Processo nº 5300618-93.2023.8.09.0051
ID: 298426262
Tribunal: TJGO
Órgão: 10ª Câmara Cível
Classe: PROCEDIMENTO COMUM CíVEL
Nº Processo: 5300618-93.2023.8.09.0051
Data de Disponibilização:
13/06/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
HEKEL VICTOR BORBA AGUIAR
OAB/GO XXXXXX
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RAFAEL MACHADO FALEIRO BORBA
OAB/GO XXXXXX
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RAUL ANTONIO SANTOS BORGES
OAB/GO XXXXXX
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PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE GOIÁS
GABINETE DO DESEMBARGADOR ANDERSON MÁXIMO DE HOLANDA
10ª CÂMARA CÍVEL
RECURSO DE APELAÇÃO CÍVEL N.º 53006…
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE GOIÁS
GABINETE DO DESEMBARGADOR ANDERSON MÁXIMO DE HOLANDA
10ª CÂMARA CÍVEL
RECURSO DE APELAÇÃO CÍVEL N.º 5300618-93.2023.8.09.0051
COMARCA : GOIÂNIA
RELATORA : IARA MÁRCIA FRANZONI DE LIMA COSTA – JUÍZA SUBSTITUTA EM 2º GRAU
APELANTE : POLLYANNA DE MOURA
ADVOGADO(A) : HEKEL VICTOR BORBA AGUIAR – OAB/GO 37.394
: RAUL ANTÔNIO SANTOS BORGES – OAB/GO 36.248-A
APELADO(A) : AÇÃO PROMOÇÃO DE VENDA LTDA. (PORTO SEGURO PROMOÇÃO DE VENDAS - MASTER FRANQUEADO)
ADVOGADO(A) : MARCELLO SILVA NUNES LEITE – OAB/MG 210652-A
APELADO(A) : EMINE FRANCHISING GESTÃO DE ATIVOS S.A.
ADVOGADO(A) : EDUARDO PAOLIELLO NICOLAU – OAB/MG 80.702-A
EMENTA: DIREITO EMPRESARIAL. APELAÇÃO CÍVEL. CONTRATO DE FRANQUIA. RESCISÃO CONTRATUAL. CULPA. BOA-FÉ OBJETIVA. UTILIZAÇÃO DE CARTÃO DE CRÉDITO PESSOAL. JUSTA CAUSA. DANO MORAL. REFORMA PARCIAL DA SENTENÇA.
I - CASO EM EXAME
1. Apelação cível contra sentença que julgou improcedentes os pedidos da autora em ação de indenização por perdas e danos, decorrentes da rescisão de contrato de franquia, e procedentes os pedidos reconvencionais das rés. A autora alegou que a rescisão foi injusta, pois decorreu da utilização do seu cartão de crédito em vendas, prática incentivada pelas rés.
II - QUESTÃO EM DISCUSSÃO
2. As questões em discussão consistem em saber se: (i)a utilização do cartão de crédito pessoal pela franqueada, com o conhecimento tácito das franqueadoras, configura justa causa para a rescisão contratual; (ii)a rescisão configura violação à boa-fé objetiva; (iii) há direito à indenização por danos materiais, lucros cessantes e morais; (iv) a cláusula de não concorrência é válida após a rescisão por culpa da franqueadora; e (v) a franqueada deve ser responsabilizada pelas inadimplências dos clientes.
III - RAZÕES DE DECIDIR
3. A prova demonstra que a utilização do cartão de crédito pessoal pela franqueada foi incentivada por uma das rés (“master franquado), caracterizando conduta contraditória e violação à boa-fé objetiva (art. 422, CC).
4. A rescisão contratual, dada a culpa exclusiva das rés, não se justifica. A falta de notificação prévia e a ausência de prejuízo concreto corroboram a ausência de justa causa.
5. A autora faz jus à indenização por danos materiais (restituição da taxa de franquia e valores retidos), danos morais e à declaração de nulidade da cláusula de não concorrência. Os lucros cessantes não foram comprovados. A responsabilidade pelas inadimplências dos clientes não é da franqueada, uma vez que o contrato foi rescindido por culpa das franqueadoras.
IV - DISPOSITIVO E TESE
6. Recurso conhecido e parcialmente provido. A sentença é reformada para julgar procedente o pedido da autora em parte, condenando as rés ao pagamento de indenização por danos materiais, danos morais e declarando nula a cláusula de não concorrência. Os pedidos reconvencionais são julgados improcedentes.
Tese de julgamento: "1. A utilização do cartão de crédito pessoal pela franqueada, com o conhecimento tácito das franqueadoras, não configura justa causa para rescisão contratual, diante da violação da boa-fé objetiva. 2. Em caso de rescisão contratual por culpa exclusiva do franqueador, a cláusula de não concorrência é nula."
Dispositivos relevantes citados: art. 422, CC; art. 355, I, CPC; art. 370, p.u., CPC; art. 85, CPC; art. 98, §3º, CPC; art. 884, CC; Art. 186, CC; art. 187, CC; art. 405, CC; art. 85, § 11, CPC.
Jurisprudências relevantes citadas: art. 422, CC; art. 884, CC; art. 402, CC; art. 373, I, CPC; art. 85, CPC; art. 98, § 3º, CPC; art. 405, CC; art. 113, CC. Jurisprudências relevantes citadas: Súmula 362, STJ; Súmula 28, TJGO.
VOTO
Conforme relatado, trata-se de recurso de apelação cível interposto por Pollyanna de Moura (movimento contra sentença proferida pelo Juiz de Direito da 21ª Vara Cível da Comarca de Goiânia, Dr. Marcelo Pereira de Amorim, nos autos da ação de conhecimento de indenização por perdas e danos ajuizada em desfavor de Valadares e Lopes de Vendas Ltda.(Porto Seguro Promoção de Vendas – Master Franqueado) e Emive Fransching Gestão de Ativos S.A. (Fraqueadora).
Na sentença vergastada (movimento 64), o magistrado afastou as preliminares arguidas pelas requeridas e, no mérito julgou improcedente a pretensão autoral. Para tanto, levou em consideração:(i) os elementos probatórios dos autos não comprovam, satisfatoriamente, que as requeridas “fomentam a prática de utilização de cartão de crédito próprio pelas subfranqueadas”, sobretudo diante da única prova apresentada pela autora foi uma ata notarial com a transcrição de um áudio do representante Master franqueado incentivando um subfranqueado desconhecido a cadastrar cartão próprio para obter pontuação. Assim, o teor da conversa do áudio não permite concluir que havia incentivo generalizado a essa conduta ou a ciência da requerida Emive (franqueadora), de maneira que a autora admite que não há autorização expressa das requeridas para tal prática; (ii) a autora confessa na exordial de que cadastrou seu cartão de crédito pessoal como meio de pagamento em contratos de cliente e, de igual modo, não nega que foi sem autorização expressa nos termos da cláusula 5.20; (iii) a utilização de cartão de crédito próprio constituiu violação aos deveres anexos de lealdade e cooperação decorrentes da cláusula geral de boa-fé objetiva (art. 422, CC), na medida em que induziu a erro a requerida Emive quanto à real forma de pagamento dos contratos, impedindo-a de realizar adequadamente a análise de crédito dos clientes; (iv) as condutas praticadas pela autora enquadram nas hipóteses previstas nos incisos VIII e XI da cláusula 11.1 do contrato de franquia, que autorizam a resolução imediata do negócio jurídico pela requerida Emive, sem necessidade de notificação prévia, pois o cadastro do cartão de crédito configura “prática prejudicial ao negócio” e “promoção de venda simulada/falsificação de informações, nos termos da referida cláusula, uma vez que impede o real risco de inadimplência dessas avenças perante a requerida Emive; (v)ainda que não tenha havido comprovação de efetivo prejuízo financeiro até o momento, tratou-se de conduta que violou deveres de boa-fé, cooperação e transparência inerentes ao contrato de franquia, abalando a confiança entre as partes, o que justificou o exercício da cláusula resolutiva. Logo, a rescisão contratual promovida pela requerida Emive é amparada na cláusula 11.1 do contrato, portanto lícita e não enseja o dever de indenizar. Desse modo, não há que falar em inversão da cláusula penal, devolução da taxa de franquia ou indenização por lucros cessantes em favor dela.
À vista que ambas requeridas (Porto Seguro e Emive) apresentaram pedidos reconvencionais para condenar a autora ao pagamento dos valores das multas previstas nas cláusulas 11.1.1 e itens 6.1 e 6.2., a autora foi condenada ao pagamento da quantia de R$ 298.500,00 (duzentos e noventa e oito mil e quinhentos reais), cuja importância há de ser revertida a favor da requerida Emive.
Opostos embargos de declaração(movimentos 68 e 69) e apresentadas contrarrazões (movimentos 73 e 74), estes foram conhecidos e acolhidos, consoante a decisão integrativa exarada ao movimento 76. Para tanto, rejeitou o recurso aviado pela autora (Pollyanna de Moura).
Lado outro, acolheu os aclaratórios manejados por Valadares Lopes Promoção de Vendas Ltda. para sanar omissão indicada para: (i) reconhecer a ilegitimidade passiva ad causam da requerida (Porto Seguro) e, por consequência, julgou o processo sem resolução do mérito (CPC, art. 485, VI), especificamente no tocante aos pedidos de indenização por danos materiais e morais; (ii)julgar improcedentes os pedidos deduzidos pela autora em desfavor de Emive Franchising Gestão de Ativos S.A.; (iii) julgar procedente o pleito reconvencional de Valadares e Lopes Promoção de Vendas Ltda. (Porto Seguro Promoção de Vendas) para condenar a parte autora/reconvinda a pagar às partes rés/reconvintes o valor de R$ 298.500,00 (duzentos e noventa e oito mil e quinhentos reais), atualizado com juros de mora e correção monetária; (iv)julgou procedente o pedido da reconvenção da Emive Franchising Gestão de Ativos S.A. para condenar a parte autora/reconvinte ao pagamento do valor total correspondente à soma dos valores das multas devidas por cancelamento de contratos pelos clientes, conforme itens 6.1 e 6.2 das Regras Comerciais que constituem o Anexo 1 do Contrato, a ser apurado em liquidação de sentença, devidamente atualizado; e(v) em razão da sucumbência condenou a autora/reconvinda ao pagamento das custas processuais (inclusive as da reconvenção) e honorários advocatícios, fixados em 10% (dez por cento) sobre o valor da causa e valor da condenação (CPC, art. 85, § 2º) com a suspensão da exigibilidade da cobrança em virtude da concessão da justiça gratuita à autora, de acordo com o artigo 98, § 3º, do mesmo diploma.
Novos embargos de declaração foram opostos (movimento 80)e juntadas as respostas ao recurso (movimentos 84 e 85), os aclaratórios foram rejeitados, nos termos da decisão inserta ao movimento 87.
A autora se volta contra o decreto sentencial condenatório (movimento 83). Preliminarmente, argui nulidade do decreto sentencial ao argumento de ocorrência de cerceamento de defesa.
Para tanto, que o juízo singular julgou antecipadamente o processo, embora ambas as partes requereram produção de prova testemunhal, ela tinha como escopo de comprovar que “não havia negativa formal para o uso do cartão de crédito próprio do franqueado para a formalização dos contratos com clientes”. Todavia, julgou improcedente a pretensão autoral fundamentada na ausência de prova do direito alegado, portanto configurado flagrante cerceamento de defesa.
Argui também violação do princípio que veda decisão surpresa (CPC, art. 10), na medida que ao indeferir a produção de prova oral, procedeu ao julgamento antecipado do mérito na sentença, de modo que a impediu de manifestar previamente com o escopo de tentar alterar o convencimento do juízo.
Assim, requer seja reconhecido o cerceamento de defesa com a anulação da sentença e, por consequência, o retorno dos autos ao juízo de origem para a produção de provas testemunhais, conforme postulado pelas demandantes.
Quanto ao mérito, sustenta ausência de justa causa para a rescisão contratual fundada na permissão de utilização do seu cartão de crédito, pois não configura quebra contratual ou conduta desleal, dado que: a) não havia vedação expressa à prática; b) o risco financeiro era assumido exclusivamente por si; c) a prática era usual entre os franqueados; d) a apelada Valadares e Lopes (Master Franqueado) teria incentivado informalmente tal conduta; e e)as apeladas agiram em contradição com conduta anterior, incorrendo contra atos seus próprios atos (venire contra factum proprium).
Ressalta que a rescisão do contrato, fundamentada em quebra da cláusula de lealdade e cooperação, carece de comprovação de dolo, prejuízo ou efetiva afronta à confiança contratual. A prática não acarretou danos às apeladas, e a utilização do cartão de crédito da própria apelante garantiu, inclusive, a adimplência dos contratos com clientes.
Afirma que os pleitos das reconvenções das apeladas foram acolhidos, no entanto, estão fundamentados na presunção de sua culpa e a rescisão contratual, uma vez que reconhecida a ausência de justa causa na ruptura do vínculo, impõe-se, por lógica jurídica, a improcedência dos pedidos reconvencionais.
Obtempera, ademais, que a penalidade imposta é desproporcional e violadora do equilíbrio contratual, sobretudo porque o contrato vigorou apenas 4(quatro) meses, sendo impossível aferição de lucro ou prejuízo às apeladas. Assim, a imposição da multa nos moldes decididos conduz ao enquerimento sem causa, pois o valor de R$ 298.500,00 (duzentos e noventa e oito mil e quinhentos reais) ultrapassa em muito os investimentos realizados e os resultados auferidos.
Salienta que a multa imposta à Valadares e Lopes Promoção de Vendas Ltda. deve ser proporcional à sua participação na taxa de franquia (R$ 5.000,00 dos R$ 19.900,00 totais), o que limitaria a multa a R$ 75.000,00 (setenta e cinco mil reais), conforme cláusula sétima do contrato.
A multa contratual, correspondente a 15 (quinze) vezes a taxa de franquia, deve observar tal proporcionalidade para evitar enriquecimento ilícito e dupla penalização da apelante.
Nesse contexto, a apelante requer o conhecimento e o provimento do recurso para: (i)reconhecer ocorrência do cerceamento de defesa com a consequente da nulidade da sentença e o retorno dos autos para produção de prova testemunhal; (ii)alternativamente, a reforma da sentença para: a) reconhecer a ausência de justa causa na rescisão contratual; b)julgar procedente os pedidos iniciais, com as seguintes condenações: b.1)a reversão da multa contratual e condenação das apeladas a pagá-la; b.2)o ressarcimento da taxa de franquia com correção; b.3) o pagamento de perdas e danos no valor de R$ 285.506,00 (duzentos e oitenta e cinco mil e quinhentos e seis reais); b.4) a indenização por danos morais no valor de R$ 30.000,00 (trinta mil reais); b.5) a declaração de nulidade da cláusula de não concorrência; b.6) a declaração de isenção de responsabilidade por eventuais inadimplências dos clientes; c) julgar improcedentes as reconvenções; c.1) caso mantidas, reduzir as multas contratuais por desproporcionalidade e limitar seu valor segundo a proporção da taxa de franquia recebida por cada apelada; d) a condenação das apeladas ao pagamento de custas e honorários sucumbenciais majorados em grau recursal.
Dispensada a comprovação do recolhimento do preparo recursal no ato da interposição, em razão da concessão da gratuidade à recorrente (movimento 10).
Por sua vez, a apelada (Emive Franchising Gestão de Ativos S.A.) apresentou contrarrazões (movimentos 91 e 92), ocasião em que suscita preliminar de inovação recursal. No mérito, refuta a preliminar de cerceamento de defesa e defende a manutenção integral da sentença recorrida com o não provimento do apelo.
1. Preliminar em contrarrazões - inovação recursal
A apelada (Emive Franchising Gestão de Ativos S.A.) apresentou contrarrazões (movimentos 91 e 92), oportunidade em que aduz que o recurso não deve ser conhecido ante inovação recursal perpetrada pela apelante, na medida em que deduz matéria não discutida perante juízo de origem, qual seja o sistema interno das apeladas permite o cadastramento de cartão de crédito de terceiros que não fossem o titular do próprio contrato, sem que tal prática fosse vedada pelas recorridas.
Desse modo, entende que tal argumento configura comportamento temerário em grau recursal, o que ofende o disposto no artigo 1.013, caput e § 1º do Código de Processo Civil.
Razão não assiste à recorrida. Explica-se.
Sabe-se que a questão alegada somente nas razões de apelação configura indevida inovação recursal não merecendo conhecimento, exceto quanto se trata de matéria de ordem pública ou de fatos supervenientes, o que não é o caso dos presentes autos
Segundo a doutrina de Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhat:
O tribunal (ad quem) não pode conhecer de matérias não abordadas pelo juiz recorrido (a quo), sob pena de supressão de instância. Os temas, portanto, não expressamente abordados na instância que proferiu a decisão recorrida, não podem, em princípio, ser examinados pelo tribunal.(Manual do Processo de Conhecimento, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001, p. 506).
Da leitura da petição inicial (movimento 1), verifica-se que a autora (recorrente) postulou a resolução do contrato de franquia com indenização por danos materiais e morais proposta em desfavor das requeridas.
Apresentadas contestação e reconvenção (movimentos 26 e 27), tem-se que a discussão da controvérsia centra-se na culpa pelo descumprimento do contrato de franquia firmado entre as partes (movimento 1, arquivo 20).
Por ocasião da impugnação à contestação e contestação à reconvenção(movimentos 30 e 31).
Desta feita, tem-se que a mera ausência de formulação de tese jurídica defensiva ao longo da fase de conhecimento, por si só, não configura inovação recursal na eventualidade de interposição de apelação.
No presente caso, verifica-se que as razões recursais impugnam os próprios fundamentos da sentença, bem como a sua conclusão, não veiculando matéria diversa daquela expressamente abordada pelo juízo de origem.
Com efeito, por um lado, o Juízo de origem imputou à autora o descumprimento do contrato de franquia, objeto dos autos. Lado outro, as razões recursais da parte apelante versam sobre essas mesmas questões, todavia, pretendo conclusão diversa.
Com essas razões, afasta-se a preliminar de inovação recursal e supressão de instância, porquanto os fundamentos apresentados pela apelante são condizentes com o teor da sentença combatida.
2. Juízo de admissibilidade
Presentes os pressupostos intrínsecos e extrínsecos de admissibilidade recursal, notadamente de cabimento (próprio), legitimidade, tempestividade e a comprovação do recolhimento do preparo no ato da interposição do (movimento 65, arquivos 2 e3), conheço do recurso de apelação cível interposto.(CPC, arts. 1.011, inciso II, e 1.012).
3. Nulidade da sentença - cerceamento de defesa
3.1. Julgamento antecipado do processo. Indeferimento de prova oral. Prejuízo alegado
Como narrado, a autora recorrente sustenta a nulidade do decreto sentencial ao fundamento de ocorrência de cerceamento de defesa, pois o magistrado singular julgou antecipadamente o processo, em que pese ambas as partes pleitearem a produção de prova testemunhal.
Dessa maneira, evidencia-se o seu prejuízo, uma vez que a pretensão inicial foi julgada improcedente por ausência de prova. Assim, requer seja reconhecido o cerceamento de defesa com a anulação da sentença e, por consequência, o retorno dos autos ao juízo de origem para a produção de provas testemunhais, conforme postulado pelas demandantes.
A preliminar arguida não subsiste. Aclara-se.
É cediço que o artigo 355, inciso I, do Código de Processo Civil permite ao juiz julgar de forma antecipada, quando entender que não há necessidade de produção de outras provas, além daquelas já constantes nos autos.
Com efeito, compete ao(à) julgador(a), como destinatário(a) final da prova, com escopo no princípio do livre convencimento motivado, analisar o acervo probatório e, nos termos do artigo 370, parágrafo único, do diploma processual civil, indeferir as provas que reputar inúteis ou protelatórias.
Nesse sentido, convém registrar que inexiste nulidade processual, consubstanciada em cerceamento de defesa, quando o(a) magistrado(a) detecta a presença de dados suficientes à formação do convencimento e a prova documental apresentada pelas partes for suficiente para embasar sua convicção.
Na mesma linha intelectiva, este Tribunal de Justiça do Estado de Goiás uniformizou o entendimento por meio do enunciado da súmula nº 28, que assim prevê:
Súmula nº 28, TJGO - Afasta-se a preliminar de cerceamento de defesa, suscitada em razão do julgamento antecipado da lide, quando existirem nos autos provas suficientes à formação do convencimento do juiz e a parte interessada não se desincumbe do ônus de demonstrar o seu prejuízo, sem o qual não há que se falar em nulidade.
De igual modo, o Superior Tribunal de Justiça, quando do julgamento do REsp 1.114.398/PR, sob a sistemática de recursos repetitivos, objeto do Tema 437, fixou a tese de que “não configura cerceamento de defesa o julgamento antecipado da lide, ante os elementos documentais suficientes.”
Na hipótese vertente, tem-se que o juiz de primeiro grau de jurisdição manifestou-se de maneira fundamentada acerca da desnecessidade de realização da produção de prova testemunhal, sobretudo porque entendeu que os documentos que instruem tanto a inicial quanto as contestações ofertadas (movimentos 26 e 27) demonstram a dinâmica dos fatos deduzidos, especialmente da relação jurídica existente entre as partes.
Por outro lado, convém elucidar que o magistrado, ao justificar o indeferimento da prova testemunhal vindicada esclareceu a desnecessidade de outras provas, pois partiu da premissa que a autora confessou na exordial ter cadastrado seu cartão de crédito pessoal como meio de pagamento em contratos de clientes e esta não negar que tal conduta ocorreu sem autorização formal das requeridas.
Reputa-se, portanto, a não realização da prova testemunhal postulada pela autora não lhe culminou em prejuízos, face aos demais elementos probatórios que formaram a convicção do juiz no mesmo sentido da prova que seria produzida. Isso porque o artigo 370, parágrafo único, confere ao julgador o poder-dever de indeferir diligências que considerar inúteis ou meramente protelatórios.
Não se pode olvidar que, dentre os princípios que norteiam o processo civil, encontra-se o da economia processual, por conseguinte, nada há que justifique a despicienda realização de atos processuais que não acrescentariam elementos essenciais para a prolação do provimento jurisdicional.
Nesse sentido é a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça:
[…]
1. Inicialmente, aponta-se não subsistir a tese de cerceamento de defesa, em razão da não produção de prova pericial.
No que diz respeito ao pleito de produção de prova, tendo em conta que a demanda se refere à revisão de cláusulas contratuais com arguição somente de questões de direito, é desnecessária e impertinente a produção de prova pericial.
Com efeito, consoante disposto no art. 370 do CPC/2015, cabe ao juiz determinar, de ofício ou a requerimento, a produção das provas necessárias à elucidação das questões apresentadas pelas partes.
Como consequência de tal potestade, prevê o parágrafo único do referido dispositivo, inclusive, que o magistrado deverá indeferir as diligências inúteis ou meramente protelatórias.
Não há se falar, portanto, em cerceamento de defesa no caso, já que o Tribunal de origem, a partir das provas já produzidas, considerou possível o julgamento de mérito da demanda. (STJ - AREsp: 2911077, Relator.: Ministro MARCO BUZZI, Data de Julgamento: 29/04/2025, Data de Publicação: Data da Publicação DJEN 05/05/2025).
[…]
Assim, contrariamente ao que assevera a parte apelante, não houve violação das previsões constitucionais de contraditório e ampla defesa. Todas estas questões foram respeitadas pelo magistrado singular, estando a decisão de julgamento antecipado do feito corretamente amparada na legislação, não havendo omissão do Judiciário ou ausência de fundamentação legal da decisão apenas porque seu teor é contrário à pretensão da parte, pelo que não há que se falar em cerceamento de defesa, tampouco em anulação da sentença por este motivo.[…] (STJ - AREsp: 2832687, Relator.: Ministra NANCY ANDRIGHI, Data de Julgamento: 05/05/2025, Data de Publicação: Data da Publicação DJEN 08/05/2025)
PROCESSUAL CIVIL. ACÓRDÃO COMBATIDO. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. NÃO OCORRÊNCIA. JULGAMENTO ANTECIPADO. CERCEAMENTO DE DEFESA. REEXAME DE FATOS E PROVAS. IMPOSSIBILIDADE. 1. Inexiste violação do art. 1.022 do CPC/2015 quando o órgão julgador, de forma clara e coerente, externa fundamentação adequada e suficiente à conclusão do acórdão embargado. 2. Este Superior Tribunal tem o entendimento de que o julgamento antecipado da lide, por si só, não caracteriza cerceamento de defesa, já que cabe ao magistrado apreciar livremente as provas dos autos, indeferindo aquelas que considere inúteis ou meramente protelatórias. Precedentes. 3.(...). (STJ - AgInt no AREsp: 1645635 SP 2019/0382659-0, Relator.: Ministro GURGEL DE FARIA, Data de Julgamento: 21/06/2021, T1 - PRIMEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 29/06/2021, grifou-se).
De igual modo, cita-se o aresto jurisprudencial desta Corte de Justiça:
EMENTA: RECURSO DE APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO MONITÓRIA. PEDIDO DE AUDIÊNCIA DE INSTRUÇÃO COM OITIVA DE TESTEMUNHA. INUTILIDADE. JUSTIFICATIVA NÃO APRESENTADA. PROVA DOCUMENTAL. JULGAMENTO ANTECIPADO DA LIDE. CERCEAMENTO DE DEFESA NÃO CONFIGURADO. HONORÁRIOS SUCUMBENCIAIS. 1. (…). 2 . Afasta-se a preliminar de cerceamento de defesa, suscitada em razão do julgamento antecipado da lide, quando existirem nos autos provas suficientes à formação do convencimento do juiz e a parte interessada não houver se desincumbido do ônus de demonstrar o seu prejuízo, sem o qual não há que se falar em nulidade. 3. (...). RECURSO DE APELAÇÃO CÍVEL CONHECIDO E NÃO PROVIDO. (TJ-GO 51318098220198090051, Relator.: RICARDO PRATA - (DESEMBARGADOR), 10ª Câmara Cível, Data de Publicação: 24/07/2024).
Ademais, o conjunto probatório colacionado foi suficiente para a resolução satisfativa do mérito, sendo despicienda a produção de novas provas.
Com essas razões, rejeita-se, a preliminar arguida.
3.2. Vedação de decisão surpresa (CPC, art. 10)
A recorrente defende a nulidade do édito sentencial fundada na alegação de que este também violou o princípio que veda decisão surpresa (CPC, art. 10), na medida que ao indeferir a produção de prova oral, procedeu ao julgamento antecipado do mérito na sentença, de modo que a impediu de manifestar previamente com o escopo de tentar alterar o convencimento do juízo.
Inexiste nulidade a ser reconhecida. Esquadrinha-se.
Importante consignar que o fundamento adotado na sentença consiste na aplicação de determinado dispositivo da lei, ou seja, o julgamento antecipado está expressamente previsto no Código de Processo Civil.
Ademais, o magistrado singular justificou motivadamente nas razões de decidir a dispensa da produção da prova testemunhal, especialmente diante do acervo probatório documental jungido nos autos, capazes, por si só, amparar o entendimento do julgador.
Em casos tais, despiciendo abrir oportunidade de contradita ao recorrente, porquanto pressupõe-se o conhecimento da lei (v.g. as hipóteses de cabimento recursal) pelas partes envolvidas no processo, seja pelo brocado iura novit curia em relação ao magistrado (o que quer dizer que o foro, os juízes e tribunais presumem-se conhecedores do direito), seja por presunção legal quanto ao recorrente (artigo 3º da LINDB).
Com efeito, a vedação a decisão surpresa estampada no artigo 10 do Código de Processo Civil, cinge-se as questões fáticas da lide, e não a fundamentação jurídica que possa levar a solução do caso concreto.
Nesse sentido, o Superior Tribunal de Justiça tem reiteradamente dispensado a prévia oitiva do recorrente como requisito para o desconhecimento do recurso. Veja-se:
[…]
5. Nos termos da jurisprudência pacífica desta Corte, "Descabe falar em decisão surpresa quando o julgador, analisando os fatos, o pedido e a causa de pedir, bem ainda os documentos que instruem a demanda, aplica o posicionamento jurídico que considera adequado para a solução da lide". Precedentes: REsp n. 1.957.652/SP, relatora Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 15/2/2022, DJe de 18/2/2022. (…). (AgInt no AREsp n. 2.596.881/SP, relator Ministro Humberto Martins, Terceira Turma, julgado em 19/8/2024, DJe de 22/8/2024).
No mesmo sentido: STJ - REsp: 2168050, Relator.: Ministra REGINA HELENA COSTA, Data de Publicação: Data da Publicação DJ 18/09/2024.
A manifestação das partes não é capaz de desnaturar a hipótese de julgamento antecipado da prova, na espécie, porquanto desnecessária a prévia intimação para se manifestarem a respeito, a luz do "contraditório útil", segundo o qual "é desnecessário ouvir as partes quando a manifestação não puder influenciar na solução da causa" (Enunciado 03/ENFAM e STJ, AREsp 1177414, DJe 23/10/2017.
Dispensável a prévia intimação das partes acerca do julgamento antecipado da lide, passa-se ao juízo de admissibilidade.
4. Mérito da controvérsia recursal
4.1. Culpa na rescisão contratual. Utilização de cartão de crédito
A apelante visa a reforma da sentença hostilizada ao fundamento de que inexiste justa causa para a rescisão contratual fundada na permissão de utilização do seu cartão de crédito, notadamente por não configurar quebra contratual ou conduta desleal, dado que: a) não havia vedação expressa à prática; b) o risco financeiro era assumido exclusivamente por si; c) a prática era usual entre os franqueados; d) a apelada Valadares e Lopes (Master Franqueado) teria incentivado informalmente tal conduta; e e)as apeladas agiram em contradição com conduta anterior, incorrendo contra atos seus próprios atos (venire contra factum proprium).
Nesse contexto, requer a procedência dos pedidos iniciais com as seguintes condenações: a) reconhecer a ausência de justa causa na rescisão contratual; b)julgar procedente os pedidos iniciais, com as seguintes condenações: b.1)a reversão da multa contratual e condenação das apeladas a pagá-la; b.2)o ressarcimento da taxa de franquia com correção; b.3) o pagamento de perdas e danos no valor de R$ 285.506,00 (duzentos e oitenta e cinco mil e quinhentos e seis reais); b.4) a indenização por danos morais no valor de R$ 30.000,00 (trinta mil reais); b.5) a declaração de nulidade da cláusula de não concorrência; b.6) a declaração de isenção de responsabilidade por eventuais inadimplências dos clientes; c) julgar improcedentes as reconvenções; c.1) caso mantidas, reduzir as multas contratuais por desproporcionalidade e limitar seu valor segundo a proporção da taxa de franquia recebida por cada apelada; d) a condenação das apeladas ao pagamento de custas e honorários sucumbenciais majorados em grau recursal.
Como visto acima, trata-se de ação que envolve contrato de franquia, o qual está regulado pela Lei 13.966, de 26 de dezembro de 2019 – que dispõe sobre o sistema de franquia empresarial e revoga a Lei n.º 8.955, de 15/12/1994 (Lei de Franquia).
Nesse sentido, impõe-se transcrever o conceito de franquia, estabelecido na referida legislação:
Art. 1º Esta Lei disciplina o sistema de franquia empresarial, pelo qual um franqueador autoriza por meio de contrato um franqueado a usar marcas e outros objetos de propriedade intelectual, sempre associados ao direito de produção ou distribuição exclusiva ou não exclusiva de produtos ou serviços e também ao direito de uso de métodos e sistemas de implantação e administração de negócio ou sistema operacional desenvolvido ou detido pelo franqueador, mediante remuneração direta ou indireta, sem caracterizar relação de consumo ou vínculo empregatício em relação ao franqueado ou a seus empregados, ainda que durante o período de treinamento.
Ainda, Arnaldo Rizzardo (in Contratos, 3ª ed., Editora Forense, Rio de Janeiro, 2004, p. 1386), acerca do contrato de franquia (franchising), ensina que:
(…)
Através do contrato de franquia ou franchising, desenvolve-se um sistema de distribuição de bens e serviços, pelo qual o titular de um produto, serviço ou método, devidamente caracterizado por marca registrada, concede a outro comerciante, que se liga ao titular por relação contínua, licença e assistência para a expansão do produto no mercado.
(…)
Mais resumidamente, depreende-se da figura como a operação através da qual um empresário permite ou autoriza a outrem o direito de usar a marca de produto ou serviço seu, oferecendo-lhe assistência técnica para a sua implantação e comercialização, recebendo, em troca, determinada remuneração.
A responsabilidade no contrato de franquia deve ser analisada com base no princípio da boa-fé objetiva (CC, art. 113 e 422), que preconiza que as partes devem agir com lealdade e transparência na relação contratual.
Na hipótese dos autos, observa-se que o contrato de franquia em questão (movimento 1, arquivo 20), em que a autora recorrente atuava como franqueada. Por outro lado, as requeridas constituem franqueadoras e são responsáveis pela concessão da franquia e pela supervisão das atividades do franqueado.
Depreende-se que a empresa Valadares e Lopes Promoção de Vendas Ltda. (Porto Seguro Promoção de Vendas), atuava como subfranqueador, conforme definido no artigo 5ª da Lei 13.966/2019 que dispõe:
Art. 5º Para os fins desta Lei, as disposições referentes ao franqueador ou ao franqueado aplicam-se, no que couber, ao subfranqueador e ao subfranqueado, respectivamente.
Emerge, pois que referida empresa (“Master franqueado"), exercia participação de intermediário na estrutura da franquia com poderes e responsabilidade equiparáveis aos da franqueadora em relação aos subfranqueados.
Da leitura atenta do teor do da circular de oferta de franquia (CPF) e contrato firmado entre as partes (movimento 1, arquivos 19 e 20) extrai-se da cláusula 1.6:
MASTER FRANQUEADO, devidamente qualificado neste instrumento, é tanto a pessoa jurídica quanto a pessoa física que deterá o controlo Societário e/ou exercerá a gerência da pessoa jurídica preexistente a ser constituída para o operar a master Franquia. O master FRANQUEADO poderá comercializar determinado número de franquias Emive em determinado território e atuará em substituição ou em conjunto com a Franqueadora na gestão, operação e suporte ao seu subfranqueado.
As cláusulas 6.1 e 6.2 corroboram:
6.1. Oferecer ao FRANQUEADO as estratégias e orientações para fomentar o desenvolvimento do Negócio e do Sistema através de programas e estratégias de marketing e vendas através dos treinamentos, manuais da franquia e supervisões de campo. e
6.2. Assistir ao FRANQUEADO, repassando-lhe os conhecimentos e experiências em soluções técnicas, administrativas, comerciais e operacionais do Negócio através dos treinamentos, manuais da franquia e supervisões de campo.
Reputa-se, portanto, que o “Master franqueado” agia como um substituto da franqueadora, pois administra um grupo de subfranqueados (incluindo a autora), pois é responsável por oferecer treinamento, realizar supervisão e assegurar o cumprimento das políticas e diretrizes estabelecidas pela franqueadora, a qual não pode se eximir da responsabilidade pelas condutas de seu preposto.
Do arcabouço dos autos - diverso da conclusão do veredito singular - constata-se a atividade desenvolvida pela franqueada abrangia efetivamente a utilização do próprio cartão de crédito em relações negociais com clientes e estava regularmente autorizado, pois se tratava de uma situação usual como forma de negociação.
Há elementos concretos que ratificam o teor do áudio, acompanhado da respectiva ata notarial (movimento 1, arquivos 19 a 23), de modo que durante os treinamentos fornecidos pelo “Master Franqueado”, os franqueados foram incentivados a utilizar seus cartões de crédito pessoais, especialmente nas hipóteses em que os clientes não possuíam cartão de crédito próprio, cujo propósito era aumentar as vendas e os resultados financeiros da franquia.
Sem embargo, percebe-se, ademais, que por ocasião da contestação (movimento 27)a requerida Emive Franchising de Ativos S.A. não refutou especificamente as alegações autorais, ao passo que assim consignou:
(…)19. Apesar disso, em algum momento, um “master franqueado” e alguns subfranqueados encontraram uma brecha no sistema de informações e de análise de crédito da Franqueadora. De fato, o sistema aceitava que o titular do cartão de crédito registrado não fosse o próprio cliente. A partir disso, os referidos “master franqueado” e subfranqueados, como a Autora, passaram a cadastrar, como meio de pagamento supostamente escolhido por novos clientes, cartões de crédito próprios.(...)
Assim, não subsiste a conclusão do juízo singular de que teria ocorrido fraude ou mesmo negócios simulados, já que a prática em exame se configurava como rotina. Via de consequência, não se vislumbra desvirtuamento do que fora contratado, repisa-se, durante os treinamentos fornecidos pelo “Master franqueado”, os franqueados foram incentivados a utilizar seus cartões de crédito pessoais.
Revela-se contraditório o comportamento de alegar justa causa para amparar a rescisão contratual, haja vista que o preposto da franqueadora, representada pelo “Master franqueado”, era responsável pela supervisão do contrato, incentivou a prática e, posteriormente, a utilizou como justificativa para a rescisão unilateral dos contratos do franqueado, resta configurada conduta contraditória por parte das requeridas (apeladas).
O instituto da proibição do venire contra factum proprium resguarda a boa-fé objetiva, bem como o cumprimento de seus deveres contratuais com lealdade, probidade e boa-fé. Venire contra factum proprium postula dois comportamentos da mesma pessoa, lícitos em si e diferidos no tempo. O primeiro - "factum proprium” – é, porém, contrariado pelo segundo” (Menezes Cordeiro., op. cit.).
Dessarte, a conduta temerária das requeridas viola a função interpretativa da boa-fé objetiva, diante da mudança abrupta e injustificada na interpretação das cláusulas contratuais.
A autonomia negocial no livre mercado deve pautar-se por valores éticos, aplicando-se cláusulas gerais como boa-fé objetiva, bons costumes, ordem pública, equidade e solidariedade. Nos contratos onerosos, faz-se necessário garantir uma "equivalência intangível" entre as partes, sem necessariamente haver igualdade objetiva entre vantagens e sacrifícios, especialmente em interesses não patrimoniais.
Para além disso, os deveres laterais de conduta, como a boa-fé objetiva, são exigíveis mutuamente aos contratantes, independentemente da vontade, visando evitar danos e promover o melhor cumprimento contratual. Tais deveres, variáveis conforme o vínculo obrigacional, podem incluir obrigações de aviso e esclarecimento, essenciais para prevenir problemas e garantir a adequada execução dos contratos.
Os Tribunais de Justiça de São Paulo e do Estado de Goiás, ao enfrentarem casos idênticos, concluíram na mesma direção. Confiram-se:
Apelação. Franquia. Rescisão contratual caracterizada por parte das franqueadoras, fazendo referência sobre fraudes e negócios simulados, haja vista a utilização do cartão de crédito do próprio franqueado em relações negociais. Caso aparentemente atípico era o cotidiano, ante a aquiescência das próprias franqueadoras, o que se apresenta de forma clara e precisa nas recomendações correspondentes, portanto, estas últimas tinham pleno conhecimento e aprovaram o estilo dos negócios, os quais, consequentemente, não podem ser qualificados como fraude ou simulação. Referência de que os master franqueados não seriam prepostos das franqueadoras se apresenta insubsistente, pois as próprias franqueadoras em material compatível ressaltam a possibilidade de os franqueados procederem como o caso da autora franqueada. Sentença observou o devido processo legal. Cerceamento de defesa não configurado, haja vista a ausência de justificativa ou especificidade. Ademais, ressalta-se que o d. Juízo "a quo" é o destinatário da prova, cabendo-lhe ponderar o conjunto probatório suficiente para a formação de seu livre convencimento motivado. Fundamentação compatível com os pontos controvertidos. Ausência de irregularidade. Sentença que se apresenta adequada. Apelo desprovido.(TJ-SP - Apelação Cível: 10432635620238260100 São Paulo, Relator.: Natan Zelinschi de Arruda, Data de Julgamento: 03/12/2024, 2ª Câmara Reservada de Direito Empresarial, Data de Publicação: 03/12/2024).
EMENTA: DUPLA APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE RESOLUÇÃO DE CONTRATO DE FRANQUIA C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. JULGAMENTO ANTECIPADO DA LIDE. CERCEAMENTO DE DEFESA. PRELIMINAR AFASTADA. RESCISÃO DO CONTRATO. CONDUTA IRREGULAR DO FRANQUEADO. CULPA NÃO VERIFICADA ORIENTAÇÃO EXPRESSA DO PREPOSTO DA FRANQUEADORA. COMPORTAMENTO CONTRADITÓRIO. CONCORRÊNCIA DA CULPA ENTRE FRANQUEADORA E O PREPOSTO. CULPA INELEGENDO DA PARCEIRA COMERCIAL. AFASTAMENTO DAS PENALIDADES IMPOSTAS AO FRANQUEADO. LUCROS CESSANTES. NECESSIDADE DE COMPROVAÇÃO. INVERSÃO DA MULTA CONTRATUAL. RELAÇÃO EMPRESARIAL. IMPOSSIBILIDADE. DEVOLUÇÃO DAS QUANTIAS EFETIVAMENTE PAGAS APÓS A SUSPENSÃO DO CONTRATO. PAGAMENTO POR AGENDAMENTO. AUSÊNCIA DE IMPUGNAÇÃO ESPECIFICA À CONTESTAÇÃO. PRECLUSÃO. DANO MORAL CONFIGURADO. 1. Afasta-se a preliminar de cerceamento de defesa, suscitada em razão do julgamento antecipado da lide, quando existem nos autos provas suficientes para a formação do convencimento do juiz (Súm. 28 do TJGO). 2. Preposto da franqueadora orientou o franqueado a efetuar pagamentos utilizando seu próprio cartão de crédito para aumentar e atingir metas de vendas . Posteriormente, a franqueadora rescindiu sumariamente o contrato em razão dessa conduta do franqueado, em claro comportamento contraditório e violação do princípio da boa-fé objetiva, nos termos do art. 422 do Código Civil. 3. Responsabilidade exclusiva da franqueadora pela rescisão, em razão da culpa ineligendo, devido à conduta de seu preposto, que orientou a prática do ato questionado . 4. Os lucros cessantes devem ser efetivamente comprovados, não se admitindo lucros presumidos ou hipotéticos. 5. Não se tratando de relação de consumo, não é permitido ao Judiciário inverter a multa penal e criar obrigação contratual não avençada entre as partes, com prevalência do trato original e respeito a pacta sunt servanda . 6. Comprovado o pagamento de taxa de royalties ao preposto durante o período em que o contrato estava suspenso, é devida a restituição dos valores despendidos. Por outro lado, uma vez questionada a efetivação do agendamento de pagamento na contestação e ausente impugnação específica do autor na réplica, deve-se reconhecer a preclusão da prova. 7. A conduta praticada pela franqueadora, que prejudicou o franqueado em sua expectativa, reputação, personalidade e sentimento de dignidade, configura ato ilícito passível de dano moral. APELAÇÕES CÍVEIS CONHECIDAS, DESPROVIDA A PRIMEIRA E PARCIALMENTE PROVIDA A SEGUNDA. SENTENÇA REFORMADA.(TJ-GO 51614740720238090051, Relator.: SÉRGIO MENDONÇA DE ARAÚJO - (DESEMBARGADOR), 7ª Câmara Cível, Data de Publicação: 30/08/2024).
Arremata-se, portanto, que a rescisão ocorreu de forma abrupta, sem qualquer esclarecimento, aviso ou advertência prévia. Ao tomar conhecimento da suposta irregularidade, a franqueadora deveria ter primeiramente notificado os subfranqueados, incluindo a autora, sobre a inadequação da conduta até então incentivada pelo “Master Franqueado”, contudo não o fez nos moldes avençados.
Esta notificação prévia, além de ser uma questão de boa-fé, está expressamente prevista na cláusula 11.1 do contrato, que estabelece a necessidade de notificação prévia e oportunidade de sanar a irregularidade antes de qualquer bloqueio de acesso ou rescisão.
No caso em exame, a ausência dessa providência pactuada reforça o caráter abrupto e injustificado da rescisão, violando não apenas os deveres de cooperação e lealdade inerentes ao contrato de franquia, mas também as próprias disposições contratuais. Impõe-se, portanto, o reconhecimento da culpa exclusiva da parte ré na rescisão, especialmente devido à conduta de seu preposto, que configura culpa in eligendo.
Não obstante as requeridas aleguem violação da cláusula 11.1, atribuindo ao fato status prejudicial à sua reputação por venda simulada e/ou falsificação de informações e documentos, não há comprovação de inadimplência ou prejuízo nas vendas realizadas com cartões pessoais.
Ademais, não houve falsificação de informações, mas sim a opção por via de pagamento indicada pelo preposto da própria franqueadora (“Master Franqueado”).
Por corolário, impõe-se afastar a incidência da multa contratual prevista na cláusula 11.1.1 do contrato de franquia e a necessidade de pagamento do valor total correspondente à soma das multas por cancelamento de contratos pelos clientes, conforme os itens 6.1 e 6.2 das Regras Comerciais, que constituem o Anexo 1 do contrato(movimento 1, arquivo 20), devendo, pois o pleito reconvencional ser integralmente julgado improcedente.
À guisa da fundamentação expendida, reputa-se desacertada a sentença que atribuiu culpa exclusiva à autora (franqueada)pela resolução do contrato de franquia, motivo pelo qual merece reforma a fim de julgar procedente o pleito inaugural para atribuir a rescisão contratual abrupta e imotivada às requeridas, uma vez que não configurada a alegada justa causa.
4.1.2. Pagamento de valor retido
Como alinhavado em linhas volvidas, o veredito de origem é reformado na seara recursal, de sorte que a rescisão é atribuída exclusivamente por culpa das rés.
Nesse linear, impõe-se a determinação de pagamento do valor retido de R$ 6.656,51 (seis mil, seiscentos e cinquenta e seis reais e cinquenta e um centavos) referente a NF 3, sob pena de enriquecimento sem causa da franqueadora, o que é vedado pelo artigo 884, do Código Civil.
Neste aspecto, referido valor (R$ 6.656,51),deverá ser atualizado com correção monetária desde a data do devido pagamento e juros de mora a contar da citação.
4.1.3. Inversão da multa pactuada
Em relação ao pedido de inversão de multa, observa-se que a cláusula 11.1.1 do contrato impõe a penalidade apenas em caso de inadimplemento por parte do franqueado. E não se verifica qualquer previsão contratual que autorize a imposição da referida multa ao franqueador.
Sabe-se que o contrato de franquia, regido pela Lei nº 13.966/2019, exige que, tanto a franqueadora, quanto o franqueado, atuem com base no princípio da boa-fé objetiva (art. 113 e 422 do Código Civil), assegurando transparência e lealdade na relação negocial. No entanto, o acervo probatório evidencia que apenas as requeridas contribuíram para a deterioração da relação contratual.
Assim, o pleito não pode ser acolhido, preservando-se a autonomia da vontade das partes contratantes e o princípio do pacta sunt servanda, uma vez que não há situação excepcional que justifique a intervenção do Judiciário.
Nesse sentido:
PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE COBRANÇA CUMULADA COM RESCISÃO CONTRATUAL. REVELIA. PRESUNÇÃO RELATIVA DE VERACIDADE DOS FATOS ALEGADOS NA PETIÇÃO INICIAL. TESES JURÍDICAS DEDUZIDAS EM APELAÇÃO. EXAME. NECESSIDADE. AUSÊNCIA DE PRONUNCIAMENTO. OMISSÃO CONFIGURADA. RETORNO DOS AUTOS AO TRIBUNAL DE ORIGEM. RECURSO PROVIDO. (...) 5. No caso concreto, as teses deduzidas na apelação traduzem o legítimo exercício do direito de defesa, sobretudo quando a impugnação volta-se contra a fundamentação explicitada pelo Julgador, que teria invocado os princípios da boa-fé, da função social do contrato e da equivalência para, em interpretação extensiva, condenar a recorrente no pagamento de multa contratual que se afirma inaplicável à espécie. Trata-se, portanto, de argumentação técnica que se contrapõe à solução jurídica conferida à lide pelo juiz de primeiro grau, longe de configurar inovação. 6. A possibilidade de revisão judicial e de mitigação da força obrigatória dos pactos, em casos excepcionais, não permite ao Judiciário criar obrigação contratual não avençada entre as partes, sobretudo no âmbito de uma avença para a qual não se invoca a incidência de lei protetiva. 7. Agravo interno provido para dar provimento ao recurso especial. (AgInt no REsp n. 1.848.104/SP, relator Ministro Luis Felipe Salomão, relator para acórdão Ministro Antonio Carlos Ferreira, Quarta Turma, julgado em 20/4/2021, DJe de 11/5/2021.)
Conclui-se, portanto que não há falar em inversão da cláusula que arbitrou o valor da multa livremente pactuado em favor da franqueada.
De outro lado, diante da culpa atribuída exclusivamente às requeridas, improcedente o pleito reconvencional neste ponto.
4.1.4. Devolução da taxa de franquia
A autora apelante requer o ressarcimento do valor pago a título de franquia (R$ 19.500,00), tendo em vista que o contrato foi firmado em 9/8/2022, com previsão inicial de vigência por 3 (três) anos, contudo rescindido unilateralmente pela franqueadora e Master Franqueado em 27/12/2022, conforme notificação acostada (movimento 1, arquivo 21).
Em contrapartida, a requerida apelada não apresentou elementos contundentes a afastar o direito vindicado pela autora, mormente diante da comprovação que no ato da adesão foi efetuado o referido aporte.
Sendo assim, ante a rescisão do negócio firmado, devendo as partes retornarem ao status quo ante, com a consequente restituição do montante pago a título de taxa de franquia (R$ 19.500,00), pela parte autora diretamente à requerida para a efetiva adesão, devidamente atualizado monetariamente na forma legal, da data do efetivo desembolso.
4.1.5. Perdas e danos e lucros cessantes
A recorrente busca a reforma da sentença a fim de que seja julgado procedente o pedido inicial de pagamento de perdas e danos e lucros cessantes no valor de R$ 286.506,00 (duzentos e oitenta e seis mil e quinhentos e seis reais).
Nos termos do artigo 402 do Código Civil, o dano material consiste na diminuição do patrimônio da vítima, tanto pelo efetivamente perdido (dano emergente), quanto pelo que razoavelmente se deixou de ganhar (lucros cessantes). Para fazer jus à indenização a este título, a prova da perda de rendimentos há de ser condigna e efetiva, pois, na linha da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, os lucros cessantes não podem ser hipotéticos, remotos ou presumidos1.
Além disso, cumpre salientar que, de acordo com o artigo 373, inciso I, do Código de Processo Civil, incumbe ao autor o ônus da prova "quanto ao fato constitutivo do seu direito.”
No caso vertente, ainda que se admita a ocorrência de transtornos decorrentes da expectativa contratual, caberia à apelante, por força do imperativo ético que deve permear todas as relações sociais, contratuais ou não, diligenciar no sentido de comprovar a mera expectativa de ganhos.
Nessa perspectiva, a própria jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça reconhece que o dever de o credor adotar condutas razoáveis para mitigar sua perda (duty to mitigate the loss) constitui consectário lógico do princípio da boa-fé.
Dessa forma, ausente a comprovação efetiva de perdas e danos e de lucros cessantes, cujo ônus incumbia à parte autora, deve-se, neste ponto, negar provimento ao recurso e afastar a condenação da parte apelada tal título.
4.1.6.Indenização por danos morais
A recorrente postula a reforma do édito sentencial com o escopo de condenar as recorridas ao pagamento de indenização moral no patamar indicado na inaugural (R$ 30.000,00).
Lado outro, rememora-se que o motivo da rescisão contratual foi a afirmação inverídica de que a autora (franqueada) utilizou cartão de crédito próprio, sem autorização formal das requeridas, atribuindo-lhe a desvirtude de “prática prejudicial ao negócio” e “promoção de venda simulada/falsificação de informações”,o que em tese viola o direito da personalidade.
O dano moral caracteriza-se pela ofensa aos direitos da personalidade, decorrentes de lesão a valores internos/anímicos da pessoa, ou seja, a intimidade, a vida privada, a honra, etc., o que não se constatou na espécie.
Os doutrinadores Cristiano Chaves de Faria e Nelson Rosenvald, ao abordarem o tema, registraram:
Os direitos da personalidade são tendentes a assegurar a integral proteção da pessoa humana, considerada em seus múltiplos aspectos (corpo, alma e intelecto). Logo, a classificação dos direitos da personalidade tem de corresponder à projeção da tutela jurídica em todas as searas em que atua o homem, considerados os seus múltiplos aspectos biopsicológicos. Assim, a classificação deve ter em conta os aspectos fundamentais da personalidade que são: a integridade física (direito à vida, direito ao corpo, direito à saúde ou inteireza corporal, direito ao cadáver…), a integridade intelectual (direito à autoria científica ou literária, à liberdade religiosa e de expressão, dentre outras manifestações do intelecto) e a integridade moral ou psíquica (direito à privacidade, ao nome, à imagem, etc.). (in Direito Civil, 7ª edição, Lumen Juris)
O Código Civil, por sua vez, preconiza:
Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.
Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.
Em relação à extensão da indenização, a fixação do valor devido a título de danos morais deve considerar o método bifásico, sendo este o que melhor atende às exigências de um arbitramento equitativo da indenização por danos extrapatrimoniais, uma vez que minimiza eventual arbitrariedade ao se adotar critérios unicamente subjetivos do julgador, além de afastar eventual tarifação do dano.
Na primeira etapa examina-se precedentes judiciais que tenham proferido condenações em casos análogos, nos quais violados os mesmos direitos de personalidade ora apreciados. Na segunda, estuda-se as particularidades do caso a partir da gravidade do fato, da culpa do agente e da condição econômica dos envolvidos.
Por sua vez, em relação às particularidades do caso concreto, imperativa é a reforma da sentença fustigada para condenar a requerida apelada (Emive) ao pagamento de indenização por danos morais à quantia de R$ 20.000,00 (vinte mil reais), considerando fatores como (a) o grau de responsabilidade da ré, análogo ao usualmente observado; (b) a extensão dos prejuízos suportados – a ruptura abrupta do contrato de franquia entabulado (movimento 1, arquivo 20). E o que é mais grave e relevante a mácula de “prática de prejudicial ao negócio” e “promoção e venda simulada/falsificação de informações”.
Dessarte, não paira dúvida que está configurado abalo moral, frustração e angústia, uma vez que a recorrente que adquiriu a franquia apenas quatro meses antes da rescisão abrupta e injusta, despendendo tempo e dinheiro trabalhando na marca das rés. Além disso, foi-lhe atribuída a pecha de falsificadora, evidenciando-se, assim, a violação a direitos da personalidade.
Nesse cotejo, é devida a indenização pretendida, porquanto é possível mensurar a grande frustração e sentimento de dor imputado à parte autora que, a despeito do investimento que fez ao pagar a taxa de franquia e demais custos do estabelecimento, não pode ver concretizado seu empreendimento comercial por culpa da franqueadora.
Na espécie, o valor indenizatório de R$ 20.000,00 (vinte mil reais), mostra-se razoável e proporcional, sobretudo por amparar na condição financeira das partes, na gravidade da conduta, no valor do negócio jurídico discutido e, no cunho pedagógico e punitivo necessários.
Os tribunais pátrios coadunam com o entendimento:
APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DE RESCISÃO CONTRATUAL DE FRANQUIA COMERCIAL CUMULADA COM INDENIZAÇÃO POR PERDAS E DANOS – PRELIMINAR DE NULIDADE DA SENTENÇA REJEITADA – AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO E CERCEAMENTO DO DIREITO DE DEFESA NÃO CONSTATADOS – CIRCULAR DE OFERTA DE FRANQUIA QUE OMITIU INFORMAÇÃO RELEVANTE – PENDÊNCIAS JUDICIAIS DA EMPRESA FRANQUEADORA – DESRESPEITO AO INCISO III DO ARTIGO 3.º DA LEI N.º 8.955/94 VIGENTE À ÉPOCA DA CONTRATAÇÃO – FATO QUE PODERIA ENSEJAR A NÃO ADESÃO AO CONTRATO E QUE LEGITIMA A RESCISÃO CONTRATUAL – DEVER DE RESTITUIÇÃO DO VALOR PAGO A TÍTULO DE TAXA DE FRANQUIA – INEXISTÊNCIA DE DANOS MATERIAIS – DANO DE ORDEM MORAL CONFIGURADO – TRANSTORNOS QUE SUPERAM O MERO ABORRECIMENTO – INDENIZAÇÃO FIXADA CONFORME AS PARTICULARIDADES DO CASO – SENTENÇA REFORMADA – RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. Não há falar em nulidade da sentença por deficiência da fundamentação se as razões de decidir são claras e da situação concreta não se extrai qualquer das hipóteses previstas no § 1.º do art. 489 do CPC, que elenca os casos em que se considera não fundamentada a decisão. O cerceamento do direito de defesa deve ser reconhecido quando a parte tem o legítimo interesse em produzir determinada prova e, no entanto, é impedida de fazê-lo. Verificando-se que na celebração de contrato de franquia a empresa franqueadora omitiu informações relativas a pendências judiciais, cujo conhecimento poderia levar o franqueado a não formalizar o negócio, em clara violação à norma do artigo 3.º, inciso III, da Lei n.º 8.955/94, vigente à época dos fatos, mostra-se legítima a pretensão de rescisão contratual. A reparação por danos materiais reclama a clara delimitação dos prejuízos financeiros sofridos, de modo que, não sendo tais perdas evidenciadas na rescisão do contrato de franquia, o franqueado fará jus apenas à restituição da taxa de adesão ao negócio. O dano moral indenizável é aquele que ultrapassa o mero dissabor cotidiano e causa verdadeiro sofrimento, angústia e constrangimento à honra da pessoa, reputando-se constatado quando a empresa franqueadora omite do franqueado informações relevantes acerca do negócio ao qual este está aderindo. A indenização por dano moral deve ser arbitrada segundo o prudente arbítrio do julgador, com moderação e em observância às peculiaridades do caso, consoante os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade.(TJ-MS - Apelação Cível: 0823211-29.2017.8.12.0001 Campo Grande, Relator.: Des. Marcelo Câmara Rasslan, Data de Julgamento: 26/03/2024, 1ª Câmara Cível, Data de Publicação: 01/04/2024 – grifou-se).
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE RESCISÃO DE CONTRATO DE FRANQUIA (FRANCHISING) CUMULADA COM PEDIDO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS. CULPA DA EMPRESA FRANQUEADORA. PROVA . EXISTÊNCIA. EXIGÊNCIA UNILATERAL DE ALTERAÇÃO DO PONTO COMERCIAL. INADIMPLEMENTO CONTRATUAL. LUCROS CESSANTES . DANOS MORAIS. MANUTENÇÃO. SENTENÇA MANTIDA. SUCUMBÊNCIA RECURSAL. RESCISÃO CONTRATUAL: Comprovado nos autos que o desfazimento do negócio ocorreu por culpa exclusiva da empresa franqueadora, que exigiu alteração do ponto comercial no qual a empresa franqueada estava se instalando, mesmo após ter participado ativamente do processo de escolha do ponto comercial original. Obrigação da franqueadora de dar suporte técnico a empresa franqueada, nos termos do art. 2º da Lei 8.955/94, e conforme estabelecido na Circular de Oferta de Franquia. Recurso não provido. LUCROS CESSANTES: Consiste o lucro cessante na perda do ganho esperável, na frustração da expectativa de lucro, na diminuição potencial do patrimônio da vítima. No caso dos autos, entretanto, não vislumbro a possibilidade de fixação de lucros cessantes. O estabelecimento comercial franqueado sequer entrou em atividade, razão pela qual não é possível concluir acerca do sucesso do empreendimento, muito menos do lucro que, eventualmente, a loja poderia obter. Não há nada nos autos que permita concluir de forma segura qual o lucro esperado pelo empreendimento, de modo que os lucros cessantes não passam de mera projeção, sem nenhuma prova concreta. Recurso provido, no ponto. DANOS MORAIS: Os fatos narrados autorizam indenização pelo inquestionável dano moral sofrido, não podendo este ser tratado apenas como descumprimento contratual, quando a quebra do contrato gerou evidente frustação da autora que sequer deu início a atividades de seu empreendimento, somado este fato ao expressivo valor desembolsado entre custos com taxa de franquia e demais gastos. Todavia, é caso de reduzir o valor fixado pela sentença para R$ 20.000,00, pois adequado às peculiaridades do caso concreto, que não caracteriza enriquecimento sem causa. Recurso provido em parte, no ponto. SUCUMBÊNCIA: Em razão do parcial provimento da empresa demandada, é caso de redimensionar e redistribuir os ônus da sucumbência. Vedada a compensação .DERAM PARCIAL PROVIMENTO AO APELO. (TJ-RS - AC: 70079955050 RS, Relator.: Eduardo João Lima Costa, Data de Julgamento: 12/12/2019, Décima Nona Câmara Cível, Data de Publicação: 13/12/2019 – grifou-se).
Nessa confluência, impõe-se o provimento do recurso para reformar o decreto sentencial e julgar parcialmente procedente o pedido inicial de indenização por danos morais na quantia de R$ 20.000,00 (vinte mil reais), cuja atualização dar-se-á a partir desta data.
4.1.7.Nulidade da cláusula de não concorrência
A recorrente requer a reforma da sentença com o escopo de declarar a nulidade da cláusula de não concorrência. Para tanto, afirma que a culpa pela rescisão é exclusiva das requeridas, portanto, afigura-se abusiva e temerária a manutenção da referida cláusula.
Do exame dos autos, extrai-se da cláusula 11.5, item (v)do instrumento de franquia, consta obrigação expressa da requerente (apelante) em não exercer atividades idênticas ou assemelhadas da franquia, por si ou seus parentes, no prazo de 24(vinte e quatro) meses, após a rescisão contratual, sob pena de incidência de multa correspondente a 15(quinze) vezes a taxa de franquia.
A cláusula de não concorrência nos contratos de franquia tem por objetivo proteger o know-how e os interesses comerciais da franqueadora, impedindo que o franqueado utilize o conhecimento adquirido na operação da franquia para atuar no mesmo ramo de atividade após a resolução contratual. Essa previsão encontra respaldo na Lei nº 13.966/2019, que permite sua estipulação desde que respeitados limites razoáveis de tempo e território, conforme previsto no art. 2º, § 3º, da referida norma.
Entretanto, o dever de observância dessa cláusula pressupõe a regularidade da atuação da franqueadora e a ausência de culpa na resolução do contrato. No caso dos autos, ficou demonstrado que a franqueadora, em conjunto o preposto (“Master Franqueado),incorreram em conduta que viola a boa-fé objetiva (art. 113 e 422 do Código Civil).
Diante desse contexto, ao se reconhecer a culpa exclusiva da franqueadora na resolução contratual, torna-se indevida a aplicação da cláusula de não concorrência. Isso porque a franqueada não pode ser impedida de exercer atividade no mesmo ramo se a franqueadora foi a responsável pela inviabilização da operação da franquia, rompendo com o equilíbrio contratual.
Com efeito, uma vez caracterizada a culpa da franqueadora pela rescisão do contrato de franquia, é possível afastar a cláusula de não concorrência, visando o equilíbrio contratual e o respeito ao princípio da boa-fé, que devem estar presentes no momento da execução do contrato.
A cláusula de não concorrência não pode favorecer a parte culpada, no caso a franqueadora, em detrimento da parte inocente, impedindo-o de exercer atividade comum.
Sobre o tema, ALEXANDRE DAVID SANTOS, na obra "Comentários à Nova Lei de Franquia: Lei nº 13.966/2019" São Paulo: Almedina, 2020, pgs. 196/200, explica que: "Com base nos preceitos da boa- fé e do equilíbrio contratual, conforme abordamos no início desta obra, entendemos que a cláusula de não concorrência poderá ser relativizada se caracterizada a culpa do franqueador na resolução do contrato de franquia."
Acrescenta, ainda, "que o descumprimento contratual por parte do franqueador com o objetivo de expulsar imotivadamente o franqueado da rede constitui também um dos requisitos estratégicos para a nossa proposta de modulação, devendo, nesse caso, estabelecer a suspensão dos efeitos da cláusula de não concorrência."
Assentadas essas preposições, à vista que a apelante (autora)não deu causa à rescisão, há de reconhecer a nulidade da cláusula atinente à não concorrência, qual seja, cláusula 11.5, item (v), do contrato de franquia epigrafado (movimento 1, arquivo 20).
A jurisprudência orienta:
Ementa: DIREITO EMPRESARIAL. APELAÇÃO CÍVEL. FRANQUIA EMPRESARIAL. NULIDADE CONTRATUAL. OMISSÃO DE PENDÊNCIA JUDICIAL RELEVANTE NA CIRCULAR DE OFERTA DE FRANQUIA. DECLARAÇÃO DE NULIDADE DO CONTRATO. CLÁUSULA DE NÃO CONCORRÊNCIA. INAPLICABILIDADE. CERCEAMENTO DE DEFESA NÃO CONFIGURADO. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. I. CASO EM EXAME 1. Apelação interposta por Rondineli Gonçalves de Souza contra sentença da 1ª Vara Cível de Uberlândia/MG, que julgou improcedente a reconvenção e procedente o pedido inicial em ação declaratória de rescisão contratual c/c cobrança ajuizada por GOU - Sistema Odontológico Franchising Ltda., ratificando a validade do contrato de franquia firmado entre as partes, mas determinando que eventuais condenações fossem liquidadas em liquidação de sentença. O apelante requer a reforma da sentença para: (i) afastar a alegação de infração à cláusula de não concorrência; (ii) declarar a nulidade do contrato de franquia por omissão de informações relevantes na Circular de Oferta de Franquia (COF); (iii) apreciar pedido subsidiário de rescisão contratual por culpa exclusiva da franqueadora; e (iv) anular a sentença por cerceamento de defesa, determinando a produção de prova testemunhal. A apelada pleiteia o desprovimento do recurso. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO 2. Há quatro questões em discussão: (i) verificar a aplicabilidade da cláusula de não concorrência; (ii) avaliar a nulidade do contrato de franquia em razão da omissão de informação relevante na COF sobre pendência judicial; (iii) analisar o pedido subsidiário de rescisão do contrato por culpa exclusiva da franqueadora; e (iv) apurar a existência de cerceamento de defesa em razão do indeferimento de prova testemunhal. III. RAZÕES DE DECIDIR 3. A cláusula de não concorrência é considerada válida quando respeita o princípio da preservação do livre mercado, desde que haja limitação temporal e geográfica, de modo a não eliminar a concorrência futura entre as partes. No caso, a cláusula foi limitada temporalmente e não impede a concorrência futura, sendo considerada aplicável. 4. A omissão de informação sobre litígio relevante na COF, especialmente quando tal litígio tem potencial de impactar a viabilidade do sistema de franquia, configura violação ao dever de transparência e justifica a nulidade do contrato de franquia, conforme preconizam as Leis nºs 8.955/94 e 13.966/2019. No caso, a franqueadora omitiu processo judicial envolvendo alegação de plágio de conhecimento, o que poderia comprometer a operação da franquia, justificando a nulidade do contrato. 5. Não há cerceamento de defesa quando o indeferimento de prova testemunhal ocorre em razão de a matéria controvertida poder ser resolvida com base nas provas já constantes dos autos, inexistindo prejuízo efetivo à parte apelante. 6. Os pedidos de indenização por consultoria e por empréstimo não têm respaldo, pois decorrem de decisões autônomas dos franqueados, sem nexo causal direto com a conduta da franqueadora. IV. DISPOSITIVO E TESE 7. Recurso parcialmente provido. Tese de julgamento: 1. A cláusula de não concorrência em contrato de franquia é válida quando respeita limites temporais e não impede a concorrência futura entre as partes. 2. A omissão de pendência judicial relevante na Circular de Oferta de Franquia, quando essa pendência pode comprometer a operação do sistema de franquia, justifica a nulidade do contrato. 3. Não configura cerceamento de defesa o indeferimento de prova testemunhal quando não há prejuízo concreto à parte interessada. Dispositivos relevantes citados: Lei nº 8.955/94, arts. 3º, III, e 4º; Lei nº 13.966/2019, art. 2º, IV. Jurisprudência relevante citada: Não foram identificados precedentes específicos no presente caso. (TJ-MG - Apelação Cível: 50301780320218130702, Relator.: Des.(a) Alexandre Victor de Carvalho, Data de Julgamento: 11/12/2024, Câmaras Especializadas Cíveis / 21ª Câmara Cível Especializada, Data de Publicação: 18/12/2024 - grifou-se).
AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE CONTRATUAL. CONTRATO DE FRANQUIA. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. SENTENÇA FUNDAMENTADA, NOS TERMOS DO ART. 489, § 1º, DO CPC/2015. CIRCULAR DE OFERTA DE FRANQUIA. IRREGULARIDADE FORMAL CONVALIDADA TACITAMENTE PELO FRANQUEADO. FRANQUIA INSTALADA E EXERCIDA POR VÁRIOS ANOS. NULIDADE AFASTADA. ACOLHIMENTO DO PEDIDO SUBSIDIÁRIO DE RESCISÃO DO CONTRATO POR CULPA DA FRANQUEADORA. CONDENAÇÃO DA RÉ AO PAGAMENTO DA CLÁUSULA PENAL. CLÁUSULA DE NÃO CONCORRÊNCIA. ABUSIVIDADE. APELAÇÃO DO AUTOR PARCIALMENTE PROVIDA. (TJSP; Apelação Cível 0011166-46.2021.8.26.0114; Relator (a): Alexandre Lazzarini; Órgão Julgador: 1a Câmara Reservada de Direito Empresarial; Foro de Campinas - 7a Vara Cível; Data do Julgamento: 09/11/2022; Data de Registro: 10/11/2022 - grifou-se).
EMENTA: APELAÇÃO - CONTRATO DE FRANQUIA - ALEGAÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE CONTRATUAL DE NÃO CONCORRÊNCIA - MANUTENÇÃO DA ATIVIDADE COMERCIAL - INEXISTÊNCIA DE VIOLAÇÃO CONTRATUAL. Mostra-se abusiva a cláusula que proíbe o franqueado de atuar em qualquer ramo alimentício após o encerramento do contrato de franquia. Hipótese em que o franqueado já detinha o know how antes mesmo da constituição da empresa franqueadora. (TJ-MG - AC: 10000170013049003 MG, Relator.: Tiago Pinto, Data de Julgamento: 16/09/2021, Câmaras Cíveis / 15ª CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 23/09/2021 - grifou-se).
Impõe-se o provimento da insurgência, neste particular, com o propósito de declarar a nulidade da cláusula atinente à não concorrência, qual seja, cláusula 11.5, item (v), do contrato de franquia epigrafado (movimento 1, arquivo 20).
4.1.8. Isenção de responsabilidade por eventual inadimplência dos clientes
A insurgente requer, ainda, a reforma do decreto sentencial visando o acolhimento do pedido inaugural de declaração de isenção de responsabilidade por eventuais inadimplências dos clientes.
O contrato de franquia, em síntese, tem como objetivo a expansão de negócios bem-sucedidos, com métodos de trabalho, marcas, sistemas operacionais, rotinas e parâmetros já executados pelo franqueador e que se revelaram, pela experiência deste, adequados e viáveis para determinado ramo de atuação.
A intenção é ceder ao franqueado determinado know-how adquirido e testado ao longo dos anos de experiência, diminuindo-se as possibilidades de fracasso dos pretensos ingressantes naquele determinado ramo de atividade econômica.
Presume-se, nesse contexto, que o franqueador possua vasto conhecimento sobre o método de trabalho que está cedendo, com expertise adquirida por meio de suas próprias experiências, seja ela bem ou malsucedidas.
Essa é a essência do contrato de franquia: transferir o conhecimento adquirido pelo exercício da atividade franqueada.
Nesse sentido, a franqueadora deve fornecer aos seus franqueados todos os meios necessários para que este possa desenvolver suas atividades nas mesmas condições que lhes foram apresentadas.
Conforme ensina Fábio Ulhoa Coelho, o contrato de franquia resulta da conjugação de ao menos dois outros contratos empresariais:
(...) de um lado, a licença de uso de marca, e, de outro, a prestação de serviços de organização de empresa. Sob o ponto de vista do franqueador, serve o contrato para promover acentuada expansão dos seus negócios, sem os investimentos exigidos na criação de novos estabelecimentos. Sob o ponto de vista do franqueado, o contrato viabiliza o investimento em negócios de marca já consolidada junto aos consumidores, e possibilita o aproveitamento da experiência administrativa e empresarial do franqueador. Segundo a estrutura básica do negócio, o franqueador autoriza o uso de sua marca e presta aos franqueados de sua rede os serviços de organização empresarial, enquanto estes pagam os royalties pelo uso da marca e remuneram os serviços adquiridos, conforme a previsão contratual(cf. Curso de Direito Comercial, vol. 1, 11a ed., Ed Saraiva, 2007, p. 125).
Necessário, assim, alegações e comprovações concretas de que há inadimplência de clientes, o que não foi trazido nos autos, descumprindo a autora com seu ônus, nos termos do artigo 373, inciso I, do Código de Processo Civil.
Como não fosse o bastante, ante a reforma da sentença para julgar procedente o pedido autoral de rescisão contratual por culpa exclusiva das rés (apeladas), determina-se a restituição das partes ao status quo ante.
Nesse contexto, também não persiste o pedido de reconvencional da apelada/fraqueadora (Emine).
5. Redistribuição dos ônus sucumbenciais
Corolário desse julgamento, impõe-se a redistribuição dos ônus sucumbenciais, a luz do que dispõe o artigo 85 do Código de Processo Civil.
Em virtude do provimento parcial do recurso apelação, redistribuem-se os ônus sucumbenciais. Para tanto, na lide principal, fixam-se os honorários advocatícios em 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação.
Em razão da sucumbência recíproca, tendo a autora sucumbido em parte de seus pedidos, a requerente arcará com 40% (quarenta por cento) e as rés com 60% (sessenta por cento) das custas processuais e dos honorários advocatícios. Todavia, suspende-se a exigibilidade da parcela devida pela autora, beneficiária da gratuidade da justiça, nos termos do artigo 98, § 3º, do Código de Processo Civil.
Quanto à reconvenção, condenam-se as reconvintes ao pagamento das despesas processuais e dos honorários advocatícios, fixados em 10% (dez por cento) sobre o valor da causa do pedido reconvencional.
6. Honorários recursais
Em relação aos honorários recursais, o Superior Tribunal de Justiça consolidou o entendimento de que este pressupõe três requisitos cumulativos, quais sejam: a) decisão recorrida publicada a partir de 18.3.2016, quando entrou em vigor o Código de Processo Civil de 2015; b) recurso não conhecido integralmente ou não provido, monocraticamente ou pelo órgão colegiado competente, e c) condenação em honorários advocatícios desde a origem no feito em que interposto.
Não obstante isso, a Corte da Cidadania no acórdão em julgamento dos recursos repetitivos, objeto do Tema 1.059, firmou a seguinte tese:
A majoração dos honorários de sucumbência prevista no art. 85, § 11, do CPC pressupõe que o recurso tenha sido integralmente desprovido ou não conhecido pelo tribunal, monocraticamente ou pelo órgão colegiado competente. Não se aplica o art. 85, § 11, do CPC em caso de provimento total ou parcial do recurso, ainda que mínima a alteração do resultado do julgamento, limitada a consectários da condenação.(REsp´s n.º 1.865.553/PR, n.º 1.865.223/SC e n.º 1.864.533/RS, Rel. Min. Paulo Sérgio Domingues, Corte Especial, por maioria, julgado em 09/11/2023 – Tema 1059).
Nesse contexto, provido parcialmente o recurso, não há falar em majoração em grau recursal, consoante exegese do artigo 85, § 11, do Código de Processo Civil.
7. Dispositivo
Ante o exposto, conheço do recurso de apelação cível interposto e dou-lhe parcial provimento para reformar a sentença vergastada e, julgar procedente o pleito inicial e declarar rescindido o contrato de franquia firmado pelas partes, por culpa exclusiva das requeridas (apeladas) e, por consequência condená-las:
(i)ao pagamento do valor retido de R$ 6.656,51 (seis mil, seiscentos e cinquenta e seis reais e cinquenta e um centavos) referente a NF 3, sob pena de enriquecimento sem causa da franqueadora, o que é vedado pelo artigo 884, do Código Civil. O referido valor (R$ 6.656,51),deverá ser atualizado com correção monetária desde a data do devido pagamento e juros de mora a contar da citação;
(ii) ante a rescisão do negócio firmado, devendo as partes retornarem ao status quo ante, com a consequente restituição do montante pago a título de taxa de franquia (R$ 19.500,00), pela parte autora diretamente à requerida para a efetiva adesão, devidamente atualizado monetariamente na forma legal, a contar da data do efetivo desembolso;
(iii)ao pagamento de indenização por dano moral, exclusivamente pela franqueadora (Emive Franchising Gestão de Ativos), fixado em R$ 20.000,00 (vinte mil reais), também corrigido monetariamente a contar da data da publicação deste acórdão (Súmula 362, STJ), além de juros de mora mensais, incidentes desde a data da citação, por se tratar de responsabilidade contratual (artigo 405, CC), observados os índices do Código Civil;
(iv)declarar a nulidade da cláusula atinente à não concorrência, qual seja, cláusula 11.5, item (v), do contrato de franquia epigrafado (movimento 1, arquivo 20).
Corolário desse julgamento, julgo improcedentes os pedidos reconvencionais formulados pelas reconvintes (requeridas).
Por consectário, redistribuem-se os ônus sucumbenciais. Para tanto, na lide principal, fixam-se os honorários advocatícios em 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação. Nesse contexto, levando-se em consideração a sucumbência recíproca, a requerente arcará com 40% (quarenta por cento) e as rés com 60% (sessenta por cento) das custas processuais e dos honorários advocatícios. Todavia, suspende-se a exigibilidade da parcela devida pela autora, porquanto é beneficiária da gratuidade da justiça (CPC, art. 98, § 3º).
Quanto à reconvenção, condenam-se as reconvintes ao pagamento das despesas processuais e dos honorários advocatícios, fixados em 10% (dez por cento) sobre o valor da causa atualizado do pedido reconvencional.
Provido parcialmente o recurso não há falar em majoração em grau recursal, consoante exegese do artigo 85, § 11, do Código de Processo Civil.
É o voto.
Goiânia, datado e assinado digitalmente.
Iara Márcia Franzoni de Lima Costa
Juíza Substituta em 2° grau
Relatora
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os presentes autos.
Acorda o Tribunal de Justiça do Estado de Goiás, pela Primeira Turma Julgadora de sua Décima Câmara Cível, à unanimidade de votos, em CONHECER DO RECURSO DE APELAÇÃO CÍVEL E PARCIALMENTE PROVÊ-LO, tudo nos termos do voto do(a) relator(a).
Presidente da sessão, relator(a) e votantes nominados no extrato de ata de julgamento.
A Procuradoria-Geral de Justiça esteve representada pelo membro também indicado no extrato da ata.
Goiânia, datado e assinado digitalmente.
Iara Márcia Franzoni de Lima Costa
Juíza Substituta em 2° Grau
Relatora
EMENTA: DIREITO EMPRESARIAL. APELAÇÃO CÍVEL. CONTRATO DE FRANQUIA. RESCISÃO CONTRATUAL. CULPA. BOA-FÉ OBJETIVA. UTILIZAÇÃO DE CARTÃO DE CRÉDITO PESSOAL. JUSTA CAUSA. DANO MORAL. REFORMA PARCIAL DA SENTENÇA.
I - CASO EM EXAME
1. Apelação cível contra sentença que julgou improcedentes os pedidos da autora em ação de indenização por perdas e danos, decorrentes da rescisão de contrato de franquia, e procedentes os pedidos reconvencionais das rés. A autora alegou que a rescisão foi injusta, pois decorreu da utilização do seu cartão de crédito em vendas, prática incentivada pelas rés.
II - QUESTÃO EM DISCUSSÃO
2. As questões em discussão consistem em saber se: (i)a utilização do cartão de crédito pessoal pela franqueada, com o conhecimento tácito das franqueadoras, configura justa causa para a rescisão contratual; (ii)a rescisão configura violação à boa-fé objetiva; (iii) há direito à indenização por danos materiais, lucros cessantes e morais; (iv) a cláusula de não concorrência é válida após a rescisão por culpa da franqueadora; e (v) a franqueada deve ser responsabilizada pelas inadimplências dos clientes.
III - RAZÕES DE DECIDIR
3. A prova demonstra que a utilização do cartão de crédito pessoal pela franqueada foi incentivada por uma das rés (“master franquado), caracterizando conduta contraditória e violação à boa-fé objetiva (art. 422, CC).
4. A rescisão contratual, dada a culpa exclusiva das rés, não se justifica. A falta de notificação prévia e a ausência de prejuízo concreto corroboram a ausência de justa causa.
5. A autora faz jus à indenização por danos materiais (restituição da taxa de franquia e valores retidos), danos morais e à declaração de nulidade da cláusula de não concorrência. Os lucros cessantes não foram comprovados. A responsabilidade pelas inadimplências dos clientes não é da franqueada, uma vez que o contrato foi rescindido por culpa das franqueadoras.
IV - DISPOSITIVO E TESE
6. Recurso conhecido e parcialmente provido. A sentença é reformada para julgar procedente o pedido da autora em parte, condenando as rés ao pagamento de indenização por danos materiais, danos morais e declarando nula a cláusula de não concorrência. Os pedidos reconvencionais são julgados improcedentes.
Tese de julgamento: "1. A utilização do cartão de crédito pessoal pela franqueada, com o conhecimento tácito das franqueadoras, não configura justa causa para rescisão contratual, diante da violação da boa-fé objetiva. 2. Em caso de rescisão contratual por culpa exclusiva do franqueador, a cláusula de não concorrência é nula."
Dispositivos relevantes citados: art. 422, CC; art. 355, I, CPC; art. 370, p.u., CPC; art. 85, CPC; art. 98, §3º, CPC; art. 884, CC; Art. 186, CC; art. 187, CC; art. 405, CC; art. 85, § 11, CPC.
Jurisprudências relevantes citadas: art. 422, CC; art. 884, CC; art. 402, CC; art. 373, I, CPC; art. 85, CPC; art. 98, § 3º, CPC; art. 405, CC; art. 113, CC. Jurisprudências relevantes citadas: Súmula 362, STJ; Súmula 28, TJGO.
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