÇÃO CONHECIDAS E DESPROVIDAS. SENTENÇA MANTIDA, NO SENTIDO DE CONCEDER A SEGURANÇA. 1. Cuida-se de Apelação Cível/Remessa Necessária de Sentença proferida pelo MM. Juiz de Direito da 3ª Vara da Fazenda Pública da Comarca de Fortaleza/CE que, nos autos do Mandado de Segurança, autuada sob o nº.0181938-63.2012.8.06.0001, ajuizado por KATIUSCIA THIERS LEITÃO LIMA, em face do ESTADO DO CEARÁ, que concedeu a segurança postulada, ratificando a liminar, para que fosse designada nova data, para a realização do teste de aptidão física pela impetrante, com pelo menos 120 (cento e vinte dias), após o parto, garantindo, ainda, o período necessário para o respectivo treinamento físico, como meio de evitar prejuízo na continuidade da autora, no certame promovido pela Perícia Forense do Estado do Ceará - PEFOCE. 2. Em suas razões recursais, o Estado do Ceará alegou a impossibilidade da realização de novo exame físico para os casos de candidatas grávidas, devendo ser aplicado o entendimento do Supremo Tribunal Federal em Repercussão Geral. 3. Ocorre que, analisando o Edital nº. 1 - PEFOCE, de 08 de dezembro de 2011, acostado às págs. 14/50, verifico ausência de previsão editalícia que possua como objetivo a eliminação de candidatas que estivessem em período gestacional, ou seja, o tema não foi abordado no edital em questão, não havendo dessa forma se falar na preservação do Princípio da Vinculação Editalícia. Precedentes do STJ. 4. Vale mencionar, que o caso aqui discutido, difere daqueles apresentados na jurisprudência do STJ, sendo realizado a devida distinção, portanto, inexistindo afronta ao inciso VI, § 1º do artigo 489 do Código de Processo Civil/2015. Explico. 5. O fato tratado neste voto não se refere à candidata portadora de doença incapacitante para o teste físico, como o examinado no Tema 335 de Repercussão Geral (RE 630.733), mas sim, de demandante que está em período gestacional, o que não se confundem. Entendimento esse adotado pela eminente Ministra Rosa Weber e também assunto tratado em pronunciamento do Exmo. Ministro Luiz Fux ao analisar casos semelhantes. Precedentes do STF e TJCE. 6. Foi nesse sentido que a Ilma. Ministra epigrafada ressaltou que seria "inaplicável ao caso a orientação firmada no julgamento do RE 630.733, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado sob a sistemática da repercussão geral, no qual decidiu-se pela impossibilidade de remarcação de teste físico em razão de problema temporário de saúde quando presente vedação expressa no edital. Com efeito, a hipótese presente versa situação fática distinta, conforme consignado pela Corte de origem, porquanto '(...) não há previsão no edital no sentido de que a candidata será eliminada em virtude de gravidez (...)', tampouco constitui estado de gravidez 'problema temporário de saúde". (STJ, ARE 820.065-AgR, Rel. Min. Rosa Weber, Primeira Turma, DJe de 17/12/2015)."7. Dessa forma, conforme fartamente demonstrado nesse voto e em consonância com o entendimento jurisprudencial atual, restou configurado o direito líquido e certo da impetrante, ora apelada, em ter designado uma nova data para a realização de teste físico, por tratar-se de candidata em período gestacional, prevalecendo, assim, o Princípio da Dignidade Humana, além de já realizada a distinção necessária em relação ao acordado no supracitado Tema de Repercussão Geral, vez que, é cediço não tratar o período gestacional como equivalente à portador de doença. 8. Remessa Necessária e Apelação Cível conhecidas e desprovidas. Sentença mantida, para conceder a segurança. (TJ-CE - Apelação: 0181938-63.2012.8.06.0001 Fortaleza, Relator: LISETE DE SOUSA GADELHA, Data de Julgamento: 16/04/2018, 1ª Câmara Direito Público, Data de Publicação: 16/04/2018) [Grifei] EMENTA: CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO ORDINÁRIA. PRELIMINAR DE ILEGITIMIDADE PASSIVA DO MUNICÍPIO DE FORTALEZA REJEITADA. SENTENÇA DE EXTINÇÃO DO PROCESSO POR PERDA SUPERVENIENTE DE INTERESSE PROCESSUAL. ERRO DE FATO. DESCONSTITUIÇÃO. CANDIDATA GESTANTE. ELIMINAÇÃO NA FASE DE EXAME DE APTIDÃO. RISCOS À VIDA DO NASCITURO. PRETENSÃO DE POSTERGAÇÃO DO EXAME. POSSIBILIDADE. PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL À MATERNIDADE E À GESTANTE. PRINCÍPIO DA ISONOMIA. PRECEDENTES DO STJ E DO TJ/CE. SENTENÇA DESCONSTITUÍDA DE OFÍCIO. CAUSA MADURA. PROCEDÊNCIA DA PRETENSÃO AUTORAL. 1. Tratando-se de ação ordinária versando sobre a exclusão de candidato em concurso público, a legitimidade passiva é do ente responsável pela realização, regulamentação e organização do certame. No caso, verifica-se que o Edital do Concurso foi lançado pelo Município de Fortaleza, através de seu Secretário de Administração, a configurar a legitimidade do Ente municipal para figurar no polo passivo da presente demanda. 3. Assiste razão à apelante ao afirmar que não houve a revogação pelo Tribunal de Justiça da tutela de urgência concedida pelo Juízo a quo, pois o acórdão apontado pela sentença atacada, que extinguiu a ação por perda superveniente de objeto, refere-se a ação envolvendo partes distintas, sendo evidente o a existência do apontado erro de fato. Nessa perspectiva, cumpre o reconhecimento da nulidade da sentença e o imediato julgamento do pleito autoral, nos termos do art. 1.013, § 3º, inciso II, do CPC, tendo em vista a causa se encontrar madura para julgamento. 4. A controvérsia consiste em verificar a existência ou não do direito subjetivo da demandante, aprovada em concurso público, à postergação da realização do exame de aptidão física, em razão do risco ao seu estado gravídico. 5. A Constituição Federal confere proteção à gestante e à maternidade (art. 6º; art. 7º, XVIII; art. 201, II; art. 203, todos da CF/88). Outrossim, o Código Civil protege desde a concepção, os direitos do nascituro (art. 2º do CC/02). Ademais, a ausência de tratamento diferenciado às candidatas em período gestacional ou puerperal viola o princípio da isonomia, na medida em que se encontram em condições diversas dos demais concorrentes e a realização dos exames em tela exporiam elas e seus filhos a eventuais riscos e prejuízos. Precedentes do STJ e TJ/CE. 6. Desconstituição da sentença. Julgamento imediato da lide. Reconhecimento da procedência da pretensão autoral. Apelo conhecido e provido. (Apelação Cível - 01288363420098060001, Relator(a): TEREZE NEUMANN DUARTE CHAVES, 2ª Câmara Direito Público, Data do julgamento: 19/04/2023) [Grifei] CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO PARA DELEGADO. EXAME FÍSICO. CANDIDATA EM RESGUARDO PÓS-PARTO NA DATA MARCADA, POIS HAVIA DADO À LUZ HÁ 6 (SEIS) DIAS. POSSIBILIDADE DE REMARCAÇÃO. OBSERVÂNCIA DOS PRINCÍPIOS DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA, DA ISONOMIA, DA RAZOABILIDADE E DA PROTEÇÃO À FAMÍLIA E À MATERNIDADE. PRECEDENTES DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL E DESTA CORTE DE JUSTIÇA. I. O cerne do presente caso cinge-se em analisar a possibilidade de candidata de concurso público realizar o exame de capacidade física em data distinta da indicada no edital do certame, tendo em vista estar a candidata de resguardo pós-parto. II. É cediço que o edital é a lei do concurso, devendo, assim, todos os candidatos se submeterem às suas regras e determinações, em conformidade com o princípio da vinculação. Ocorre que certas situações refogem ao previsto no edital, seja porque não estão ali previstas, seja pelo fato de ser um fato imprevisível ou excepcional. Assim, nesses casos, cumpre a análise do caso concreto em consonância com os princípios que regem o Direito Administrativo e o Direito Constitucional, notadamente o da razoabilidade, da isonomia e da dignidade da pessoa humana. III. No caso em tela, de fato, não resta prevista, expressamente, no edital nº 014/2006, a possibilidade de adiamento da prova de aptidão física por conta do estado gravídico de candidata ou por resguardo pós-parto. De outra banda, encontra-se candidata que foi aprovada na primeira fase, no exame de sanidade mental e na prova oral, mas que foi impossibilitada de realizar o teste de aptidão física por ter dado à luz a seu filho há apenas 6 (seis) dias da realização da prova. IV. O princípio da isonomia consiste em tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na medida da desigualdade de cada um. In casu, a imposição à autora de realizar o exame físico na data prevista do edital colide com tal princípio, eis que a recorrente encontrava-se em situação de total desigualdade com os demais candidatos. Ora, em momento algum a autora quis deixar de realizar o teste de aptidão física ou mesmo desrespeitar as regras estabelecidas no edital, querendo apenas, por motivo legítimo, realizar tal exame posteriormente, quando pudesse concorrer com os demais candidatos em igualdade de condições, porquanto apenas assim seria realmente respeitado o princípio da isonomia. V. Ademais, o adiamento do teste físico, por conta da situação da autora, que estava em momento de resguardo pós-parto, é totalmente razoável e justo, notadamente levando em consideração as peculiaridades do caso. Entendimento contrário afronta diretamente o princípio da dignidade da pessoa humana, pois qualquer pessoa, seja homem ou mulher, tem conhecimento de que uma mãe com poucos dias de nascimento do seu filho não pode ficar longe deste, seja conta da amamentação ou da fragilidade da criança, e que não tem condições de se submeter a um teste físico como o previsto no edital, por conta de suas condições físicas e emocionais inerentes ao resguardo pós-parto. Outrossim, faz-se mister registrar que a conduta de obrigar uma candidata, que deu à luz a um filho poucos dias antes, a se submeter a uma prova física, sob pena de ser desclassificada do certame, afronta também a Constituição Federal de forma direta, porquanto, expressamente, em seu art. 6º, confere à proteção à maternidade status de garantia fundamental. O princípio da vinculação ao edital, portanto, em choque com os princípios acima registrados, bem como com o direito à proteção à maternidade, não tem como prevalecer. VI. A matéria ora em debate já se encontra sedimentada pelo Supremo Tribunal Federal e pelo Superior Tribunal de Justiça, que entendem pela possibilidade de remarcação de testes no caso de estado gravídico, sem que isso configure violação ao princípio da isonomia, uma vez que deve prevalecer a proteção ao nascituro e à gestante. Na situação em tela, verifica-se que a autora está amparada pelos referidos fundamentos constitucionais, uma vez que postula a remarcação de teste físico como forma de proteger sua saúde e de sua filha e, consequentemente, o direito à maternidade e sua família. Além disso, cumpre registrar que o presente entendimento não traz qualquer prejuízo à Administração, porquanto não se está permitindo a participação em certame de candidata não habilitada em outros fases, mas sim permitindo que uma candidata, em estado de resguardo e, portanto, em situação diferenciada, realize em momentos posterior o teste físico. VII. Apelação conhecida e provida. (TJ-CE - APL: 00782367720078060001 CE 0078236-77.2007.8.06.0001, Relator: INACIO DE ALENCAR CORTEZ NETO, 3ª Câmara Direito Público, Data de Publicação: 24/07/2017) [Grifei] Colaciono, ainda, julgados de outros Tribunais Estaduais: REEXAME NECESSÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. CONCURSO PÚBLICO PARA INGRESSO NO CURSO DE FORMAÇÃO DE PRAÇAS DO CORPO DE BOMBEIROS MILITAR DE SANTA CATARINA. CANDIDATA EM ESTADO PUERPERAL QUE TEVE INDEFERIDO O PEDIDO DE ADIAMENTO DO TESTE DE ESFORÇO FÍSICO (TAF). PRETENSÃO DE REAGENDAMENTO PARA 120 DIAS APÓS A DATA DO PARTO. SEGURANÇA CONCEDIDA. PRECEDENTE DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL COM REPERCUSSÃO GERAL. TEMA 973. SENTENÇA CONFIRMADA. "RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. TESTE DE APTIDÃO FÍSICA. CANDIDATA GESTANTE. DIREITO À REMARCAÇÃO SEM PREVISÃO EDITALÍCIA. TEMA 335 DA REPERCUSSÃO GERAL. RE 630.733. INAPLICABILIDADE. DIREITO À IGUALDADE, À DIGNIDADE HUMANA E À LIBERDADE REPRODUTIVA. PRINCÍPIOS DA IMPESSOALIDADE E DA EFICIÊNCIA NO CONCURSO PÚBLICO. RECONHECIDA A EXISTÊNCIA DE REPERCUSSÃO GERAL"(STF. RE 1058333 RG, Relator (a): Min. LUIZ FUX, julgado em 02/11/2017). (TJSC, Remessa Necessária Cível n. 5016978-39.2023.8.24.0091, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Jaime Ramos, Terceira Câmara de Direito Público, j. 02-04-2024) [Grifei] REEXAME NECESSÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. DIREITO ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. CANDIDATA GESTANTE. TESTE DE APTIDÃO FÍSICA. POSSIBILIDADE DE REMARCAÇÃO. TEMA 973/STF. Trata-se reexame necessário de sentença que reconheceu o direito da autora em obter a remarcação da data do teste de aptidão física para 120 após o parto. Reconhecimento do amparo constitucional à maternidade e à família. Tema 973/STF: "É constitucional a remarcação do teste de aptidão física de candidata aprovada nas provas escritas que esteja grávida à época de sua realização, independentemente da previsão expressa em edital do concurso público". Reexame necessário desprovido. (TJ-SP - Remessa Necessária Cível: 1002738-19.2020.8.26.0106 Caieiras, Relator: Nogueira Diefenthaler, Data de Julgamento: 21/08/2023, 5ª Câmara de Direito Público, Data de Publicação: 21/08/2023) [Grifei] DECISÃO: ACORDAM os Magistrados Integrantes da Quinta Câmara Cível do Egrégio Tribunal de Justiça do Paraná, por unanimidade de votos, em conhecer e negar provimento ao Reexame Necessário e Apelação Cível, nos termos do voto do Relator. EMENTA: CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO - MANDADO DE SEGURANÇA - CONCURSO PÚBLICO PARA PREENCHIMENTO DO CARGO DE POLICIAL MILITAR (POLICIAL E BOMBEIRO) - ELIMINAÇÃO DE GESTANTE DO CONCURSO POR NÃO REALIZAR TESTE DE APTIDÃO FÍSICA (EXAME DE CAPACIDADE FÍSICA E TESTE DE HABILIDADES ESPECÍFICAS - ECAFI) DESIGNADO NO CURSO DA GRAVIDEZ - COMPARECIMENTO DA CANDIDATA NO LOCAL E HORA DA PROVA COM ATESTADO MÉDICO CONFIRMATÓRIO DA GESTAÇÃO E PEDIDO DE ADIAMENTO PARA DEPOIS DO TÉRMINO DO PRAZO DA LICENÇA-MATERNIDADE CONSTITUCIONAL - INDEFERIMENTO PELA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA - INEXISTÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL E EDITALÍCIA ESPECÍFICA PARA O CASO - AUSÊNCIA DE RAZOABILIDADE OU PROPORCIONALIDADE NA EXIGÊNCIA DE REALIZAÇÃO DA PROVA DURANTE A GESTAÇÃO. ADIAMENTO DA PROVA ASSEGURADO, PARA DEPOIS DE 120 DIAS SEGUINTES AO PARTO. Não é razoável a exigência da Administração Pública de realização de prova de esforço físico também pelas candidatas gestantes no curso da gravidez, pois isso pode acarretar dano sério à saúde da gestante e do nascituro. Da mesma forma, não é razoável privar a gestante de participação em concurso público que permita a ela, depois da gravidez, ingressar em carreira pública da importância e dignidade da carreira policial militar. REEXAME NECESSÁRIO E APELAÇÃO CÍVEL, CONHECIDOS E DESPROVIDOS. (TJPR - 5ª C.Cível - ACR - 1005018-3 - Foro Central da Comarca da Região Metropolitana de Curitiba - Rel.: Luis Espíndola - Unânime - - J. 17.09.2013) [Grifei] A jurisprudência nacional reconhece, pois, o direito das candidatas gestantes à remarcação do teste de aptidão física, em observância aos direitos constitucionais à saúde, à isonomia, à proteção da maternidade e à dignidade da pessoa humana. Cabe mencionar, ademais, que o Projeto de Lei 2.429/2019, do Senado Federal, prevê que, em se tratando de gestantes, os testes de aptidão física deverão ser realizados, no mínimo, em 180 (cento e oitenta) dias e, no máximo, em 360 (trezentos e sessenta) dias após a alta hospitalar pós-parto da candidata e/ou do filho recém-nascido, o que ocorrer por último. Feitas essas considerações, passo à análise do caso concreto. Conforme se extrai dos fólios, o parto da insurgente ocorreu em 28/06/2024, tendo sido submetida, no interregno de 28/11/2024 a 29/11/2024, à primeira chamada da avaliação física, obtendo reprovação nas modalidades de abdominal, barra e corrida de 2km, cumulativamente; ou seja, nessa época, já havia transcorrido o lapso de 05 (cinco) meses desde a cirurgia cesariana. Não há notícias a respeito de seu comparecimento à segunda chamada do teste, marcada para o dia 20 de dezembro de 2024 (id. 17025996; p. 14-15). Denota-se que, nos primeiros 04 (quatro) meses que sucederam o parto, a agravante encontrava-se impossibilitada de realizar qualquer esforço físico, conforme declaração subscrita por seu médico obstetra (id. 17025683). Referido atestado médico harmoniza-se, por certo, com a jurisprudência pátria sobre o tema, que reconhece a necessidade de resguardo físico da parturiente nos primeiros 120 (cento e vinte) dias após o parto, sobretudo para atividades que demandem esforço físico intenso. Assim, constato que o período de um mês, contado após o término do repouso médico prescrito, mostra-se insuficiente para que a candidata reúna condições clínicas adequadas à realização do teste de aptidão física, sendo necessário, ao menos, um intervalo mínimo de 60 (sessenta) dias, a fim de assegurar sua plena recuperação e o seu regular preparo físico. Portanto, a medida juridicamente mais adequada é a anulação do ato administrativo que designou a primeira tentativa de realização do exame físico, porquanto eivado de ilegalidade, uma vez que foi agendado de forma precoce, sem a devida observância de período mínimo necessário à preparação física da impetrante. Registra-se que a decisão liminar inicialmente proferida por este Relator foi descumprida, uma vez que a agravante foi eliminada do certame e desligada do curso de formação. Contudo, após novo pronunciamento judicial, que incluiu advertência quanto à aplicação de multa, a candidata foi rematriculada no curso. Essa circunstância, contudo, não elide integralmente o descumprimento da ordem judicial, uma vez que, conforme informado pela recorrente nas petições de ids. 20539345 e 20741669, embora tenha sido formalmente rematriculada na AESP, foi comunicada de que não poderia frequentar as aulas juntamente com os demais candidatos. Relata que a justificativa apresentada teria sido a necessidade de, inicialmente, concluir as disciplinas de Educação Física e Defesa Pessoal relativas ao primeiro semestre para, somente após, ser autorizada a acompanhar as atividades do segundo semestre com a turma em andamento. Afirma, ainda, ter sido orientada a permanecer na biblioteca da instituição, "à disposição", até que as referidas aulas fossem devidamente repostas. Nesse contexto, impõe-se assegurar à candidata a reposição integral das aulas teóricas e práticas perdidas, bem como a remarcação das avaliações correspondentes, de forma a evitar qualquer prejuízo acadêmico. Por conseguinte, é igualmente indispensável a remarcação de seu teste de aptidão física, em conformidade com os parâmetros fixados judicialmente. À vista disso, estando caracterizada a recalcitrância dos agravados no cumprimento do decisum liminar, ainda que de forma parcial, entendo ser cabível a imposição de multa diária de natureza pessoal na espécie, mas exclusivamente em face da autoridade impetrada. Isso porque o Diretor da AESP não participa da relação processual mandamental e tal imposição violaria os princípios do contraditório e da ampla defesa, conforme entendimento consolidado no STJ, in verbis: ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. MANDADO DE SEGURANÇA. EXECUÇÃO DE MULTA DIÁRIA IMPOSTA À PRÓPRIA AUTORIDADE COATORA E AO ENTE FEDERATIVO . LEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM DO AGENTE PÚBLICO. 1. Conforme jurisprudência deste Tribunal Superior, inexiste óbice a que as astreintes possam também recair sobre a autoridade coatora recalcitrante que, sem justo motivo, cause embaraço ou deixe de dar cumprimento à decisão judicial proferida no curso da ação mandamental. 2. Assim, o agente público que participou da relação processual mandamental detém legitimidade para figurar no polo passivo da pretensão que visa à execução das astreintes. 3. Agravo interno não provido. (STJ - AgInt no REsp: 1405170 PR 2013/0319088-6, Relator.: Ministro SÉRGIO KUKINA, Data de Julgamento: 11/06/2019, T1 - PRIMEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 18/06/2019) [Grifei] ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. ANTECIPAÇÃO DOS EFEITOS DA TUTELA EM AÇÃO CIVIL PÚBLICA CONTRA O ESTADO DE SERGIPE E A FUNDAÇÃO HOSPITALAR DE SAÚDE. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS . AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO DAS TESES VEICULADAS NO RECURSO ESPECIAL. SÚMULA 211/STJ. MULTA PREVISTA NO ART. 461, §§ 4º E 5º, DO CPC . IMPOSIÇÃO AO AGENTE PÚBLICO QUE NÃO FIGUROU COMO PARTE NO PROCESSO. IMPOSSIBILIDADE. AFRONTA AO DIREITO DE AMPLA DEFESA. RECURSO ESPECIAL DESPROVIDO . 1 - O Tribunal de origem, apesar de instado a fazê-lo por meio dos competentes embargos de declaração, não se pronunciou sobre as teses versadas no presente recurso. Nesse contexto, caberia à parte recorrente, nas razões do apelo especial, indicar ofensa ao art. 535 do CPC, alegando a existência de possível omissão, providência da qual não se desincumbiu. Incide, pois, o óbice da Súmula 211/STJ . 2 - Ainda que assim não fosse, o entendimento exposto no acórdão impugnado se amolda à jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, firmada no sentido de que o agente público não pode ser pessoalmente condenado ao pagamento de astreintes se não figurou como parte na relação processual em que imposta a cominação, sob pena de afronta ao direito constitucional de ampla defesa. Precedentes. 3 - Recurso especial a que se nega provimento. (STJ - REsp: 1433805 SE 2013/0221482-0, Relator.: Ministro SÉRGIO KUKINA, Data de Julgamento: 16/06/2014, T1 - PRIMEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 24/06/2014) [Grifei] Ante o exposto, conheço do recurso e dou-lhe parcial provimento, para confirmar as decisões unipessoais anteriormente proferidas (ids. 17284854 e 18051355) e determinar à autoridade coatora e ao Estado do Ceará que, no prazo de 15 (quinze) dias: a) promovam a reinclusão da candidata na frequência regular das aulas atualmente em andamento; b) elaborem cronograma para a reposição das aulas teóricas e/ou práticas perdidas, bem como para a remarcação das avaliações correspondentes; e c) designem nova data para a realização do teste de aptidão física da candidata, respeitado o intervalo mínimo de 60 (sessenta) dias, contado da efetiva designação/convocação. Resta prejudicado o exame do agravo interno. Fica estabelecida multa diária no valor de R$ 1.000,00 (mil reais), limitada ao montante de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais), a ser aplicada tanto ao Estado do Ceará quanto à autoridade impetrada - a esta, com natureza pessoal -, em caso de descumprimento da presente decisão. Ressalte-se que tal penalidade não afasta a possibilidade de apuração de outras consequências legais, inclusive a configuração do crime de desobediência e as demais sanções previstas no art. 26 da Lei nº 12.016/2009. Cumpre reforçar, por último, que mesmo a multa cominatória recaindo exclusivamente sobre os sujeitos que figuram na relação processual, faz-se necessário dar ciência desta decisão ao Diretor da AESP, ante a constatação de que o descumprimento da liminar repercutiu diretamente na participação da candidata no curso de formação, comprometendo sua frequência às aulas. Assim, o Estado do Ceará, a autoridade coatora e o Diretor da AESP deverão ser notificados pessoalmente para que adotem as providências necessárias ao pleno e efetivo cumprimento da ordem judicial exarada. É como voto. DESEMBARGADOR FERNANDO LUIZ XIMENES ROCHA Relator A12
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