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Processo nº 0801048-53.2025.8.10.0026

ID: 260756862

Tribunal: TJMA Órgão: 2ª Vara de Balsas Classe: DúVIDA Nº Processo: 0801048-53.2025.8.10.0026

Data de Disponibilização: 25/04/2025

Polo Ativo:

Polo Passivo:

JOICY LUANA RIBEIRO DA SILVA

Intimação

Advogados:

JOICY LUANA RIBEIRO DA SILVA

OAB/PI XXXXXX Desbloquear

ADRIANO TEIXEIRA ANANIAS ARAUJO

OAB/MA XXXXXX Desbloquear

PROCESSO PJE Nº: 0801048-53.2025.8.10.0026 AÇÃO: DÚVIDA (100) REQUERENTE: CARTORIO DO 1 OFICIO DE BALSAS INTERESSADO: RICARDO RUH, HENRIQUE MICHELINI NORONHA Advogado(s) do reclamado: ADRIANO TEIXEIR… PROCESSO PJE Nº: 0801048-53.2025.8.10.0026 AÇÃO: DÚVIDA (100) REQUERENTE: CARTORIO DO 1 OFICIO DE BALSAS INTERESSADO: RICARDO RUH, HENRIQUE MICHELINI NORONHA Advogado(s) do reclamado: ADRIANO TEIXEIRA ANANIAS ARAUJO (OAB 11180-MA), JOICY LUANA RIBEIRO DA SILVA (OAB 12586-PI) De ordem do MM. Juiz de Direito da 2ª Vara desta Comarca - Dr. Tonny Carvalho Araújo Luz, INTIMO os (as) advogados (as) supracitados (as) da SENTENÇA de ID: 146553005, da ação acima identificada. SENTENÇA:I - RELATÓRIO Trata-se de suscitação de dúvida registral encaminhada pela Tabeliã e Registradora Interina do Cartório do 1º Ofício de Balsas/MA, Sra. Greice Rossetto, nos termos do artigo 198 da Lei nº 6.015/1973, após recusar o registro de usucapião extrajudicial requerido por HENRIQUE MICHELINI NORONHA e RICARDO RUH. Conforme consta nos autos, os interessados pleitearam o reconhecimento da posse de imóvel rural denominado Fazenda Estrema, com área de aproximadamente 1.412,4040 ha, localizado na Gleba São José - Data São José, Município de Balsas/MA, registrado sob a matrícula nº 2.010, no Livro 3-C das transcrições, em nome do titular registral Sr. Luiz Coelho de Miranda, falecido. Requereram o reconhecimento extrajudicial de usucapião na modalidade extraordinária, com base nos artigos 1.238 e 1.243 do Código Civil, alegando posse mansa, pacífica, contínua e ininterrupta por mais de 30 (trinta) anos. A Registradora, após análise da documentação, negou o pedido de registro fundamentando sua decisão no fato de ter sido identificada a existência de processo judicial de usucapião em curso (nº 0000752-04.2004.8.10.0026), na 2ª Vara de Balsas/MA, envolvendo o espólio do mesmo titular registral e que se referiria, em tese, ao mesmo imóvel objeto do registro pretendido. Os interessados, inconformados com a negativa, solicitaram que a questão fosse submetida ao juízo competente, conforme procedimento previsto na Lei de Registros Públicos, sustentando que as áreas são distintas, apesar de constarem sob a mesma matrícula. A suscitação veio acompanhada dos seguintes documentos: nota fundamentada de indeferimento do pedido de usucapião, petição de impugnação apresentada pelos interessados, documentos relativos ao procedimento, incluindo certidões, memorial descritivo, planta do imóvel, entre outros. Em 14 de abril de 2025, o Ministério Público apresentou manifestação opinando pela procedência da dúvida e manutenção da decisão da Registradora, por entender que assiste razão à oficial registradora, uma vez que o imóvel em questão encontra-se devidamente registrado no Livro de Transcrição das Transmissões e não houve, no entendimento ministerial, comprovação de que as áreas objeto do procedimento judicial e do pedido administrativo sejam efetivamente distintas. Todavia, os interessados apresentaram um laudo técnico elaborado pelo engenheiro agrimensor Janir Maccari, datado de 23 de janeiro de 2025, acompanhado da respectiva Anotação de Responsabilidade Técnica (ART) devidamente registrada no CREA-MA, no qual atesta categoricamente, sob as penas da lei, que não há sobreposição entre as áreas da Fazenda Estrema (objeto do pedido de usucapião extrajudicial) e as áreas envolvidas nos processos judiciais nº 0000597-91.2007.8.10.0026 (referente à Fazenda Bebedouro V) e nº 0000752-02.2004.8.10.0026 (referente à Gleba São José), estando as mesmas localizadas a 1.131,57m e 4.184,25m de distância, respectivamente, conforme demonstrado em plantas georreferenciadas e coordenadas geodésicas precisas, contidas no relatório técnico. É o relatório. Passo a decidir. FUNDAMENTAÇÃO A suscitação de dúvida, prevista no art. 198 da Lei nº 6.015/1973 (Lei de Registros Públicos), é o procedimento administrativo pelo qual o oficial de registro, mediante requerimento escrito do interessado, submete ao juízo competente a análise da legalidade de exigências formuladas para a prática do ato registral. No caso em apreço, a questão a ser dirimida consiste em verificar se a existência de processo judicial de usucapião em curso (nº 0000752-04.2004.8.10.0026), envolvendo o espólio do mesmo titular registral e referente a um imóvel constante da mesma matrícula (nº 2.010), constitui óbice ao reconhecimento extrajudicial de usucapião da área denominada Fazenda Estrema, considerando a alegação dos interessados de que se tratam de áreas fisicamente distintas e não sobrepostas. De início, cumpre destacar que o art. 216-A da Lei nº 6.015/1973, introduzido pela Lei nº 13.105/2015 e com redação dada pela Lei nº 13.465/2017, estabeleceu a possibilidade de reconhecimento extrajudicial de usucapião, que será processado diretamente perante o cartório do registro de imóveis da comarca em que estiver situado o imóvel usucapiendo, mediante requerimento do interessado. Dentre os requisitos para o reconhecimento extrajudicial da usucapião, o art. 401, inciso IV, do Provimento nº 149/2010 do Conselho Nacional de Justiça, que instituiu o Código Nacional de Normas da Corregedoria Nacional de Justiça, exige a apresentação de certidões negativas dos distribuidores da Justiça Estadual e Federal, demonstrando a inexistência de ações que caracterizem oposição à posse do imóvel. No entanto, a exigência de inexistência de ações judiciais deve ser interpretada no sentido de inexistência de litígios sobre a mesma área física, e não simplesmente sobre o mesmo registro imobiliário. Isto porque é comum, especialmente em áreas rurais antigas, a existência de vastas extensões de terras registradas sob uma única matrícula, abrangendo porções territoriais que, na prática, são ocupadas por diferentes possuidores e exploradas de forma autônoma. No caso em análise, observa-se que o principal fundamento para a recusa do registro pela oficial registradora foi a existência de processo judicial de usucapião (nº 0000752-04.2004.8.10.0026), que envolveria o mesmo imóvel registrado sob a matrícula nº 2.010. Contudo, após detida análise dos documentos acostados aos autos, verifica-se que tal premissa não corresponde à realidade fática demonstrada tecnicamente. Com efeito, o laudo técnico apresentado pelos interessados, elaborado pelo engenheiro agrimensor Janir Maccari, profissional habilitado e credenciado pelo INCRA sob o código AUO, com a respectiva Anotação de Responsabilidade Técnica (ART MA20250870976) devidamente registrada no CREA-MA, atesta com precisão técnica que as áreas em questão são fisicamente distintas e não apresentam sobreposição. O referido laudo, elaborado com rigor técnico-científico, apresenta as coordenadas geográficas precisas, utilizando o Sistema Geodésico SIRGAS 2000, e demonstra, de forma inequívoca, que: 1) A Fazenda Estrema (objeto do pedido de usucapião extrajudicial) está localizada a 1.131,57 metros de distância da Fazenda Bebedouro V (objeto do processo nº 0000597-91.2007.8.10.0026); 2) A Fazenda Estrema está localizada a 4.184,25 metros de distância da Gleba São José (objeto do processo nº 0000752-02.2004.8.10.0026); 3) As áreas possuem perímetros definidos por coordenadas UTM (SAD-69), azimutes e distâncias, não havendo qualquer sobreposição ou conflito de limites entre elas. O laudo técnico é acompanhado de planta topográfica detalhada, que ilustra graficamente a localização exata de cada uma das propriedades, evidenciando a ausência de qualquer sobreposição ou conflito. Ademais, a certificação emitida pelo INCRA (Certificação: 612db78e-be66-42c2-b317-242c8ee5409a) atesta que a poligonal objeto do memorial descritivo da Fazenda Estrema não se sobrepõe a nenhuma outra poligonal constante do cadastro georreferenciado daquele órgão. Outrossim, o memorial descritivo da Fazenda Estrema, com perímetro de 17.067,10m e área de 1.412,404 ha, detalha com precisão todos os vértices, coordenadas, azimutes e confrontantes da propriedade, não deixando margem para dúvidas quanto à sua individualização e caracterização. Cabe ressaltar que, embora o Ministério Público tenha opinado pela procedência da dúvida, seu parecer não considerou adequadamente o laudo técnico apresentado pelos interessados, baseando-se apenas na premissa formal de que ambas as áreas constam da mesma matrícula, sem atentar para a realidade fática demonstrada pela prova técnica. Importante destacar que a usucapião, como modo originário de aquisição da propriedade, não está necessariamente vinculada aos limites formais do registro imobiliário preexistente, podendo incidir sobre fração de imóvel ou área específica dentro de um registro mais amplo, desde que devidamente individualizada e caracterizada, como ocorre no presente caso. Nesse sentido, a jurisprudência pátria tem reconhecido a possibilidade de usucapião de parte de imóvel registrado sob matrícula única, especialmente quando demonstrada a posse exclusiva e delimitada sobre a fração pretendida, como se observa no seguinte julgado: APELAÇÃO CÍVEL. USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIA. EXTINÇÃO DO FEITO SOB FUNDAMENTO DE AUSÊNCIA DE INTERESSE DE AGIR. AQUISIÇÃO DERIVADA MEDIANTE CONTRATO DE COMPRA E VENDA . ÁREA USUCAPIENDA NÃO REGISTRADA E INTEGRANTE DE ÁREA MAIOR MATRICULADA NO REGISTRO DE IMÓVEIS. A AUSÊNCIA DE MATRÍCULA REGISTRAL, POR SI SÓ, NÃO PODE SER ÓBICE PARA A AQUISIÇÃO DA PROPRIEDADE PELA USUCAPIÃO. INTELIGÊNCIA DO ART. 1 .238 DO CÓDIGO CIVIL. EVENTUAL INOBSERVÂNCIA DAS REGRAS DE PARCELAMENTO DO SOLO URBANO (LEI N. 6.766/79) NÃO CONSTITUEM ÓBICE PARA AQUISIÇÃO ORIGINÁRIA PELA VIA DA USUCAPIÃO . TEMA 1025 DO STJ. PRECEDENTES DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA E DESTE TRIBUNAL. ADEMAIS, MATRÍCULA ORIGINÁRIA OBJETO DE PROCESSO DE REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA NO PROGRAMA LAR LEGAL (AUTOS N. 0301500-12 .2016.8.24.0135) . EXTINÇÃO DO PROCESSO QUE SE AFIGURA PREMATURA E CALCADA EM ARGUMENTAÇÃO QUE NÃO PROSPERA. TEORIA DA CAUSA MADURA. INAPLICABILIDADE. FALTA DE COMPLETA ANGULARIZAÇÃO PROCESSUAL . PROSSEGUIMENTO DO FEITO NA ORIGEM QUE SE IMPÕE. SENTENÇA CASSADA. HONORÁRIOS RECURSAIS INCABÍVEIS. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO . 1. A inexistência de matrícula registral não pode ser óbice para a aquisição da propriedade pela usucapião, pois esta ação possui em sua essência, justamente, estampar no espelho registral a realidade fática consolidada no tempo, chancelada pela presença de todos os requisitos legais. (...) (TJSC, Apelação n. 5006476-45.2019.8 .24.0135, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Silvio Dagoberto Orsatto, Primeira Câmara de Direito Civil, j. 22-02-2024) . Ademais, o Conselho Nacional de Justiça, por meio do Provimento nº 65/2017, que estabelece diretrizes para o procedimento da usucapião extrajudicial, prevê em seu art. 15 que: "Art. 15. Na hipótese de a área objeto da usucapião atingir dois ou mais imóveis, total ou parcialmente, ainda que de proprietários distintos, o documento formal de anuência poderá ser assinado apenas pelo titular de direito real atingido pela maior área, desde que o requerimento seja instruído com: I - levantamento topográfico que demonstre a exata localização e dimensão da área usucapienda, com a identificação dos imóveis atingidos, suas respectivas matrículas ou transcrições, bem como a quantificação de cada área atingida; e II - planta e memorial descritivo da área total usucapienda." Ora, se o próprio CNJ admite a possibilidade de usucapião de área que atinge parcialmente um ou mais imóveis, não há razão para obstar o reconhecimento extrajudicial da usucapião no presente caso, em que restou tecnicamente demonstrado que a área pretendida não se sobrepõe às áreas objeto de litígio judicial. Outrossim, o art. 414, § 2º, do Provimento nº 140/2023 do CNJ, mencionado na nota de devolução, estabelece que o oficial deverá rejeitar o pedido caso persista qualquer dúvida, imprecisão ou incerteza. No entanto, tal norma deve ser interpretada à luz do caso concreto e das provas técnicas apresentadas. No presente caso, o laudo pericial afasta qualquer dúvida ou incerteza quanto à delimitação precisa do imóvel usucapiendo, demonstrando de forma inequívoca que não há sobreposição com as áreas objeto de litígio judicial. Importante ressaltar que a finalidade do procedimento de dúvida registral é justamente dirimir incertezas e possibilitar o acesso ao registro imobiliário quando preenchidos os requisitos legais. No caso, a prova técnica produzida nos autos é suficiente para afastar qualquer hesitação quanto à delimitação precisa da área usucapienda e sua não sobreposição com as áreas objeto de litígio judicial. Destarte, a existência de processo judicial envolvendo outras áreas da mesma matrícula não constitui óbice ao reconhecimento extrajudicial da usucapião da área específica denominada Fazenda Estrema, devidamente individualizada e caracterizada no memorial descritivo e na planta apresentados. A propósito, o reconhecimento da usucapião sobre a área pretendida pelos requerentes não só não interfere nos processos judiciais em curso, como contribui para a regularização fundiária e para a segurança jurídica, pois permite a abertura de matrícula própria para a área usucapienda, desvinculando-a do registro anterior e evitando futuras confusões ou conflitos. Nesse sentido, o próprio art. 216-A, § 11, da Lei nº 6.015/1973 prevê que "no caso de o imóvel usucapiendo ser unidade autônoma de condomínio edilício, fica dispensado consentimento dos titulares de direitos reais e outros direitos registrados ou averbados na matrícula dos imóveis confinantes". Por analogia, se a lei dispensa o consentimento dos titulares de direitos reais sobre imóveis confinantes em caso de usucapião de unidade autônoma, com maior razão deve-se admitir a usucapião de área rural específica e não sobreposta a outras áreas em litígio, ainda que todas constem formalmente da mesma matrícula. Importante destacar, por fim, que o Código de Normas da Corregedoria Geral da Justiça do Maranhão (Provimento nº 16, de 28 de abril de 2022), em seu art. 26, determina que em caso de dúvidas relativas à execução do serviço extrajudicial, os notários e registradores devem consultar o juiz competente, que deverá resolvê-las no âmbito de sua competência. No presente caso, diante das provas técnicas apresentadas, a solução que melhor atende aos princípios da segurança jurídica, da eficiência e da economicidade é o reconhecimento da possibilidade de registro da usucapião extrajudicial sobre a área especificamente delimitada e não conflitante com os processos judiciais em curso. DISPOSITIVO Ante o exposto, com fundamento no art. 198 da Lei nº 6.015/1973 e art. 26 do Código de Normas da Corregedoria Geral da Justiça do Maranhão, JULGO IMPROCEDENTE a dúvida suscitada pela Tabeliã e Registradora Interina do Cartório do 1º Ofício de Balsas/MA, Sra. Greice Rossetto, e determino o prosseguimento do procedimento de reconhecimento extrajudicial de usucapião requerido por HENRIQUE MICHELINI NORONHA e RICARDO RUH, referente ao imóvel rural denominado Fazenda Estrema, com área de 1.412,404 ha, conforme memorial descritivo e planta apresentados, devendo a Oficial Registradora proceder às demais análises de requisitos legais para o registro, caso ainda não o tenha feito. Sem custas, por se tratar de procedimento administrativo. Após o trânsito em julgado, oficie-se ao Cartório do 1º Ofício de Balsas/MA, encaminhando cópia desta decisão. Cientifique-se o Ministério Público. Publique-se. Registre-se. Intimem-se. FRANCIEL PEREIRA PIRES Servidor Judicial (Assinado de ordem do MM. Tonny Carvalho Araújo Luz, Titular da 2ª Vara da Comarca de Balsas-MA, nos termos do art. 2º, do Provimento Nº 22/2018/cgj/ma)

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