Processo nº 1012508-07.2025.8.11.0000
ID: 310567906
Tribunal: TJMT
Órgão: Quinta Câmara de Direito Privado
Classe: AGRAVO DE INSTRUMENTO
Nº Processo: 1012508-07.2025.8.11.0000
Data de Disponibilização:
30/06/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
JORGE LUIZ MIRAGLIA JAUDY
OAB/MT XXXXXX
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ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO QUINTA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO Número Único: 1012508-07.2025.8.11.0000 Classe: AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Assunto: [Práticas Abusivas, Obrigação de Fazer / N…
ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO QUINTA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO Número Único: 1012508-07.2025.8.11.0000 Classe: AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Assunto: [Práticas Abusivas, Obrigação de Fazer / Não Fazer, Tratamento médico-hospitalar] Relator: Des(a). MARCOS REGENOLD FERNANDES Turma Julgadora: [DES(A). MARCOS REGENOLD FERNANDES, DES(A). MARCIO APARECIDO GUEDES, DES(A). SEBASTIAO DE ARRUDA ALMEIDA] Parte(s): [JORGE LUIZ MIRAGLIA JAUDY - CPF: 794.524.851-91 (ADVOGADO), UNIMED CUIABA COOPERATIVA DE TRABALHO MEDICO - CNPJ: 03.533.726/0001-88 (AGRAVANTE), ANA FLAVIA NUNES RONDON - CPF: 886.412.521-34 (AGRAVADO), MAYARA CRISTINA CINTRA ROSA - CPF: 033.659.631-62 (ADVOGADO), MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO - CNPJ: 14.921.092/0001-57 (CUSTOS LEGIS), ANA FLAVIA NUNES RONDON - CPF: 886.412.521-34 (REPRESENTANTE/NOTICIANTE), N. R. R. P. - CPF: 103.877.891-38 (AGRAVADO)] A C Ó R D Ã O Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a QUINTA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência Des(a). SEBASTIAO DE ARRUDA ALMEIDA, por meio da Turma Julgadora, proferiu a seguinte decisão: POR UNANIMIDADE, DESPROVEU O RECURSO. E M E N T A DIREITO CONSTITUCIONAL E CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. PLANO DE SAÚDE. TRATAMENTO DE TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA (TEA). COBERTURA DE EQUOTERAPIA. PRESCRIÇÃO MÉDICA. TAXATIVIDADE DO ROL DA ANS MITIGADA. MANUTENÇÃO DA TUTELA DE URGÊNCIA. RECURSO DESPROVIDO. I. CASO EM EXAME 1. Agravo de instrumento interposto por operadora de plano de saúde contra decisão que deferiu parcialmente tutela provisória de urgência, para determinar a cobertura de tratamento de equoterapia, prescrito a menor diagnosticado com Transtorno do Espectro Autista (TEA). II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO 2. A questão em discussão consiste em verificar se é legítima a determinação judicial que obriga a operadora de plano de saúde a custear tratamento de equoterapia, ainda que não previsto expressamente no rol de procedimentos da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), quando prescrito por profissional habilitado para paciente com TEA. III. RAZÕES DE DECIDIR 3. A tutela provisória encontra respaldo na probabilidade do direito e no perigo de dano, demonstrados pela prescrição médica e pela urgência do tratamento para o desenvolvimento do menor. 4. A ausência do procedimento no rol da ANS não constitui óbice à sua cobertura, especialmente após a Lei n. 14.454/2022, prevalecendo o direito fundamental à saúde e o princípio da proteção integral da criança sobre interesses meramente patrimoniais. 5. A equoterapia é executada por equipe multiprofissional que inclui profissionais de saúde qualificados, conforme Lei n. 13.830/2019. 6. As alegações genéricas de inviabilidade econômica, desprovidas de comprovação específica, são insuficientes para configurar risco à operadora, sendo a medida reversível. IV. DISPOSITIVO E TESE 7. Recurso desprovido. Tese de julgamento: “A operadora de plano de saúde é obrigada a custear o tratamento de equoterapia prescrito para paciente portador de Transtorno do Espectro Autista (TEA), mesmo que não conste expressamente no rol da ANS, quando comprovada a indicação médica.” Dispositivos relevantes citados: CPC, art. 300; Resoluções Normativas ANS n. 465/2021 e n. 539/2022; Lei n. 13.830/2019. Jurisprudências relevantes citadas: STJ, REsp n. 2.018.227/SP, REsp n. 2.146.147/RJ, AgInt no REsp n. 2.161.153/SP, e AgInt no REsp n. 2.113.334/SC; TJMT, N.U 1006000-50.2022.8.11.0000. R E L A T Ó R I O EXMO. SR. DES. MARCOS REGENOLD FERNANDES (RELATOR) Egrégia Câmara: Cuida-se de agravo de instrumento com pedido de efeito suspensivo interposto por UNIMED CUIABÁ COOPERATIVA DE TRABALHO MÉDICO contra decisão proferida pela Juíza de Direito Sinii Savana Bosse Saboia Ribeiro, da 10ª Vara Cível da Comarca de Cuiabá, que nos autos da Ação de Obrigação de Fazer c/c Pedido de Tutela Antecipada de Urgência sem Oitiva da Parte Contrária c.c Dano Moral e Materais n. 1006048-75.2025.8.11.0041, movida por N. R. R. P., representado por sua genitora ANA FLÁVIA NUNES RONDON, deferiu em parte a tutela provisória de urgência, para determinar que a operadora de plano de saúde arque com o tratamento de equoterapia do autor, conforme prescrição médica, no prazo de 10 (dez) dias, estabelecendo que, na hipótese de indisponibilidade pela rede credenciada, deverá ser realizado fora dela, sob pena de multa no valor de R$ 1.000,00 (mil reais) por dia de descumprimento injustificado da medida, limitada a R$ 10.000,00 (dez mil reais) (id. 281532387). Em suas razões, a agravante sustenta, em síntese, a ausência de preenchimento dos requisitos necessários para a concessão da tutela antecipada. Defende que a tutela concedida deve ser revogada, afirmando que não pode ser compelida a custear tratamento que a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) expressamente excluiu da cobertura obrigatória. Argumenta que o agravado não formalizou qualquer requerimento visando à realização dos tratamentos de hidroterapia e equoterapia, de modo a inexistir negativa de cobertura. Consigna que a mera existência de prescrição médica não justifica a imposição de cobertura de todo e qualquer tratamento, e que se comprometeu a cobrir despesas decorrentes dos atendimentos médicos necessários ao recorrido dentro dos limites estabelecidos contratualmente e das normas estabelecidas pela ANS. Menciona que procedimentos não incluídos no rol da ANS não possuem cobertura obrigatória pelos planos de saúde, e que para mitigar essa taxatividade é necessária a comprovação científica da eficácia do tratamento e recomendações pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (Conitec) ou por órgão de avaliação de tecnologias em saúde de renome internacional. Registra que a equoterapia não consta entre os procedimentos elencados na Resolução Normativa n. 465/2021 da ANS, nem o professor de equitação figura entre os profissionais de saúde reconhecidos. Esclarece que a hidroterapia não se caracteriza como consulta ou sessão por profissionais de saúde (fisioterapeutas, psicólogos, terapeutas ocupacionais), constituindo técnica alternativa sem comprovação científica de seus resultados, o que afasta a obrigatoriedade de sua cobertura. Salienta que a equoterapia não é um procedimento médico, mas uma abordagem alternativa aos modelos tradicionais de terapia, sem evidências científicas de resultados, tampouco possibilidade de cura do agravado. Assevera que a equoterapia não é executada durante procedimentos com cobertura prevista no rol da ANS (consultas ou sessões com fisioterapeutas, fonoaudiólogos, terapeutas ocupacionais, psicólogos ou outros), nem é realizada por profissional de saúde. Alega que inexiste dispositivo legal que obrigue as operadoras a custearem irrestritamente qualquer método de tratamento multidisciplinar para Transtorno do Espectro Autista, especialmente aqueles não constantes no rol da ANS, devendo a equoterapia ser tratada como técnica terapêutica que não atende aos critérios definidos pelo órgão regulador. Ressalta que a tutela antecipada deferida não será reversível em caso de improcedência da demanda, citando que dificilmente será ressarcida pelos prejuízos sofridos. Expõe a necessidade de concessão de efeito suspensivo para sustar a liminar deferida até o deslinde da demanda, aduzindo não haver cobertura legal e contratual, ausência de urgência/emergência, e inexistência de demonstração de prejuízo ao agravado, em contraste com o dano a si própria, que será obrigada a custear tratamento excluído do rol obrigatório. Com essas considerações, requereu a atribuição de efeito suspensivo ao recurso, para cassar a medida concedida. No mérito, postula que seja reformada a decisão objurgada, de modo a revogar a tutela provisória deferida. Subsidiariamente, vindica que seja determinado ao agravado prestar caução idônea, compatível com o valor dos tratamentos de equoterapia e hidroterapia. O pleito de concessão de efeito suspensivo foi indeferido (id. 282741858). O agravado apresentou sua contraminuta, pugnando pelo desprovimento do recurso (id. 288301860). A Procuradoria-Geral de Justiça opinou pela rejeição do agravo de instrumento (id. 292188895). É o relatório. Inclua-se na pauta. V O T O R E L A T O R EXMO. SR. DES. MARCOS REGENOLD FERNANDES (RELATOR) Colenda Câmara: Cinge-se dos autos que N. R. R. P., representado por sua genitora ANA FLÁVIA NUNES RONDON, ajuizou Ação de Obrigação de Fazer c/c Pedido de Tutela Antecipada de Urgência sem Oitiva da Parte Contrária c.c Dano Moral e Materais em desfavor de UNIMED CUIABÁ COOPERATIVA DE TRABALHO MÉDICO, objetivando o deferimento de medida liminar para determinar que o plano de saúde autorize e custeie o tratamento multidisciplinar do autor, incluindo a manutenção da terapia ocupacional e da fonoaudiologia, e o fornecimento de hidroterapia e equoterapia, conforme indicado pelo médico assistente, vedando-se qualquer limitação de ordem quantitativa (número de sessões), com encaminhamento para a clínica credenciada “Vitalle”. Ainda, na hipótese de descumprimento, pleiteia a fixação de multa diária e bloqueio do valor total do tratamento para custear 24 (vinte e quatro) meses de sessão (id. 183643999, na origem). Ao apreciar a demanda, a Magistrada de primeiro grau deferiu parcialmente a tutela de urgência postulada, nos seguintes termos: “(...) A tutela jurisdicional almejada pela requerente se traduz na concretização do direito à saúde, sendo este direito material doutrinariamente classificado como direito fundamental de segunda geração, pelo qual se exige uma prestação positiva do Estado no que se refere aos direitos sociais (direito ao trabalho, à educação, à saúde, etc.). Vale ressaltar que o caput do art. 5° da CF/88 estabelece como garantia fundamental a inviolabilidade do direito à vida, aí compreendido o direito à saúde, razão pela qual este último encontra-se albergado dentre as normas autoexecutáveis previstas no § 1° do art. 5° da Carta Política. Noutro turno, a concessão da tutela de urgência, seja cautelar ou antecipada, exige os seguintes pressupostos: a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo, nos termos do artigo 300 do Código de Processo Civil. Ressalte-se que esses pressupostos são cumulativos, sendo que a ausência de um deles inviabiliza a pretensão da parte autora. A Probabilidade do Direito refere-se ao juízo de aparência quanto à questão fática narrada e a sua adequação ao direito pretendido. (...) Verifica-se que a existência de relação jurídica entre as partes restou demonstrada pelo documento de id. 183644013 (cartão do plano de saúde), bem como a necessidade do autor no tratamento acerca do TEA - Transtorno do Espectro Autista (CID 10 F.84), imprescindível para seu desenvolvimento intelectual, comprovado pelos diversos documentos acostados no processo. O caso da autora também é de urgência, vez que o tratamento de equoterapia e hidroterapia é essencial para o seu desenvolvimento e a negativa, neste momento de cognição sumária, importa em flagrante violação ao direito fundamental à saúde, à vida e ao princípio fundamental da dignidade da pessoa humana. Sabe-se que cabe ao profissional da saúde, competente para aferir os problemas da parte autora, a escolha do tratamento, situação que deve se sobrepor a quaisquer outras considerações. Ademais, é necessário registrar que é irrelevante a justificativa da negativa da requerida de que o tratamento não possui diretrizes de utilização perante ao rol ANS (id. 187473547), já que este tratar-se de lista meramente exemplificativa, não esgotando as possibilidades de tratamento disponibilizadas aos pacientes, sendo abusiva a negativa de cobertura sob esse fundamento, já que recentemente houve a publicação da Lei nº 14.454, de 21 de setembro de 2022[2], que estabelecendo critérios que permitem a cobertura de exames ou tratamentos de saúde que não estão incluídos no Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde Suplementar editados pela ANS, portanto não é mais aplicável a tese fixada pelo Superior Tribunal de Justiça que o rol seria taxativo. (...) Além disso, em 1º de julho de 2022, entrou em vigor a Resolução Normativa ANS n. 539, onde altera a Resolução Normativa n. 465/2021[3], ampliando a cobertura obrigatória para o tratamento de pacientes com transtornos globais do desenvolvimento, veja: (...) Desse modo, compete a operadora do plano de saúde garantir a cobertura para o tratamento indicado e solicitado pelas médicas assistentes da parte autora, cabendo ao profissional à escolha do método/técnica a ser aplicada. Por oportuno, cabe registrar que a limitação de sessões é abusiva, e contraria a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) que decidiu que os beneficiários de planos de saúde portadores do Transtorno do Espectro Autista (TEA) de todo o país passam a ter direito a número ilimitado de sessões com psicólogos, terapeutas ocupacionais, fonoaudiólogos para o tratamento de autismo, fisioterapia[4]. Por outro lado, com relação aos outros tratamentos, não se pode verificar, num juízo de cognição sumária a probabilidade do seu direito, considerando que não apresentou qualquer negativa da parte requerida em fornecer os tratamentos, mesmo após intimada para tanto, além disso, a parte requerida ao se manifestar sobre o pedido de tutela de urgência foi categórica em afirmar que as terapias já estão sendo disponibilizadas a autora, inclusive apresenta guia de autorização dos tratamentos (id. 148019225). Embora o autor requeira que as terapias sejam realizadas na mesma clínica, não há fundamento jurídico para compelir o plano de saúde a autorizar o tratamento em estabelecimento de livre escolha da parte, especialmente sob a justificativa de "[...] facilitando assim o dia a dia da família [...]" (id. 189017140, pág. 02). Tem-se, ainda, que os efeitos da decisão não são irreversíveis, já que o provimento em si é apenas provisório e, mesmo em caso de a parte autora perder a demanda, não causará danos à parte requerida, já que poderá obter ressarcimento financeiro. Logo, a concessão da medida não afronta o § 3º do artigo 300 do Código de Processo Civil. Diante do exposto, com amparo nos artigos 300, do Novo Código de Processo Civil, DEFIRO EM PARTE a tutela provisória urgente, para determinar a requerida a arcar com os tratamentos de equoterapia, conforme prescrição médica (id. 183644017), devendo o tratamento ser iniciado no prazo de 10 (dez) dias, ressalvado que na hipótese de indisponibilidade do mesmo pela rede credenciada, deverá ser realizado fora da mesma, sob pena de multa no valor de R$ 1.000,00 (um mil reais), por dia de descumprimento injustificado da medida. Fixo o patamar da penalidade em R$ 10.000,00. Quanto ao pedido de inversão do ônus da prova postulada pela parte autora na inicial, verifica-se que, neste caso, aplica-se o Código de Defesa do Consumidor, artigos 4º, inciso I e 6º, inciso VIII: (...) E, ainda, o art. 3º do CDC, assim dispõe: (...) Para afastar qualquer dúvida quanto à aplicação do CDC ao contrato em análise, confira-se a Súmula 608 do STJ: (...) Assim, considerando a potencial relação de consumo (artigos 7º, 10º e 29º do CDC), a verossimilhança dos fatos arguidos e a vulnerabilidade da parte requerente em relação à requerida, principalmente quanto a produção das provas, nos termos do art. 6º, inciso VIII, do mesmo códex, acolho o pedido e DETERMINO a inversão do ônus da prova. Por oportuno ressaltar que apesar da inversão do ônus da prova, cabe a parte autora nos termos do art. 373, I do CPC as prova dos fatos constitutivos do seu direito. (...)”. (id. 189129099, na origem). Irresignada, a agravante interpôs o presente recurso, por meio do qual objetiva a reforma do decisum para cassar a tutela de urgência concedida. De forma subsidiária, almeja que se imponha ao recorrido o dever de prestar caução idônea, condizente com o montante dos tratamentos de equoterapia e hidroterapia. Pois bem. Após detida análise, vislumbra-se que o recurso não comporta provimento. A concessão de tutela provisória, nos termos do art. 300 do Código de Processo Civil, exige a demonstração cumulativa da probabilidade do direito (fumus boni iuris) e do perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo (periculum in mora), requisitos que devem ser aferidos segundo juízo de cognição sumária, mas suficientemente robusto para autorizar a antecipação dos efeitos da medida. No caso vertente, a existência de vínculo contratual entre as partes e o diagnóstico de TEA do agravado, condição que exige acompanhamento terapêutico especializado e contínuo, são incontroversos. Ainda, observa-se a existência de prescrição médica específica (id. 183644017, na origem), que atesta a indicação terapêutica da equoterapia como método complementar ao tratamento multidisciplinar do Transtorno do Espectro Autista, para o desenvolvimento do tônus de musculatura orofacial e treinamento comportamental da criança. Referida indicação, fundamentada na análise clínica individualizada do paciente e direcionada especificamente ao manejo terapêutico do TEA - patologia que reconhecidamente demanda abordagem multidisciplinar para promover o desenvolvimento neuropsicomotor -, reveste-se de presunção de adequação terapêutica, não cabendo à operadora de plano de saúde substituir-se ao profissional da área da saúde na definição do tratamento mais apropriado ao caso concreto, configurando elemento probatório suficiente para caracterizar a probabilidade do direito. A propósito, “é dever do plano de saúde fornecer o procedimento médico prescrito por médico cooperado e que acompanha o caso da paciente, pois cabe àquele definir qual é o melhor tratamento para o segurado”. (TJMT. AI 65686/2015)” (TJMT, N.U 1006000-50.2022.8.11.0000, Dirceu dos Santos, Terceira Câmara de Direito Privado, Julgado em 22/06/2022, Publicado no DJE 24/06/2022). Nesse contexto, a decisão objurgada apresenta fundamentação consistente, calcada em princípios constitucionais e na evolução legislativa concernente aos direitos dos pacientes com TEA, demonstrando de forma inequívoca a preponderância do direito fundamental à saúde quando se trata de tratamento destinado ao desenvolvimento de criança portadora desta condição. Quanto ao periculum in mora, a urgência do tratamento deriva da própria natureza do TEA, condição que demanda intervenção terapêutica tempestiva durante o período crítico do desenvolvimento neurológico infantil. Deveras, a postergação injustificada de terapias especializadas pode ocasionar prejuízos irreversíveis ao desenvolvimento cognitivo e social do menor, especialmente considerando-se que a neuroplasticidade cerebral é significativamente mais acentuada durante a infância. Com efeito, o verdadeiro prejuízo irreparável recairia sobre o paciente, que pode ter seu desenvolvimento e qualidade de vida significativamente comprometidos pela ausência do tratamento indicado. Quanto à alegação da agravante de que a equoterapia estaria excluída da cobertura obrigatória por não constar expressamente na Resolução Normativa ANS n. 465/2021, cumpre observar que tal argumentação, fundada na taxatividade absoluta do rol de procedimentos da Agência Nacional de Saúde Suplementar, foi significativamente mitigada pela atual conjuntura jurídica. Por certo, “com a edição da Lei nº 14.454/2022, que alterou a Lei nº 9.656/1998, o Rol da ANS passou por sensíveis modificações em seu formato, suplantando a eventual oposição rol taxativo/rol exemplificativo” (STJ, REsp n. 2.018.227/SP, relator Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, julgado em 26/5/2025, DJEN de 30/5/2025), de modo a permitir a cobertura de procedimentos não listados quando atendidos critérios de recomendação por órgãos técnicos competentes e comprovação de eficácia terapêutica. Ademais, a Resolução Normativa ANS n. 539/2022 ampliou significativamente a cobertura obrigatória para tratamentos de transtornos globais do desenvolvimento, reforçando a proteção aos portadores de TEA. De fato, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça tem evoluído consistentemente no sentido de reconhecer a obrigatoriedade específica de cobertura de equoterapia para tratamento de TEA, senão vejamos: “(...) 1. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é no sentido de reconhecer a obrigatoriedade de custeio de terapias envolvendo equipes multidisciplinares para o tratamento de TEA, inclusive no que diz respeito especificamente à prescrição de equoterapia e hidroterapia. (...)”. (STJ, REsp n. 2.146.147/RJ, relator Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, julgado em 12/5/2025, DJEN de 19/5/2025). “(...) 3. A Segunda Seção, por ocasião do julgamento do EREsp 1.889.704/SP, em 8/6/2022, embora tenha fixado a tese quanto à taxatividade, em regra, do rol de procedimentos e eventos em saúde da ANS, negou provimento aos embargos de divergência opostos pela operadora do plano de saúde para manter acórdão da Terceira Turma que concluiu ser abusiva a recusa de cobertura de sessões de terapia especializada prescritas para o tratamento de transtorno do espectro autista (TEA). 4. Ao julgamento realizado pela Segunda Seção, sobrevieram diversas manifestações da ANS, no sentido de reafirmar a importância das terapias multidisciplinares para os portadores de transtornos globais do desenvolvimento, e de favorecer, por conseguinte, o seu tratamento integral e ilimitado. (...) 6. Na linha da manifestação do Conselho Federal de Medicina e do Conselho Federal de Fisioterapia e Terapia Ocupacional, o legislador editou a Lei 13.830/2019, na qual reconheceu a equoterapia como método de reabilitação que utiliza o cavalo em abordagem interdisciplinar nas áreas de saúde, educação e equitação voltada ao desenvolvimento biopsicossocial da pessoa com deficiência (§ 1º do art. 1º), cuja prática está condicionada a parecer favorável em avaliação médica, psicológica e fisioterápica. 7. Considerando a orientação da ANS no sentido de que a escolha do método mais adequado para abordagem dos transtornos globais do desenvolvimento deve ser feita pela equipe de profissionais de saúde assistente, com a família do paciente, e sendo a equoterapia método eficiente de reabilitação da pessoa com deficiência, há de ser tida como de cobertura obrigatória pelas operadoras de planos de saúde para os beneficiários portadores de transtornos globais do desenvolvimento, dentre eles o transtorno do espectro autista. 8. A hidroterapia está abarcada no tratamento multidisciplinar do atraso global de desenvolvimento (AgInt no REsp n. 2.084.901/SP, 3ª Turma, DJe de 30/11/2023). (...)”. (STJ, AgInt no REsp n. 2.161.153/SP, relatora Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 10/2/2025, DJEN de 14/2/2025). “(...) 2. É abusiva a negativa de cobertura de tratamento do Transtorno do Espectro Autista (TEA) pelo método escolhido pela equipe de profissionais da saúde assistente com a família do paciente como mais adequado ao caso concreto. 3. A jurisprudência mais recente desta Corte é no sentido de reconhecer a obrigatoriedade de custeio de terapias envolvendo equipes multidisciplinares para o tratamento de TEA, inclusive no que diz respeito especificamente à prescrição de equoterapia, musicoterapia e hidroterapia - todos reconhecidos como métodos eficazes para tratamento de transtornos globais do desenvolvimento. (...)”. (STJ, AgInt no REsp n. 2.113.334/SC, relator Ministro Humberto Martins, Terceira Turma, julgado em 9/12/2024, DJEN de 12/12/2024). Desse modo, tem-se que a equoterapia possui cobertura obrigatória pelos planos de saúde quando prescrita para tratamento de TEA, mormente considerando o reconhecimento legal específico conferido pela Lei n. 13.830/2019, que dispõe sobre tal prática, e a primazia da decisão médica na escolha do método terapêutico mais adequado ao caso concreto. No tocante ao argumento de que a equoterapia não seria executada por profissionais de saúde, registre-se que tal entendimento revela interpretação restritiva e equivocada da natureza do tratamento. Conforme já reconhecido pela legislação específica, a prática da equoterapia está condicionada não apenas a parecer favorável em avaliação médica, psicológica e fisioterápica, mas também exige equipe multiprofissional integrada por especialistas qualificados da área da saúde, incluindo médico, psicólogo e fisioterapeuta, que devem possuir curso especializado na modalidade terapêutica, demonstrando inequivocamente o envolvimento direto de tais agentes tanto no processo avaliatório quanto na execução do tratamento. Frise-se, ainda, ser irrelevante que o procedimento não se enquadre nos moldes tradicionais de consultas isoladas, uma vez que a eficácia terapêutica e a prescrição médica fundamentada constituem os critérios determinantes para a obrigatoriedade de cobertura. Outrossim, constata-se que a agravante se limita a afirmar que a equoterapia não possui comprovação científica nem cobertura obrigatória, mas não enfrenta, de maneira direta e probatória, os critérios excepcionais da legislação vigente, tampouco demonstra, de modo concreto, a existência de substituto terapêutico eficaz ou a ausência de respaldo clínico à técnica prescrita. Relativamente à tese de que inexistiria negativa de cobertura ante a ausência de requerimento formal dos procedimentos, vale dizer que a prescrição médica específica já configura, por si só, indicação técnica suficiente para caracterizar a necessidade do atendimento, sendo certo que a operadora de plano de saúde possui o dever contratual e legal de disponibilizar os procedimentos prescritos por profissionais habilitados. Além disso, a medida antecipatória possui natureza eminentemente preventiva, destinando-se a evitar a consumação de danos decorrentes da recusa ou procrastinação injustificada na autorização de terapias essenciais, não sendo necessário aguardar a negativa expressa quando presentes os elementos que tornam provável tal desfecho. Demais disso, exigir a formalização prévia de pedido para modalidades terapêuticas já prescritas medicalmente representaria criar óbice burocrático injustificado ao exercício do direito fundamental à saúde, notadamente quando se trata de menor portador de TEA em período de desenvolvimento. Para mais, o argumento de irreversibilidade da tutela concedida não merece acolhimento, sobretudo diante da inexistência de prova inequívoca de que o cumprimento provisório da medida acarretará dano irreparável à agravante. As alegações genéricas de inviabilidade econômica ou comprometimento sistêmico, desprovidas de comprovação específica e concreta, revelam-se insuficientes para configurar o alegado risco, sendo certo que a medida é reversível, inclusive com possibilidade de ressarcimento em caso de improcedência da ação principal. Convém destacar que a análise da presente controvérsia deve ser pautada pela aplicação do princípio da proporcionalidade, cotejando-se os interesses patrimoniais da operadora com o direito fundamental à saúde do menor, devendo prevalecer a proteção dos direitos existenciais, máxime quando envolvem crianças em situação de vulnerabilidade. Diante das considerações expendidas, verifica-se que a decisão recorrida se encontra em perfeita sintonia com os princípios constitucionais da proteção integral da criança, da dignidade da pessoa humana e do direito fundamental à saúde, sendo a tutela provisória concedida mediante rigorosa análise dos pressupostos legais, observando-se a proporcionalidade entre os direitos em tensão e a supremacia dos interesses existenciais sobre os meramente patrimoniais. No que se refere ao pleito subsidiário de imposição de caução idônea ao agravado, a pretensão não merece acolhimento pelos mesmos fundamentos que levaram ao desprovimento do recurso. A tutela provisória, concedida com sólida fundamentação jurídica e probatória, e mantida por esta Corte diante da comprovada adequação aos requisitos legais, torna impertinente a exigência de garantia adicional. Ressalte-se que a prestação de caução em demandas envolvendo direito fundamental à saúde, especialmente quando se trata de menor portador de TEA, mostra-se incompatível com a natureza existencial do direito tutelado e com os princípios da proteção integral da criança e da dignidade da pessoa humana, não se podendo condicionar o exercício de direitos fundamentais à prestação de garantias patrimoniais. Em face do exposto, por estar demonstrada de forma suficiente a probabilidade do direito e o perigo de dano, conheço e NEGO PROVIMENTO ao recurso de agravo de instrumento interposto por UNIMED CUIABÁ COOPERATIVA DE TRABALHO MÉDICO, mantendo incólume a decisão recorrida. É como voto. Data da sessão: Cuiabá-MT, 24/06/2025
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