Processo nº 0015069-53.2018.8.11.0004
ID: 306125200
Tribunal: TJMT
Órgão: Segunda Câmara de Direito Público e Coletivo
Classe: APELAçãO CíVEL
Nº Processo: 0015069-53.2018.8.11.0004
Data de Disponibilização:
24/06/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
CLASSE PROCESSUAL: APELAÇÃO CÍVEL (198) NÚMERO DO PROCESSO: 0015069-53.2018.8.11.0004 APELANTE: MUNICÍPIO DE BARRA DO GARÇAS APELADO: WISSAM KAMAL DE AGUIAR AMUI DECISÃO MONOCRÁTICA Vistos, etc. Trat…
CLASSE PROCESSUAL: APELAÇÃO CÍVEL (198) NÚMERO DO PROCESSO: 0015069-53.2018.8.11.0004 APELANTE: MUNICÍPIO DE BARRA DO GARÇAS APELADO: WISSAM KAMAL DE AGUIAR AMUI DECISÃO MONOCRÁTICA Vistos, etc. Trata-se de “RECURSO DE APELAÇÃO”, interposto pelo MUNICÍPIO DE BARRA DO GARÇAS, contra a sentença proferida pelo Excelentíssimo Juiz de Direito, Dr. Carlos Augusto Ferrari, na ação de “EXECUÇÃO FISCAL” n.º 0015069-53.2018.8.11.0004, ajuizada pela parte apelante em desfavor de WISSAM KAMAL DE AGUIAR AMUI, cujo trâmite ocorre na 4ª Vara Cível da Comarca de Barra do Garças, MT, que extinguiu o feito, sem resolução de mérito, nos seguintes termos (ID. 287913963): “Vistos. Trata-se de execução fiscal que vem tramitando sem resultado útil e sem medidas efetivas que externem interesse da Fazenda no recebimento do crédito. Intimado o exequente para preenchimento dos requisitos estabelecidos pela Resolução 547/2024/CNJ, este não comprovou o protesto. É o relatório. A Constituição Federal de 1988 conferiu ao Poder Judiciário o monopólio das medidas de coerção para garantir o cumprimento das leis brasileiras. Nesse contexto, em observância ao devido processo legal, previsto no artigo 5º, inciso LIV, da Constituição, nenhuma pessoa será privada de seus bens sem a devida intervenção judicial. Contudo, a provocação do Poder Judiciário deve ocorrer somente quando necessária. Isto significa que, quando houver outros meios legais disponíveis para a satisfação do crédito ou resolução da demanda, não há interesse jurídico em recorrer à atividade jurisdicional. Essa premissa encontra respaldo no Código de Processo Civil, especificamente nos artigos 17, 330, 337 e 485, que disciplinam a necessidade e a adequação do interesse processual. Nesse sentido, a Resolução nº 547/2024 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) estabelece diretrizes para a racionalização da cobrança da dívida ativa. Entre suas disposições, destaca-se a recomendação para a extinção das execuções fiscais de pequeno valor – aquelas inferiores a R$10.000,00 – quando não atingirem sua finalidade dentro do período de um ano. Ademais, a resolução determina que todas as certidões de dívida ativa, independentemente do montante do crédito fiscal, sejam submetidas ao protesto extrajudicial – ou outras medidas administrativas – como medida prévia à judicialização. O artigo 1º da mencionada resolução se destina às execuções fiscais de menores valores, sendo dois elementos a serem considerados: valor abaixo de R$10.000,00 e utilidade da sua movimentação. Art. 1º É legítima a extinção de execução fiscal de baixo valor pela ausência de interesse de agir, tendo em vista o princípio constitucional da eficiência administrativa, respeitada a competência constitucional de cada ente federado. § 1º Deverão ser extintas as execuções fiscais de valor inferior a R$ 10.000,00 (dez mil reais) quando do ajuizamento, em que não haja movimentação útil há mais de um ano sem citação do executado ou, ainda que citado, não tenham sido localizados bens penhoráveis. § 2º Para aferição do valor previsto no § 1º, em cada caso concreto, deverão ser somados os valores de execuções que estejam apensadas e propostas em face do mesmo executado. § 3º O disposto no § 1º não impede nova propositura da execução fiscal se forem encontrados bens do executado, desde que não consumada a prescrição. § 4º Na hipótese do § 3º, o prazo prescricional para nova propositura terá como termo inicial um ano após a data da ciência da Fazenda Pública a respeito da não localização do devedor ou da inexistência de bens penhoráveis no primeiro ajuizamento. § 5º A Fazenda Pública poderá requerer nos autos a não aplicação, por até 90 (noventa) dias, do § 1º deste artigo, caso demonstre que, dentro desse prazo, poderá localizar bens do devedor. Assim, dispôs o artigo 2º da Resolução 547/2024: Art. 2º O ajuizamento de execução fiscal dependerá de prévia tentativa de conciliação ou adoção de solução administrativa. § 1º A tentativa de conciliação pode ser satisfeita, exemplificativamente, pela existência de lei geral de parcelamento ou oferecimento de algum tipo de vantagem na via administrativa, como redução ou extinção de juros ou multas, ou oportunidade concreta de transação na qual o executado, em tese, se enquadre. § 2º A notificação do executado para pagamento antes do ajuizamento da execução fiscal configura adoção de solução administrativa. § 3º Presume-se cumprido o disposto nos §§ 1º e 2º quando a providência estiver prevista em ato normativo do ente exequente. Como se vê, os artigos 2º e 3º, são de aplicação geral, e o protesto extrajudicial e outras medidas administrativas configuram, assim, a demonstração do interesse processual do exequente fiscal na busca da satisfação de seus créditos. O conceito de interesse processual, no âmbito do direito processual, é classificado em dois requisitos fundamentais: a necessidade/utilidade, que se verifica quando o credor não dispõe de outro meio eficaz para alcançar seu objetivo; e a adequação, que exige que a via processual escolhida seja apropriada para a satisfação do direito em questão. Portanto, a adoção de medidas administrativas antes da instauração da execução fiscal reflete a necessidade de um sistema judicial mais eficiente e desonerado de demandas de baixo impacto econômico e sem resultados práticos. A atuação do Poder Judiciário deve ocorrer apenas quando comprovada a insuficiência dos mecanismos extrajudiciais, garantindo, assim, o princípio da efetividade processual e o adequado emprego dos recursos públicos na cobrança da dívida ativa. A Resolução nº 547/2024 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) trouxe significativas mudanças no âmbito da execução fiscal, estabelecendo atenção às condições essenciais para a propositura de ações no Poder Judiciário. Um dos pilares dessa resolução é a exigência do protesto do título ou a adoção de outras medidas administrativas como pré-requisitos para que o fisco possa buscar a cobrança de créditos fiscais através da via judicial: Art. 3º O ajuizamento da execução fiscal dependerá, ainda, de prévio protesto do título, salvo por motivo de eficiência administrativa, comprovando-se a inadequação da medida. Parágrafo único. Pode ser dispensada a exigência do protesto nas seguintes hipóteses, sem prejuízo de outras, conforme análise do juiz no caso concreto: I – comunicação da inscrição em dívida ativa aos órgãos que operam bancos de dados e cadastros relativos a consumidores e aos serviços de proteção ao crédito e congêneres (Lei nº 10.522/2002, art. 20-B, § 3º, I); II – existência da averbação, inclusive por meio eletrônico, da certidão de dívida ativa nos órgãos de registro de bens e direitos sujeitos a arresto ou penhora (Lei nº 10.522/2002, art. 20-B, § 3º, II); ou III – indicação, no ato de ajuizamento da execução fiscal, de bens ou direitos penhoráveis de titularidade do executado. O artigo 3º da resolução é claro ao afirmar que as execuções fiscais somente devem ser ajuizadas quando houver comprovação de um esforço prévio por parte do fisco em realizar a cobrança, seja por meio do protesto ou de outras ações administrativas. Isso implica uma reorganização das medidas executivas, assim como já ocorre com outras demandas (a exemplo daquelas movidas em face do INSS), onde o Judiciário é visto não como a primeira instância de resolução de conflitos, mas sim como um recurso residual, a ser utilizado apenas quando as tentativas administrativas se mostrarem insuficientes. Essa visão enfatiza o interesse processual como elemento central para o acesso ao Judiciário. Independentemente do valor do crédito em questão, a busca pela intervenção judicial deve ser fundamentada na necessidade de uma solução efetiva, mostrando que houve um esgotamento, ou pelo menos alguma tentativa, das vias administrativas. A disposição do fisco em agir proativamente, através do protesto ou medidas semelhantes, evidencia um compromisso em buscar a satisfação do crédito antes de sobrecarregar o sistema judiciário. O interesse processual é um conceito fundamental no direito processual civil, que se refere à necessidade de uma parte recorrer ao Judiciário para obter a tutela de um direito que foi ameaçado ou violado. Segundo a doutrina, o interesse processual é considerado um interesse secundário, que surge da necessidade de proteger um interesse substancial primário. De acordo com Liebman, o interesse de agir é o elemento material do direito de ação e consiste na necessidade de obter o provimento solicitado, que se distingue do interesse substancial, que é o direito material que se busca proteger. O interesse processual é, portanto, a relação de utilidade entre a lesão de um direito e a providência de tutela jurisdicional demandada. O interesse processual é identificado por três elementos principais: necessidade, utilidade e adequação. A necessidade refere-se à situação em que a parte não pode satisfazer sua pretensão sem a intervenção do Judiciário. A utilidade, implícita no primeiro elemento, diz respeito ao proveito que a parte pode obter com a decisão judicial, enquanto a adequação se relaciona ao uso do procedimento correto para a defesa do direito, no caso, a execução como último remédio jurídico. Como destaca Cândido Rangel Dinamarco: (...) O interesse de agir é o núcleo do direito de ação. Está presente quando o provimento jurisdicional postulado for capaz de efetivamente ser útil ao demandante, operando uma melhora em sua situação na vida comum - ou seja, quando for capaz de trazer-lhe uma verdadeira tutela, a tutela jurisdicional. Por isso, só se legitima o acesso ao processo e só é lícito exigir do Estado o pronunciamento de mérito pedido na medida em que ele possa ter essa utilidade e essa aptidão. Interesse, em direito, é utilidade. (DINAMARCO, Cândido Rangel; LOPES, Bruno Vasconcelos Carrilho. Teoria Geral do Novo Processo Civil. 3ª ed. São Paulo. Malheiros, 2018, pág.117). Em resumo, o interesse processual é essencial para garantir que o Judiciário não seja acionado de forma frivolosa, mas sim em situações onde há uma real necessidade de proteção de direitos, permitindo, assim, que a cara estrutura judicial se movimente e se debruce sobre situações e processos que, indispensáveis, possam retornar valores aos cofres do próprio exequente de maneira real, o que não ocorre com o mero despejar de demandas executivas que não chegam a qualquer resultado no mundo das coisas. Assim, a Resolução nº 547/2024 reflete um objetivo claro de promover a eficiência na cobrança de tributos, estimulando a utilização de medidas alternativas antes da judicialização. O Judiciário, nessa nova abordagem sobre o que a legislação processual e a doutrina há muito tempo nos dispõem, atua como um recurso final, reservado para situações em que as opções administrativas não tenham logrado sucesso, assegurando que o sistema judicial mantenha sua função de garantir a justiça, sem ser sobrecarregado por demandas que poderiam ser resolvidas de forma mais célere e eficiente na esfera administrativa. Essa mudança, portanto, não só aperfeiçoa o processo de cobrança de créditos fiscais, mas também reforça a responsabilidade do fisco em agir de forma assertiva, promovendo um equilíbrio entre a necessidade de arrecadação e a proteção do princípio da eficiência na administração pública. Assim, considerando que a Resolução 547/2024, racionalizou o serviço judicial ao determinar a tramitação útil das execuções fiscais, exigindo para as execuções de valores menores o protesto ou outras medidas efetivas, além da movimentação útil dentro de um ano; e para as execuções de qualquer valor a medida de protesto ou outras providências administrativas, inclusive podendo solicitar a suspensão da execução para tomá-las, nos casos da execuções em trâmite, a extinção da ação executiva sem as mencionadas providências é medida impositiva, restando incólume o crédito estatal. Portanto, considerando que oportunizada a adequação da execução para demonstrar o interesse de agir para movimentação do processo judicial, não havendo a sustentação da necessidade da medida executiva, julgo extinta a presente execução pela ausência de protesto, sem resolução do mérito, nos termos do art. 485, IV e VI do Código de Processo Civil. Ressalto que a extinção desta execução não enseja quitação e/ou extinção do crédito tributário. Em razão do princípio da causalidade, com custas aos executados citados. Segue em anexo comprovante de remoção da restrição Renajud. Com o trânsito em julgado, arquive-se. Publique-se. Registre-se. Intime-se. Cumpra-se. BARRA DO GARÇAS, 14 de fevereiro de 2025. Carlos Augusto Ferrari Juiz de Direito” (destaque no original) Em suas razões recursais, a parte apelante alega, em síntese, que “O processo não poderia ser extinto por falta de interesse de agir, uma vez que a penhora pode recair sobre um dos imóveis, objeto da CDAs, pois se trata de dívida do IPTU”. Sustenta que a finalidade do protesto é provar a inadimplência, por outro lado, na execução fiscal a finalidade central é compelir o executado a pagar a dívida. Assevera que “se a finalidade do protesto é compelir o Executado a pagar a dívida e, esse não sendo encontrado para ser citado, razão pela qual foi pleiteado a citação por edital. Contudo, alheio a toda energia processual gasta até o momento, inclusive com realização de consulta de endereço pelo Poder Judiciário, foi extinto o processo”. Diante do exposto, pugna pelo provimento do recurso para anular a sentença e determinar o prosseguimento da execução fiscal (ID. 287913972). Sem contrarrazões, conforme certidão de ID. 287913978. Desnecessária a intervenção ministerial, nos termos do art. 178, do CPC e da Súmula n.º 189, do STJ. É o relatório. DECIDO. O recurso de apelação é regular, tempestivo e cabível, estando dispensado do recolhimento de preparo, uma vez que a Fazenda Pública goza de isenção das custas processuais, nos termos do artigo 3°, inciso I, da Lei Estadual n.º 7.603/2001. De acordo com o art. 932, incisos IV e V, do Código de Processo Civil, o Relator poderá julgar monocraticamente, provendo ou desprovendo um recurso, a fim de conferir maior coesão e celeridade ao sistema de julgamento monocrático, com base em acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Superior Tribunal de Justiça em julgamento de recursos repetitivos, jurisprudência pacificada ou dominante acerca do tema. Como relatado, trata-se de recurso de apelação interposto pelo MUNICÍPIO DE BARRA DO GARÇAS contra sentença proferida pelo Juízo da 4ª Vara Cível da Comarca de Barra do Garças, MT, que extinguiu o feito, sem resolução de mérito. Da análise dos autos, verifica-se que a ação executiva foi protocolada, no dia 29.11.2018, em desfavor de WISSAM KAMAL DE AGUIAR AMUI, visando ao recebimento dos créditos tributários, inscritos na CDA n.º 19093/2018, 19094/2018, 19095/2018, 19096/2018 e 19097/2018, cujo valor alcançava, à época, a importância de R$ 3.943,37 (três mil e novecentos e quarenta e três reais e trinta e sete centavos). Em 11.12.2018, o juízo de origem recebeu a petição inicial e determinou a citação da parte executada (ID 287913901 – pág. 16), sendo a correspondência devolvida sem êxito (ID 287913901 – pág. 18). Diante da devolução negativa, foi realizada a citação por edital (ID 287913901 – pág. 22). Posteriormente, a Fazenda Pública manifestou-se nos autos, requerendo a constrição de bens do devedor (ID 287913901 – pág. 26). Em 10.12.2019, o juízo deferiu o pleito formulado (ID 287913901 – pág. 28/29). A consulta ao sistema BACENJUD não revelou valores passíveis de bloqueio (ID 287913901 – pág. 30/32). No entanto, por meio do RENAJUD, localizaram-se dois veículos automotores: HONDA/CG150 TITAN MIXESD – Place NPE6658 e FIAT/UNO MILLE FIRE – KEU 1583 (ID 287913901 – pág. 33). Após a restrição desses bens, o magistrado determinou a expedição de mandado de intimação e avaliação, os quais não foram cumpridos em razão da ausência de localização do executado e dos bens indicados (ID 287913921). O Fisco requereu, então, a emissão de mandado de penhora referente ao imóvel “localizado na RUA INDEPENDÊNCIA, N° 965, QD. 53, LT. 7, BAIRRO SETOR SUL II, NA CIDADE DE BARRA DO GARÇAS/MT, CEP: 78.600-116, INSCRIÇÃO MUNICIPAL: 208.072.0065.000-0, CÓDIGO 21869, na cidade de Barra do Garças/MT”, solicitando a intimação do responsável tributário que se encontre na posse do bem (ID 287913932). Em 17.04.2024, o juízo determinou que fosse apresentada a certidão de matrícula do imóvel atualizada, a fim de possibilitar a análise do pedido (ID 287913936). Decorrido o prazo sem atendimento da determinação, foi proferido o seguinte despacho (ID 287913938): “ Vistos. Postergo a análise do pedido retro. Considerando o teor da Resolução 547/2024/CNJ, que estabeleceu como condição da ação o protesto do título ou outras medidas análogas, elencadas no parágrafo único do artigo 3º da aludida Resolução, INTIME-SE o ente exequente para que, no prazo de 60 (sessenta) dias, preencha uma das condições, sob pena de extinção do processo. Intime-se. Cumpra-se. Em resposta, o ente fazendário sustenta que “a presente execução fora ajuizada antes do julgamento do Recurso Extraordinário 1355.208 da Suprema Corte em 19 de dezembro de 2023 e da Resolução 547 de 22 de fevereiro de 2024 do CNJ, tendo citação válida, com andamento regular, tanto que consta nos autos a manifestação do exequente recente, não havendo que se falar em ausência de manifestação útil há mais de um ano”, pugnando pela dilação do prazo para apresentar a matrícula do imóvel a ser penhrorado (ID. 287913942). Na sequência, foi proferida sentença em 14.02.2025, extinguindo o feito sem resolução de mérito, sob o fundamento de que não houve comprovação do cumprimento da condição prevista no artigo 3º da Resolução CNJ n.º 547/2024. Determinou-se, ainda, a retirada da restrição registrada no sistema RENAJUD (ID 287913963), conforme já transcrita nos autos. Com essas considerações, passo à análise das insurgências recursais. No que se refere à exigência de comprovação do protesto do título ou da adoção de medidas conciliatórias extrajudiciais, prevista nos artigos 2.º e 3.º da Resolução n.º 547/2024 do CNJ, tal orientação não se aplica à hipótese em exame, uma vez que a demanda foi ajuizada em momento anterior à entrada em vigor da mencionada norma (29.11.2018). Nessa perspectiva, não se mostra legítimo condicionar o prosseguimento da execução ao atendimento de requisitos que, à época do ajuizamento, não integravam o ordenamento jurídico, impondo-se a preservação da segurança jurídica e do direito do exequente à tramitação do feito sob a égide das normas então vigentes. No caso concreto, embora a apelação não faça referência expressa à legislação municipal aplicável, verifica-se, nos autos, a existência de norma local que estabelece o valor considerado de pequeno valor para fins de inscrição em dívida ativa (ID. 287913948). Tal parâmetro revela-se relevante para a análise da possibilidade de extinção da execução fiscal, razão pela qual passo à apreciação do mérito recursal. O Tema n.º 1.184/STF estabeleceu-se a partir da análise do RE 1355208, que apreciou a irresignação do município de Pomerode, SC, ante a extinção de execução fiscal, com fundamento em lei de ente federado diverso. Confira-se trecho do relatório elaborado pela Exma. Ministra Cármen Lúcia, relatora no leading case: “1. Recurso extraordinário interposto com base na al. a do inc. III do art. 102 da Constituição da República contra julgado da Segunda Vara da Comarca de Pomerode/SC do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, pelo qual extinta a execução fiscal ajuizada pelo Município de Pomerode por ser considerada de pequeno valor . O caso 2. Em 17.3.2020, o Município de Pomerode/SC ajuizou ação de execução fiscal em desfavor de A C M M Serviços de Energia Elétrica Ltda. – Epp. O exequente afirmou-se “credor do(a) executado(a) do valor de R$ 528,41 (quinhentos e vinte e oito reais e quarenta e um centavos), que corresponde a tributos inscritos em dívida ativa, conforme verifica-se através da Certidão de Dívida Ativa (CDA)” (fl. 1, e-doc. 2). [...] 3. No recurso extraordinário, o recorrente alega ter o Tribunal de origem contrariado o inc. II do art. 1º, o art. 2º, o inc. XXXV do art. 5º, o art. 18 e o inc. I e o § 6º do art. 150 da Constituição da República e afirma que “ajuizou a execução fiscal em face do contribuinte visando o recebimento do tributo, devidamente inscrito em dívida ativa, declarando o interesse no prosseguimento da ação independente do valor da causa” (fl. 5, e-doc. 8)”. Em relação ao processo paradigma, a relatora destacou, ainda, o novo contexto legislativo do ordenamento jurídico pátrio, inaugurado pela Lei n.º 12.767/2012, realizando a distinção entre o atual momento e àquele experimentado à época em que se estabeleceu o Tema n.º 109, consagrado pelo STF no bojo do RE n.º 591.033. Veja-se: “O provimento do Recurso Extraordinário n. 591.033, que levou à formulação daquela tese, teve duplo fundamento: 1º - No julgado recorrido, teria sido ignorada a competência tributária do ente municipal; e 2º - A garantia do acesso à Justiça não poderia ser afastada. Com a alteração do cenário legislativo, surge, então, o presente questionamento. Sobre o primeiro fundamento adotado naquele precedente com repercussão geral, de que haveria desobediência ao princípio da autonomia tributária conferida a cada qual dos entes estatais, com o advento da Lei n. 12.167, extinção das execuções fiscais de baixo valor não mais se restringe à legislação do ente federado diverso do atingido, porque, pelo parágrafo único, a possibilidade de protesto está estendida a todos os entes. Portanto, compete a cada um deles escolher quais são esses valores e como se está a promover o protesto ou a execução fiscal desde que motivadamente. Com essa alteração legislativa, possibilitou-se, como afirmado pela Procuradoria, pela União, outro meio para a satisfação para o que devido às entidades públicas, suas autarquias e fundações. Com a possibilidade de se levar a protesto certidões de dívida ativa, a Fazenda Pública de qualquer dos entes passou a dispor de outro instrumento para conduzir o devedor a regularizar sua situação fiscal, além do ajuizamento direto, primário e único da execução fiscal. Esse quadro não existia na data do julgamento do Recurso Extraordinário n. 591.033, pelo que me parece válida a possibilidade de revisarmos aquele julgado e a tese ali fixada. A matéria agora é vislumbrada em outro quadro normativo e com entendimento diferente também quanto ao interesse de agir. A comprovação do interesse processual de movimentar instituições judiciais com base na necessidade da atuação do Estado-juiz passou a figurar como condição para a propositura da execução fiscal, sendo esse dado nuclear para o deslinde da controvérsia, a partir também do novo Código de Processo Civil. Havendo interesse e obrigação dos entes estatais de cobrar as suas dívidas, as dívidas que os contribuintes têm com eles, é exato afirmar que o princípio da eficiência administrativa e financeira impõe que somente possa se valer do caminho que importa onerar o Estado-juiz se outro instrumento para a mesma finalidade inexistir nas mesmas condições. Menos ainda se legitima a escolha da judicialização, quando o custo financeiro e administrativo seja tanto maior quanto o que se tem a receber do devedor. Refiro-me à ineficiência administrativa, que se mostra pela transferência e a solução buscada, entregando-se mais atribuição a órgãos de outro Poder, pela indolência administrativa de se buscarem alternativas internas nos entes estatais”. (grifo nosso) Nessa perspectiva, a Corte Constitucional adentrou o debate a respeito do valor empreendido no processo judicial de execução de certidão de dívida ativa, frente à efetividade da medida e o retorno pecuniário potencial da ação. Em decorrência do exposto, decidiu-se pela legitimidade da extinção de execução fiscal de baixo valor em razão da ausência de interesse de agir, estabelecendo, no Tema n.º 1.184/STF, a seguinte tese: “1. É legítima a extinção de execução fiscal de baixo valor pela ausência de interesse de agir tendo em vista o princípio constitucional da eficiência administrativa, respeitada a competência constitucional de cada ente federado. 2. O ajuizamento da execução fiscal dependerá da prévia adoção das seguintes providências: a) tentativa de conciliação ou adoção de solução administrativa; e b) protesto do título, salvo por motivo de eficiência administrativa, comprovando-se a inadequação da medida. 3. O trâmite de ações de execução fiscal não impede os entes federados de pedirem a suspensão do processo para a adoção das medidas previstas no item 2, devendo, nesse caso, o juiz ser comunicado do prazo para as providências cabíveis”. (grifo nosso) Nesse diapasão, o Conselho Nacional de Justiça editou a Resolução n.º 547, de 22 de fevereiro de 2024, com a finalidade de instituir “medidas de tratamento racional e eficiente na tramitação das execuções fiscais pendentes no Poder Judiciário, a partir do julgamento do tema 1184 da repercussão geral pelo STF”. O referido ato normativo, entre outras medidas, regulamentou os requisitos aplicáveis tanto para as já ações em curso, quanto para a propositura do executivo fiscal. Observa-se, todavia, que embora a resolução citada tenha regulamentado o julgado e estabelecido o conceito de “pequeno valor”, no montante de R$ 10.000,00 (dez mil reais), sua aplicabilidade deverá observar os limites da decisão paradigma, qual seja o Tema n.º 1.184/STF. Dessa forma, conclui-se, nas hipóteses em que o ente federado, no exercício da sua competência legislativa, houver estabelecido a definição de “pequeno valor”, a quantia prevista na lei específica será o importe observado nas decisões judiciais proferidas em execuções fiscais em que o ente seja parte, sob pena de ferir o entendimento do STF, estabelecido em repercussão geral. In casu, o MUNICIPIO DE BARRA DO GARCAS possui legislação específica acerca do tema, regulamentado pela Lei Municipal nº 371/2024, que “Dispõe sobre o valor mínimo de débito inscrito em dívida para propor ação de execução fiscal e dá outras providências". A norma citada, por sua vez, estabelece em seu art. 1º: “Art. 1º Fica fixado em 1 (um) salário-mínimo, o valor mínimo de débito consolidado, para realização da cobrança de Dívida Ativa do Município, através de execução fiscal”. Sendo assim, considerando que a presente execução perfaz valor superior ao fixado pelo ente municipal, em observância ao Tema n.º 1.184 do STF, não há que se falar em “pequeno valor”, o que afasta a extinção da ação por ausência de interesse de agir. Diante do exposto, e ante tudo o mais que dos autos consta, CONHEÇO e DOU PARCIAL PROVIMENTO ao recurso de apelação, para reformar a sentença proferida pelo juízo a quo e, consequentemente, determinar o regular processamento do executivo fiscal. Transcorrido in albis o prazo recursal, retornem os autos ao juízo de origem, com as cautelas e homenagens de estilo. Intimem-se. Cumpra-se. Cuiabá, MT, data registrada no sistema. Desa. Maria Aparecida Ferreira Fago Relatora
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