Processo nº 0200720-77.2022.8.06.0160
ID: 309729474
Tribunal: TJCE
Órgão: 2ª Vara Cível da Comarca de Santa Quitéria
Classe: PROCEDIMENTO COMUM CíVEL
Nº Processo: 0200720-77.2022.8.06.0160
Data de Disponibilização:
27/06/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
ANTONIO GOMES LIRA NETO
OAB/CE XXXXXX
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PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO CEARÁ COMARCA DE SANTA QUITÉRIA 2ª VARA CÍVEL Nº DO PROC: 0200720-77.2022.8.06.0160 CLASSE: PROCEDIMENTO COMUM CÍVEL (7) ASSUNTO: [Obrigação de Fazer / Não Fazer, Limin…
PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO CEARÁ COMARCA DE SANTA QUITÉRIA 2ª VARA CÍVEL Nº DO PROC: 0200720-77.2022.8.06.0160 CLASSE: PROCEDIMENTO COMUM CÍVEL (7) ASSUNTO: [Obrigação de Fazer / Não Fazer, Liminar] AUTOR: ANTONIO FELIPE CID MOURAO ADV AUTOR: Advogado(s) do reclamante: PEDRO AGUIAR CARNEIRO FILHO REGISTRADO(A) CIVILMENTE COMO PEDRO AGUIAR CARNEIRO FILHO REU: PEDRO HENRIQUE CATUNDA BARROSO ADV REU: Advogado(s) do reclamado: ANTONIO GOMES LIRA NETO REGISTRADO(A) CIVILMENTE COMO ANTONIO GOMES LIRA NETO Vistos, Trata-se de ação de obrigação de fazer c/c indenização por danos morais proposta por Antônio Felipe Cid Mourão em face de Pedro Henrique Catunda Barroso. Narra, em apertada síntese, que adquiriu, em 17.03.2021, o veículo Saveiro, cor branca, placa PMU 0011, de propriedade do demandado, através do corretor Breno Gomes, pelo valor de R$ 31.000,00 (trinta e um mil reais). No entanto, em 11.05.2021, o promovido procurou a autoridade policial, afirmando que estaria sendo vítima de golpe e requerendo a busca e apreensão do referido veículo, adquirido de boa-fé pelo autor há mais de um mês. Requereu a condenação do réu à obrigação de devolver e transferir o veículo para o nome do requerente, bem como ao pagamento de indenização por danos morais. Decisão id 111203340 indeferiu o pedido de tutela de urgência e determinou a designação de audiência preliminar de conciliação. Tentativa frustrada de acordo entre as partes - id 111203355. Em contestação, o demandado alega a ilegitimidade ativa, uma vez que a venda fora realizada para a empresa e o pagamento foi realizado por terceiro; e a ilegitimidade passiva, visto que o promovido não recebeu e nem se locupletou do valor pago; impugnou os benefícios da justiça gratuita requeridos pelo promovente e, no mérito, argumenta que não autorizou a venda e que o Sr. Breno teria pedido o veículo em questão para testar e em nenhum momento comunicou a venda a terceiro. Acrescenta que o autor propôs ao requerido dividir o prejuízo, o que não foi aceito, uma vez que não praticou qualquer ato ilícito, requerendo, ao final, a total improcedência da pretensão autoral (id 111203362). Réplica nos autos - id 111203370. Deferida a produção de prova oral, oportunidade em que foram ouvidas as partes e três testemunhas e determinada a abertura de vista às partes para alegações finais, após a juntada da consulta do veículo em questão (id 111203697). Espelho de consulta ao Renajud (id 111203701) e histórico de transferências do veículo (id 111203711). Alegações finais das partes (id's 111203716 e 135581263). É o relatório. Decido. De início, cumpre afastar a ilegitimidade ativa e passiva arguida pelo réu. De acordo com as declarações de imposto de renda apresentadas pelo autor, a empresa registrada sob CNPJ 10.876.994/0001-68 é de titularidade do autor e, portanto, trata-se de empresa individual, em que o patrimônio desta se confunde com a de seu sócio e, portanto, a pessoa física detém legitimidade para responder pelas obrigações civis e comerciais que assumem. Nesse sentido: PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL. LEGITIMIDADE ATIVA AD CAUSAM DO EMPRESÁRIO. REQUISITOS DA CDA. REVISÃO. SÚMULA 7/STJ. 1. O acórdão recorrido consignou: "Com efeito, compulsando-se os documentos dos autos, verifica-se que o requerente desenvolve suas atividades adotando a formatação de empresário individual (mov. 1.8). Note-se que não se trata de Sociedade Limitada (LTDA) ou Empresa Individual de Responsabilidade Limitada (EIRELI). Nesta formatação escolhida pelo empresário (empresário individual) a atividade é desenvolvida em nome próprio, não havendo, portanto, a criação de uma nova personalidade que passará a desenvolver a atividade empresarial. A rigor, é o próprio empresário individual, em nome próprio, com a integralidade de seu patrimônio, que responde pela atividade desenvolvida. (...) Isso implica dizer que na atividade desenvolvida por empresário individual não existe pessoa jurídica, como núcleo de imputação de responsabilidades. Apenas existe a pessoa física, que desenvolve a empresa em seu nome, sem qualquer outro núcleo de Ademais, eventual concessão de inscrição no Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas (CNPJ) ao empresário individual não se faz porque efetivamente existe uma pessoa jurídica passível de imputação de responsabilidades, mas para facilitar as próprias formalidades exigidas. Fenômeno diverso, a sociedade empresarial, criada por contrato social, estabelece personalidade jurídica como núcleo de imputações de obrigações. (...)Tratou-se de uma atecnia, pois, considerando se tratar de empresário individual, a pessoa jurídica propriamente dita não existe. Como não existe pessoa jurídica, não parece lícito concluir pela incorreção na designação do devedor, ou pela sua ilegitimidade passiva para responder a ação, mormente porque a suposta pessoa jurídica não se desprende do titular da atividade empresarial desenvolvida. Pelo exposto, voto por conhecer e prover o recurso, com fito de afastar a nulidade reconhecida da Certidão de Dívida Ativa, e reconhecer a legitimidade passiva do demandado, o Sr. JOSÉ FERNANDO BETETI BARROS, para responder pelo crédito tributário. De outro lado, o apelado requereu a análise dos itens 4 e 4.1 da impugnação apresentada. No entanto, entendo que estes pedidos de nulidade - baseados no suposto descumprimento dos art. 202, II e III, do Código Tributário Nacional, e art. 26 da Lei Federal nº 6.830/80 - encontram-se encobertos pela preclusão consumativa, em que pese se tratar de questão de direito. Com efeito, se o apelado entendia que estes vícios maculavam a cobrança levada a efeito pelo Município em sua execução fiscal, é certo que deveria ter apresentado a fundamentação em sua petição inicial, ou, alternativamente, formular pedido para seu aditamento. Não pode, no entanto, simplesmente inserir argumentação alheia a discussão até então havida dentro da impugnação a contestação, limitando o exercício do contraditório pelo embargado, que sequer teve oportunidade de contestar os novos argumentos lançados pela parte. Neste cenário, compreendendo estar presente a preclusão, afasto a análise dos temas. Em vistas do exposto, voto por conhecer e prover o recurso apresentado, julgando improcedentes os pedidos contidos na inicial, e condenando o embargante ao pagamento de custas e honorários advocatícios" (fls. 384-386, e-STJ, grifos acrescidos). 2. O acórdão recorrido entendeu que o empresário individual atua em nome próprio, respondendo com seu patrimônio pessoal pelas obrigações assumidas no exercício de suas atividades profissionais, sem as limitações de responsabilidade aplicáveis às sociedades empresárias e demais pessoas jurídicas. 3. A jurisprudência do STJ já fixou o entendimento de que "a empresa individual é mera ficção jurídica que permite à pessoa natural atuar no mercado com vantagens próprias da pessoa jurídica, sem que a titularidade implique distinção patrimonial entre o empresário individual e a pessoa natural titular da firma individual" (REsp 1.355.000/SP, Rel. Ministro Marco Buzzi, Quarta Turma, julgado em 20/10/2016, DJe 10/11/2016) e de que "o empresário individual responde pelas obrigações adquiridas pela pessoa jurídica, de modo que não há distinção entre pessoa física e jurídica, para os fins de direito, inclusive no tange ao patrimônio de ambos" (AREsp 508.190, Rel. Min. Marco Buzzi, DJe 4/5/2017). 4. Sendo assim, o empresário individual responde pela dívida da firma, sem necessidade de instauração do procedimento de desconsideração da personalidade jurídica (art. 50 do CC/2002 e arts. 133 e 137 do CPC/2015), por ausência de separação patrimonial que justifique esse rito. 5. O entendimento adotado pelo Tribunal de origem guarda consonância com a jurisprudência do STJ. 6. O Tribunal de origem, com base na prova dos autos, concluiu que foram preenchidos os requisitos da CDA. 7. A revisão desse entendimento demanda incursão no acervo fático-probatório dos autos, o que encontra óbice na Súmula 7/STJ, cuja incidência é induvidosa no caso sob exame. 8. Agravo Interno não provido. (AgInt no AREsp n. 1.669.328/PR, relator Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 21/9/2020, DJe de 1/10/2020.) - Destaquei. O promovido, por sua vez, detém a legitimidade passiva, vez que é inconteste que detinha a propriedade registral do veículo e foi quem buscou as medidas policiais/judiciais para reaver o veículo em questão. Desta forma, não há que se falar em ilegitimidade ativa e/ou passiva. A impugnação ao pedido de justiça gratuita formulado pelo autor resta prejudicada, uma vez que tal pedido foi indeferido - id 111203336. Afastadas as preliminares, passo à análise do mérito. A parte promovente pretende, por meio desta ação, reaver o veículo Saveiro, placas PMU 0011, além da condenação do demandado à indenização por danos morais. É inconteste que o demandado Pedro Henrique Catunda Barroso procurou a autoridade policial para relatar ter sido vítima de estelionato praticado por Breno Gomes Fernandes, visto que este teria levado o veículo em questão (Saveiro, placas PMU 0011) com o intuito de negociar, tendo passado mais de um mês sem repasse dos valores e sem atender as ligações telefônicas da vítima, ora promovido, conforme boletim de ocorrência lavrado em 11.05.2021. Também é incontroverso que o autor adquiriu o veículo em questão de Breno Gomes Fernandes, conforme tratativas através de aplicativo de mensagens Whatsapp - id 111204925. Dali se depreende também que o autor pediu a foto da transferência a Breno, que respondeu "vou pedir", tendo enviado depois, através do mesmo aplicativo de mensagens. O pagamento efetuado pelo autor a Breno Gomes Fernandes, nos termos da tratativa pelo aplicativo de mensagens, também foi comprovado conforme id 111204925 - págs. 3 e 4. A controvérsia gira unicamente em torno da regularidade da negociação entre o autor e Breno, que segundo o demandado, não teria poderes para efetuar a venda. De início, cumpre ressaltar que o próprio promovido reconhece Breno Gomes Fernandes como corretor de automóveis e que este teria passado em seu escritório e levado o automóvel, com intuito de negociar com terceiros, conforme narrativa constante do boletim de ocorrência (id 111203721). Assim, cai por terra a tese apresentada pelo demandado no sentido de que Breno não teria autorização para negociar o veículo. Tanto tinha que somente após um mês, o promovido passou a estranhar o comportamento do corretor em não atender as ligações telefônicas e resolveu procurar o automóvel. Ora, se aquele corretor tinha poderes tão somente para avaliar o veículo, conforme afirma o réu, não é razoável que a avaliação demorasse tanto a se concretizar. Também não se sustenta a afirmativa do promovido no sentido de que não tinha relação de confiança com Breno, vez que restou evidenciado outro negócio realizado por este com veículo de sua propriedade (Audi A3, placas OSN 0708). Vejamos o que disse o demandado em juízo, em outras palavras: que conheceu Breno há uns dez anos; que não era pessoa de sua confiança, pois só o conhecia da cidade; que em momento algum fez negócio com Breno; que Breno passou no escritório do depoente e pegou o carro para avaliar; que depois, Breno sumiu e o depoente procurou a delegacia e fez um boletim de ocorrência; que demorou a fazer o B.O. porque estava tentando localizar Breno; que o carro tinha rastreador; que preferiu buscar a polícia para localizar o veiculo, pois achou a forma mais correta; que não sabia com quem estava o carro; que chegou a ir no Ipu atrás do carro; que não se recorda de ter procurado o vereador Moreira Filho para reaver o carro na loja do Sávio; que Moreira Filho também comprou um veículo do depoente, através de Breno, mas este foi com contrato, tudo direitinho; que não conhece Freitas Neto; que não se recorda se o negócio com Moreira Filho foi antes ou depois do negócio com a saveiro; que mandou uma foto da transferência para Breno, pois como ele foi avaliar o carro, era uma forma de comprovar a inexistência de débito, mas que não autorizou Breno a negociar o carro; que não sabe a diferença entre DUT e transferência; que não tem conhecimento de numeração para transferência; que o outro veículo referido no B.O. foi preso pela Polícia Rodoviária Federal e houve um acordo; que não se recorda quando isso ocorreu; que informou a autoridade policial sobre a existência do rastreador e que a localização era possível pelo aplicativo no celular. Pelo depoimento, denota-se que havia sim uma relação de confiança negocial entre Breno e o demandado. Não é crível que, inexistindo essa relação comercial, o promovido deixasse Breno tanto tempo com o automóvel e nem mandaria foto de documento importante como a transferência. A própria mensagem de Breno ao responder "vou pedir" quando o promovente pediu a foto da transferência, evidencia que aquele agia em nome do promovido, e este, ao enviar a foto, demonstra ter conhecimento da negociação. Do depoimento do autor e da testemunha Sávio Sousa Alves extrai-se que é uma prática comum entre negociantes de carro essa relação de confiança, deixando a transferência da propriedade apenas para o momento em que o veículo é vendido, com fins de evitar gastos: que trabalha com veículo e foi até Hidrolândia vender um carro e passou na loja do Felipe; que comprou a Saveiro que estava na loja do Felipe, pagou e trouxe para o Ipu; que não recebeu a transferência, porque não queria ter um gasto à toa, pois era para venda; que Pedro Henrique foi na loja da testemunha, dizendo que o carro era dele e estava no nome dele; que a testemunha disse que comprou o carro do Felipe; que Pedro Henrique foi na loja da testemunha um dia após ter comprado do Felipe; que ligou para Felipe e este disse que se o carro não tivesse transferência, podia devolver o carro e ele devolveria o dinheiro; que assim fez; que acha que o carro tinha rastreador, pois como Pedro Henrique iria saber que o carro estava lá; que já comprou carro do Breno, mas só pagou quando recebeu a transferência; que a testemunha não confiava em Breno, mas ele vendia e comprava carro; que a Saveiro não tinha o documento novo; que Pedro não falou que o carro tinha sido levado, como um furto; que Pedro vendeu o carro para o Breno e o Breno vendeu para o Felipe; que Felipe não trabalha com coisa errada; que já comprou uns quatro ou cinco carros do Felipe e sempre os documentos estão certinhos; que nunca teve um problema nem de dez centavos com Felipe; que Breno ficou devendo muita gente; que só a um rapaz de Ipu ele ficou devendo sete carros; que Pedro procurou o carro bem antes da bomba do Breno estourar; que Pedro Henrique sabia que Breno tinha vendido o carro; que já fez vários negócios com Felipe; que não fez contrato de compra e venda com ele; que não perguntou de quem Felipe tinha comprado o carro; que comprou o carro sem pegar a transferência (Sávio Sousa Alves). que não firmou contrato de compra e venda com Breno Gomes; que Breno Gomes informou de quem era o veículo; que não entrou em contato com Pedro Henrique, pois é uma prática comum de quem compra e vende carro; que já tinha feito outros negócios com Breno; que esse do Pedro Henrique não foi o primeiro; que Breno chegou na loja do autor e disse que estava vendendo o carro, que era de Pedro Henrique, que também é comerciante e conhecido na cidade; que comprou o carro à vista; que Breno deixou o carro na loja e depois de uns 15 a 20 dias, o declarante precisou da transferência e entrou em contato com Breno; que Breno entrou em contato com Pedro Henrique, que mandou a foto da transferência do veículo; que o autor imprimiu o documento novo do carro; que não tem costume de transferir logo os carros para evitar despesas, mantendo os carros na loja até ser vendido; que vendeu o carro para um lojista, na cidade de Ipu; que depois de mais uns 15 dias, Breno saiu endividado com várias pessoas, inclusive com outros carros de Pedro Henrique, não sabendo por que vieram buscar só o do autor; que Pedro Henrique foi atrás dos carros que tinha vendido para o Breno, para diminuir o prejuízo; que inclusive o advogado do promovido foi até a loja do autor e na conversa propôs dividir o prejuízo, mas o promovido não concordou; que o carro estava na loja do amigo do autor e tinha rastreador; que o promovido sabia onde estava o veículo; que o amigo do autor, de nome Sávio, que havia comprado o veículo, disse que não iria mais querer o negócio; que o autor devolveu o dinheiro a Sávio e este devolveu o veículo ao promovente; que depois de uns dois ou três dias, chega um policial civil na loja do autor, mandando que o carro fosse devolvido para ajudar a justiça e que o mesmo ficaria na delegacia até tudo ser resolvido; que o autor mandou deixar o carro na delegacia; que após uns três dias, Pedro Henrique ligou para um amigo comum das partes e mostrou que o carro estava na sua residência, conforme tinha dito que iria voltar para a sua mão; que o autor buscou o delegado para esclarecer porque o carro não estava na delegacia, mas este não deu qualquer atenção ou esclarecimento; que só conhece Pedro Henrique de vista e de nome; que comprou o carro do Breno e que Breno comprou do Pedro Henrique; que nunca fez contrato de compra e venda quando vai comprar ou vender moto ou carro (Antônio Felipe Cid Mourão). A boa-fé do autor também é evidenciada pelos depoimentos prestados, seja pela prontidão em desfazer o negócio com Sávio, seja pela entrega espontânea do veículo à autoridade policial, quando solicitada. Desta forma, a tradição do bem a terceiro adquirente de boa-fé, sendo o vendedor reconhecido como corretor de automóveis na cidade, compreendo razoável a preservação do negócio jurídico firmado pela parte autora. Na verdade, as circunstâncias narradas nos autos demonstram com claridez que Breno deu "um calote geral", inclusive no promovido, também vítima, o qual tentou diminuir o prejuízo sofrido com o resgate dos veículos de sua propriedade, que foram vendidos, mas sem transferência regularizada junto ao órgão de trânsito. No entanto, a aquisição dos bens móveis se dá através da tradição, nos termos do art. 1.267 do Código Civil. Assim, tratando-se de veículo automotor, não é necessário, para que se considere válida a tradição do bem, o registro da transferência da propriedade perante o órgão de trânsito, uma vez que sua finalidade é meramente administrativa. No caso, em análise, conforme já afirmado acima, é conduta de praxe dos negociadores de veículos a efetivação da transferência apenas quando da compra por terceiro. Ainda mais em cidades interioranas, em que as pessoas são conhecidas e a grande maioria dos negócios são verbais. Noutro giro, diante do histórico de transferências do veículo em questão, resta inviabilizada a devolução do veículo e retorno do negócio jurídico a seu status quo ante. Assim, ainda que se reconheça o prejuízo sofrido pelo demandado, o autor, adquirente de boa-fé, não pode ser responsabilizado pelos danos causados pelo corretor, devendo ser ressarcido com o valor pactuado para aquisição do veículo, devidamente corrigido. Na mesma linha de intelecção a jurisprudência pátria é assente: BEM MÓVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE VALIDADE DO NEGÓCIO JURÍDICO E DE PROPRIEDADE DE VEÍCULO. COMPRA E VENDA DE AUTOMÓVEL. FRAUDE. PROPRIETÁRIO VÍTIMA DE ESTELIONATO. POSTERIOR AQUISIÇÃO POR REVENDEDORA. AUSÊNCIA DE PROVA DE MÁ-FÉ DA ADQUIRENTE E QUE DETÉM A POSSE DO VEÍCULO. ÔNUS DOS RÉUS. PRESUNÇÃO DE BOA-FÉ CONFIGURADA. ATO EXCLUSIVO DE TERCEIRO. RECONHECIMENTO DA PROPRIEDADE EM FAVOR DO ADQUIRENTE DE BOA-FÉ. SENTENÇA MANTIDA. A má-fé para ser considerada exige-se prova concreta e sua ausência permite a presunção de boa-fé. Em virtude da aparente regularidade na aquisição do automóvel pela demandante e não sendo possível imputar a ela a autoria do estelionato, ou a ciência da prática criminosa, é caso de se concluir pela sua condição de terceira de boa-fé e preservar o negócio por ela celebrado. Recurso desprovido. (TJ-SP 10038823320148260625 SP 1003882-33.2014.8.26.0625, Relator: Gilberto Leme, Data de Julgamento: 31/07/2017, 35ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 07/08/2017) AÇÃO DE BUSCA E APREENSÃO CUMULADA COM REPARAÇÃO DE DANOS MATERIAIS E MORAIS - Veículo deixado em consignação em revendedora - Venda efetuada sem o repasse do valor à proprietária - Consignante vítima de estelionato, por parte da consignatária - Terceiro adquirente de boa fé - Negócio jurídico efetuado pela empresa revendedora que é válido e eficaz, perante o adquirente - Autora consignante que deve buscar o recebimento de seu saldo credor junto à empresa consignatária, uma vez que o terceiro de boa fé, ao concretizar o negócio com a revendedora, adquire direito de propriedade sobre o bem - Busca e apreensão do veículo que deve ser indeferida - Reparação de danos materiais - Ressarcimento pela utilização que deve ser direcionado à revendedora - Dever do réu de pagar as multas e impostos constituídos sobre o veículo, a partir do dia 3/8/12, data em que adquiriu o bem - Indenização por dano moral - Pedido que também deve ser dirigido à revendedora - Apelação desprovida, porém, com a observação de que são de responsabilidade do requerido as multas e impostos pendentes sobre o bem, a partir da data da aquisição. (TJ-SP - Apelação Cível: 0006030-67.2013.8.26.0011, Relator: Carlos Nunes, Data de Julgamento: 11/05/2015, 33ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 12/05/2015) APELAÇÕES CÍVEIS. AÇÕES DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE NEGÓCIO JURÍDICO CUMULADA COM INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS, E DE OBRIGAÇÃO DE FAZER CUMULADA COM INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. VEÍCULO DEIXADO EM CONSIGNAÇÃO NA REVENDEDORA. VENDA A NON DOMINO. ARTIGO. 1.268 DO CÓDIGO CIVIL DE 2002. ALIENAÇÃO OCORRIDA SEM AUTORIZAÇÃO DO ANTIGO PROPRIETÁRIO. TERCEIRO ADQUIRENTE DE BOA-FÉ. TRANSAÇÃO MANTIDA. PREVALÊNCIA DO INTERESSE SOCIAL E DA SEGURANÇA NAS RELAÇÕES COMERCIAIS. "É válida a venda a non domino mediante tradição efetivada em estabelecimento comercial que oferece o bem ao público, se for transferido em circunstâncias tais que, ao adquirente de boa-fé, o alienante se afigurar dono (art. 1.268, caput, do CC/2002)" (TJ-SC - AC: 20130454526 São José 2013.045452-6, Relator: Jorge Luis Costa Beber, Data de Julgamento: 20/02/2014, Quarta Câmara de Direito Civil) No que se refere ao dano moral, como cediço, é decorrente da lesão que atinge os bens extrapatrimoniais e direitos personalíssimos do ofendido, de modo a causar abalo em sua dignidade e integridade psíquica. No caso em análise, tenho que os meios utilizados pelo demandado na tentativa de reaver seu veículo extrapolaram o mero aborrecimento, ainda que se considere a atividade comercial do autor e, como tal, os riscos de prejuízos inerentes à atividade. Houve instauração de procedimento policial e, de certa forma, comportamento que poderia macular a imagem comercial do promovente, vez que o demandado se dirigiu ao comprador do veículo, afirmando ser aquele de sua propriedade. Caso não tivesse aceitado de pronto o desfazimento do negócio com o comprador Sávio, com devolução imediata do valor pago, mesmo sabendo que adquiriu e pagou o veículo licitamente, com certeza a imagem do autor teria sido maculada. Ressalte-se, ainda, que o autor, até mesmo no final da audiência de instrução, quando indagado sobre a possibilidade de acordo, firmou que estaria disposto a dividir os prejuízos sofridos, reconhecendo, de fato, que o promovido foi vítima daquele corretor. Destarte, diante das peculiaridades do caso e a potencialidade lesiva da conduta do demandado, as condições econômicas do promovido, o grau de lesão sofrido pelo promovente, a intensidade da culpa, além do seu caráter compensatório e inibitório, a quantia de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) apresenta-se dentro da proporcionalidade e razoabilidade exigida nesse tipo de aferição subjetiva os princípios da razoabilidade e proporcionalidade, devendo a indenização ser fixada neste valor. Diante do exposto, JULGO PROCEDENTES os pedidos iniciais, por sentença, e nessa linha, condeno o promovido ao ressarcimento do valor pago pelo veículo, qual seja, a importância de R$ 31.000,00 (trinta e um mil reais), bem como ao pagamento de indenização por danos morais, em favor da parte autora, no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais). Quanto à atualização dos valores, o dano material deverá ser acrescido de correção monetária e juros de mora unicamente pela taxa SELIC (REsp 1795982), a partir do efetivo pagamento (Súmulas 43 e 54 do STJ). A partir da produção de efeitos da nova redação dos artigos 389 e 406 do Código Civil, dada pela Lei n° 14.905/24 (30/08/2024), deverá ser aplicada a sistemática lá apontada, substituindo-se a SELIC pelos índices legais, ou seja, corrigindo-se monetariamente o débito pelo IPCA-IBGE e com juros pela taxa legal (diferença da SELIC e do IPCA, pela fórmula estabelecida pela RESOLUÇÃO CMN Nº 5.171, de 29 de agosto de 2024, por força do § 2º do artigo 406 do Código Civil, desconsiderando-se eventuais juros negativos). O valor do dano moral, por sua vez, deverá ser atualizado com juros de mora de 1% ao mês, desde o evento danoso (Súmula 54 STJ), até a data de início da produção de efeitos da nova redação do artigo 406 do Código Civil dada pela Lei n° 14.905/24 (30/08/2024), quando então deverá ser aplicada a taxa legal. Também deverá ser acrescido de correção monetária pelo IPCA-IBGE (CPC, art. 389), contada da data desta sentença (súmula 362, STJ). Declaro extinto o processo, com resolução do mérito (artigo 487, I, do CPC). Condeno o demandado ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, estes arbitrados em 10% (dez por cento) sobre o valor total da condenação, vez que indefiro o pedido de justiça gratuita formulado na peça contestatória, considerando a capacidade financeira demonstrada através da declaração de imposto de renda, especialmente no item de evolução patrimonial. Publique-se. Registre-se. Intimem-se. Transitada em julgado e não havendo a deflagração do cumprimento de sentença em 15 (quinze) dias, certifique-se e arquive-se. Santa Quitéria-CE, data da assinatura eletrônica. Rosa Cristina Ribeiro Paiva Juíza Titular
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