Processo nº 6067858-62.2024.8.09.0006
ID: 311760461
Tribunal: TJGO
Órgão: Anápolis - UPJ Varas Cíveis: 1ª, 2ª, 3ª, 4ª, 5ª e 6ª
Classe: PROCEDIMENTO COMUM CíVEL
Nº Processo: 6067858-62.2024.8.09.0006
Data de Disponibilização:
01/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
DOGIMAR GOMES DOS SANTOS
OAB/GO XXXXXX
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PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DE GOIÁSGabinete da 5ª Vara Cível da Comarca de AnápolisAutos n.: 6067858-62.2024.8.09.0006 SENTENÇA I - RELATÓRIO HELENA FRANCISCA ALVES propôs AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXIS…
PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DE GOIÁSGabinete da 5ª Vara Cível da Comarca de AnápolisAutos n.: 6067858-62.2024.8.09.0006 SENTENÇA I - RELATÓRIO HELENA FRANCISCA ALVES propôs AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO C/C REPETIÇÃO DO INDÉBITO E INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS em desfavor de BANCO BRADESCO S/A.Em síntese, a autora relata que possui dois benefícios previdenciários ativos e está sofrendo com descontos indevidos decorrentes de empréstimos concedidos pelo banco réu, sem o seu consentimento.Menciona que quanto ao benefício nº 106.135.354-8, pensão por morte previdenciária, inicialmente realizou-se descontos referentes ao contrato nº 0123426218241, que foi objeto de refinanciamento pelo contrato n° 0123440886484, que por sua vez foi objeto de novo refinanciamento, contrato n° 0123487429382, com 84 novas parcelas no valor de R$ 357,74 (trezentos e cinquenta e sete reais e setenta e quatro centavos), sendo descontados mensalmente do benefício da parte autora desde 11/2023.Quanto ao benefício nº 121.748.185-8 – aposentadoria por idade, a autora relata que existe um contrato de empréstimo nº 20219000240000308000, indevidamente contratado no dia 05/08/2021 (data de inclusão), com início dos descontos em 05/09/2021.A autora alega que os referidos empréstimos foram realizados na modalidade cartão de crédito consignado, afirmando que não reconhece a contratação dos referidos empréstimos.Ao final, requer a concessão de tutela de urgência para suspensão dos descontos indevidos e ao final a declaração de inexistência da relação jurídica com a anulação dos contratos citados, além da condenação da parte ré a restituir o indébito em dobro e ao pagamento de indenização por danos morais, no valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais). Com a inicial, juntou documentos.Decisão proferida recebeu a inicial, concedeu os benefícios da assistência judiciária à autora e deferiu a tutela determinando a suspensão dos descontos nos benefícios previdenciários da parte autora (evento 12).Devidamente citado, o réu apresentou contestação com prejudiciais e preliminares. No mérito, explica que a contratação foi realizada via celular, efetuado mediante uso de senha e biometria/chave de segurança, alegando que por razões de segurança do procedimento, não se emite um contrato físico, e sim, gera Logs de Dados.Defende que a contratação foi corretamente formalizada e com o consentimento da requerente, que na oportunidade foram informados todos os direitos e obrigações decorrentes dessa relação contratual, e que agiu dentro de seu estrito exercício legal, não configurando sua conduta em qualquer ato ilícito apto a ensejar a indenização pleiteada pela autora.Por fim, requer o acolhimentos da preliminar, caso este não seja o entendimento, requer a improcedência da ação com a condenação da autora por má-fé e as demais condenações de estilo. Em caso de procedência, pede a compensação de valores. Pugna pela aplicação de todas as provas admitidas (evento 17).A parte autora apresentou impugnação à contestação (evento 20).Intimadas para manifestarem sobre provas, as partes quedaram-se inertes (evento 25).Decisão proferida entendeu o feito apto para julgamento (evento 27).Após, os autos vieram conclusos para sentença. II - FUNDAMENTAÇÃOTrata-se de Ação Declaratória de Inexistência de Débito c/c Repetição do Indébito e Indenização proposta por Helena Francisca Alves em desfavor de Banco Bradesco S/A.Aplica-se neste caso, o disposto no inciso I, do artigo 355, do Código de Processo Civil, dispensando-se a realização de outras provas, eis que os elementos do ato colhido em nada modificariam o meu convencimento, sendo o conjunto probatório coligido aos autos suficiente para prolação de sentença, eis que se trata de matéria exclusivamente de direito.Neste sentido, cito a Súmula nº 28 do TJGO:“Afasta-se a preliminar de cerceamento de defesa, suscitada em razão do julgamento antecipado da lide, quando existem nos autos provas suficientes à formação do convencimento do juiz e a parte interessada não se desincumbe do ônus de demonstrar o seu prejuízo, sem o qual não há que se falar em nulidade.” O processo encontra-se em ordem e as partes representadas, não havendo irregularidades ou nulidades a serem sanadas.Ressalto que o processo teve tramitação normal e que foram observados os interesses dos sujeitos da relação processual quanto ao contraditório e ampla defesa.Inicialmente, quanto à prescrição, a jurisprudência sedimentada no Superior Tribunal de Justiça é no sentido de que, fundando-se o pedido na ausência de contratação de empréstimo com instituição financeira, ou seja, em decorrência de defeito do serviço bancário, aplica-se o prazo quinquenal previsto no art. 27 do Código de Defesa do Consumidor. O termo inicial, consta-se a partir da data do último desconto no benefício previdenciário (STJ - AgInt no AREsp: 1728230 MS 2020/0174210-4, Relator: Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, Data de Julgamento: 08/03/2021, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 15/03/2021).Logo, como o contrato foi supostamente firmado nos anos de 2021 e 2023, e os descontos nos benefícios previdenciários da autora ocorrerão até o ano de 2024, não há que se falar na ocorrência de prescrição, pois não transcorrido o prazo de 5 (cinco) anos do art. 27 do CDC.Por fim, quanto ao interesse de agir da parte autora, entendo que a ausência de prévio contato administrativo entre as partes não afasta o direito do consumidor de buscar em juízo a discussão sobre a contratação do empréstimo em seu nome, em razão do princípio do acesso ao judiciário, garantido no artigo 5º, XXXV, da Constituição Federal, não retirando o interesse de agir da parte.Logo, afasto a prejudicial e preliminar, e adentro ao exame do mérito.Trata-se de ação ordinária pela qual pretende a parte autora: a) a declaração de inexistência de relação jurídica com a parte ré, referente aos contratos de empréstimos e refinanciamentos nº 0123426218241, 0123440886484, 0123487429382 e 20219000240000308 000 uma vez que são absolutamente viciados por não terem sido solicitados pela autora; b) a condenação da parte ré ao pagamento da restituição do indébito em dobro, e c) a condenação da parte ré ao pagamento de indenização por danos morais, na quantia de R$ 10.000,00 (dez mil reais), conforme pedidos elencados no evento 01.Narra a autora que recebe dois benefícios previdenciários (aposentadoria por idade e pensão por morte), e observou a realização de descontos indevidos em seus benefícios, decorrentes de empréstimo consignados e refinanciamentos concedidos pelo réu sem a sua anuência. Por outro lado, o demandado argumenta que os descontos impugnados pela parte autora são legítimos e encontram lastro nos empréstimos consignados por ela contratado, mediante contratação digital, com a transferência do valor respectivo para conta-corrente de sua titularidade (evento 17).Sem delongas, registro que na relação jurídica em apreço se aplicam as disposições do Código de Defesa do Consumidor, tendo em vista a presença das figuras do consumidor e do fornecedor de serviços, nos termos dos artigos 2° e 3°, ambos do referido Diploma Legal.A respeito disso, a Súmula n° 297 do Superior Tribunal de Justiça não deixa dúvidas quanto à incidência das regras constantes no Código Consumerista em relação às instituições financeiras ao dispor:“Súmula n° 297. O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras”. Nesse sentido, a tendência do Direito é apreciar com rigor a responsabilidade dos estabelecimentos bancários, por serem empresas especializadas na prestação de serviços remunerados e, portanto, com o dever acentuado de bem desempenhar o seu mister.Isso porque, com o advento da Constituição Federal de 1988 a defesa do consumidor passou à condição de garantia fundamental (art. 5°, XXXII). E, com a vinda a lume do Código de Defesa do Consumidor (Lei n° 8.078, de 11/09/1990), restou expresso que as normas de proteção ao consumidor são de ordem pública e de interesse social.Assim, observando-se o Código de Defesa do Consumidor, tem-se conhecimento que o fornecedor responde objetivamente pela falha no serviço prestado, nos termos de seu artigo 14, caput, que assim dispõe:“Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.§ 1°. O serviço é defeituoso quando não fornece a segurança que o consumidor dele pode esperar, levando-se em consideração as circunstâncias relevantes, entre as quais:I – o modo de seu fornecimento;II – o resultado e os riscos que razoavelmente dele se esperam;III – a época em que foi fornecido”. Consoante se observa do dispositivo acima transcrito, a responsabilidade imposta pelo artigo 14 é independente de culpa e se baseia na conduta, dano e nexo causal. Destaco que a referida teoria da responsabilidade objetiva teve inspiração nos princípios da boa-fé, da equidade, da reparação do dano, como forma de propiciar a entrega de uma tutela jurisdicional mais justa e tem buscado suporte na teoria do risco.Apesar disso, embora o caso seja uma típica relação de consumo, na qual é possível aplicar a inversão do ônus da prova, consoante previsto no artigo 6º, inciso VIII da Lei Consumerista, o Magistrado também deve observar as regras de distribuição do ônus da prova, conforme o artigo 373 e incisos do Código de Processo Civil, de forma que incumbe à parte autora produzir a prova quanto aos fatos constitutivos do seu direito e à ré, produzir a prova quanto aos fatos modificativos, impeditivos ou extintivos.A controvérsia cinge-se sobre perquirir se os contratos de mútuo consignado efetuados pela requerente são validos ou não e assim, se as respectivas cobranças realizadas pelo Banco Requerido, são legais e devem persistir.Neste aspecto, os documentos juntados pela parte ré, quais sejam, Logs de contratação (telas sistêmicas internas) não constituem por si só prova válida de vinculação da parte autora aos empréstimos contratados em seu nome (evento 17).Na peça de ingresso, a parte autora informou não ter contratado junto ao réu nenhum tipo de empréstimo ou refinanciamento, não tendo celebrado os referidos contratos (evento 01).Tratando-se de prova de fato negativo, a saber, a não contratação do empréstimo, apresenta-se de extrema dificuldade para a requerente a sua comprovação, tratando-se, na verdade, de prova diabólica.Nesse sentido, diante dos questionamentos e versando a operação de empréstimo sob a forma digital, era ônus do banco trazer à anuência da parte autora na contratação, no entanto, em que pese a alegação de contratação digital, não foi apresentado nos autos o reconhecimento biométrico por meio de selfie, nem o usuário, senha e hash do acesso que entrou no sistema e que realizou a finalização da contratação, e não há uma informação clara que estabeleça a ligação entre o polo ativo e os contratos de empréstimo e refinanciamentos.O artigo 6º, III do Código de Defesa do Consumidor dispõe: “São direitos básicos do consumidor: III a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta da quantidade, características, composição, qualidade, tributos incidentes e preço, bem como sobre riscos que apresentem”.Sob esse aspecto, cabe destacar que as operações relativas a consignação de descontos para pagamentos de empréstimos e cartão de crédito, contraídos nos benefícios da Previdência Social, foram reguladas pela Instrução Normativa INSS/PREV nº 28/2008, principalmente em relação à autorização por escrito ou por meio eletrônico e apresentação de documentos pessoais da contratante, bem como quanto ao dever da instituição financeira de dar ciência prévia ao beneficiário de informações consistentes no valor total da operação. Vejamos:"Art. 3º Os titulares de benefícios de aposentadoria e pensão por morte, pagos pela Previdência Social, poderão autorizar o desconto no respectivo benefício dos valores referentes ao pagamento de empréstimo pessoal e cartão de crédito concedidos por instituições financeiras, desde que:(...)II - mediante contrato firmado e assinado com apresentação do documento de identidade e/ou Carteira Nacional de Habilitação - CNH, e Cadastro de Pessoa Física - CPF, junto com a autorização de consignação assinada, prevista no convênio; e III - a autorização seja dada de forma expressa, por escrito ou por meio eletrônico e em caráter irrevogável e irretratável, não sendo aceita autorização dada por telefone e nem a gravação de voz reconhecida como meio de prova de ocorrência." (Alterados pela Instrução Normativa INSS/PRESS nº 39, de 18 de junho de 2009)” No caso, por ser inequívoca a relação de consumo e, portanto, admissível a inversão do ônus da prova, era ônus da instituição financeira demonstrar que os procedimentos operacionais relativos à consignação de descontos acima mencionados foram observados, o que não ocorreu na hipótese em tela, já que não há provas de que a requerente enviou autorização de consignação assinada, prevista no convênio.Logo, incapaz de responsabilizar a parte autora pelo pagamento do débito em questão.A respeito da livre manifestação do agente, são esclarecedores os ensinamentos de Maria Helena Diniz: "É indubitável que a manifestação da vontade exerce papel preponderante no negócio jurídico, sendo um de seus elementos básicos. Tal declaração volitiva deverá ser livre e de boa fé, não podendo conter vício de consentimento, nem social, sob pena de invalidade negocial. R. Limongi França define o consentimento como 'a anuência válida do sujeito a respeito do entabulamento de uma relação jurídica sobre determinado objeto” (Curso de Direito Civil Brasileiro, Editora Saraiva, 20ª edição, 1º vol., p. 383).Não é crível, ademais, que alguém contrate um empréstimo e logo em seguida procure o banco, relate fraude na contratação, ajuíze demanda pedindo a anulação do contrato e confessa que os valores foram creditados em sua conta de forma errada. No mínimo muito estranho tal atitude.E no caso, como se viu, a instituição bancária requerida não comprovou que a autora quis, de forma inequívoca, celebrar os contratos por meio de "biometria facial". Desta forma, entendo não haver elementos suficientes que corroborem validade da contratação dos empréstimos pela autora, em especial a respeito da sua livre manifestação de vontade em contratar.Destaco, ainda, que não há que se falar em culpa exclusiva de terceiro, a afastar a responsabilidade do requerido, vez que, no caso, trata-se de fortuito interno, ou seja, de próprio risco inerente ao empreendimento.O entendimento encontra-se consolidado na Súmula 479 do STJ, verbis:"Súmula 479: As instituições financeiras respondem objetivamente pelos danos gerados por fortuito interno relativo a fraudes e delitos praticados por terceiros no âmbito de operações bancárias." Desta forma, é imperiosa a declaração de nulidade dos contratos nº 0123426218241, 0123440886484, 0123487429382 e 20219000240000308 000, objeto da lide, celebrados com o Banco Bradesco S/A e, consequentemente, da inexistência de débitos deles decorrentes.Neste sentido, são os seguintes julgados:RECURSO INOMINADO. DECLARAÇÃO DE INEXISTÊNCIA DE CONTRATO E DEVOLUÇÃO DE PARCELAS DESCONTADAS DO CONSUMIDOR. ALEGAÇÃO DE INEXISTÊNCIA DE CONTRATO E DESCONTOS INDEVIDOS EM BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIA. PRETENSÃO DE EXISTÊNCIA DE CONTRATAÇÃO ELETRÔNICA QUE NÃO SE SUSTENTA NO CASO. INEXISTÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DE ASSINATURA ELETRÔNICA DO CONTRATANTE, JÁ QUE A APONTADA NÃO IDENTIFICA O SIGNATÁRIO. ENVIO DE ‘SELFIE’ E FOTO DE DOCUMENTO QUE, POR SI SÓ, NÃO GERAM PRESUNÇÃO DE CONTRATAÇÃO, JÁ QUE NÃO COMPROVADA A RAZÃO DE TAIS ENCAMINHAMENTOS. SUPOSTA CONTRATAÇÃO COM PESSOA IDOSA QUE MERECE CUIDADOS DIFERENCIADOS POR SER PESSOA HIPER VULNERÁVEL, MORMENTE QUANDO A RELAÇÃO SE DER PELO MEIO VIRTUAL. DANOS MORAIS, NO ENTANTO, INEXISTENTES NO CASO. EXTRATO BANCÁRIO REVELANDO ALTA MOVIMENTAÇÃO FINANCEIRA, QUE NÃO PERMITE CONCLUIR QUE OS DESCONTOS HAVIDOS TERIAM DESORGANIZADO FINANCEIRAMENTE A PARTE A PONTO DE COMPROMETER ATRIBUTO DE SUA PERSONALIDADE. SENTENÇA MODIFICADA EM PARTE. Recurso parcialmente provido.(TJ-RS - Recurso Cível: 00139112020228219000 PORTO XAVIER, Relator: Luís Francisco Franco, Data de Julgamento: 30/06/2022, Terceira Turma Recursal Cível, Data de Publicação: 05/07/2022) Apelação. Contratação eletrônica de empréstimo e cartão de crédito consignado por meio de biometria facial. Improcedência. Inconformismo da autora. Idoso. Aplicabilidade do CDC. Ausência de comprovação da efetiva manifestação da vontade e ciência inequívoca da contratação. Consumidor hipervulnerável. Validade da contratação não demonstrada. Fraude evidenciada. Precedentes da Corte. Cabimento de reparação por danos materiais e danos morais. Ação ora julgada parcialmente procedente. Recurso provido.(TJ-SP - AC: 10008990220218260145 SP 1000899-02.2021.8.26.0145, Relator: Luis Fernando Camargo de Barros Vidal, Data de Julgamento: 24/06/2022, 14ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 24/06/2022) Por derradeiro, ainda que o Código de Defesa do Consumidor, em seu artigo 14, admita a reparação de danos, inclusive os morais, independente de culpa, a espécie tratada nos autos não configura o denominado “dano moral puro”, expressão que se refere às circunstâncias que, de per si, configuram o dano moral.Quanto à sua caracterização, prevalece na doutrina que o dano moral deve ser definido como uma lesão aos direitos da personalidade, os quais, na lição do doutrinador Flávio Tartuce, são aqueles que “(…) têm por objeto os modos de ser, físicos ou morais do indivíduo" (Manual de Direito Civil, Volume Único, 9 ed., p. 82).Assim, para que se possa falar nessa espécie de dano, é necessária a demonstração da ocorrência de uma lesão a qualquer dos direitos de personalidade da vítima, como suas liberdades (crença, profissão, locomoção), honra (subjetiva ou objetiva), imagem, vida privada, nome, integridade física, integridade psíquica e integridade intelectual.Adotando este entendimento, a doutrinadora Maria Celina Bodin de Moraes conceitua o dano moral como "(...) aquele que, independentemente de prejuízo material, fere direitos personalíssimos. Isto é, todo e qualquer atributo que individualiza cada pessoa, tal como a liberdade, a honra, a atividade profissional, a reputação, as manifestações culturais e intelectuais entre outros. O dano ainda é considerado moral quando os efeitos da ação, embora não repercutam na órbita de seu patrimônio material, origina angústia, dor, sofrimento, tristeza, humilhação à vítima, trazendo-lhe sensações e emoções negativas”. (Danos à Pessoa Humana: Uma Leitura Civil-Constitucional dos Danos Morais, Editora Renovar, 2009, p. 157).A partir dessas noções, vislumbro que no caso em deslinde, o dano moral decorre do fato de a autora ter sido privada de valores descontados indevidamente em seu benefício previdenciário, de reduzido valor, destinado a lhe garantir alimentos, e ter sido obrigado a contratar advogado e acionar o Poder Judiciário para resolver a questão decorrente da fraude bancária.A propósito:APELAÇÃO. CONTRATO BANCÁRIO – FRAUDE. Ação declaratória de inexistência de relação contratual c.c. com pedidos de reparação por danos materiais e morais - Contratos de Empréstimos Consignados em Benefício Previdenciário – Pactuações em ambiente virtual mediante biometria facial (captação de "selfie") – Contratações impugnadas. Caso concreto: Relação de consumo - Cumpre ao Banco o ônus da prova da existência e validade dos contratos de empréstimos consignados - Questionamentos sobre o teor do diálogo mantido entre o autor e o preposto do Banco a sugerir que a relação contratual foi precedida de ligação telefônica por aparelho de telefonia móvel – Banco que, instado a exibir o áudio da gravação e os contratos renegociados, quedou-se inerte - Só a cópia dos contratos eletrônicos e das etapas que se seguiram, com suposta captação de biometria facial e de documento pessoal, não servem para se contrapor à alegação de que se tratou de contratação fraudulenta - Contratos que, à falta de prova concreta do elemento volitivo, foram corretamente declarados inexistentes - Devolução em dobro dos valores descontados sem amparo contratual - Danos morais reconhecidos pela privação de recursos de subsistência - Indenização bem arbitrada em R$ 10.000,00 - Valor adequado e que cumpre as finalidades do ressarcimento e da advertência – Ação julgada procedente – Sentença confirmada. - RECURSO DESPROVIDO.(TJ-SP - AC: 10287402820218260482 SP 1028740-28.2021.8.26.0482, Relator: Edgard Rosa, Data de Julgamento: 05/09/2022, 22ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 05/09/2022) Sobre a fixação do quantum relativo aos danos morais, esta é de livre estipulação do juiz, balizado pelos estreitos limites dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade. Desta forma, atendendo ao binário pedagógico e sancionador da medida, o magistrado deve cuidar de fixar um montante que sirva para coibir novos atos ilícitos semelhantes, bem como, ao mesmo tempo, para indenizar, efetivamente, aquele que se viu lesado.Ainda na seara do quantum indenizatório, corroborando os parâmetros dados pelos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, o art. 944 do Código Civil estabelece que a indenização se mede pela extensão do dano. Deve ser considerado, pois, o descaso da parte requerida em não procurar solucionar amigavelmente os transtornos causados, evitando assim a inevitável demora inerente às formalidades processuais.Nesse sentido é a lição de Caio Mário da Silva Pereira (in Responsabilidade Civil, 4ª ed., 1993, p. 60), nos seguintes termos:A vítima de uma lesão a algum daqueles direitos sem cunho patrimonial efetivo, mas ofendida em um bem jurídico que em certos casos pode ser mesmo mais valioso do que os integrantes de seu patrimônio, deve receber uma soma que lhe compense a dor ou o sofrimento, a ser arbitrada pelo juiz, atendendo às circunstâncias de cada caso, e tendo em vista as posses do ofensor e a situação pessoal do ofendido. Nem tão grande que se converta em fonte de enriquecimento, nem tão pequena que se torne inexpressiva. O Doutrinador Sérgio Cavalieri Filho (na obra Programa de Responsabilidade Civil, 8ª ed., Editora Atlas S/A, 2009, p. 93), ao tratar do arbitramento do dano moral, assim se manifestou:Creio, também, que este é outro ponto onde o princípio da lógica do razoável deve ser a bússola norteadora do julgador. Razoável é aquilo que é sensato, comedido, moderado; que guarda uma certa proporcionalidade. A razoabilidade é o critério que permite cotejar meios e fins, causas e consequências, de modo a aferir a lógica da decisão. Para que a decisão seja razoável é necessário que a conclusão nela estabelecida seja adequada aos motivos que a determinaram; que os meios escolhidos sejam compatíveis com os fins visados; que a sanção seja proporcional ao dano. Importa dizer que o juiz, ao valorar o dano moral, deve arbitrar uma quantia que, de acordo com o seu prudente arbítrio, seja compatível com a reprovabilidade da conduta ilícita, a intensidade e duração do sofrimento experimentado pela vítima, a capacidade econômica do causador do dano, as condições sociais do ofendido, e outras circunstâncias mais que se fizerem presentes. Por outro lado, não há critérios absolutos para a fixação da indenização por dano moral, devendo a indenização ser fixada de maneira comedida, de modo que não represente enriquecimento sem causa por parte da vítima, ao passo que não pode ser ínfima ao ponto de não representar uma repreensão ao causador do dano.Ressalta-se que o caráter punitivo do dano moral é medida de castigo e desestimulante ao ofensor. Assim, o valor da indenização deve ser proporcional a lesão, ou seja, verifica-se a intensidade da lesão para mais ou menos, para a fixação do quantum indenizatório.Destarte, vários fatores devem ser levados em consideração, como a capacidade econômica das partes e a repercussão do ato ilícito em análise. Assim, nessa ordem, entendo como justa no presente caso a fixação da indenização em R$ 8.000,00 (oito mil reais), a ser suportado pelo réu.Sem necessidade de maiores debates que delongam a resolução da lide, entendo pela procedência dos pedidos feitos na inicial. III - DISPOSITIVOAnte o exposto, JULGO PROCEDENTE o pedido de Declaração de Inexistência de Débito C/C Indenização por Danos Morais proposta por Helena Francisca Alves em desfavor de Banco Bradesco S/A, para:a) declarar a nulidade contratual e a inexistência de débitos provenientes dos contratos bancários nº 0123426218241, 0123440886484, 0123487429382 e 20219000240000308 000, ficando ressalvado o dever da parte autora promover o depósito da quantia lhe repassada a este título, no prazo de 15 (quinze) dias, sob pena de enriquecimento ilícito; b) determinar que o réu cesse os descontos referentes aos contratos de empréstimo consignado e refinanciamentos;c) condenar o réu na devolução das quantias indevidamente descontadas nos benefícios previdenciários da parte autora (NB: 121.748.185-8 e NB: 106.135.354-8), em dobro, acrescido de correção monetária e juros legais a contar do desconto de cada parcela, até o efetivo pagamento, ed) condenar o réu, ainda, ao pagamento de indenização por danos morais no valor de R$ 8.000,00 (oito mil reais), acrescido de juros legais e correção monetária pelo INPC, a contar desta data e até efetivo pagamentoConfirmo a tutela concedida ao evento 12.Por fim, condeno o réu ao pagamento das custas, despesas processuais e honorários advocatícios, estes arbitrados em 12% (doze por cento) sobre o valor da condenação, nos termos do art. 85, § 2°, do CPC.Autorizo desde já, com base nos arts. 368 e 369 do CC, a compensação dos valores, já que as partes são ao mesmo tempo, credora e devedora uma da outra.O pedido de cumprimento da sentença deverá observar o art. 523, da Lei nº 13105/15 (CPC), devendo ser postulado no prazo de até 30 (trinta) dias após o trânsito em julgado da sentença, com aplicação do inciso III, do art. 485, do CPC, ante a ausência de regulamentação específica, sob pena de arquivamento dos autos.Caso ocorra a interposição de recurso de apelação, deverá a Escrivania proceder a intimação da parte recorrida para apresentar as contrarrazões no prazo de 15 (quinze) dias (art. 1.010, § 1°, do CPC).Caso seja interposta Apelação Adesiva, intime-se a parte apelante para apresentar as contrarrazões (art. 1.010, § 2°, do CPC).Cumpridas as formalidades previstas nos §§ 1° e 2°, do art. 1.010, do CPC, o que deverá ser certificado, remetam-se os autos ao Tribunal de Justiça, independente de nova conclusão (art. 1.010, § 3°, do CPC).Publicada e Registrada no Sistema PJD, com a intimação das partes. Anápolis/GO, data registrada no sistema. PEDRO PAULO DE OLIVEIRAJuiz de Direito E3
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