Processo nº 5211348-66.2021.8.09.0071
ID: 309951484
Tribunal: TJGO
Órgão: 1ª Câmara Cível
Classe: REINTEGRAçãO / MANUTENçãO DE POSSE
Nº Processo: 5211348-66.2021.8.09.0071
Data de Disponibilização:
27/06/2025
Polo Passivo:
Advogados:
PIETRO LEMOS FIGUEIREDO DE PAIVA
OAB/DF XXXXXX
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JÃSSICA LÃBO DE AZEVEDO
OAB/DF XXXXXX
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PODER JUDICIÁRIO
Tribunal de Justiça do Estado de Goiás
Desembargador Héber Carlos de Oliveira
APELAÇÃO CÍVEL N.5211348-66.2021.8.09.0071
COMARCA DE HIDROLÂNDIA
JUIZ DE 1º GRAU :…
PODER JUDICIÁRIO
Tribunal de Justiça do Estado de Goiás
Desembargador Héber Carlos de Oliveira
APELAÇÃO CÍVEL N.5211348-66.2021.8.09.0071
COMARCA DE HIDROLÂNDIA
JUIZ DE 1º GRAU : EDUARDO PEREZ OLIVEIRA
1ºCÂMARA CÍVEL
APELANTE : VILLAGE DOS IPÊS EMPREENDIMENTOS IMOBILIÁRIOS LTDA.
APELADO : VILSON MAURO VIANA ABREU E GEUZA DA SILVA ABREU
RELATOR : DESEMBARGADOR HÉBER CARLOS DE OLIVEIRA
VOTO
1. DA CONTEXTUALIZAÇÃO DA LIDE
Como visto, trata-se de apelação cível interposta por VILLAGE DOS IPÊS EMPREENDIMENTOS IMOBILIÁRIOS LTDA. contra a sentença proferida pelo Juiz de Direito da Vara Cível da Comarca de Hidrolândia, Dr. Eduardo Perez Oliveira, nos autos da ação de reintegração de posse c/c perdas e danos ajuizada contra VILSON MAURO VIANA ABREU E GEUZA DA SILVA ABREU, qualificados.
A pretensão inicial informa que as partes entabularam contrato de compra e venda de um lote de terra, e a parte ré pagou apenas uma prestação do imóvel, tomou posse, nele construiu e nunca mais efetuou o pagamento de nenhuma parcela, razão pela qual requer, liminarmente, a reintegração da posse do bem, e ao final a confirmação da liminar, condenado a parte ré ao pagamento de perdas e danos consubstanciadas no valor de R$ 1.000,00 (mil reais) por mês, a título de aluguel mensal desde de julho de 2014 até a sua efetiva desocupação do imóvel, bem como o pagamento dos IPTU’s.
O réu apresentou contestação (mov.118), onde patrocina a nulidade da citação por edital e ainda inépcia da inicial pela ausência de contrato e de prévia rescisão contratual. No mérito, requer a improcedência dos pedidos.
Tão somente em réplica à contestação a parte autora alega que a suposta posse injusta está devidamente comprovada pela matrícula do imóvel
A sentença ora recorrida (mov.125), restou acima assentada:
Quanto às preliminares de ausência de instituição de mora e de prévia rescisão do contrato, tem-se que merecem prosperar, conforme se vê adiante.
Diz o art. 560 do Código de Processo Civil, que o possuidor tem direito a ser mantido na posse em caso de turbação e reintegrado em caso de esbulho. Prosseguindo, o art. 561, também do CPC, prevê que incumbe ao autor provar a sua posse, a turbação ou o esbulho praticado pelo réu, a data da turbação ou do esbulho e a perda da posse.
A parte autora almeja ser reintegrada na posse do imóvel, diante do inadimplemento contratual.
Ocorre que, no entanto, tratando-se a ação de reintegração de posse com base em inadimplemento contratual, como no caso em apreço, a reintegração não pode ser deferida antes da declaração de resolução do contrato de compra e venda do imóvel, haja vista que, até lá, não está caracterizado o esbulho possessório.
(…)
Portanto, imprescindível a prévia decisão judicial sobre a rescisão/resolução do contrato, da qual decorre o direito do autor em permanecer no imóvel, pelo menos até que haja pronunciamento judicial nesse sentido, ainda que se constate eventual inadimplemento do contrato estabelecido entre as partes.
(…)
Isso implica dizer que, ainda que fosse o caso de ter ocorrido a correta notificação extrajudicial do adquirente do bem, hipótese que se está aqui sendo aqui aventada de modo meramente argumentativo, tal notificação não bastaria para a resolução do pacto. Se não há prévia rescisão por decisão judicial meritória, é inadmissível acolher o pedido de reintegração de posse.
Igualmente não se desconhece a possibilidade de cumulação de pedido de reintegração de posse com rescisão contratual, vez que tal possibilidade encontra respaldo no artigo 327 do Código de Processo Civil, eis que o pedido de reintegração de posse é consequência natural que decorre da rescisão contratual, tratando-se, portanto, de pretensões perfeitamente compatíveis, sem olvidar-se da competência do Juízo de origem e, não obstante possuam ritos procedimentais diferentes, uma vez que um é especial e outro é ordinário, revela-se perfeitamente possível a adoção deste último para ambos.
Contudo, tal pretensão de cumulação deve ocorrer no momento do ajuizamento da ação, ou, em último caso, até a estabilização da lide. Na espécie, infere-se dos autos que a referida pretensão de rescisão contratual não consta da exordial, tendo a parte autora ratificado em réplica que a sua pretensão não está fundamentada na rescisão contratual, mas tão somente no esbulho possessório.
Desse modo, impõe-se a extinção do feito pela ausência de pressupostos de constituição e de desenvolvimento válido e regular do processo, haja vista a ausência de pressuposto imprescindível, a prévia rescisão da avença, a fim de caracterizar o esbulho, consoante previsto no artigo 561 do Código de Processo Civil.
Firme em tais razões, JULGO EXTINTO O FEITO, sem resolução de mérito, conforme o art. 485, IV, do CPC, ficando REVOGADA a decisão liminar de mov. 5.
CONDENO a parte autora ao pagamento das despesas processuais e honorários advocatícios, estes, fixados em 10% do valor da causa.
Havendo recurso contra a sentença, intime-se a parte apelada para apresentar suas contrarrazões no prazo legal e, após, remetam-se os autos ao Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de Goiás, com nossas homenagens (artigo 1.010, §3º, do CPC).
Após o trânsito em julgado, arquivem-se os autos com as cautelas de estilo.
Publicada e registrada eletronicamente.
Intimem-se. Cumpra-se.
HIDROLÂNDIA, nesta data.
Eduardo Perez Oliveira
Juiz de Direito.
Inconformado com a sentença prolatada (mov. 125), VILLAGE DOS IPÊS EMPREENDIMENTOS IMOBILIÁRIOS LTDA., dela recorre (evento n. 140).
Nas razões recursais, sustenta que: 1) não se trata de discussão acerca de inadimplemento contratual, mas de esbulho possessório, pois os réus jamais adquiriram posse legítima; 2) obtempera que a r. sentença ignorou a notificação extrajudicial juntada aos autos; 3) enuncia que a sentença, ao extinguir o feito sem resolução do mérito, deixou de apreciar os pedidos de natureza indenizatória, formulados na exordial (aluguéis, IPTU e perdas e danos).
Requer o provimento do recurso para reformar a sentença.
Contrarrazões apresentadas na mov. 146, os apelados argumentam que o recurso não impugna especificamente o ato processual ou a sua forma, o que impede o seu conhecimento por ferir o princípio da dialeticidade recursal. requerido, sob a alegação de que, embora seja proprietária do imóvel conforme certidão de matrícula, o requerido celebrou contrato de compra e venda do bem, mas pagou apenas uma prestação, caracterizando inadimplemento contratual.
2. DA ADMISSIBILIDADE DO RECURSO
O recurso preenche os requisitos intrínsecos e extrínsecos de admissibilidade, razão pela qual merece conhecimento.
3. DO MÉRITO
3.1. DA NATUREZA JURÍDICA DA AÇÃO POSSESSÓRIA E SEUS PRESSUPOSTOS
As ações possessórias têm por finalidade a proteção da posse, sendo necessários os seguintes requisitos para sua procedência: (i) a prova da posse anterior; (ii) a perda da posse; e (iii) a data da perda, conforme disposto no art. 927 do código de processo civil.
O esbulho possessório caracteriza-se pela perda total da posse de forma injusta, violenta, clandestina ou precária, nos termos do art. 1.200 do Código Civil.
A disposição dos artigos 560 e 561, ambos do Código de Processo Civil, prescrevem:
Art. 560. O possuidor tem direito a ser mantido na posse em caso de turbação e reintegrado em caso de esbulho.
Art. 561. Incumbe ao autor provar:
I - a sua posse;
II - a turbação ou o esbulho praticado pelo réu;
III - a data da turbação ou do esbulho;
IV - a continuação da posse, embora turbada, na ação de manutenção, ou a perda da posse, na ação de reintegração.
Por seu turno, dispõe o artigo 1.210 do Código Civil:
Art. 1.210. O possuidor tem direito a ser mantido na posse em caso de turbação, restituído no de esbulho, e segurado de violência iminente, se tiver justo receio de ser molestado.
Ressai disso que a tutela possessória pressupõe uma situação anterior de poder fático sobre o bem, decorrente de um ato, direito ou obrigação.
3.2. DA DISTINÇÃO ENTRE ESBULHO POSSESSÓRIO E INADIMPLEMENTO CONTRATUAL
No caso em análise, verifico que a situação narrada pela parte autora não configura esbulho possessório, mas sim inadimplemento contratual. Isso porque existe: a) relação contratual preexistente: a própria autora admite na inicial que o requerido celebrou contrato de compra e venda do imóvel, estabelecendo-se, portanto, relação jurídica contratual entre as partes; b) Posse legítima inicial: o requerido obteve a posse do bem de forma legítima, decorrente do contrato celebrado, isso, conforme dito na inicial pela parte autora, não havendo que se falar em posse injusta ab initio; c) Natureza do vício: o inadimplemento contratual (pagamento de apenas uma prestação e dos IPTU’S) não transmuda automaticamente a posse legítima em esbulho possessório.
No presente caso, embora conste na exordial o pedido de reintegração de posse, altercando o autor pedidos de pagamento de supostas perdas e danos e eventuais despesas geradas no imóvel, haure-se que somente em réplica (mov. 121), a parte autora retifica os pedidos formulados em inicial, arguindo, “a pretensão da parte autora não está fundamentada na rescisão contratual, mas sim no esbulho possessório, caracterizado pela ocupação indevida do imóvel sem pagamento”.
Ora, a modificação do pedido em réplica sem consentimento da parte requerida é vedada em nosso sistema ante a regra da estabilização da demanda (art. 329, II, do CPC). Vejamos o entendimento dos Tribunais Pátrios:
APELAÇÃO. LOCAÇÃO DE IMÓVEL. AÇÃO DE DESPEJO POR FALTA DE PAGAMENTO. PROVA DE PAGAMENTO REALIZADA . INOVAÇÃO DO PEDIDO EM RÉPLICA SEM CONSENTIMENTO DO RÉU. IMPOSSIBILIDADE. IMPROCEDÊNCIA DA DEMANDA. RECURSO IMPROVIDO. 1.- Apresentada contestação com a prova de quitação dos valores cobrados na petição inicial, era de rigor a improcedência da demanda, pois a parte ré se desincumbiu do ônus probatório, nos termos do art. 373, II, do Código de Processo Civil (CPC). A modificação do pedido em réplica sem consentimento da parte requerida é vedada em nosso sistema ante a regra da estabilização da demanda (art . 329, II, do CPC). 2.- Aplicação do art. 252 do Regimento Interno do Tribunal De Justiça de São Paulo (RITJSP). (TJ-SP - Apelação Cível: 1043692-26.2023.8.26.0002 São Paulo, Relator.: Adilson de Araujo, Data de Julgamento: 14/05/2024, 31ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 14/05/2024).
DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL – DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO C/C INDENIZAÇÃO POR ABALO DE MORAL – IMPROCEDÊNCIA EM 1º GRAU – RECURSO DA AUTORA – ANULAÇÃO DO CONTRATO POR VÍCIO DE CONSENTIMENTO – ADITAMENTO DA INICIAL – MODIFICAÇÃO DA CAUSA DE PEDIR APÓS A CONTESTAÇÃO – IMPOSSIBILIDADE – COMPROVAÇÃO DA RELAÇÃO JURÍDICA HAVIDA ENTRE AS PARTES – RELAÇÃO JURÍDICA EXISTENTE – RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. Feita a citação, é defeso ao autor modificar o pedido ou a causa de pedir, sem o consentimento do réu, em homenagem ao princípio da estabilidade da demanda. Existindo vínculo contratual entre autor e réu para descontos decorrentes de empréstimo consignado, improcede pedido indenizatório fundado em contrato supostamente celebrado por terceiro. (TJSC, Apelação n. 5001634-38.2022.8.24.0031, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Monteiro Rocha, Segunda Câmara de Direito Civil, j. 27-03-2024). (TJ-SC - Apelação: 5001634-38.2022.8.24.0031, Relator.: Monteiro Rocha, Data de Julgamento: 27/03/2024, Segunda Câmara de Direito Civil).
Nesse particular, portanto, é defeso ao autor modificar o pedido ou a causa de pedir, sem o consentimento do réu, em homenagem ao princípio da estabilidade da demanda.
Não se ignora a possibilidade de cumulação de pedido de reintegração de posse com rescisão contratual (art. 327 do CPC), eis que o pedido de reintegração de posse é consequência natural que decorre da rescisão contratual, tratando-se de pretensões perfeitamente compatíveis, no entanto, tal pretensão de cumulação deve ocorrer no momento do ajuizamento da ação com o consentimento do réu, não em réplica, ou, em último caso, até a estabilização da demanda, o que não ocorreu na espécie.
3.3. DA NECESSIDADE DE APRESENTAÇÃO DO CONTRATO
Para a adequada análise da pretensão possessória fundada em alegado inadimplemento contratual, faz-se imprescindível a apresentação do contrato que originou a relação jurídica entre as partes, pelos seguintes fundamentos: a) prova da relação jurídica: o contrato constitui a prova documental da relação estabelecida entre as partes; b) verificação das cláusulas: é necessário analisar as condições contratuais, especialmente aquelas relativas ao pagamento, inadimplemento e consequências do descumprimento; c) cláusula resolutiva: a verificação da existência de cláusula resolutiva expressa é fundamental para determinar se o inadimplemento resulta na resolução automática do contrato; d) devido processo legal: a ausência do contrato compromete o contraditório e a ampla defesa, impedindo a adequada análise da lide.
Não há dúvida de que as partes podem prever, no próprio contrato, que este será considerado extinto em caso de descumprimento. Trata-se da chamada “cláusula resolutiva (ou resolutória) expressa” ou “pacto comissório expresso”, que gera efeito dissolutório da relação contratual.
A respeito, o Código Civil prevê, em seus arts. 474 e 475:
Art. 474. A cláusula resolutiva expressa opera de pleno direito; a tácita depende de interpelação judicial.
Art. 475. A parte lesada pelo inadimplemento pode pedir a resolução do contrato, se não preferir exigir-lhe o cumprimento, cabendo, em qualquer dos casos, indenização por perdas e danos.
A respeito da interpretação do artigo 474 do Código Civil, o Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do REsp 1789863, manifestou-se no sentido de que, se houver cláusula com previsão expressa de resolução contratual por falta de pagamento, dispensa-se a manifestação judicial para tanto.
A propósito:
RECURSO ESPECIAL – AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE – COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL RURAL COM CLÁUSULA DE RESOLUÇÃO EXPRESSA – INADIMPLEMENTO DO COMPROMISSÁRIO COMPRADOR QUE NÃO EFETUOU O PAGAMENTO DAS PRESTAÇÕES AJUSTADAS – MORA COMPROVADA POR NOTIFICAÇÃO EXTRAJUDICIAL E DECURSO DO PRAZO PARA A PURGAÇÃO – INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS QUE JULGARAM PROCEDENTE O PEDIDO REINTEGRATÓRIO REPUTANDO DESNECESSÁRIO O PRÉVIO AJUIZAMENTO DE DEMANDA JUDICIAL PARA A RESOLUÇÃO CONTRATUAL – INSURGÊNCIA DO DEVEDOR – RECLAMO DESPROVIDO. Controvérsia: possibilidade de manejo de ação possessória fundada em cláusula resolutiva expressa decorrente de inadimplemento de contrato de compromisso de compra e venda imobiliária, sem que tenha sido ajuizada, de modo prévio ou concomitante, demanda judicial objetivando rescindir o ajuste firmado. (…) Inexiste óbice para a aplicação de cláusula resolutiva expressa em contratos de compromisso de compra e venda, porquanto, após notificado/interpelado o compromissário comprador inadimplente (devedor) e decorrido o prazo sem a purgação da mora, abre-se ao compromissário vendedor a faculdade de exercer o direito potestativo concedido pela cláusula resolutiva expressa para a resolução da relação jurídica extrajudicialmente. Impor à parte prejudicada o ajuizamento de demanda judicial para obter a resolução do contrato quando esse estabelece em seu favor a garantia de cláusula resolutória expressa, é impingir-lhe ônus demasiado e obrigação contrária ao texto expresso da lei, desprestigiando o princípio da autonomia da vontade, da não intervenção do Estado nas relações negociais, criando obrigação que refoge o texto da lei e a verdadeira intenção legislativa. A revisão do valor estabelecido a título de honorários nos termos do artigo 20, § 4º do CPC/73, só é permitido quando o montante fixado se mostrar ínfimo ou exorbitante, o que não se verifica no caso em exame, levando-se em conta a complexidade da causa, o trabalho realizado pelo causídico e o valor envolvido na demanda, circunstâncias segundo as quais o reexame implicaria em revolvimento do conjunto fático dos autos, providência vedada ao STJ ante o óbice contido no enunciado 7 da Súmula desta Casa. Recurso especial conhecido em parte e, na extensão, desprovido. (STJ, REsp: 1789863 MS 2013/0376277-6, Relator: Ministro MARCO BUZZI, Data de Julgamento: 10/08/2021, T4 - QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJe 04/10/2021).
Eis o entendimento desta Corte de Justiça:
EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO. TUTELA CAUTELAR REQUERIDA EM CARÁTER ANTECEDENTE. ALIENAÇÃO DE IMÓVEL RURAL. INADIMPLEMENTO PELOS ADQUIRENTES. CLÁUSULA RESOLUTIVA EXPRESSA. REINTEGRAÇÃO NA POSSE DO IMÓVEL. PODER GERAL DE CAUTELA. POSSIBILIDADE. DECISÃO REFORMADA. 1. O agravo de instrumento é um recurso secundum eventum litis, razão pela qual o Tribunal de Justiça deve limitar-se ao exame do acerto ou desacerto da decisão agravada, sem analisar questões não apreciadas pelo Juízo de origem, sob pena de supressão de instância e afronta ao princípio do duplo grau de jurisdição. 2. A tutela cautelar concedida mediante cognição sumária exige o preenchimento dos requisitos contidos no artigo 300 do Código de Processo Civil (probabilidade do direito e o perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo). 3. Acerca do poder geral de cautela, prevê o artigo 301, CPC, que [...] a tutela de urgência de natureza cautelar pode ser efetivada mediante arresto, sequestro, arrolamento de bens, registro de protesto contra alienação de bem e qualquer outra medida idônea para asseguração do direito. 4. No Instrumento Particular de Compra e Venda de Imóvel Rural celebrado entre as partes consta a presença de 'Cláusula Resolutiva Expressa', com fundamento nos artigos 474 e 475, CC, segundo a qual a avença firmada entre as partes ficará desfeita de pleno direito na hipótese de descumprimento pelas partes. 5. Presentes os requisitos necessários à concessão da presente tutela cautelar, a fim de que os Autores/Agravantes sejam reintegrados na posse do imóvel. 6. Mister a reforma da decisão no que se refere ao prazo para a apresentação do pedido principal, o qual deverá se dar em 30 (dias) úteis, nos termos do artigo 308, CPC. AGRAVO DE INSTRUMENTO CONHECIDO E PROVIDO. (TJGO, Agravo de Instrumento 5224998-75.2023.8.09.0051, Rel. Des. GUILHERME GUTEMBERG ISAC PINTO, 5ª Câmara Cível, julgado em 08/05/2023, DJe de 08/05/2023).
Na hipótese, ressai incontroverso que o autor/apelante não trouxe aos autos o alusivo contrato de compra e venda do imóvel, a fim de se verificar sobre a existência ou não da referida cláusula resolutiva, o que dispensaria a manifestação judicial.
Assim. Não há mínima prova de que o recorrido está na posse do imóvel, usufruindo do bem sem a devida contraprestação, estabelecida no presumido negócio jurídico realizado entre as partes.
Ilustro, mutatis mutandis:
LIMINAR REINTEGRAÇÃO DE POSSE. Ação de rescisão de contrato de compra e venda de imóvel c/c reintegração de posse e perdas e danos – Reintegração de posse com fundamento no art. 561 e 562 do CPC – Decisão que deferiu liminarmente a reintegração de posse do imóvel pela agravada. Impossibilidade. Insurgência dos requeridos. Posse fundada em compromisso de compra e venda firmado entre as partes, necessária a prévia rescisão contratual. Necessidade do contraditório e ampla instrução processual. Ademais, anteriormente à medida pretendida é imprescindível haver pronunciamento judicial sobre a resolução do compromisso de venda e compra. Precedentes desta Corte. Perigo de irreversibilidade na adoção desta medida. Decisão reformada para revogar a tutela concedida na origem. RECURSO PROVIDO. (TJ-SP – Agravo de Instrumento: 22391494820248260000 Jandira, Relator.: Ernani Desco Filho, Data de Julgamento: 04/10/2024, 18ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 04/10/2024).
4. DA INADEQUAÇÃO DA VIA POSSESSÓRIA
A ação possessória não constitui via adequada para a cobrança de dívida ou resolução de contrato por inadimplemento. Nestes casos, a parte deve valer-se: a) ação de resolução contratual c/c reintegração de posse, quando há cláusula resolutiva expressa; b) ação de cobrança, para exigir o cumprimento da obrigação; c) ação de rescisão contratual, quando não há cláusula resolutiva automática.
De tudo somado, igualmente, não se desconhece o entendimento do STJ no sentido de que o inadimplemento de parcelas em contrato de arrendamento residencial previsto na Lei nº 10.188/2001 autoriza a instituição financeira arrendante a ingressar com ação de reintegração de posse, (STJ - AgInt no AREsp: 1325132 RJ 2018/0171979-8, Relator.: Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, Data de Julgamento: 24/08/2020, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 31/08/2020). Contudo, há que se fazer o juízo de distinção no caso em análise, haja vista que não se pode invocar o direito social à moradia para legitimar o inadimplemento, mesmo porque a avença pactuada nestes autos, ao que se tem notícia, não integra nenhum programa habitacional.
Inclusive, o Superior Tribunal de Justiça possui entendimento consolidado no sentido de que a ação possessória não se presta à recuperação da posse, sem que antes tenha havido a rescisão/resolução do contrato. É de ver:
AGRAVO INTERNO NO AGRAVO (ART. 544 DO CPC/73)- AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE – DECISÃO MONOCRÁTICA QUE NEGOU PROVIMENTO AO RECLAMO. INSURGÊNCIA DA AUTORA. 1. A ação possessória não se presta à recuperação da posse, sem que antes tenha havido a rescisão/resolução do contrato. É firme a jurisprudência do STJ no sentido de ser imprescindível a prévia manifestação judicial na hipótese de rescisão de compromisso de compra e venda de imóvel para que seja consumada a resolução do contrato, ainda que existente cláusula resolutória expressa, diante da necessidade de observância do princípio da boa-fé objetiva a nortear os contratos. 2. Agravo interno desprovido. (STJ – AgInt no AREsp: 734869 BA 2015/0155083-0, Relator.: Ministro MARCO BUZZI, Data de Julgamento: 10/10/2017, T4 – QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJe 19/10/2017).
Desta feita, tratando-se a ação de reintegração de posse com base em inadimplemento contratual, a reintegração não pode ser deferida antes da declaração de resolução do contrato de compra e venda do imóvel, haja vista que, até lá, não está caracterizado o esbulho possessório.
Agiu com acerto o magistrado da instância singela, “se não há prévia rescisão por decisão judicial meritória, é inadmissível acolher o pedido de reintegração de posse”.
Essa compreensão se coaduna com entendimento inserto na ementa dos acórdãos a seguir transcritas:
EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO. RESCISÃO CONTRATUAL C/C REINTEGRAÇÃO DE POSSE COM PEDIDO DE TUTELA PROVISÓRIA DE URGÊNCIA. COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL. INADIMPLEMENTO CONTRATUAL . LIMINAR REINTEGRATÓRIA INDEFERIDA NA ORIGEM. NECESSIDADE DE PRÉVIA DECLARAÇÃO JUDICIAL DA RESCISÃO CONTRATUAL. AUSÊNCIA DE TERATOLOGIA OU ABUSO DE PODER. DESPROVIMENTO. I - O agravo de instrumento é recurso de devolutividade estrita, a limitar a atuação do grau revisor à análise da decisão impugnada, sob pena de suprimir um grau de jurisdição. II - Para a concessão liminar de reintegração de posse cabe ao autor, necessariamente, demonstrar de plano a posse, a ocorrência do esbulho e sua data, bem como a perda da posse (art. 561, Código de Processo Civil). III - O Superior Tribunal de Justiça possui firme entendimento no sentido de ser imprescindível a prévia manifestação judicial na hipótese de rescisão de compromisso de compra e venda de imóvel para que seja consumada a resolução do contrato, ainda que existente cláusula resolutória expressa, diante da necessidade de observância do princípio da boa-fé objetiva nortear os contratos . Por conseguinte, não há falar-se em antecipação de tutela reintegratória de posse antes de resolvido o contrato de compromisso de compra e venda, pois somente após a resolução é que poderá haver posse injusta e será avaliado o alegado esbulho possessório (STJ, REsp 620787/SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 28/04/2009, DJe 27/04/2009). IV - Alegada a ocorrência de rescisão contratual por inadimplemento, exsurge a necessidade de, previamente à reintegração de posse, declarar-se rescindida a avença a fim de configurar o alegado esbulho . Destarte, não atendidos os requisitos elencados no artigo 561 do Código de Processo Civil, adequada a manutenção da decisão que indeferiu a reintegração de posse postulada na origem. V - A concessão ou não de tutela provisória em caráter liminar integra o poder geral de cautela do magistrado, de seu livre convencimento, podendo ser objeto de reforma apenas se constatados sinais de abuso de poder, flagrante ilegalidade ou teratologia, circunstâncias ausentes no caso vertente. VI ? Recurso desprovido.(TJ-GO 53660934620248090023, Relator.: EDUARDO GUIMARÃES DE MORAIS, Caiapônia - 1ª Vara Cível, Data de Publicação: 30/08/2024).
EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE RESCISÃO CONTRATUAL DE COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL C/C REINTEGRAÇÃO DE POSSE. INADIMPLEMENTO CONTRATUAL. AUSÊNCIA DE CLÁUSULA RESOLUTIVA EXPRESSA NO CONTRATO. NECESSIDADE DE PRÉVIA DECLARAÇÃO JUDICIAL DA RESCISÃO CONTRATUAL. DECISÃO MANTIDA. 1. Para a concessão da liminar de reintegração de posse, impõe-se a presença dos requisitos previstos no artigo 561, Código de Processo Civil, dentre os quais exige-se a ocorrência do esbulho possessório. 2. Em se tratando de pedido de reintegração fundado em inadimplemento contratual, cuja demanda visa a rescisão contratual, não cabe o deferimento de tutela provisória de antecipada urgência, notadamente quando o contrato não tiver cláusula resolutiva expressa. Precedentes do STJ. 3. Em ações judiciais em que se discute a rescisão de instrumento contratual de compra e venda de imóvel, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça e desta Corte de Justiça é pacífica no sentido de ser incabível o deferimento de liminar reintegratória, quando o pacto não tiver cláusula dispondo sobre a imediata resolução para o caso de inadimplemento por parte do comprador. AGRAVO DE INSTRUMENTO CONHECIDO E DESPROVIDO. (TJ-GO - Agravo de Instrumento: 5829718-59.2023.8.09.0011 GOIÂNIA, Relator.: Des(a). Wilton Muller Salomão, 11ª Câmara Cível, Data de Publicação: (S/R) DJ).
EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE RESCISÃO CONTRATUAL COM PEDIDO DE TUTELA PROVISÓRIA DE URGÊNCIA E REINTEGRAÇÃO DE POSSE. COMPRA E VENDA DE IMÓVEL. INADIMPLÊNCIA. PEDIDO LIMINAR REINTEGRATÓRIO INDEFERIDO NA ORIGEM. NECESSIDADE DE PRÉVIA DECLARAÇÃO JUDICIAL DA RESCISÃO CONTRATUAL. DECISÃO MANTIDA. AGRAVO DESPROVIDO. 1 - Para a concessão da liminar de reintegração de posse impõe-se a presença dos requisitos previstos no artigo 561, Código de Processo Civil, dentre os quais exige-se a ocorrência do esbulho possessório. 2 - Na ação rescisória de contrato de compra e venda de imóvel incabível o deferimento de tutela provisória de urgência antecipada para reintegração na posse do bem, ainda que caracterizado o inadimplemento do contrato. A reintegração somente poderá ocorrer a partir da decretação judicial de rescisão contratual, pois enquanto não rescindido o contrato a posse é merecedora de proteção, já que ausente a caracterização de esbulho. 3 – Não sendo a posse violenta nem clandestina, mas decorrente de contrato válido e não resolvido, descabe a liminar de reintegração da posse. AGRAVO DE INSTRUMENTO CONHECIDO E DESPROVIDO. (TJ-GO 5457814-33.2021.8 .09.0137, Relator.: REINALDO ALVES FERREIRA, 4ª Câmara Cível, Data de Publicação: 23/03/2022).
Dessarte, tenho que em se tratando de demanda de rescisão de compromisso de compra e venda, fundada em inadimplemento contratual, inexiste discussão sobre direitos reais imobiliários, cuidando-se de demanda de natureza eminentemente obrigacional.
Nesse pórtico, hei por bem manter intacta a sentença alvejada, que declarou a extinção do feito pela ausência de pressupostos de constituição e de desenvolvimento válido e regular do processo, considerando a ausência de pressuposto imprescindível, a prévia rescisão da avença, a fim de caracterizar o esbulho.
5. DO DISPOSITIVO
Ao teor do exposto, conheço do recurso de apelação cível interposto e NEGO-LHE PROVIMENTO, mantendo incólume a sentença objurgada, por esses e seus próprios fundamentos.
Após o trânsito em julgado, DETERMINO à Secretaria desta 1º Câmara a devolução dos autos ao juízo de origem, retirando-se do acervo desta relatoria.
É como voto.
Goiânia, data e assinatura digital.
Desembargador HÉBER CARLOS DE OLIVEIRA
Relator
ACÓRDÃO
VISTOS, relatados e discutidos os presentes autos da Apelação Cível nº 5211348-66.2021.8.09.0071, Comarca de Hidrolândia.
ACORDAM os integrantes da Quinta Turma Julgadora, da 1ª Câmara Cível do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de Goiás, à unanimidade de votos, em conhecer e desprover a apelação cível, nos termos do voto do Relator.
VOTARAM, além do Relator, o Des. José Proto de Oliveira e o Des. Átila Naves Amaral.
Presidiu a sessão o Des. Átila Naves Amaral.
Presente o ilustre Procurador de Justiça, Dr. Mozart Brum Silva.
Goiânia, datado e assinado digitalmente.
Desembargador HÉBER CARLOS DE OLIVEIRA
Relator
APELAÇÃO CÍVEL N.5211348-66.2021.8.09.0071
COMARCA DE HIDROLÂNDIA
JUIZ DE 1º GRAU : EDUARDO PEREZ OLIVEIRA
1ºCÂMARA CÍVEL
APELANTE : VILLAGE DOS IPÊS EMPREENDIMENTOS IMOBILIÁRIOS LTDA.
APELADO : VILSON MAURO VIANA ABREU E GEUZA DA SILVA ABREU
RELATOR : DESEMBARGADOR HÉBER CARLOS DE OLIVEIRA
EMENTA: DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. REINTEGRAÇÃO DE POSSE FUNDADA EM INADIMPLEMENTO CONTRATUAL. NECESSIDADE DE PRÉVIA RESCISÃO CONTRATUAL. AUSÊNCIA DE APRESENTAÇÃO DO CONTRATO. MODIFICAÇÃO DO PEDIDO EM RÉPLICA. AUSÊNCIA DE CONSENTIMENTO DO RÉU. IMPOSSIBILIDADE. ESTABILIDADE DA DEMANDA. EXTINÇÃO DO FEITO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO.
I. CASO EM EXAME
1. Apelação cível interposta contra sentença que extinguiu, sem resolução de mérito, ação possessória fundada em inadimplemento contratual, por ausência de pedido de rescisão contratual ou de prévia decisão judicial nesse sentido.
II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO
2. A questão em discussão consiste em saber se é possível a concessão de reintegração de posse com fundamento exclusivo no inadimplemento contratual, sem prévia resolução judicial do contrato.
III. RAZÕES DE DECIDIR
3. A jurisprudência pacífica do Superior Tribunal de Justiça estabelece que a ação possessória não se presta à recuperação da posse enquanto não houver decisão judicial que declare a resolução do contrato. 4. A posse decorrente de contrato de compra e venda não se configura como injusta ab initio, não caracterizando esbulho possessório. 5. A modificação da causa de pedir em réplica, sem consentimento do réu, viola o princípio da estabilidade da demanda, sendo vedada pelo art. 329, II, do CPC. 6. A ausência de apresentação do contrato impossibilita a análise do alegado inadimplemento e inviabiliza a pretensão possessória. 7. A ação possessória é inadequada para a cobrança de valores ou resolução de contratos, devendo o interessado utilizar as vias processuais apropriadas.
IV. DISPOSITIVO E TESE
8. Recurso conhecido e desprovido.
Tese de julgamento: "1. A reintegração de posse fundada exclusivamente no inadimplemento contratual exige prévia declaração judicial de resolução do contrato para configuração do esbulho." "2. A modificação da causa de pedir em réplica, sem consentimento do réu, é vedada pelo ordenamento jurídico." "3. A ausência do contrato impede a análise da relação jurídica e inviabiliza o acolhimento do pedido possessório." "4. A ação possessória não é adequada para veicular pretensões de cobrança ou rescisão contratual, devendo o autor utilizar os meios processuais próprios."
Dispositivos relevantes citados: CPC, arts. 327, 329, II, 485, IV e 561; CC, art.1.200.
Jurisprudência relevante citada: STJ, AgInt no AREsp 734.869/BA, Rel. Min. Marco Buzzi, 4ª Turma, j. 10.10.2017; STJ, REsp 620.787/SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, 4ª Turma, j. 28.04.2009; TJ-SP, Apelação Cível 1043692-26.2023.8.26.0002, Rel. Des. Adilson de Araujo, j. 14.05.2024; TJ-GO, AI 5366093-46.2024.8.09.0023, Rel. Des. Eduardo Morais, j. 30.08.2024.
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