Processo nº 0828003-07.2022.8.10.0001
ID: 330746034
Tribunal: TJMA
Órgão: 4ª Vara Cível de São Luís
Classe: PROCEDIMENTO COMUM CíVEL
Nº Processo: 0828003-07.2022.8.10.0001
Data de Disponibilização:
22/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
JULIANO JOSE HIPOLITI
OAB/MS XXXXXX
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THIAGO SERENO FURTADO
OAB/MA XXXXXX
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Juízo de Direito da 4ª Vara Cível do Termo de São Luís Secretaria Judicial Única Digital das Varas Cíveis do Termo de São Luís Processo: 0828003-07.2022.8.10.0001 Ação: PROCEDIMENTO COMUM CÍVEL (7) A…
Juízo de Direito da 4ª Vara Cível do Termo de São Luís Secretaria Judicial Única Digital das Varas Cíveis do Termo de São Luís Processo: 0828003-07.2022.8.10.0001 Ação: PROCEDIMENTO COMUM CÍVEL (7) AUTOR: DANIELE COSTA Advogado do(a) AUTOR: THIAGO SERENO FURTADO - MA10512-A REU: HONDA AUTOMOVEIS DO BRASIL LTDA Advogado do(a) REU: JULIANO JOSE HIPOLITI - MS11513-A SENTENÇA I. RELATÓRIO Trata-se de Ação de Obrigação de Fazer com Pedido de Antecipação de Tutela c/c Declaratória de Inexistência de Débito, c/c Indenização por Dano Moral, ajuizada por DANIELE COSTA, inicialmente em desfavor da HONDA AUTOMÓVEIS DO BRASIL LTDA, devidamente qualificada nos autos, buscando a resolução de uma situação de cobrança indevida e negativação de seu nome em cadastros restritivos de crédito. Em sua petição inicial (67689423), a Requerente narrou que, em um momento anterior ao ajuizamento da demanda, começou a receber um boleto de cobrança relacionado a um suposto débito com a "Honda", referente à aquisição de uma motocicleta. A Autora asseverou, contundentemente, que jamais efetuou a compra de qualquer motocicleta da marca. Diante das insistentes cobranças e de seu total desconhecimento sobre a origem do débito, a Autora procurou a concessionária "Honda" mais próxima de sua residência para obter esclarecimentos. No local, apesar de ter reiterado que não havia realizado a compra, foi-lhe apresentado um suposto contrato de financiamento (ID 67690333) que, segundo a Requerente, continha uma assinatura manifestamente falsa, que não correspondia à sua, conforme cotejo com seu documento de identidade (ID 67690336). A petição inicial detalhou que, mesmo após a Autora ter informado a empresa sobre a evidente fraude, as cobranças não cessaram, e passaram a ocorrer através de incessantes ligações e mensagens para seu telefone pessoal (ID 67690334). A situação se agravou quando a Requerente, ao realizar uma pesquisa junto ao Serviço Central de Proteção ao Crédito (SERASA), constatou que seu nome havia sido indevidamente incluído em cadastro de inadimplentes (ID 67690337) em decorrência da referida dívida que jamais contraiu. Diante da falha na prestação do serviço, da ausência de segurança na operação e da recusa da Ré em solucionar a questão extrajudicialmente, a Autora viu-se compelida a buscar a via judicial. A Requerente pleiteou, em sede de tutela de urgência, com fulcro no artigo 300 do Código de Processo Civil, que a parte Ré se abstivesse de efetuar novas cobranças e, principalmente, que procedesse à imediata retirada de seu nome dos cadastros restritivos de crédito, bem como se abstivesse de realizar protesto em cartório, sob pena de multa diária. Fundamentou a probabilidade do direito na flagrante fraude contratual e o perigo de dano na negativação indevida de seu nome, o que lhe acarretaria graves prejuízos financeiros e maculária seu direito de personalidade, especialmente por ser empresária. Requereu, ainda, a concessão dos benefícios da Justiça Gratuita, na forma do artigo 5º, inciso LXXIV, da Constituição Federal, e dos artigos 98 e seguintes do Código de Processo Civil, anexando declaração de hipossuficiência (ID 68234535). No mérito, postulou a declaração de inexistência do débito no valor de R$ 16.938,72 (dezesseis mil, novecentos e trinta e oito reais e setenta e dois centavos), referente à suposta compra da motocicleta HONDA NXR 160 BROS ESDD 2017/2021, bem como a condenação da Ré ao pagamento de indenização por danos morais no patamar de R$ 10.000,00 (dez mil reais). Por fim, requereu a inversão do ônus da prova, com base no artigo 6º, inciso VIII, do Código de Defesa do Consumidor, e a aplicação da responsabilidade objetiva do fornecedor, nos termos do artigo 14 do mesmo diploma legal. Instada a comprovar sua hipossuficiência (ID 67712874), a Autora juntou a devida declaração (ID 68234535). Em decisão(ID 68990780), este Juízo deferiu o pedido de Justiça Gratuita e a inversão do ônus da prova, nos termos do Código de Defesa do Consumidor. Na mesma oportunidade, foi concedida a tutela de urgência pleiteada, determinando à HONDA AUTOMÓVEIS DO BRASIL LTDA que, no prazo de 10 (dez) dias, retirasse o nome da Autora do SERASA e de quaisquer outros cadastros restritivos de crédito relacionados ao contrato em discussão, abstendo-se de realizar protesto e de efetuar cobranças, sob pena de multa diária de R$ 200,00 (duzentos reais) para cada descumprimento, limitada a R$ 5.000,00 (cinco mil reais) em cada caso. A Autora manifestou desinteresse na audiência (ID 69657894), e posteriormente justificou sua ausência devido a um procedimento cirúrgico (ID 75909896 e 75909900). A HONDA AUTOMÓVEIS DO BRASIL LTDA apresentou contestação (ID 75666138), arguindo, preliminarmente, sua total ilegitimidade passiva. Sustentou que jamais firmou qualquer contrato com a Requerente, e que o documento apresentado na inicial (ID 67690333) demonstra que o contrato de financiamento foi celebrado com o BANCO HONDA S/A, uma pessoa jurídica distinta, com CNPJ, sede e escopo social diversos (fabricação de veículos versus operações financeiras). Com base no artigo 337, inciso XI, do Código de Processo Civil, requereu a extinção do feito sem resolução de mérito em relação a si. Em observância ao artigo 339 do CPC, indicou o BANCO HONDA S/A (CNPJ 03.634.220/0001-65) como o verdadeiro sujeito passivo da relação jurídica. No mérito, reiterou a ausência de vínculo contratual e defendeu a inaplicabilidade da inversão do ônus da prova, argumentando que não se poderia exigir a produção de prova negativa. Juntou documentos, ID 75666158 a 75666161. Adicionalmente, o BANCO HONDA S/A também apresentou contestação (ID 75666174) na mesma data, o que denota sua inclusão no polo passivo da demanda, seja por retificação tácita ou intervenção espontânea (embora tenha sido objeto de pedido formal de retificação do polo passivo - ID 75735265). Em sua defesa, o BANCO HONDA S/A arguiu a impossibilidade de condenação por danos morais sob o fundamento de que a Autora possuía preexistente negativação em seu nome por terceiro estranho à lide (OI S.A., em 17/08/2017, conforme ID 75667278). Preliminarmente, alegou que a tutela de urgência havia sido cumprida no tocante à suspensão das cobranças e exclusão da restrição creditícia por parte desta instituição. Outrossim, arguiu a ocorrência de crime contra o Sistema Financeiro Nacional, solicitando o sobrestamento do feito (art. 315 do CPC) até a apuração dos fatos na esfera criminal. No mérito, defendeu a licitude da contratação, afirmando ter agido com diligência na análise da documentação apresentada pela Requerente para a concessão do crédito em 25/05/2017, para a aquisição da motocicleta. Aduziu que, caso houvesse fraude, tanto a Autora quanto o Banco seriam vítimas, e que a cobrança decorreu de um exercício regular de direito face ao inadimplemento. Defendeu que não houve comprovação de dano moral e que o ocorrido seria mero aborrecimento. Subsidiariamente, requereu a redução do quantum indenizatório, caso fosse deferido. Por fim, o BANCO HONDA S/A requereu, em pedido autônomo, a expedição de ofício ao DETRAN/CIRETRAN do Maranhão para o imediato bloqueio de circulação do veículo objeto do contrato (motocicleta Honda NXR 160 BROS ESDD, ano/modelo 2017/2017, chassi 9C2KD0810HR432986), o bloqueio de incidência de novos tributos/multas em nome da Autora e a transferência compulsória do veículo para o nome do Banco Honda S/A, com fulcro nos artigos 6º e 497 do CPC, visando ao resultado prático equivalente e à prevenção de maiores prejuízos para ambas as partes. Juntou documentos, ID 75666175. A ata da audiência de conciliação (ID 75978181), confirmou a presença da Autora (representada por advogada) e de ambas as Requeridas (representadas por prepostas e advogados), mas não houve acordo. Em réplica à contestação (ID 77292696), a Autora refutou a prejudicial de preexistência de negativação, esclarecendo que a restrição em seu nome realizada pela "Honda" ocorreu em 25/06/2017 (ID 77292704, p. 9 e ID 67690337, p. 7), sendo, portanto, anterior à restrição apontada pela Ré (OI S.A., de 17/08/2017, conforme ID 77292704, p. 2). Assim, a Súmula 385 do STJ seria inaplicável ao caso concreto. A Autora reafirmou a responsabilidade objetiva da instituição financeira, com base na Súmula 479 do STJ e na Teoria do Risco do Empreendimento, argumentando que o agir de terceiro fraudador não afasta o nexo de causalidade, por se tratar de fortuito interno. Reiterou a inexistência do débito e a configuração do dano moral, incluindo a perda do tempo útil. Por fim, em ponto crucial, a Autora expressamente manifestou concordância com o pedido do Banco Honda S/A de expedição de ofício ao DETRAN/CIRETRAN para bloqueio e transferência compulsória do veículo, reconhecendo a utilidade da medida para evitar futuros prejuízos. As partes foram intimadas a especificar provas (ID 85667028). A Autora (ID 86489797), a HONDA AUTOMÓVEIS DO BRASIL LTDA (ID 86694685 e 86694688) e o BANCO HONDA S/A (ID 86693770 e 86693772) manifestaram-se pugnando pelo julgamento antecipado da lide, por entenderem que a matéria era unicamente de direito ou que as provas já eram suficientes. Foi proferido despacho (ID 125783660) visando à autocomposição e em conformidade com a Meta 3 do Conselho Nacional de Justiça, intimando as partes a informar sobre o interesse em conciliação. A Autora se manifestou (ID 126874497), demonstrando disposição para receber e analisar propostas de acordo. Contudo, em certidão (ID 128567855), restou que o requerido não apresentou manifestação sobre o interesse em acordo. É o relatório minucioso dos autos. II. FUNDAMENTAÇÃO A. Da Delimitação do Polo Passivo e da Responsabilidade Objetiva no Microssistema Consumerista Inicialmente, cumpre analisar a arguição de ilegitimidade passiva da HONDA AUTOMÓVEIS DO BRASIL LTDA, suscitada em sua contestação. A Requerente, em sua peça exordial, direcionou a demanda contra a HONDA AUTOMÓVEIS DO BRASIL LTDA, com base em cobranças e negativações que supostamente estariam vinculadas a essa pessoa jurídica. No entanto, o contrato que deu origem à controvérsia (ID 67690333), acostado pela própria Autora, revela de forma inequívoca que a cédula de crédito bancário foi firmada com o BANCO HONDA S/A. A HONDA AUTOMÓVEIS DO BRASIL LTDA, que, em sua defesa (ID 75666138), detalhou a distinção entre as duas entidades, apontando que possuem CNPJs, endereços e, mais relevante, escopos sociais distintos: enquanto a HONDA AUTOMÓVEIS DO BRASIL LTDA. se dedica à fabricação de veículos, o BANCO HONDA S/A tem como objeto social a prática de operações ativas, passivas e acessórias inerentes a carteiras de investimento, crédito, financiamento e investimento. A despeito da nomenclatura similar e do pertencimento ao mesmo grupo econômico, é fundamental reconhecer a autonomia jurídica e operacional entre a fabricante de automóveis e a instituição financeira. O contrato impugnado pela Autora é de financiamento de motocicleta, uma operação tipicamente bancária, realizada por uma instituição financeira, qual seja, o BANCO HONDA S/A. A parte Autora, em sua réplica (ID 77292696), embora não tenha retificado formalmente o polo passivo, manifestou-se amplamente sobre a contestação do BANCO HONDA S/A, reconhecendo, implicitamente, a participação desta no litígio, e direcionando seus argumentos contra a atuação da instituição financeira. O comparecimento do BANCO HONDA S/A à audiência de conciliação, juntamente com a HONDA AUTOMÓVEIS DO BRASIL LTDA (ID 75978181), e sua apresentação de contestação detalhada sobre o mérito da lide, incluindo o pedido de retificação do polo passivo, confirma a sua condição de parte legítima para figurar no polo passivo da presente demanda. Dessa forma, resta manifesta a ilegitimidade passiva da HONDA AUTOMÓVEIS DO BRASIL LTDA, pois não há prova ou indício nos autos que a vincule diretamente à relação jurídica de financiamento ou às cobranças impugnadas pela Autora. A relação contratual, objeto da presente demanda, foi estabelecida com o BANCO HONDA S/A, que se trata de uma instituição financeira. Consequentemente, acolhe-se a preliminar de ilegitimidade passiva suscitada pela HONDA AUTOMÓVEIS DO BRTasil LTDA, impondo-se a extinção do processo, sem resolução de mérito, em relação a ela, nos termos do artigo 485, inciso VI, do Código de Processo Civil. O prosseguimento da análise da lide dar-se-á, portanto, em relação ao BANCO HONDA S/A. A relação jurídica estabelecida entre a Autora e o BANCO HONDA S/A, decorrente da disponibilização de crédito para financiamento, caracteriza-se, inequivocamente, como relação de consumo, nos moldes dos artigos 2º e 3º do Código de Defesa do Consumidor. A Autora se enquadra como consumidora, e o Banco como fornecedor de serviços financeiros. Nesse contexto, a responsabilidade do fornecedor pelos danos causados ao consumidor por defeitos relativos à prestação dos serviços é objetiva, conforme o disposto no artigo 14, caput, do CDC. É de fundamental importância aplicar a Teoria do Risco do Empreendimento, segundo a qual o fornecedor, ao desenvolver sua atividade econômica e dela auferir lucros, assume os riscos inerentes aos serviços que oferece, incluindo a ocorrência de fraudes. A Súmula 479 do Superior Tribunal de Justiça consolida este entendimento ao preceituar que: "As instituições financeiras respondem objetivamente pelos danos gerados por fortuito interno relativo a fraudes e delitos praticados por terceiros no âmbito de operações bancárias." A fraude alegada pela Autora, que resultou na cobrança de um débito inexistente e na negativação indevida de seu nome, ainda que praticada por um terceiro, constitui um fortuito interno. Isso significa que o evento danoso está umbilicalmente ligado à atividade desempenhada pelo Banco, integrando o risco do próprio negócio. A instituição financeira possui o dever inerente de garantir a segurança de suas operações, utilizando mecanismos eficazes de identificação, prevenção e combate a fraudes. A alegação do Banco Honda S/A de que agiu com diligência na análise documental e que, se houve fraude, ambos seriam vítimas, não afasta sua responsabilidade objetiva. Vejamos: Apelação - Ação Declaratória – Autora que nega á existência de débito com a ré – Instituição financeira que não carreou aos autos cópia do contrato devidamente assinado – Sentença de Procedência declarando a inexigibilidade do débito e condenando a ré ao pagamento de indenização por danos morais em R$ 8.000,00 – Insurgência da instituição financeira – Fortuito interno – Responsabilidade objetiva das instituições financeiras, nos termos do artigo 14 do CDC. As instituições financeiras respondem objetivamente pelos danos gerados por fortuito interno relativo a fraudes e delitos praticados por terceiros no âmbito de operações bancárias. Aplicação da Súmula 479 do STJ, por ser risco da atividade bancária – Dano Moral devido – Sentença Mantida - Apelo Desprovido (TJ-SP - AC: 10010893120228260047 SP 1001089-31 .2022.8.26.0047, Relator.: Ramon Mateo Júnior, Data de Julgamento: 28/11/2022, 15ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 28/11/2022). A vulnerabilidade do consumidor e a previsibilidade de tais ocorrências no ambiente das transações financeiras impõem ao fornecedor o encargo de suportar os prejuízos decorrentes, sem que o consumidor, que não deu causa à fraude, seja compelido a arcar com os danos. Ademais, a inversão do ônus da prova, deferida liminarmente e confirmada por este Juízo, é plenamente aplicável ao caso, nos termos do artigo 6º, inciso VIII, do CDC. A hipossuficiência técnica da Autora em produzir provas sobre os mecanismos de segurança do Banco, a origem da fraude ou a cadeia de eventos que levaram à contratação indevida, contrasta com a capacidade do fornecedor em demonstrar a regularidade e a segurança de suas operações. Portanto, recai sobre o BANCO HONDA S/A o ônus de comprovar a licitude da contratação e a inexistência de fraude, ônus do qual não se desincumbiu a contento, limitando-se a apresentar o contrato supostamente fraudado e a questionar a veracidade da assinatura sem, contudo, requerer prova técnica para tal fim. B. Do Pedido de Sobrestamento do Feito em Razão de Suposta Fraude Criminosa O BANCO HONDA S/A solicitou o sobrestamento dos autos, com base no artigo 315 do Código de Processo Civil, sob a alegação de que a ocorrência de fraude para obtenção de financiamento configuraria crime contra o Sistema Financeiro Nacional, previsto no artigo 19 da Lei nº 7.492/86, e que a prévia apuração na esfera criminal seria imprescindível para a continuidade da demanda cível. Contudo, o ordenamento jurídico brasileiro consagra o princípio da independência das instâncias civil, penal e administrativa. Embora a esfera penal possa, em certas circunstâncias, influenciar a civil, notadamente quando houver decisão penal transitada em julgado que declare a inexistência do fato ou a negativa de autoria (art. 935 do Código Civil e art. 65 do Código de Processo Penal), tal não é a hipótese dos autos. A responsabilidade civil do fornecedor, em casos de relação de consumo, é de natureza objetiva, como exaustivamente fundamentado no tópico anterior. Isso significa que a obrigação de indenizar do BANCO HONDA S/A decorre do risco de sua atividade e da falha na prestação do serviço, independentemente da verificação de culpa ou da existência de um ilícito penal e de sua autoria. Vejamos: AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL - AÇÃO CONDENATÓRIA - DECISÃO MONOCRÁTICA QUE NEGOU PROVIMENTO AO RECLAMO - INSURGÊNCIA RECURSAL DO AGRAVANTE. 1. A jurisprudência desta Corte entende que a responsabilidade civil é independente da criminal, não interferindo no andamento da ação de reparação de danos que tramita no juízo cível eventual absolvição por sentença criminal que, a despeito de reconhecer a culpa exclusiva da vítima pelo acidente, não ilide a autoria ou a existência do fato. Incidência da Súmula 83/STJ . 2. Agravo interno desprovido. (STJ - AgInt no AREsp: 1164317 SP 2017/0219904-4, Relator.: Ministro MARCO BUZZI, Data de Julgamento: 07/06/2021, T4 - QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJe 11/06/2021). A ausência de apuração criminal ou mesmo a pendência de um inquérito policial ou ação penal não impede que o Juízo Cível analise a questão da responsabilidade civil à luz dos princípios consumeristas. Pelo contrário, a suspensão do processo civil traria uma morosidade injustificável ao deslinde da questão, em detrimento dos direitos da consumidora, que já suporta os prejuízos da cobrança indevida e da negativação. A tutela de urgência concedida, inclusive, demonstra a necessidade de uma atuação célere da justiça para mitigar os danos. Portanto, o pedido de sobrestamento do feito, formulado pelo BANCO HONDA S/A, não merece acolhimento, prosseguindo-se o julgamento com base nos elementos fáticos e jurídicos já constantes dos autos. C. Da Inexistência do Débito e da Validade da Tutela de Urgência A controvérsia central da presente demanda reside na existência ou não de um débito relacionado ao financiamento de uma motocicleta, que a Autora alega nunca ter contratado. A Requerente afirma categoricamente que a assinatura constante do contrato de financiamento (ID 67690333) é falsa e que foi vítima de uma fraude. Em contrapartida, o BANCO HONDA S/A defende a licitude da contratação, baseando-se na regularidade aparente dos documentos apresentados no momento da suposta operação e, em sua manifestação para julgamento antecipado (ID 86693772), aventou a possibilidade de semelhança entre a assinatura do contrato e a assinatura da Autora em sua declaração de hipossuficiência. Contudo, a simples alegação de semelhança de assinaturas, desacompanhada de prova pericial grafotécnica, que poderia ter sido requerida pelo Banco em face da inversão do ônus da prova, não é suficiente para afastar a alegação de fraude da Autora. A documentação apresentada pela Requerente, em especial seu RG (ID 67690336), serve como contraponto à assinatura constante do contrato supostamente fraudulento. Diante da inversão do ônus da prova, cabia ao BANCO HONDA S/A comprovar a regularidade da contratação e a autenticidade da assinatura da Autora no contrato de financiamento, uma vez que o ônus da prova da autenticidade da assinatura incumbe à parte que produziu o documento. Vejamos: APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO INDENIZATÓRIA – CONTRATOS DE SEGURO - ALEGAÇÃO DE FRAUDE – ÔNUS DA PROVA DA AUTENTICIDADE DA ASSINATURA – PARTE QUE PRODUZIU O DOCUMENTO – ART. 429, II DO CPC - PERÍCIA GRAFOTÉCNICA – NECESSIDADE – AUSÊNCIA DE ELEMENTOS DE PROVA SUFICIENTEMEMENTE CAPAZES DE SUBSIDIAR A LETIGIMIDADE DA CONTRATAÇÃO – CERCEAMENTO DE DEFESA CONFIGURADO – SENTENÇA ANULADA – RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. I – O ônus da prova da autenticidade da assinatura incumbe à parte que produziu o documento, por força do art. 429, II do CPC . II – É imprescindível a realização da prova pericial grafotécnica e/ou documentoscópica nos contratos questionados, quando o acervo documental colacionado aos autos não for suficiente para concluir pela inexistência de fraude na contratação. (TJ-MT - AC: 10066934520218110040, Relator.: SERLY MARCONDES ALVES, Data de Julgamento: 25/10/2023, Quarta Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 27/10/2023). O Banco, enquanto fornecedor de serviços financeiros e detentor de todos os meios de controle e verificação de identidade e autenticidade documental, falhou em demonstrar que a operação foi legítima. A mera alegação de ter agido com "diligência na análise documental" não é suficiente para infirmar a presunção de veracidade da alegação da consumidora, especialmente quando a própria natureza da fraude (falsidade de assinatura) indica uma falha nos sistemas de segurança da instituição. A inércia do BANCO HONDA S/A em produzir a prova que lhe cabia – a da licitude do contrato, mediante perícia técnica da assinatura ou qualquer outro meio robusto – reforça a verossimilhança das alegações da Autora. A ausência de comprovação da regularidade da contratação leva à conclusão de que o débito em questão é, de fato, inexistente. Consequentemente, impõe-se a declaração de inexistência do débito no valor de R$ 16.938,72 (dezesseis mil, novecentos e trinta e oito reais e setenta e dois centavos) relativo ao financiamento da motocicleta HONDA NXR 160 BROS ESDD 2017/2021. Quanto à tutela de urgência, verifica-se que esta foi concedida liminarmente (ID 68990780) para determinar que a HONDA AUTOMÓVEIS DO BRASIL LTDA retirasse o nome da autora do SERASA, se abstivesse de cobranças e protestos. Embora inicialmente direcionada à parte que se revelou ilegítima, o BANCO HONDA S/A, ao contestar (ID 75666174), alegou o cumprimento da medida, afirmando a suspensão da cobrança e a inexistência de restrição creditícia. A Autora, em réplica (ID 77292696), não contestou o cumprimento por parte do BANCO HONDA S/A, concentrando-se na inaplicabilidade da Súmula 385 do STJ. Considerando que o débito é declarado inexistente e que o BANCO HONDA S/A é o verdadeiro responsável pela cobrança e eventual negativação, a tutela de urgência deve ser confirmada em caráter definitivo em relação a ele, garantindo a permanência da abstenção de cobrança, a manutenção da exclusão do nome da Autora dos cadastros de inadimplentes e a proibição de protesto referente a este débito. D. Do Dano Moral e da Não Aplicação da Súmula 385 do STJ A questão do dano moral é central na presente lide. O BANCO HONDA S/A buscou afastar a condenação por danos morais com base na Súmula 385 do Superior Tribunal de Justiça, alegando a preexistência de outra negativação no nome da Autora (por "OI S.A." desde 17/08/2017, conforme ID 75667278). Contudo, em sua réplica (ID 77292696), a Autora refutou veementemente essa tese, apresentando seu próprio extrato do SERASA (ID 77292704, p. 9, e ID 67690337, p. 7) que demonstra que a negativação relacionada à "HONDA" data de 25/06/2017, sendo anterior àquela atribuída à "OI S.A." (17/08/2017). A Súmula 385 do STJ estabelece que "Da anotação irregular em cadastro de proteção ao crédito, não cabe indenização por dano moral, quando preexistente legítima inscrição, ressalvado o direito ao cancelamento". A jurisprudência pátria, ao interpretar essa súmula, consolidou o entendimento de que a exceção à indenização por dano moral só se aplica quando a anotação preexistente é legítima. No presente caso, a alegação de dano moral decorre da negativação efetuada pela própria Ré (ou pela entidade que a sucedeu na lide, o Banco Honda S/A) em 25/06/2017, referente a um débito que, como já decidido, é inexistente por decorrer de fraude. Além disso, sendo esta a primeira negativação cronologicamente registrada dentre as mencionadas nos autos, a tese de "preexistência" que afastaria o dano moral, conforme a Súmula 385, não se sustenta faticamente, uma vez que a inscrição do débito com a OI S.A. é posterior. Portanto, a negativação promovida pelo BANCO HONDA S/A foi a primeira a macular o nome da Autora no período em questão, e, sendo indevida, gerou o dever de indenizar. A cobrança de um débito inexistente, a insistência em ligações e mensagens e, sobretudo, a inclusão indevida do nome da consumidora em cadastros de inadimplentes, são condutas que transcendem o mero aborrecimento cotidiano. Tais atos geram abalo à imagem, à honra e à dignidade da pessoa, configurando dano moral in re ipsa, ou seja, que se presume pela própria ocorrência do fato. Vejamos: AGRAVO INTERNO. RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL. CADASTRO DE INADIMPLENTES . INSCRIÇÃO INDEVIDA. DANO MORAL. IN RE IPSA. 1 . A inscrição/manutenção indevida do nome do devedor em cadastro de inadimplente enseja o dano moral in re ipsa, ou seja, dano vinculado a própria existência do ato ilícito, cujos resultados são presumidos. 2. Agravo interno não provido. (STJ - AgInt no REsp: 1846222 RS 2019/0326486-1, Relator.: Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, Data de Julgamento: 10/08/2020, T4 - QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJe 13/08/2020). A Autora é empresária, e a restrição de crédito, mesmo por um breve período, pode acarretar impedimentos para obtenção de crédito, realização de negócios e até mesmo constrangimentos sociais, afetando sua vida financeira e reputação. Ademais, a conduta do BANCO HONDA S/A de não solucionar administrativamente a questão, mesmo após a Autora ter procurado a empresa para esclarecer a fraude, resultou na "perda do tempo útil" da consumidora. A Teoria do Desvio Produtivo do Consumidor reconhece que o tempo do consumidor, um bem jurídico valioso, é indevidamente subtraído quando este precisa despender esforço para solucionar problemas que deveriam ser resolvidos pela própria A Autora foi compelida a dedicar seu tempo e energia, que poderiam ser empregados em atividades produtivas ou de lazer, para lidar com um problema criado pela Ré, o que por si só já é um dano passível de reparação. A fixação do quantum indenizatório em danos morais deve observar os princípios da razoabilidade e proporcionalidade, buscando, de um lado, compensar o abalo sofrido pela vítima e, de outro, exercer um caráter punitivo-pedagógico sobre o ofensor, a fim de desestimular a reiteração de condutas semelhantes. Deve-se considerar a gravidade da ofensa, a capacidade econômica do ofensor e o grau de culpa (que, no caso da responsabilidade objetiva, se traduz na gravidade da falha no serviço), bem como a extensão do dano. O BANCO HONDA S/A é uma instituição financeira de grande porte, com ampla capacidade econômica, e a falha em seus sistemas de segurança que permitiu a fraude, seguida da cobrança e negativação indevidas, revela uma conduta grave. O valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais), mostra-se compatível com os parâmetros usualmente adotados em casos análogos, cumprindo as funções compensatória e pedagógica da indenização sem configurar enriquecimento sem causa. E. Do Bloqueio e Transferência Compulsória do Veículo Em relação ao pedido do requerido BANCO HONDA S/A em sua contestação quanto à expedição de ofício ao DETRAN/CIRETRAN do Maranhão para o imediato bloqueio de circulação, bloqueio de incidência de novos tributos e multas, e transferência compulsória da motocicleta objeto da fraude para o nome do Banco Honda S/A, o mesmo encontrou expressa concordância por parte da Autora em sua réplica. Este pedido se mostra plenamente razoável e necessário para garantir o "resultado prático equivalente" à decisão judicial, nos termos do artigo 497 do Código de Processo Civil, que dispõe: "Na ação que tenha por objeto a prestação de fazer ou de não fazer, o juiz, se procedente o pedido, concederá a tutela específica ou determinará providências que assegurem a obtenção de tutela pelo resultado prático equivalente." Com efeito, uma vez declarada a inexistência do débito e, por conseguinte, a ilegalidade da contratação, é imperioso que a motocicleta, que supostamente foi financiada em nome da Autora, não continue a gerar responsabilidades a ela. A permanência do registro do veículo em nome da Autora poderia acarretar-lhe futuros prejuízos, como cobranças de Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA), multas de trânsito e outras taxas, além da dificuldade de comprovar a propriedade em caso de fiscalização ou necessidade de regularização. A medida de bloqueio de circulação é fundamental para retirar o veículo de qualquer esfera de responsabilidade da Autora. O bloqueio de incidência de novos tributos/multas assegura que a Autora não será futuramente onerada por débitos relacionados a um bem que nunca adquiriu e que foi objeto de fraude. Por fim, a transferência compulsória para o nome do BANCO HONDA S/A é a providência mais adequada para consolidar a propriedade do bem em nome da instituição financeira que suportou o ônus do financiamento fraudulento e que agora será o verdadeiro responsável pelo bem e seus encargos. Esta providência é de suma importância para evitar a reiteração de demandas futuras e garantir a plena eficácia da tutela jurisdicional, sendo uma medida de cooperação processual que beneficia ambas as partes no contexto da fraude. III. DISPOSITIVO Ante o exposto e por tudo o mais que dos autos consta, com fulcro nos artigos 6º, 8º, 14, e 42 do Código de Defesa do Consumidor; artigos 186, 927 e 935 do Código Civil; e artigos 6º, 139, V, 300, 315, 337, XI, 339, 355, I, 485, VI, 497 e 85 do Código de Processo Civil, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos formulados na petição inicial, nos termos da fundamentação supra, e decido: ACOLHER a preliminar de ilegitimidade passiva suscitada pela HONDA AUTOMÓVEIS DO BRASIL LTDA e, em consequência, EXTINGUIR o processo, sem resolução de mérito, em relação a esta Requerida, nos termos do artigo 485, inciso VI, do Código de Processo Civil. RECONHECER a legitimidade passiva do BANCO HONDA S/A para figurar na presente demanda e para responder pelos pleitos autorais, dada a natureza da relação jurídica em discussão e a aplicação do Código de Defesa do Consumidor e da Súmula 479 do Superior Tribunal de Justiça. REJEITAR o pedido de sobrestamento do feito formulado pelo BANCO HONDA S/A, por se tratar de matéria de responsabilidade civil objetiva, cuja análise é independente da esfera criminal. CONFIRMAR a tutela de urgência anteriormente concedida (ID 68990780), em caráter definitivo, em relação ao BANCO HONDA S/A, para determinar que a referida instituição se abstenha de efetuar cobranças relativas ao contrato de financiamento da motocicleta HONDA NXR 160 BROS ESDD 2017/2021 (objeto do ID 67690333), sob pena de multa diária de R$ 200,00 (duzentos reais) por cada ato de cobrança indevida, limitada a R$ 5.000,00 (cinco mil reais). Deve o BANCO HONDA S/A, ainda, manter o nome da Autora excluído de quaisquer cadastros restritivos de crédito (como SERASA, SPC, etc.) em relação a este débito específico, e abster-se de realizar qualquer protesto, sob pena de multa de R$ 2.000,00 (dois mil reais) por cada incidência de negativação ou protesto indevido. DECLARAR a inexistência do débito no valor de R$ 16.938,72 (dezesseis mil, novecentos e trinta e oito reais e setenta e dois centavos), referente ao financiamento da motocicleta HONDA NXR 160 BROS ESDD 2017/2021, em nome de DANIELE COSTA, porquanto comprovada a fraude na contratação. CONDENAR o BANCO HONDA S/A ao pagamento de indenização por danos morais em favor de DANIELE COSTA, no valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais), corrigido monetariamente pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC) a partir da data desta sentença (Súmula 362 do STJ) e acrescido de juros de mora de 1% (um por cento) ao mês a partir da citação (art. 405 do Código Civil). DETERMINAR a expedição de ofício ao Departamento Estadual de Trânsito do Maranhão (DETRAN/MA), com cópia desta sentença, para que proceda ao IMEDIATO BLOQUEIO de circulação da motocicleta marca HONDA, modelo NXR 160 BROS ESDD, ano/modelo 2017/2017, cor azul, chassi 9C2KD0810HR432986, registrada em nome da Autora. O ofício deverá, ainda, determinar o BLOQUEIO DE INCIDÊNCIA DE NOVOS TRIBUTOS/MULTAS em nome da Requerente relacionados a este veículo, e a TRANSFERÊNCIA COMPULSÓRIA da propriedade da referida motocicleta para o nome do BANCO HONDA S/A (CNPJ 03.634.220/0001-65). CONDENAR o BANCO HONDA S/A ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, estes fixados em 15% (quinze por cento) sobre o valor da condenação (valor da indenização por danos morais + valor da causa referente à declaração de inexistência de débito, art. 85, § 2º, do CPC), considerando a complexidade da causa, o trabalho desenvolvido pelos advogados da Autora e o tempo exigido para o serviço, observando-se a concessão da Justiça Gratuita à Autora, cuja exigibilidade da condenação em custas e honorários eventualmente a ela imposta ficará suspensa nos termos do artigo 98, § 3º, do CPC. Considerando a extinção do processo sem resolução de mérito em relação à HONDA AUTOMOVEIS DO BRASIL LTDA, condeno a Autora ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios em favor do patrono da HONDA AUTOMÓVEIS DO BRASIL LTDA, fixados em 10% (dez por cento) sobre o valor da causa (R$ 26.938,72), observada a suspensão da exigibilidade nos termos do artigo 98, § 3º, do CPC, ante o deferimento da justiça gratuita. Publique-se. Registre-se. Intimem-se. Cumpra-se. São Luís/MA, data do sistema JOSÉ AFONSO BEZERRA DE LIMA Juiz de Direito da 4ª Vara Cível.
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