Processo nº 1015746-34.2025.8.11.0000
ID: 319211913
Tribunal: TJMT
Órgão: Segunda Câmara Criminal
Classe: HABEAS CORPUS CRIMINAL
Nº Processo: 1015746-34.2025.8.11.0000
Data de Disponibilização:
08/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
ANA LAURA BERTO CAVALCANTE
OAB/MT XXXXXX
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ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO SEGUNDA CÂMARA CRIMINAL Número Único: 1015746-34.2025.8.11.0000 Classe: HABEAS CORPUS CRIMINAL (307) Assunto: [Ameaça, Estupro, Contra a Mulher] Relator: Des(a)…
ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO SEGUNDA CÂMARA CRIMINAL Número Único: 1015746-34.2025.8.11.0000 Classe: HABEAS CORPUS CRIMINAL (307) Assunto: [Ameaça, Estupro, Contra a Mulher] Relator: Des(a). PAULO SERGIO CARREIRA DE SOUZA Turma Julgadora: [DES(A). PAULO SERGIO CARREIRA DE SOUZA, DES(A). JORGE LUIZ TADEU RODRIGUES, DES(A). RUI RAMOS RIBEIRO] Parte(s): [ANA LAURA BERTO CAVALCANTE - CPF: 034.651.181-03 (ADVOGADO), WILLIAM LIMA ALVES PEREIRA - CPF: 061.442.031-84 (PACIENTE), JUÍZO DA 1ª VARA ESPECIALIZADA DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER DA COMARCA DE CUIABÁ (IMPETRADO), ALANA ROCHA DE FIGUEIREDO SANTOS - CPF: 047.764.011-77 (VÍTIMA), MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO - CNPJ: 14.921.092/0001-57 (TERCEIRO INTERESSADO), ANA LAURA BERTO CAVALCANTE - CPF: 034.651.181-03 (IMPETRANTE)] A C Ó R D Ã O Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a SEGUNDA CÂMARA CRIMINAL do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência Des(a). RUI RAMOS RIBEIRO, por meio da Turma Julgadora, proferiu a seguinte decisão: POR UNANIMIDADE, DENEGOU A ORDEM. E M E N T A Direito penal e processual penal. Habeas corpus. Violência doméstica e crime contra a dignidade sexual. Prisão preventiva. Excesso de prazo não verificado. Fundamentação idônea. Risco à ordem pública. Gravidade concreta do delito. Reiteração delitiva. Medidas cautelares diversas insuficientes. Ordem denegada. I. Caso em exame 1. Habeas corpus impetrado em favor de paciente preso preventivamente por supostos crimes de estupro, lesão corporal e violência psicológica contra a ex-companheira, com base nos arts. 213, 129, § 13, e 147-B do Código Penal. 2. A Defesa alega excesso de prazo da prisão e ausência de fundamentação idônea para a manutenção da custódia cautelar, destacando que a aplicação de medidas cautelares diversas é suficiente para o resguardo da ordem pública. II. Questão em discussão 3. Há duas questões em discussão: (i) definir se há constrangimento ilegal por excesso de prazo na formação da culpa; e (ii) examinar se a manutenção da prisão preventiva está devidamente fundamentada, ou se seria possível substituí-la por medidas cautelares alternativas. III. Razões de decidir 4. Não há inércia ou desídia do Poder Judiciário, pois a audiência de instrução foi realizada em menos de três meses após a prisão, afastando a alegação de excesso de prazo. 5. A prisão preventiva está fundamentada na gravidade concreta dos fatos e no risco de reiteração delitiva, em razão da suposta persistência do paciente na perseguição da vítima, mesmo após o término do relacionamento. 6. A decisão judicial também se apoia em laudo de dano emocional, histórico de agressões verbais, físicas e sexuais, e em declaração da vítima sobre o temor pela própria vida, indicando periculosidade do paciente. IV. Dispositivo e tese 7. Ordem denegada. Tese de julgamento: “A gravidade concreta da conduta e o risco de reiteração delitiva são fundamentos que justificam a segregação cautelar do réu.” ____________ Dispositivos relevantes citados: CP, arts. 129, § 13, 147-B, 213; CPP, arts. 312, 313, 319. Jurisprudência relevante citada: STJ - AgRg no HC: 874767 SP 2023/0441616-4, Relator.: Ministro Jesuíno Rissato Desembargador Convocado do TJDFT, j. 19/08/2024; TJMT - HC 1004089-95.2025.8.11.0000, Des. Rel. Jorge Luiz Tadeu Rodrigues, Segunda Câmara Criminal, j. 25/03/2025. R E L A T Ó R I O Trata-se de habeas corpus, com pedido de medida liminar, impetrado por Ana Laura Berto Cavalcante, em favor de Willian Lima Alves Pereira, apontando como autoridade coatora a Juíza de Direito da Primeira Vara Especializada de Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher da Comarca de Cuiabá, que decretou e manteve a prisão preventiva do paciente. A Defesa sustenta que há excesso de prazo na prisão cautelar, visto que o paciente se encontra segregado há mais de 72 dias sem que tenha sido encerrada a instrução processual. Alega, ademais, que o Juízo a quo não utilizou fundamentação idônea para decretar/manter a prisão preventiva do acusado, amparando-se em meras conjecturas, sem que haja provas de que sua liberdade representa risco real à vítima. Ressalta que o próprio Ministério Público opinou pela revogação da prisão, com a aplicação de medidas cautelares menos gravosas, como a monitoração eletrônica. Por esses fundamentos, requer a concessão da ordem para que seja revogada a prisão preventiva do paciente, ainda que com a aplicação de medidas cautelares alternativas. A liminar foi indeferida pelo Eminente Desembargador plantonista (Id. n. 287040856). Informações foram prestadas pelo Juízo impetrado (Id. n. 287638378). A Procuradoria-Geral de Justiça, em parecer da lavra do eminente procurador Amarildo Cesar Fachone, recomendou a denegação da ordem, nos seguintes termos: “HABEAS CORPUS - PRISÃO PREVENTIVA - ARTIGOS 129, § 13, 147-B E 213, DO CÓDIGO PENAL - INDEFERIMENTO DE REVOGAÇÃO DA PRISÃO PREVENTIVA - INSURGÊNCIA DEFENSIVA - IMPROCEDÊNCIA - VÍTIMA DE DECLAROU TEMER POR SUA INTEGRIDADE FÍSICA E PSÍQUICA - ABALO À ORDEM PÚBLICA - APLICAÇÃO DO ARTIGO 12-C, § 2º, DA LEI 11.340/2006 - INSTRUÇÃO CRIMINAL ENCERRADA - DECISÃO FUNDAMENTADA, DIVERGENTE DO PARECER MINISTERIAL EM PRIMEIRO GRAU - PELA DENEGAÇÃO DA ORDEM.” (Id. n. 289211399). É o relatório. V O T O R E L A T O R Ressai da inicial que, em fevereiro de 2025, William Lima Alves Pereira, valendo-se de violência, teria constrangido A.R.D.F., sua então companheira, a manter relação sexual contra a sua vontade. Além disso, no dia 5.3.2025, o acusado teria causado danos emocionais à mesma vítima, visando degradar e controlar suas ações, comportamentos e decisões, mediante ameaça, humilhação e ofensa a sua integridade física. Eis o teor da denúncia: “Noticiam os autos do caderno investigativo que a vítima e o denunciado conviveram maritalmente por 4 (quatro) meses e, à época do registro da ocorrência, estavam separados há cerca de uma semana. Depreende-se que a relação sempre foi permeada por atos de violência praticados por William, decorrente de seu comportamento controlador e agressivo. Segundo se apurou, na constância do relacionamento, o denunciado humilhava a vítima, a chamando de ‘vagabunda, desgraçada, filha de desgraçado’, puta, capeta, demônio, satanás, fraca’. Além disso, dizia que a vítima ‘não é capaz, é uma preguiçosa’, ‘você mima demais o seu filho’ e a ameaçava, dizendo ‘vou quebrar seu filho’. O denunciado controlava a vítima, dizendo que não gostava que ela tivesse demonstrações de afeto com o filho e não gostava que a vítima visitasse os familiares. Como se não bastasse, quando a vítima saía, William ligava de dez em dez minutos por chamada de vídeo, para ver se ela estava realmente onde dizia estar. Extrai-se dos autos que, em fevereiro de 2025, o denunciado obrigou a vítima a praticar relação sexual contra a sua vontade. Na ocasião, William disse que queria ter relação sexual, tendo a vítima dito que estava com dores e que não queria, mas sido ignorada, onde durante toda a relação a vítima chorava, pois estava sentindo muita dor. Ressai dos autos que, em 03/03/2025, a vítima decidiu por terminar o relacionamento, tendo ido residir com a testemunha Alexssandra. Em 04/03/2025, a vítima entrou em contato com Paulo para ir até a residência do denunciado retirar seus pertences, tendo feito isso em 05/03/2025, por volta de 00:40. Consta dos autos, que por volta de 01:00 hora, o denunciado ligou para a Alexssandra, ocasião em que a vítima disse ‘fui buscar minhas coisas’, tendo William a ameaçado, dizendo ‘volta com as coisas pra cá; não vai repetir o que tinha acontecido; tá brincando comigo?; então agora eu vou te ensinar a brincar’. Segundo consta, o denunciado foi até a residência de Alexssandra, na tentativa de falar com a vítima, porém Alexssandra não deixou, com isso o denunciado pulou o muro e foi até a quitinete, onde entrou na casa e começou a discutir com a vítima. Ato contínuo William pegou uma caixa que continha pertences que a vítima levou, tendo ela tentado o impedir de sair com tais objetos. Na ocasião, o denunciado a segurou pelo braço e a empurrou, tendo a vítima batido a cabeça contra um tanque de lavar roupas e desmaiado, enquanto ele se evadiu levando os pertences da vítima. Consta do incluso inquérito policial que Alexssandra acionou a Polícia, que foi até a residência averiguar a situação. Na ocasião, o denunciado ligou em seu celular e disse que ‘devia ter matado essa desgraçada’. Extrai-se dos autos que o comportamento de William ocasionou danos emocionais à vítima, que está com ‘medo do suspeito fazer mal para ela, reação de sobressalto, hipervigilância, crises ansiosas, irritabilidade, inquietude, tristeza intensa e sustentada e choro quase todos os dias, anedonia, desânimo, baixa autoestima e sente-se coagida’, conforme Laudo de Constatação de Dano Emocional.” (Id. n. 188076669). Em virtude desses fatos, o paciente foi preso em flagrante delito no dia 5.3.2025. O douto Magistrado a quo, na audiência de custódia realizada na mesma data, decretou a sua prisão preventiva, com o fito de resguardar a ordem pública, considerando a gravidade concreta das condutas e o risco de renitência delitiva: “A reincidência do custodiado em crimes de violência doméstica revela um padrão de comportamento agressivo e controlador, que demonstra risco concreto de reiteração delitiva. O fato de não aceitar o fim do relacionamento e continuar perseguindo a vítima, aliado à invasão de domicílio e às agressões, indicam total desrespeito às normas legais e medidas de proteção às mulheres. Ademais, a frase proferida ‘devia ter matado essa desgraçada’ reforça sua potencial periculosidade e a possibilidade real de um novo ataque, colocando em risco a integridade e a própria vida da vítima. A manutenção da custódia preventiva é a única medida apta a garantir a segurança da vítima e a evitar novas agressões, especialmente diante do histórico criminal do custodiado, que já possui antecedentes por violência doméstica. Dessa forma, a conversão da prisão em flagrante em prisão preventiva se mostra necessária, considerando que o fato foi grave e o histórico de medida protetiva do custodiado, bem como para a garantia da ordem pública e segurança da vítima. Sendo assim, converto a prisão em flagrante de Willian Lima Alves Pereira já qualificado nos autos, em prisão preventiva, nos termos dos artigos 312 e 313 do Código de Processo Penal.” (Id. n. 186009061 – APFD n. 1004199-65.2025.8.11.0042). Na Resposta à Acusação, apresentada em 14.4.2025, a Defesa pugnou pela revogação da prisão preventiva, por entender que a liberdade do acusado não acarretaria risco à vítima ou ao andamento processual (Id. n. 190791833). Contudo, a Magistrada de origem indeferiu o pleito, utilizando como base os mesmos fundamentos adotados para decretar a prisão preventiva (gravidade concreta dos delitos e risco de reiteração delitiva): “O fumus commissi delicti está evidenciado pelos indícios firmes de autoria e materialidade delitiva constantes nos autos, especialmente nas declarações prestadas pela vítima, que relatou condutas reiteradas de violência verbal, psicológica, física e sexual praticadas pelo ex-namorado. Dentre os episódios narrados, destaca-se o controle excessivo, humilhações constantes, relação sexual forçada e agressão física que resultou em desmaio, além de ameaças explícitas de morte, inclusive presenciadas por terceiros. Tais elementos, corroborados por boletim de ocorrência e atendimento médico, demonstram a gravidade e a verossimilhança das imputações. O periculum libertatis também se encontra presente, considerando a periculosidade do custodiado, a gravidade dos fatos e o risco concreto de reiteração delitiva, bem como de prejuízo à integridade da vítima. A prisão se mostra necessária e proporcional, sendo inadequadas as medidas cautelares diversas, nos termos do art. 319 do CPP, para garantir a ordem pública, resguardar a vítima e assegurar a efetividade da persecução penal. Não suficiente, extrai-se do Formulário Nacional de Avaliação de Risco, que a vítima foi ameaçada e agredida pelo acusado, inclusive com o uso de arma branca (faca), bem como relatou que o acusado demonstra comportamento machista, possessivo e ciúme excessivo, fatos que devem ser levados em consideração. Diante de conjunto fático e probatório acima relatado, entendo que ainda se encontram presentes os requisitos e fundamentos para a manutenção da prisão preventiva, uma vez que, apesar dos argumentos lançados pela defesa, os atributos pessoais alegados somente atuam em favor do acusado, quando ausentes os elementos autorizadores e balizadores da prisão preventiva, e neste caso, a custódia cautelar do acusado, se encontra fundamentada nos pressupostos legais, sendo certo que o tempo da prisão ante a gravidade dos fatos não demonstra um excesso injustificado.” (Id. n. 191622616 – Ação Penal n. 1004579-88.2025.8.11.0042). A audiência de instrução foi realizada no dia 14.5.2025, ocasião em que o Juízo a quo manteve o acusado preso cautelarmente, pelos mesmos fundamentos já mencionados (Id. n. 193995611 – Autos n. 1004579-88.2025.8.11.0042). Esse é o quadro fático imprescindível ao exame deste writ. A Defesa requer, inicialmente, o relaxamento da prisão preventiva do paciente, em virtude de suposto excesso de prazo na formação da culpa. O pleito é manifestamente improcedente. Embora Willian L. A. Pereira tenha sido preso em flagrante em data recente (dia 5.3.2025), verifica-se que a audiência de instrução já foi realizada, ou seja, em menos de três meses o processo já está na fase derradeira (memoriais finais). Isso demonstra, evidentemente, que a Magistrada a quo tem adotado todas as providências para que a ação penal tramite da maneira mais célere possível. Além disso, a Defesa não indicou eventual ato desidioso por parte do Juízo singular, que justificasse o relaxamento da cautelar extrema. Não havendo desídia ou omissão por parte do Poder Público na condução do processo, não há se falar em constrangimento ilegal por excesso de prazo. Nesse sentido, destaca-se o seguinte aresto da Corte Cidadã: “DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS E ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO. EXCESSO DE PRAZO NA FORMAÇÃO DA CULPA. NÃO OCORRÊNCIA. COMPLEXIDADE DO FEITO. PRISÃO PREVENTIVA JUSTIFICADA. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO. I. CASO EM EXAME 1. Recurso em habeas corpus interposto por Romilson Batista de Holanda, preso preventivamente pela suposta prática dos crimes previstos nos artigos 33, caput, 35, c/c art. 40, III e VI, da Lei nº 11.343/2006. A defesa alega constrangimento ilegal devido ao excesso de prazo na formação da culpa, destacando que o paciente está preso há 1 ano e 10 meses, sem a realização de audiência de instrução. II. Questão em Discussão 2. A questão central consiste em definir se há excesso de prazo na formação da culpa, em razão da prisão preventiva do paciente por período superior a 1 ano e 10 meses, sem a marcação de audiência de instrução, configurando constrangimento ilegal passível de relaxamento da prisão cautelar. III. Razões De Decidir 3. O excesso de prazo não resulta de um critério puramente matemático, sendo necessário avaliar a complexidade do caso concreto e as circunstâncias do processo, observando os princípios da razoabilidade e proporcionalidade. 4. A demora no trâmite processual decorre da complexidade do caso, envolvendo pluralidade de réus, expedição de cartas precatórias e apuração de condutas criminosas praticadas em diversas comarcas, inclusive em dependências do sistema prisional. 5. Não se verifica desídia do Poder Judiciário ou da acusação que justifique o reconhecimento de excesso de prazo. O processo segue sua marcha regular, compatível com a complexidade da causa e o número de envolvidos. 6. O entendimento pacífico desta Corte é no sentido de que, em casos complexos, os prazos previstos abstratamente na legislação processual podem ser ampliados, desde que observados parâmetros de razoabilidade, conforme Súmula 84 do TJPE. IV. Recurso desprovido. (STJ - AgRg no RHC: 199293 PE 2024/0209053-9, Relator.: Ministra Daniela Teixeira, Data de Julgamento: 23/10/2024, T5 - Quinta Turma, Data de Publicação: DJe 30/10/2024).” No mesmo sentido, colho recente julgado desta Egrégia Câmara, conduzido pela brilhante exposição do Eminente Desembargador Rui Ramos Ribeiro: “HABEAS CORPUS – PRISÃO PREVENTIVA – CRIMES DE AMEAÇA E PERSEGUIÇÃO – IRRESIGNAÇÃO DA DEFESA – PRETENSÃO – NEGATIVA DE AUTORIA E TESE DE ATIPICIDADE DA CONDUTA – REVOLVIMENTO DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO – INVIABILIDADE NA VIA ELEITA – ENUNCIADO ORIENTATIVO N. 42 DO TJMT – REVOGAÇÃO DA PRISÃO PREVENTIVA – INVIABILIDADE – CUSTÓDIA CAUTELAR DEVIDAMENTE FUNDAMENTADA – GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA – CONDUTA GRAVE – PERSEGUIÇÃO E AMEAÇAS A CRIANÇA – TESES JÁ ANALISADAS EM HABEAS CORPUS ANTERIOR (HC N. 1017763-77.2024.8.11.0000 – TRÂNSITO EM JULGADO DIA 31/10/2024) – ALEGADO EXCESSO DE PRAZO – IMPROCEDÊNCIA – ANÁLISE QUE DEVE SER FEITA À LUZ DO CASO CONCRETO – AUSÊNCIA DE DESÍDIA POR PARTE DO PODER JUDICIÁRIO – TRÂMITE ACEITÁVEL DA INSTRUÇÃO – CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO CONSTATADO – AUSÊNCIA DE MANIFESTAÇÃO DA AUTORIDADE JUDICIAL NOS TERMOS DO ART. 150, CPP – CONCESSÃO NESTA PARTE PARA AUTORIDADE JUDICIAL ANALISE A PRETENSÃO – WRIT CONHECIDO EM PARTE, E NA EXTENSÃO ORDEM CONCEDIDA EM PARTE. As teses defensivas de negativa de autoria e de atipicidade da conduta imputada demandam revolvimento do conjunto fático-probatório, inadmissível na estreita via do habeas corpus. A prisão preventiva encontra-se devidamente fundamentada na garantia da ordem pública, sendo necessária diante da gravidade concreta da conduta imputada ao paciente, consistente na perseguição e ameaças direcionadas a criança, o que revela sua efetiva periculosidade. Entretanto, matéria já foi apreciada no habeas corpus n. 1017763-77.2024.8.11.0000, com trânsito em julgado no dia 31/10/2024. Logo, eventual delonga na instrução processual não implica em reconhecimento automático de ilegalidade da prisão, tampouco na imediata colocação do beneficiário em liberdade, devendo considerar a particularidade do caso concreto. Consoante às informações prestadas e ao compulsar os autos originários, verifica-se que a autoridade impetrada vem adotando todas as providências processuais para impulsionar o feito, não havendo qualquer indolência por sua parte, conforme se extrai do detalhado relato apresentado nas informações e do documento de Id. 264159004, que comprova a intimação da defesa para apresentação dos quesitos necessários à realização do exame de insanidade. Concedo a ordem para que o juiz de direito, analise o que está no artigo 150, do Código de Processo Penal e decida se vai levar ele para manicômio. Se não tem manicômio, se tem algum local que seja pelo menos equivalente ou que decida se coloque na sua residência com tornozeleira, porque nesse ponto há uma omissão do juiz. (TJMT – HC n. 1000765-97.2025.8.11.0000, Rui Ramos Ribeiro, Segunda Câmara Criminal, Julgado em 16/04/2025, Publicado no DJE 25/04/2025).” Diante disso, não há se falar em excesso de prazo que implique na nulidade da segregação cautelar do paciente. Em outro ponto, a impetrante requer a revogação da prisão preventiva, ao argumento de que tanto a decisão que decretou quanto a que manteve a prisão preventiva carecem de fundamentação idônea. Destaca que as medidas cautelares diversas são suficientes para resguardar a ordem pública. Sem razão, contudo. Em síntese, o Juízo a quo utilizou dois fundamentos principais para decretar e para manter o paciente custodiado cautelarmente, quais sejam, (i) a gravidade das condutas e (ii) o risco de reiteração delitiva. A gravidade concreta das condutas, demonstrada pelo modus operandi supostamente empregado pelo agente, constitui fundamento idôneo para decretar/manter a segregação preventiva. In casu, o acusado, com o intuito de agredir a vítima, supostamente, teria invadido a residência de sua amiga, Alexssandra Ferreira, revelando audácia incomum e excessivo descontrole emocional. Além disso, consta nos autos que, em determinada ocasião, a vítima teria sofrido uma crise de ansiedade em decorrência dos atos de violência psicológica supostamente praticados por Willian. Naquele momento, ela buscou amparo médico em uma unidade de pronto atendimento (UPA), mas, ainda assim, o réu teria persistido em persegui-la, o que a obrigou a fugir do local para evitar novos contatos. Esse contexto revela que, ao menos em tese, o paciente apresenta periculosidade extremada, sequer se importando em perseguir a vítima em espaços públicos de convivência. Defrontando-se com casos semelhantes, este Tribunal fixou a tese de que a gravidade concreta do fato é argumento válido para o decreto preventivo: “DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. LESÃO CORPORAL NO ÂMBITO DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. PRISÃO PREVENTIVA. FUNDAÇÃO IDÔNEA. GRAVIDADE CONCRETA DA CONDUTA. VIOLÊNCIA REITERADA CONTRA MULHERES. NECESSIDADE DE GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA. EXAME DE CORPO DE DELITO. MATERIALIDADE DEMONSTRADA. MEDIDAS CAUTELARES ALTERNATIVAS. INSUFICIÊNCIA. CONDIÇÕES PESSOAIS FAVORÁVEIS. IRRELEVÂNCIA. ORDEM DENEGADA. (...) 3. A decisão que indeferiu a revogação da prisão preventiva encontra-se devidamente fundamentada, expondo os elementos concretos que justificam a manutenção da medida extrema. A magistrada singular destacou a gravidade concreta do crime, o modus operandi da agressão e a necessidade de garantir a ordem pública e a integridade física das vítimas, afastando, de forma motivada, a aplicação de medidas cautelares diversas da prisão. 4. A ausência de exame de corpo de delito não compromete a comprovação da materialidade do crime, pois o prontuário médico, os depoimentos das vítimas e das testemunhas, bem como as fotografias anexadas ao inquérito policial, demonstram de maneira suficiente a ocorrência das lesões. 5. Os requisitos autorizadores da prisão preventiva encontram-se presentes, uma vez que há indícios suficientes de autoria e prova da materialidade (fumus comissi delicti), bem como, risco à ordem pública (periculum libertatis), evidenciados pela reincidência do paciente em casos de violência doméstica e pela gravidade das lesões. 6. A aplicação de medidas cautelares alternativas da prisão não se revela adequada no caso concreto, pois a prisão preventiva visa a proteção da integridade física das vítimas. 7. As condições pessoais favoráveis do paciente não impedem a decretação ou manutenção da prisão preventiva quando apresentados os fundamentos do art. 312 do Código de Processo Penal. (...) ‘A decisão que mantém a prisão preventiva é idônea e está devidamente fundamentada em elementos concretos que demonstram a necessidade da medida para garantir a ordem pública e proteger a integridade das vítimas.’ ‘A ausência de exame de corpo de delito não inviabiliza a comprovação da materialidade quando houver outros elementos probatórios, como prontuário médico, depoimentos e fotografias.’ ‘As medidas cautelares diversas da prisão são insuficientes quando há a necessidade de garantir a ordem pública e evitar novas agressões.’ (...) (TJMT - HC 1004089-95.2025.8.11.0000, Des. Rel. Jorge Luiz Tadeu Rodrigues, Segunda Câmara Criminal, Julgado em 25/03/2025, Publicado no DJE 28/03/2025).” Ademais, na presente hipótese, também se configura o risco de reiteração delitiva, caso o paciente seja posto em liberdade, considerando que antes dos fatos em análise, já havia registro de prática de atos da mesma natureza (Autos n. 1009482-14.2024.8.11.0007). Embora não seja possível presumir que o paciente praticou os atos anteriores que lhe foram imputados, é viável a decretação da sua prisão preventiva com base em investigações/ações penais em curso, sem que isso constitua ofensa à presunção de inocência. Nesse sentido, colho julgados das duas Turmas Criminais da Egrégia Corte Cidadã: “PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. PRISÃO PREVENTIVA. GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA. FUNDADO RISCO DE REITERAÇÃO DELITIVA. AÇÕES PENAIS E INQUÉRITOS POLICIAIS EM CURSO. SENTENÇA SUPERVENIENTE. REGIME SEMIABERTO. DETERMINAÇÃO DE COMPATIBILIZAÇÃO DA PRISÃO PREVENTIVA COM O REGIME IMPOSTO. AUSÊNCIA DE COAÇÃO ILEGAL. RECURSO NÃO PROVIDO. 1. O art. 312 do Código de Processo Penal dispõe que a prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria e de perigo gerado pelo estado de liberdade do imputado. 2. O advento de sentença condenatória não enseja a prejudicialidade do reclamo no ponto relacionado à fundamentação da prisão preventiva, uma vez que, segundo precedentes do Supremo Tribunal Federal e deste Sodalício, somente há novo título prisional quando se trazem novos motivos para a manutenção da prisão cautelar por ocasião da sentença. 3. No caso, evidente a imprescindibilidade da mantença da prisão preventiva, notadamente para a garantia da ordem pública, em razão do fundado risco de reiteração delitiva, porquanto o recorrente, embora primário e apreendido com quantidade não significativa de droga, responde a outras ações penais e inquéritos policiais pela prática de crimes de roubo, furto qualificado e tráfico de drogas, e estava em liberdade provisória, concedida há menos de um mês, quando do cometimento do delito em apreço. Precedentes. 4. Prevalece o entendimento de que não há incompatibilidade entre o regime inicial semiaberto e manutenção da prisão cautelar, havendo apenas a necessidade da compatibilização da custódia preventiva com as regras próprias do regime intermediário. Precedente. 5. Condições pessoais favoráveis, ainda que comprovadas, não têm o condão de, isoladamente, desconstituir a prisão cautelar ou autorizar medidas cautelares alternativas quando há nos autos elementos hábeis que autorizam sua manutenção. 6. Agravo regimental não provido. (STJ - AgRg no HC: 891247 PR 2024/0045559-6, Relator.: Ministra Daniela Teixeira, Data de Julgamento: 11/06/2024, T5 - Quinta Turma, Data de Publicação: DJe 17/06/2024).” Destaquei. “AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS E ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO. PRISÃO PREVENTIVA. PERICULUM LIBERTATIS. FUNDAMENTAÇÃO SUFICIENTE. MEDIDAS CAUTELARES. INSUFICIÊNCIA. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1. Ficou evidenciada a necessidade da medida constritiva de liberdade, porquanto demonstrada a gravidade concreta da conduta imputada ao acusado, considerando as circunstâncias fáticas - concurso de pessoas, com envolvimento de adolescentes, com utilização de diversas residências para armazenar drogas, embalagens, celulares, com grande quantidade de entorpecentes e ainda em variedade de substâncias, etc - , bem como o risco de reiteração delitiva, em razão da ‘existência de atos delituosos anteriores, pela mesma prática criminosa’. 2. Conforme orientação jurisprudencial desta Corte, inquéritos e ações penais em curso constituem elementos capazes de demonstrar o risco concreto de reiteração delituosa, justificando a decretação da prisão preventiva para garantia da ordem pública. 3. Dadas as apontadas circunstâncias do fato e as condições pessoais do acusado, não se mostra adequada e suficiente a substituição da prisão preventiva por medidas a ela alternativas (art. 282, c/c o art. 319 do CPP). 4. Agravo regimental desprovido.(STJ - AgRg no HC: 874767 SP 2023/0441616-4, Relator.: Ministro Jesuíno Rissato Desembargador convocado do TJDFT, Data de Julgamento: 19/08/2024, T6 - Sexta Turma, Data de Publicação: DJe 22/08/2024).” Destaquei. Em conformidade com o entendimento firmado pelo Superior Tribunal de Justiça, a Turma de Câmaras Criminais Reunidas deste Colendo Tribunal fixou a seguinte tese: “O risco de reiteração delitiva, fator concreto que justifica a manutenção da custódia cautelar para a garantia da ordem pública, pode ser deduzido da existência de inquéritos policiais e de ações penais por infrações dolosas em curso, sem qualquer afronta ao princípio da presunção de inocência.” (enunciado n. 6). Por outro lado, verifica-se que as medidas cautelares menos onerosas não serão capazes de resguardar a integridade física e psicológica da vítima, especialmente em face do suposto comportamento renitente do acusado em delitos dessa natureza. Aliás, cumpre consignar que, conforme relevantes informações prestadas pela douta Magistrada Ana Graziela Vaz, a própria ofendida declarou que ainda se sente atemorizada pelo réu: “Complementando as informações, relato que nos autos de medidas protetivas nº 1004472-44.2025.8.11.0042, a vítima, encontra-se assistida pela Defensoria Pública – Núcleo de Defesa da Mulher, de modo que manifestou no referido feito, o interesse na manutenção das medidas, pois possui muito medo do agressor.” (Id. n. 287638378 - Pág. 3). Sobre o tema, o art. 12-C, §2º, da Lei 11.340/06 estabelece que: “Nos casos de risco à integridade física da ofendida ou à efetividade da medida protetiva de urgência, não será concedida liberdade provisória ao preso.” Em situação análoga a que está posta em julgamento, o Superior Tribunal de Justiça assim se manifestou: “PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. LESÃO CORPORAL. VIOLAÇÃO DE DOMICÍLIO. AMEAÇA. RESISTÊNCIA. PRISÃO PREVENTIVA. GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA. GRAVIDADE CONCRETA. MODUS OPERANDI. REITERAÇÃO DELITIVA. CONDIÇÕES FAVORÁVEIS. IRRELEVÂNCIA IN CASU. MEDIDAS CAUTELARES DIVERSAS. IMPOSSIBILIDADE. A validade da segregação cautelar está condicionada à observância, em decisão devidamente fundamentada, aos requisitos insertos no art. 312 do Código de Processo Penal, revelando-se indispensável a demonstração de em que consiste o periculum libertatis. 2. A prisão preventiva foi decretada em decorrência do modus operandi empregado na conduta delitiva, revelador da periculosidade do paciente . Isso, porque ‘a violência doméstica sofrida pela ofendida vem tomando proporções maiores, tendo iniciado com ofensas e xingamentos, indo para ameaças e culminando, por último, em lesões corporais e violação de domicílio’. 3. Conforme pacífica jurisprudência desta Corte, a preservação da ordem pública justifica a imposição da prisão preventiva quando o agente possuir maus antecedentes, reincidência, atos infracionais pretéritos, inquéritos ou mesmo ações penais em curso, porquanto tais circunstâncias denotam sua contumácia delitiva e, por via de consequência, sua periculosidade. 4 . A decisão que impôs a prisão preventiva destacou, também, que o paciente possui ‘pelo menos quatro situações de violência doméstica em passado recente e as duas últimas praticadas contra a vítima’ em comento. Assim, faz-se necessária a segregação provisória como forma de acautelar a ordem pública. 5. Condições subjetivas favoráveis do paciente, por si sós, não impedem a prisão cautelar, caso se verifiquem presentes os requisitos legais para a decretação da segregação provisória (precedentes). 6. Mostra-se indevida a aplicação de medidas cautelares diversas da prisão, quando a segregação encontra-se fundada na gravidade efetiva do delito, indicando que as providências menos gravosas seriam insuficientes para acautelar a ordem pública e evitar a prática de novos crimes. 7. Ordem denegada. (STJ - HC: 702069 SC 2021/0341533-0, Relator.: Ministro Antonio Saldanha Palheiro, Data de Julgamento: 15/02/2022, T6 - Sexta Turma, Data de Publicação: DJe 18/02/2022).” (destaquei) Logo, em razão da gravidade concreta dos crimes imputados ao paciente e do risco de reiteração delitiva, a prisão cautelar deve ser mantida. Com essas considerações, em consonância com o parecer da Procuradoria-Geral de Justiça, denego a ordem. É como voto. Data da sessão: Cuiabá-MT, 01/07/2025
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