Samuel Da Silva Marques e outros x Estado Do Pará e outros
ID: 312808230
Tribunal: TJPA
Órgão: 1ª Turma de Direito Público - Juiz Convocado ALVARO JOSE NORAT DE VASCONCELOS
Classe: APELAçãO CíVEL
Nº Processo: 0800568-21.2021.8.14.0021
Data de Disponibilização:
01/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
ROMULO PALHA ROSSAS NOVAES
OAB/PA XXXXXX
Desbloquear
KELLY OHANA DA SILVA FACANHA
OAB/PA XXXXXX
Desbloquear
Processo n.º 0800568-21.2021.8.14.0021 -22 Órgão julgador: 1ª Turma de Direito Público Comarca: Igarapé-Açu Órgão Julgador de Origem: Vara Única da Comarca de Igarapé-Açu Recurso: Apelação Cível Apel…
Processo n.º 0800568-21.2021.8.14.0021 -22 Órgão julgador: 1ª Turma de Direito Público Comarca: Igarapé-Açu Órgão Julgador de Origem: Vara Única da Comarca de Igarapé-Açu Recurso: Apelação Cível Apelantes: Estado Do Pará e Pedro Hugo Palha De Souza Apelada: Silvia Da Silva Marques, incapaz representada por seu curador Samuel Da Silva Marques Relator: Juiz Convocado Dr. Álvaro José Norat de Vasconcelos Ementa: DIREITO CONSTITUCIONAL, ADMINISTRATIVO E CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL E REMESSA NECESSÁRIA. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. ATO DE TABELIÃO. NULIDADE DE PROCURAÇÃO PÚBLICA. DANO MORAL. RECURSO DO ESTADO DESPROVIDO. RECURSO DO TABELIÃO NÃO CONHECIDO. SENTENÇA PARCIALMENTE REFORMADA EM REMESSA NECESSÁRIA. I. CASO EM EXAME 1. Apelações Cíveis interpostas pelo Estado do Pará e pelo Tabelião titular do Cartório Palha de Souza contra sentença que declarou a nulidade de procuração pública e os condenou, de forma solidária, ao pagamento de indenização por danos morais. Análise conjunta com a Remessa Necessária, conhecida de ofício. 2. Ação anulatória ajuizada por pessoa idosa, analfabeta e incapaz, visando desconstituir procuração pública lavrada com vícios insanáveis – notadamente a assinatura a rogo por testemunhas que são descendentes diretos do outorgado, em flagrante violação legal. O instrumento fraudulento foi utilizado para o levantamento indevido de expressiva indenização trabalhista devida à autora. 3. O juízo de primeiro grau julgou procedente o pedido para declarar a nulidade do ato notarial e condenar solidariamente o Estado do Pará e o tabelião ao pagamento de indenização por danos morais no valor de R$ 20.000,00 (vinte mil reais). II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO 4. As questões em discussão consistem em: (i) saber se o Estado do Pará possui responsabilidade objetiva pelos danos morais decorrentes de ato nulo praticado por tabelião delegado; (ii) saber se o tabelião é parte legítima para figurar no polo passivo da ação indenizatória, em conjunto com o Estado; (iii) analisar a admissibilidade do recurso do tabelião, que não impugnou especificamente os fundamentos da sentença; e (iv) verificar a validade da procuração pública, considerando a incapacidade da outorgante e a vedação legal à participação de testemunhas com interesse direto no ato. III. RAZÕES DE DECIDIR 5. Da responsabilidade objetiva do Estado. O Estado responde objetivamente pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros (CF/1988, art. 37, § 6º). Os serviços notariais e de registro são exercidos por delegação do Poder Público, o que atrai a responsabilidade objetiva do ente estatal por atos de tabeliães que causem prejuízos a particulares. A matéria foi pacificada pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento do Tema 777 de Repercussão Geral (RE 842.846), assentando-se o dever de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa. 6. Consoante tese firmada pelo Supremo Tribunal Federal no Tema 940 de Repercussão Geral, a ação por danos causados por agente público deve ser ajuizada contra o Estado ou a pessoa jurídica de direito privado prestadora do serviço público, sendo o autor do ato parte ilegítima para a demanda. Impõe-se, assim, o reconhecimento, inclusive de ofício, da ilegitimidade passiva do tabelião para figurar na lide principal. 7. O negócio jurídico é nulo quando não revestir a forma prescrita em lei (CC, art. 166, IV). A procuração pública assinada a rogo por testemunhas que são descendentes da parte diretamente interessada viola a vedação expressa do art. 228, V, do Código Civil. Tal vício formal, somado a um conjunto de indícios de fraude, como o deslocamento injustificado de uma pessoa hipervulnerável para comarca distante, macula de nulidade absoluta o ato praticado, evidenciando a grave falha na prestação do serviço delegado. 8. Não se conhece de recurso que deixa de impugnar especificamente os fundamentos da decisão recorrida, por violação ao princípio da dialeticidade (CPC, art. 932, III). No caso, a apelação do tabelião versa sobre matéria completamente estranha à lide (cobrança de IPTU e reparos em imóvel), o que impõe o seu não conhecimento. 9. O dano moral é manifesto (in re ipsa), decorrendo da fraude que privou pessoa idosa e incapaz de vultosa quantia de natureza alimentar. O valor de R$ 20.000,00 (vinte mil reais) mostra-se razoável e proporcional, atendendo à dupla função compensatória e pedagógica da medida, sem implicar enriquecimento ilícito. IV. DISPOSITIVO E TESE 10. Recurso de apelação do Estado do Pará conhecido e desprovido. Recurso de apelação de Pedro Hugo Palha de Souza não conhecido. Em remessa necessária, sentença reformada de ofício para reconhecer a ilegitimidade passiva do tabelião e excluí-lo da lide, mantendo-se a condenação exclusivamente em desfavor do Estado do Pará. Tese de julgamento: “1. O Estado responde objetivamente pelos danos causados por tabeliães e registradores no exercício de suas funções, sendo parte legítima para figurar no polo passivo da ação indenizatória, nos termos do Tema 777 do STF.” “2. A ação por danos causados por agente público delegado deve ser ajuizada contra o Estado, sendo o autor do ato parte ilegítima para a demanda, conforme o Tema 940 do STF, o que impõe o reconhecimento da ilegitimidade passiva do tabelião, inclusive de ofício.” “3. É nulo o negócio jurídico que não reveste a forma prescrita em lei, como a procuração pública assinada a rogo por testemunhas que são descendentes da parte interessada, em violação ao art. 228, V, do Código Civil.” “4. Não se conhece do recurso que não impugna especificamente os fundamentos da decisão recorrida, por violação ao princípio da dialeticidade, nos termos do art. 932, III, do CPC.” __________________________________________________ Dispositivos relevantes citados: CF/1988, art. 37, § 6º; CC, arts. 166, IV, 186, 228, V, e 927; CPC, arts. 485, VI, § 3º, e 932, III. Jurisprudência relevante citada: STF, RE 842.846 (Tema 777); STF, RE 1.027.633 (Tema 940). DECISÃO MONOCRÁTICA Trata-se de recursos de APELAÇÃO CÍVEL interposto pelo ESTADO DO PARÁ e PEDRO HUGO PALHA DE SOUZA contra sentença proferida pelo Juízo da Vara Única da Comarca de Igarapé-Açu nos autos da AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE NEGÓCIO JURÍDICO COM PEDIDO DE ANTECIPAÇÃO DE TUTELA ajuizado por SILVIA DA SILVA MARQUES, incapaz representada por seu curador Samuel da Silva Marques, nos seguintes termos: “(...) Ante o exposto, JULGO PROCEDENTES os pedidos para: a) DECLARAR a nulidade da procuração pública lavrada em 10/04/20, Livro 01-P, Fls. 63, no Cartório Palha de Souza – Vila São Jorge, Comarca de IgarapéAçu/Pará; b) CONDENAR solidariamente os réus ESTADO DO PARÁ e PEDRO HUGO PALHA DE SOUZA ao pagamento de indenização por danos morais no valor de R$ 20.000,00 (vinte mil reais), corrigido monetariamente pelo IPCA a partir desta data (Súmula 362 do STJ) e juros de mora nos termos do art. 406, § 1º, do CCB, ou seja, a taxa Selic, deduzido o índice de atualização monetária de que trata o parágrafo único do art. 389 do Código Civil (IPCA) a partir da citação (art. 405 do CC) Condeno os réus ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, estes fixados em 10% sobre o valor da condenação, nos termos do art. 85, §2º do CPC, observada a isenção legal quanto ao Estado do Pará. Considerando os indícios de prática delituosa, determino a extração de cópia integral dos autos e remessa ao Ministério Público para as providências cabíveis, especialmente considerando a existência de investigação criminal em curso neste Juízo envolvendo o tabelião. (...)” Em suas razões recursais (Id n.º 26558461), o Estado do Pará alega que a ação fora movida pela Sra. Silvia da Silva Marques, idosa de 90 anos que em razão da idade avançada, não possui mais discernimento para a gestão de seus próprios bens e interesses, sendo representada por seu curador e filho Samuel da Silva. A controvérsia teve início quando a Sra. Silvia se tornou credora de uma indenização trabalhista no valor de R$ 210.765,23, oriunda do processo n.º 0086500-07.2009.5.08.0002. Ocorre que o Sr. Isaac da Silva Marques, outro filho da idosa, ciente do recebimento iminente de tal apresentou à advogada da causa Silvia Mourão, uma procuração pública supostamente outorgada por sua mãe, que lhe conferia plenos poderes para receber e sacar o montante. Contudo, tal documento fora obtido a partir de sua lavratura em 21 de maio de 2019 no Cartório Palha de Souza, Comarca de Igarapé-Açu/PA, com base em um laudo médico que atestasse a lucidez e a capacidade civil da Sra. Silvia, supostamente seria falso, em decorrência do fato de que o suposto médico signatário do laudo, Sr. Raimundo Ataide dos Santos de Brito, não possuía qualquer registro no Conselho Regional de Medicina do Estado do Pará (CRM/PA). Diante do exposto, a Autora requereu a concessão da tutela provisória de urgência para determinar a imediata suspensão dos efeitos e o reconhecimento da nulidade da procuração lavrada no Cartório Palha de Souza – Vila São Jorge, Comarca de Igarapé-Açu/Pará, a fim de evitar maiores prejuízos. No mérito, a declaração em definitivo da nulidade da procuração e de todos os atos dela decorrentes, bem como a condenação do Cartório réu ao pagamento de indenização por danos morais, no valor de R$ 70.000,00 (setenta mil reais). Mesmo citado no dia 27/05/2022, o Estado do Pará não apresentou contestação. Após citado, o Cartorário ofereceu contestação (Id nº 26558451) para alegar que a presente ação deve ser extinta, liminarmente, por manifestos vícios processuais. Primeiramente, o autor, Sr. Samuel, alega ser curador da Sra. Silvia, mas não anexa aos autos o indispensável Termo de Curatela, o que invalida sua representação processual (art. 337, IX, CPC). Em segundo lugar, o réu, na qualidade de tabelião, é parte ilegítima para a causa (art. 337, XI, CPC). Sua função é formalizar a vontade das partes, não respondendo pelo uso que o procurador faz do documento. O suposto dano foi causado pelo filho que sacou os valores, sendo ele o único legitimado a responder por tal ato. Ainda que se superassem as preliminares, no mérito, a improcedência é medida de rigor. A alegação de fraude seria improcedente, pois a procuração foi lavrada em 22 de maio de 2019, enquanto a interdição da outorgante só foi decretada em 23 de abril de 2020. A capacidade da outorgante à época foi devidamente atestada por laudo médico (CRM-PA 10113), sendo irrelevante o mero erro material na grafia do nome do profissional, cujo registro é válido e confirmado. Defende que o ato notarial cumpriu todas as formalidades legais e, portanto, foi lícito. A responsabilidade do tabelião seria subjetiva e exige prova de dolo ou culpa, o que não ocorreu. Inexistindo ato ilícito e nexo de causalidade, não há dever de indenizar. Sustenta que a demanda revela um litígio familiar sobre o patrimônio da genitora, buscando indevidamente responsabilizar terceiro alheio ao conflito. Em manifestação à Contestação (Id nº 26558454), a Requerente se manifestou no sentido de informar que o Sr. Samuel, ora curador, detém a curatela de sua genitora, ora demandante, nos termos da sentença transitada em julgado nos autos do processo nº 0827903-19.2019.8.14.0301 que tramitou perante a 3ª Vara Cível e Empresarial da Comarca de Belém. Outrossim, defendeu que há fragilidade no instrumento de procuração pela comprovada incapacidade da outorgante à época de sua suposta lavratura, sendo colaborado com o fato de que em fevereiro de 2019, a Sra. Silvia necessitou expedir nova carteira de identidade por já não possuir condições físicas e mentais para a sua assinatura, sendo colaborado com o laudo médico de outubro de 2019 que diagnosticou a mesma com um quadro de demência. Defende ainda que a validade da procuração é questionável por uma série de circunstâncias suspeitas que cercam sua origem, em decorrência da demandante, então com 89 anos, inválida e residente em Icoaraci, distrito de Belém, tenha se deslocado por mais de 125 km para outorgar um mandato com plenos poderes financeiros em um cartório situado em um vilarejo no interior do município de Igarapé-Açu, sem qualquer motivação plausível para tal ato, bem como fora apresentado suposto atestado médico que comprovaria a lucidez da outorgante, documento que o próprio instrumento de procuração alega estar arquivado na serventia extrajudicial, outrossim, houve a grosseira divergência no nome do médico subscritor – ora "Ramon", ora "Raimundo" –, o que reforçaria a suspeita de fraude. Além disso, ainda restaria evidente vício formal insanável na qualificação das testemunhas que assinaram a rogo pela outorgante, visto que são os filhos do próprio outorgado, Sr. Isaac, configurando um claro conflito de interesses. Em apreciação do mérito, o Juízo proferiu sentença e julgou procedente a demanda, em razão da revelia do Estado do Pará e pelo fato da procuração pública que originou todo o transtorno causado à curatelada fora lavrado sem considerar que a outorgante é uma senhora analfabeta de 88 anos, sendo que 1 (um) mês depois, em 24 de maio de 2019, foi-lhe deferida a curatela provisória, evidenciando sua incapacidade para gerir os próprios atos e interesses, bem como o documento fora confeccionado no município de Igarapé-Açu, localidade com a qual nem a outorgante nem os demais envolvidos possuíam qualquer vínculo, sugerindo um deslocamento deliberado com o intuito de evitar fiscalização. Irresignado, o Estado do Pará interpôs o presente recurso de Apelação Cível para aduzir em suas razões recursais, preliminarmente, sua ilegitimidade passiva para compor o polo do litígio. No mérito, aduz que a elaboração da procuração não se sustenta, visto que a parte autora falhou em cumprir seu ônus de comprovar o fato constitutivo de seu direito, conforme exige o Art. 373, I, do CPC. A divergência no prenome do médico que emitiu o atestado de lucidez configura mero erro material, uma vez que o número de seu registro no Conselho Regional de Medicina (CRM) estava correto no documento, o que afasta qualquer tese de falsidade e valida a identificação do profissional. Argumenta que é fundamental contextualizar que, à época da outorga, o filho beneficiado pela procuração era o cuidador de fato da genitora, o que confere legitimidade e boa-fé ao ato, refletindo a realidade fática daquele momento. A presente ação parece, portanto, originar-se de um conflito de interesses familiar entre o atual curador e o antigo cuidador, transferindo indevidamente uma controvérsia de natureza pessoal para a esfera de responsabilidade do cartório e, de forma ainda mais descabida, do Estado. Defende que não há que se falar em indenização por danos morais, pois não foi demonstrado o ato ilícito, o dano efetivo e, crucialmente, o nexo de causalidade entre a conduta do cartório e qualquer prejuízo sofrido pela autora. A mera insatisfação com os desdobramentos da administração dos bens da outorgante não constitui, por si só, um dano moral passível de reparação. Diante disto, o Estado do Pará requereu o conhecimento e provimento do recurso para reformar a sentença para que fosse julgado improcedente a demanda. Subsidiariamente, requer a minoração do quantum indenizatório para o valor de R$ 2.000,00 (dois mil reais). Inconformado, o Sr. Pedro Hugo, ora cartorário, também interpôs Apelação Cível (Id nº 26558462) para pleitear a reforma da decisão recorrida, para que seja julgado procedente o pedido, condenando a parte recorrida ao pagamento dos valores de R$ 4.175,26 (quatro mil, cento e setenta e cinco reais e vinte e seis centavos), referente ao IPTU do ano de 2013, de R$ 1.518,70 (mil, quinhentos e dezoito reais e setenta centavos), referente ao IPTU do ano de 2016, e R$ 724,04 (setecentos e vinte e quatro reais e quatro centavos), referente ao IPTU do ano de 2017, bem como a condenação da parte recorrida ao pagamento do ressarcimento pelos reparos necessários no imóvel, avaliados em R$ 14.151,61 (quatorze mil, cento e cinquenta e um reais e sessenta e um centavos), em razão dos danos deixados. A recorrida apresentou contrarrazões (Id n.º 26558466) com a finalidade de requerer a manutenção do julgado. Recebi o recurso no duplo efeito (Id n.º 26666463). Instado a se manifestar, o Órgão Ministerial recomendou o conhecimento e provimento do apelo. É o relatório. DECIDO. DO RECURSO DO ESTADO DO PARÁ Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do presente recurso e passo ao seu julgamento monocrático, nos termos da interpretação conjunta do art. 932, IV do CPC c/c art. 133, XI do Regimento Interno deste E.TJPA. Cinge-se a controvérsia recursal do recurso do Estado do Pará no que diz respeito, preliminarmente, à sua ilegitimidade passiva para compor o litígio. No mérito, pugna pela inocorrência de ilicitude ou danos provocados pela conduta do cartorário, bem como a necessidade de minoração do quantum indenizatório. DAS PRELIMINARES DE MÉRITO DA ILEGITIMIDADE PASSIVA A atividade notarial e de registro, exercida em caráter privado por delegação do Poder Público, é um pilar fundamental para a segurança jurídica nas relações sociais e patrimoniais. A fé pública inerente aos seus atos confere presunção de veracidade e legalidade, sendo essencial para a estabilidade dos negócios jurídicos. Contudo, falhas na prestação desses serviços podem gerar prejuízos significativos a terceiros, não apenas de ordem material, mas também de cunho moral. Nesse contexto, o Supremo Tribunal Federal (STF), por meio dos julgamentos dos Recursos Extraordinários (RE) 842.846 e 1.027.633 que originaram, respectivamente, os Temas 777 e Tema 940 de Repercussão Geral, pacificaram o entendimento sobre a quem recai a responsabilidade pela reparação desses danos e como a ação judicial deve ser proposta. O Tema 777 do STF tratou especificamente da responsabilidade civil do Estado em decorrência de danos causados por tabeliães e oficiais de registro. A tese firmada estabeleceu que: Tema 777/STF: O Estado responde, objetivamente, pelos atos dos tabeliães e registradores oficiais que, no exercício de suas funções, causem dano a terceiros, assentado o dever de regresso contra o responsável, nos casos de dolo ou culpa, sob pena de improbidade administrativa. A aplicabilidade deste tema ao dano moral é direta. A responsabilidade do Estado é objetiva, conforme o artigo 37, § 6º, da Constituição Federal. Isso significa que a vítima do dano moral – por exemplo, um cidadão que teve seu nome indevidamente protestado por um erro do cartório, sofrendo abalo de crédito e constrangimento – não precisa comprovar a culpa ou o dolo (a intenção de prejudicar) do notário. Basta que demonstre a ocorrência do ato falho, o dano sofrido e o nexo de causalidade entre eles. A decisão do STF visa proteger o cidadão, garantindo que a reparação seja buscada contra o ente estatal, que possui maior capacidade financeira e contra quem a prova é mais simples. Ao mesmo tempo, o tema resguarda o erário ao impor ao Estado o dever de ajuizar uma ação regressiva contra o cartorário, na qual deverá, aí sim, comprovar a culpa ou dolo do agente para obter o ressarcimento. Complementarmente, o Tema 940 da mesma Corte veio para esclarecer o polo passivo da demanda indenizatória, ou seja, contra quem a ação deve ser ajuizada. A tese fixada foi a seguinte: Tema 940/STF: A teor do disposto no art. 37, § 6º, da Constituição Federal, a ação por danos causados por agente público deve ser ajuizada contra o Estado ou a pessoa jurídica de direito privado prestadora de serviço público, sendo parte ilegítima para a ação o autor do ato, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa. Este tema, embora mais amplo, aplica-se perfeitamente aos notários e registradores, que são considerados agentes públicos em sentido lato (particulares em colaboração com o poder público). A consequência prática do Tema 940 é a definição de que o cartorário não pode ser processado diretamente pela vítima do dano. A ação de reparação por dano moral deve, obrigatoriamente, ser movida contra o Estado (a entidade federativa à qual o cartório está vinculado, como o Estado do Pará, por exemplo). Dessa forma, os dois temas se complementam e estabelecem um roteiro claro para a busca de reparação por dano moral causado por um cartorário. O Tema 777 define a natureza da responsabilidade (objetiva para o Estado), enquanto o Tema 940 define a correta legitimidade processual (o Estado no polo passivo). O cidadão lesado aciona o Estado, que responde de forma objetiva. Uma vez condenado, o Estado busca o ressarcimento junto ao notário, em uma ação própria, provando sua responsabilidade subjetiva. Esse mecanismo, conhecido como "teoria da dupla garantia", protege tanto o administrado, que tem uma via mais segura para ser indenizado, quanto o agente público, que somente responderá perante o Estado e mediante comprovação de sua culpa. Ante o exposto, rejeito a preliminar arguida. DO MÉRITO Superada a questão preliminar, adentro ao mérito do recurso interposto pelo Estado do Pará, o qual, adianto, não merece provimento. O Ente Estatal alega, em suma, a ausência de ato ilícito, de dano e de nexo de causalidade, atribuindo a controvérsia a um mero erro material e a um conflito familiar. Contudo, a análise detida dos autos revela um cenário de manifesta negligência na lavratura do ato notarial, configurando a falha na prestação do serviço delegado e o consequente dever de indenizar do Estado. Em que pese ter sido levantada a tese de que a curadoria da Sra. Silvia da Silva teria sido realizada em momento posterior à confecção da procuração pública, o fato de ter sido apenas um erro grosseiro do cartorário em relação a escrita do nome do médico de Raimundo ao invés de Raimon e o fato da assinatura a rogo ter sido feita perante 2 testemunhas, o conjunto de indícios de fraude e irregularidades é robusto e não permite classificar a conduta do tabelionato como um mero descuido. Conforme apontado pela parte autora, a procuração foi assinada a rogo por testemunhas que eram filhos do próprio outorgado Sr. Isaac da Silva Marques, sendo estes o Sr. João Alexandre Lebrego Marques e a Sra. Ana Carolina Lebrego Marques. Sobre o assunto, o art. 228 do Código Civil é sucinto sobre a impossibilidade de serem testemunhas as seguintes pessoas: Art. 228. Não podem ser admitidos como testemunhas: (...) V - os cônjuges, os ascendentes, os descendentes e os colaterais, até o terceiro grau de alguma das partes, por consanguinidade, ou afinidade. Assim, considerando a existência das pessoas participantes da assinatura a rogo serem netos da recorrida atrai a invalidade do negócio jurídico praticado, em razão da ausência da solenidade requerida, nos termos do art. 166, inciso IV do Código Civil. Art. 166. É nulo o negócio jurídico quando: (...) IV - não revestir a forma prescrita em lei; Nesse sentido, o ato ilícito não reside em um suposto conflito familiar, mas na conduta do agente delegado que, ao ignorar múltiplos e evidentes sinais de alerta, lavrou um instrumento nulo, ocasionando sua inobservância das prescrições legais e normativas. Sobre o assunto, o art. 236 da Constituição Federal estabelece que lei própria determinará a natureza jurídica, o regime de exercício e, crucialmente, as bases para a responsabilidade dos agentes cartorários envolvidos que assim dispõe: “Art. 236. Os serviços notariais e de registro são exercidos em caráter privado, por delegação do Poder Público. § 1º Lei regulará as atividades, disciplinará a responsabilidade civil e criminal dos notários, dos oficiais de registro e de seus prepostos, e definirá a fiscalização de seus atos pelo Poder Judiciário. (...)” Neste sentido, resta que a Lei nº 8.935/94 na qual regulamenta o art. 236 da Constituição Federal, dispondo sobre serviços notariais e de registro, dispõe em seu art. 22 e 31 as infrações disciplinares que sujeitam o cartorário as penalidades previstas na lei, sendo as seguintes: Art. 22. Os notários e oficiais de registro são civilmente responsáveis por todos os prejuízos que causarem a terceiros, por culpa ou dolo, pessoalmente, pelos substitutos que designarem ou escreventes que autorizarem, assegurado o direito de regresso. (...) Art. 31. São infrações disciplinares que sujeitam os notários e os oficiais de registro às penalidades previstas nesta lei: I - a inobservância das prescrições legais ou normativas; II - a conduta atentatória às instituições notariais e de registro; III - a cobrança indevida ou excessiva de emolumentos, ainda que sob a alegação de urgência; IV - a violação do sigilo profissional; V - o descumprimento de quaisquer dos deveres descritos no art. 30. O art. 22 da Lei nº 8.935/94 impõe aos notários e registradores a responsabilidade civil por todos os prejuízos que causarem a terceiros por culpa ou dolo. O dever de cautela é inerente à função e exige do tabelião a máxima diligência na verificação da regularidade dos documentos que lhe são apresentados, a fim de garantir a segurança jurídica e a fé pública que se espera de seus atos. Outrossim, o dano é evidente a partir do fato de que a recorrida, pessoa idosa, analfabeta e incapaz, viu-se privada de expressiva quantia que lhe era devida, fruto de seu trabalho, em decorrência de uma fraude facilitada pela negligência de um serviço público delegado. A situação transcende o mero dissabor, configurando grave violação à sua dignidade, patrimônio e tranquilidade, especialmente considerando sua condição de hipervulnerável. Neste sentido, a responsabilidade civil do Estado assenta-se sobre um duplo alicerce, de natureza constitucional e civilista, que se complementam para garantir a reparação de danos causados a terceiros. Essa estrutura dual assegura tanto a definição do regime de responsabilização quanto a caracterização do dano a ser indenizado. O pilar constitucional encontra-se no Artigo 37, § 6º, da Carta Magna, que consagra a teoria da responsabilidade objetiva. Art. 37. (...) § 6º. As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa. Por este dispositivo, as entidades públicas e as prestadoras de serviços públicos respondem pelos atos de seus agentes independentemente da comprovação de dolo ou culpa. Essa diretriz se torna ainda mais direta nos casos de dano in re ipsa (dano presumido), onde a simples ocorrência do ato ilícito já configura o dever de indenizar, uma vez que o prejuízo é inerente ao fato. Paralelamente, os art. 186 e 927 do Código Civil estabelecem que a violação de um direito que causa dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, gera a obrigação de indenizar. In verbis: Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito. (...) Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo. Embora a responsabilidade do Estado seja regida primariamente pela Constituição, é o Código Civil que define os contornos do dano e qualifica o ato como ilícito, sendo essencial na esfera dos danos morais, onde a presunção de prejuízo é frequentemente aplicada. Outrossim, a outorgante, Sra. Silvia da Silva Marques, era pessoa idosa (à época com 89 anos), analfabeta e com quadro de saúde que logo culminou em sua interdição judicial, bem como causa enorme estranheza o fato de ter se deslocado por mais de 125 km, de seu domicílio em Belém (Icoaraci) até um cartório no pequeno vilarejo de Vila São Jorge, em Igarapé-Açu, para outorgar uma procuração de amplos poderes financeiros. Tal deslocamento, sem qualquer vínculo aparente da outorgante ou do outorgado com a localidade, é um forte indicativo de uma tentativa deliberada de se furtar a uma fiscalização mais rigorosa e facilitar a prática de um ato viciado. No mesmo sentido é a Jurisprudência Pátria: DIREITO CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. NEGLIGÊNCIA DOS ATOS DE TABELIÃES E REGISTRADORES OFICIAIS. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO ESTADO. DANO MORAL CONFIGURADO. RECURSO DESPROVIDO. I. CASO EM EXAME 1. Recurso de apelação interposto pelo Estado do Pará contra sentença que o condenou ao pagamento de R$ 5.000,00, a título de indenização por danos morais, em favor de José Carlos Calixto Lima. A polêmica originou-se da alegação de falsificação da Carteira Nacional de Habilitação (CNH) do autor, resultando na compra e transferência fraudulenta de veículo entre estados. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO 2. A controvérsia consiste em definir se o Estado possui legitimidade passiva para permanecer na ação e, por consequência, se é responsável pelos danos morais decorrentes da negligência do cartório. III. RAZÕES DE DECIDIR 3. O Estado responde, objetivamente, pelos atos dos tabeliães e registradores oficiais que, no exercício de suas funções, causem danos a terceiros, assentado o dever de regresso contra o responsável, nos casos de dolo ou culpa, sob pena de improbidade administrativa. 4. O artigo 37, § 6º, da Constituição Federal, consagra a responsabilidade objetiva do Estado pelos danos causados a seus agentes a terceiros, independentemente de dolo ou culpa. 5. Na espécie, o ato praticado pela tabeliã, que exerce função em atividade delegada pelo Estado do Pará, foi praticado de modo negligente, bem como seu nexo de causalidade à transferência irregular de veículo, causando inúmeros transtornos ao autor, em verdadeiro abalo à sua integridade moral, cabendo responsabilização objetiva do Estado. 6. O valor arbitrado do título de indenização é razoável e proporcional ao dano moral causado, não merecendo reforma. IV. DISPOSITIVO E TESE 7. Recurso desprovido. Mantida a condenação ao pagamento de R$5.000,00, a título de danos morais. Tese de julgamento: "A administração pública é objetivamente responsável pelos danos morais decorrentes atos dos tabeliães e registradores oficiais que, no exercício de suas funções, causem danos a terceiros, não havendo excludente de responsabilidade." (TJPA – APELAÇÃO CÍVEL – Nº 0876648-64.2018.8.14.0301 – Relator(a): EZILDA PASTANA MUTRAN – 1ª Turma de Direito Público – Julgado em 10/02/2025 ) AGRAVO INTERNO EM APELAÇÃO CÍVEL. ALEGAÇÃO DE ILEGITIMIDADE DO ESTADO. REJEITADA. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO ESTADO. ATIVIDADE DELEGADA DOS CARTÓRIOS. DANO MORAL CONFIGURADO. MANTIDA A CONDENAÇÃO EM DANOS MORAIS E O VALOR ESTABELECIDO. RAZOABILIDADE. INCIDÊNCIA DE JUROS. CONTAGEM A PARTIS DO EVENTO DANOSO. RECURSO NÃO PROVIDO. I. CASO EM EXAME 1. Agravo interno interposto pelo Estado do Pará contra decisão monocrática que negou provimento à apelação do ente público, mantendo sua condenação ao pagamento de indenização por danos morais a Rodolfo de Carvalho Monteiro. O recorrido teve sua viagem internacional frustrada devido a erro em cartório extrajudicial na emissão de autorização de viagem, o que gerou atraso de um dia no deslocamento e impacto na participação em evento acadêmico. O agravante alega ilegitimidade passiva, inexistência de dano moral indenizável e requer redução do valor da indenização. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO 2. Há três questões em discussão: (i) verificar se o Estado do Pará é parte legítima para figurar no polo passivo da demanda; (ii) definir se o atraso de um dia na viagem do agravado configura dano moral indenizável; e (iii) estabelecer o termo inicial para incidência dos juros de mora sobre a indenização. III. RAZÕES DE DECIDIR 3. O Estado responde objetivamente pelos atos dos tabeliães e registradores no exercício de suas funções, conforme decidido pelo STF no Tema 777 da Repercussão Geral (RE 842.846), sendo incabível a alegação de ilegitimidade passiva do ente público. 4. O erro cartorário na autorização de viagem internacional gerou transtorno significativo ao agravado, frustrando sua programação e comprometendo sua participação em evento acadêmico, extrapolando o mero dissabor cotidiano e caracterizando dano moral indenizável. 5. O valor da indenização fixado em R$ 5.000,00 revela-se adequado, observando os princípios da razoabilidade e proporcionalidade, não havendo motivo para sua redução. 6. Os juros de mora, em casos de responsabilidade extracontratual, devem incidir a partir do evento danoso, conforme jurisprudência consolidada do STJ e Súmula 54, sendo inaplicável a tese do agravante de que deveriam contar a partir do arbitramento da indenização. IV. DISPOSITIVO E TESE 7.Recurso desprovido. Tese de julgamento: 1. O Estado responde objetivamente pelos danos causados por atos de tabeliães e registradores no exercício de suas funções, nos termos do Tema 777 do STF. 2. O erro cartorário que impede a realização de viagem internacional planejada configura dano moral indenizável quando ultrapassa o mero aborrecimento e causa prejuízo relevante à rotina do indivíduo. 3. Em casos de responsabilidade extracontratual, os juros de mora incidem a partir do evento danoso, conforme a Súmula 54 do STJ. ________________________________________________________ Dispositivos relevantes citados: CF/1988, art. 37, § 6º; CC, art. 407; CPC, art. 1.039. Jurisprudência relevante citada: STF, RE 842.846 (Tema 777); STJ, Súmula 54; STJ, EDcl no AgInt no REsp 1716737/SC, Rel. Min. Benedito Gonçalves, j. 11/12/2018. (TJPA – APELAÇÃO CÍVEL – Nº 0036127-86.2013.8.14.0301 – Relator(a): LUIZ GONZAGA DA COSTA NETO – 2ª Turma de Direito Público – Julgado em 17/03/2025) Quanto ao valor da indenização, fixado em R$ 20.000,00 (vinte mil reais), entendo que se mostra razoável e proporcional à extensão do dano, à gravidade da culpa do agente e à capacidade econômica do ofensor (o Estado), em razão da procuração pública ter sido lavrada para obter ganho que ultrapassa os R$ 200.000,00 (duzentos mil reais). O montante cumpre a dupla função compensatória e pedagógica, sem gerar enriquecimento ilícito. O pedido subsidiário do Estado para a redução à R$ 2.000,00 (dois mil reais) se mostra aviltante e desconectado da realidade dos fatos. DO RECURSO DE PEDRO HUGO (CARTORÁRIO) Deixo de conhecer do referido recurso, nos termos do art. 932, inciso III, do CPC/2015, posto que o relator não deverá conhecer de recurso que não tenha impugnado especificamente os fundamentos da decisão recorrida. Vejamos. Art. 932. Incumbe ao relator: (...) III - não conhecer de recurso inadmissível, prejudicado ou que não tenha impugnado especificamente os fundamentos da decisão recorrida; Como é cediço, para todo recurso existem algumas condições de admissibilidade que necessitam estar presentes para que o juízo ad quem possa proferir o julgamento do mérito no recurso. Esses requisitos de admissibilidade classificam-se em dois grupos: a) requisitos intrínsecos (concernentes à própria existência do poder de recorrer): cabimento, legitimação, interesse e inexistência de fato impeditivo ou extintivo do poder de recorrer; b) requisitos extrínsecos (relativos ao modo de exercício do direito de recorrer): preparo, tempestividade e regularidade formal. Ademais, para que seja possível analisar a viabilidade ou não do recurso de Apelação, é imprescindível que a parte recorrente sustente quais as razões fáticas e de direito do seu inconformismo para com a decisão atacada, devendo haver correlação lógica entre os seus argumentos e o ato decisório. Dito em outras palavras: é necessário haver um confronto dos exatos fundamentos em que se baseou a decisão guerreada. A Apelação Cível deve ser um espelho da decisão hostilizada, mostrando o desacerto dos argumentos utilizados pelo julgador no enfrentamento tão somente dos pontos controversos alcançados pelo decisum. Entretanto, no presente recurso o recorrente pede o seguinte (Id nº 26558462): (...) V. DOS PEDIDO Ante o exposto, requer: 1. O conhecimento e provimento do presente recurso de apelação pelo Egrégio Tribunal; 2. A reforma da decisão recorrida, para que seja julgado procedente o pedido, condenando a parte recorrida ao pagamento dos valores devidos, a saber: R$ 4.175,26 (quatro mil, cento e setenta e cinco reais e vinte e seis centavos), referente ao IPTU do ano de 2013; R$ 1.518,70 (mil, quinhentos e dezoito reais e setenta centavos), referente ao IPTU do ano de 2016; R$ 724,04 (setecentos e vinte e quatro reais e quatro centavos), referente ao IPTU do ano de 2017; 3. A condenação da parte recorrida ao pagamento do ressarcimento pelos reparos necessários no imóvel, avaliados em R$ 14.151,61 (quatorze mil, cento e cinquenta e um reais e sessenta e um centavos), em razão dos danos deixados. Ocorre que a sentença atacada parte de uma ação declaratória de nulidade de negócio jurídico, com pedido de antecipação de tutela na qual não houve em nenhum momento menção à IPTU ou qualquer imposto. A necessidade de demonstração dos fundamentos de fato e de direito obedecem ao princípio da dialeticidade dos recursos que, obviamente, devem referir-se aos argumentos utilizados na decisão atacada. Sobre a questão da dialeticidade recursal, nos termos do art. 1.021, §1º do CPC, o dispositivo impõe que a parte agravante “impugne os fundamentos específicos que foram utilizados pelo magistrado para dar suporte à decisão agravada, sob pena de não se conhecer da insurgência” (vide o AgInt no AREsp n. 845.776/SP, Ministro Og Fernandes, Segunda Turma, DJe 23/9/2016). Destarte, não tendo o recorrente se desincumbido desse ônus, o recurso não pode ser conhecido por ausência do requisito extrínseco de admissibilidade consubstanciado na regularidade formal. Nesse sentido, destaco precedentes do C. Superior Tribunal de Justiça, que corroboram o meu entendimento: AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. RAZÕES QUE NÃO INFIRMARAM O FUNDAMENTO DO DECISUM COMBATIDO. INADMISSIBILIDADE. 1. Em obediência ao princípio da dialeticidade recursal, cumpre à parte agravante impugnar os fundamentos utilizados para dar suporte à decisão agravada, sob pena de não se conhecer da insurgência (AgInt no AREsp n. 845.776/SP, Ministro Og Fernandes, Segunda Turma, DJe 23/9/2016). Incidência da Súmula 182/STJ e do art. 932, III, do Código de Processo Civil de 2015. 2. No caso, o recurso especial foi obstado com fundamento na Súmula 283/STF; caberia, então, ao recorrente, deduzir argumentos no sentido de demonstrar a inaplicabilidade do referido óbice ao caso sob exame, o que não se verifica nas razões do agravo regimental, razão pela qual o recurso não comporta conhecimento. 3. Agravo regimental não conhecido. (AgRg no AREsp 1004893/AP, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, SEXTA TURMA, julgado em 09/03/2017, DJe 15/03/2017) Nessa linha de orientação, cito a jurisprudência desta E. Corte de Justiça: AGRAVO INTERNO EM RECURSO DE APELAÇÃO. AUSÊNCIA NO INTERESSE RECURSAL. VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA DIALETICIDADE. INADMISSIBILIDADE DO RECURSO. RECURSO NÃO CONHECIDO. 1. Trata-se de Agravo Interno, oposto pelo Estado Do Pará contra decisão monocrática prolatada por esta Relatoria, na qual não conheceu o recurso de apelação, diante da falta de interesse recursal da agravante. 2. Em síntese, o Agravante distribuiu Ação de Execução Fiscal, pretendendo a cobrança do imposto de ICMS, consubstanciado em CDA de nºs. 0020195700297377; 0020195700297385; 0020195700297393; 0020195700297407 e 0020195700297415 que totalizam o valor de R$7.209,65 (sete mil, duzentos e nove reais e sessenta e cinco centavos). Após a distribuição, a Procuradoria do Estado do Pará, em Petição de ID. 3337360, requereu a desistência da ação fundamentando na Lei Estadual nº 8870/2019, art. 1º, IV, o qual foi devidamente homologado pelo juízo. 3. Ora, o próprio agravante requereu, expressamente, a desistência da ação sob o fundamento do artigo 1º, IV, da Lei Estadual nº 8.870/2019, não tendo o juízo a quo cometido qualquer irregularidade na decisão ou, ainda, não há qualquer lesividade ao exequente, ora agravado. 4. Nesse sentido, o agravante teve o seu pedido deferido na integra pelo juízo de piso, portanto é evidente que o recorrente não possui interesse em recorrer, uma vez que inexiste prejudicialidade na decisão combatida, o que caracteriza falta de interesse recursal. Como é sabido, o interesse recursal é pressuposto de admissibilidade de qualquer recurso, o qual decorre do interesse em recorrer em virtude do prejuízo que a decisão agravada possa ter causado a parte sucumbente. Logo, com a ausência do interesse recursal, o recurso não pode ser conhecido. 5. Ainda, frisa-se que é imprescindível para a obtenção de admissibilidade positiva do recurso que o recorrente impugne claramente a decisão recorrida. Ocorre que, no presente Agravo Interno, o Agravante apresenta as mesmas teses do recurso de apelação, sem, contudo, debater a decisão monocrática que não conheceu o recurso, o que viola o princípio da dialeticidade e, ainda, descumpre o requisito legal de admissibilidade estabelecido no art. 932, III, do CPC. 6. Recurso não conhecido. (TJPA – APELAÇÃO CÍVEL – Nº 0803423-86.2019.8.14.0006 – Relator(a): EZILDA PASTANA MUTRAN – 1ª Turma de Direito Público – Julgado em 04/12/2023) PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO ANULATÓRIA DE ATO ADMINISTRATIVO. OFENSA AO PRINCÍPIO DA DIALETICIDADE NO RECURSO DE AGRAVO INTERNO. REPETIÇÃO LITERAL DAS RAZÕES TRAZIDAS EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. AUSÊNCIA DE IMPUGNAÇÃO ESPECÍFICA DOS FUNDAMENTOS DA DECISÃO RECORRIDA. ART. 932, III do CPC/2015. RECURSO NÃO CONHECIDO, À UNANIMIDADE. 1. Consoante consta dos autos, as razões do recorrente não passam de repetição literal dos argumentos trazidos no recurso principal de Agravo de Instrumento, ferindo o Princípio da Dialeticidade Recursal, o qual reclama impugnação específica aos fundamentos da decisão vergastada. 2. O Princípio da Dialeticidade exige que o recorrente exponha fundamentação recursal específica, ou seja, obriga que a parte recorrente indique precisamente qual a injustiça ou ilegalidade evidenciada na decisão impugnada. 3. Na espécie, o Agravante não atacou os fundamentos de Decisão Monocrática cujo ponto fulcral diz respeito à aplicação da ?negativa de seguimento liminar? prevista no caput do artigo 557 do antigo Códice Processualista (negativa de seguimento por afronta à jurisprudência dos Tribunais Superiores, in casu, em razão da nulidade do ato administrativo sem o elemento ?motivação?). 4. O recurso de Agravo Interno tem sua admissibilidade condicionada à impugnação específica dos fundamentos da decisão agravada, nos termos do artigo 1.021, § 1º, do Código de Processo Civil; 5. Recurso NÃO CONHECIDO, à unanimidade, ante à ausência de impugnação específica dos fundamentos da decisão recorrida, por força do art. 932, III do CPC/2015. (2020.00429616-49, 211.791, Rel. LUZIA NADJA GUIMARAES NASCIMENTO, Órgão Julgador 2ª TURMA DE DIREITO PÚBLICO, Julgado em 2020-01-27, Publicado em 2020-02-07) Por conseguinte, nos termos do artigo 932, inciso III, do CPC, incumbe ao relator o não conhecimento de recurso inadmissível, prejudicado ou que não tenha impugnado especificamente os fundamentos da decisão recorrida. DA REMESSA NECESSÁRIA DE OFÍCIO Conforme pacificado pelo Supremo Tribunal Federal (STF), a omissão do magistrado em submeter a sentença ao reexame não impede a sua realização, tratando-se de uma condição de eficácia da decisão. Omiti-la configuraria um vício que impede o trânsito em julgado. Nesse sentido, é taxativa a Súmula nº 423 do STF: Súmula 423/STF: Não transita em julgado a sentença por haver omitido o recurso ex officio, que se considera interposto ex lege. A expressão ex lege significa que a remessa é considerada interposta por força de lei, sendo, portanto, um ato processual obrigatório e vinculado, e não uma faculdade do julgador. Corroborando tal entendimento, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ), embora regule os limites do reexame, parte do pressuposto de sua obrigatoriedade. As súmulas da referida Corte reforçam a natureza e o alcance do instituto, como se observa nos seguintes enunciados: Súmula 45/STJ: No reexame necessário, é defeso, ao Tribunal, agravar a condenação imposta à Fazenda Pública. Súmula 325/STJ: A remessa oficial devolve ao Tribunal o reexame de todas as parcelas da condenação, suportadas pela Fazenda Pública, inclusive dos honorários de advogado. Diante do exposto, e com fundamento na legislação processual e na consolidada jurisprudência dos Tribunais Superiores, impõe-se o conhecimento e o processamento da remessa necessária, submetendo-se a r. sentença ao indispensável reexame por esta Egrégia Corte, como medida de direito. No caso em tela, a sentença do Juízo a quo condenou solidariamente o Cartorário e o Estado do Pará, entretanto, o dano causado ao particular pelo prestador de serviço público precisa ser direcionado ao Ente Público responsável pela delegação da competência, nos termos do Tema 940 do Supremo Tribunal Federal (STF). Neste sentido, considerando que a matéria trata de legitimidade para compor o polo passivo, sendo esta matéria de conhecimento de ofício pelo Magistrado, nos termos do art. 485, inciso VI, §3º do Código de Processo Civil (CPC): Art. 485. O juiz não resolverá o mérito quando: (...) VI - verificar ausência de legitimidade ou de interesse processual; (...) § 3º O juiz conhecerá de ofício da matéria constante dos incisos IV, V, VI e IX, em qualquer tempo e grau de jurisdição, enquanto não ocorrer o trânsito em julgado. No mesmo sentido é a Jurisprudência desta Corte: Processual Civil. Agravo Interno em Apelação Cível. Ação de indenização por danos morais e materiais. Ilegitimidade passiva do Cartório de Registro de imóveis. Recurso Conhecido e Desprovido. I. Caso em exame 1. Agravo Interno em Apelação Cível interposto por KELLY CRISTINA GARCIA SALGADO TEIXEIRA contra decisão monocrática que reconheceu de ofício a ilegitimidade passiva dos ora Agravados, anulando a sentença e extinguindo o processo sem conhecimento de mérito, nos termos do art. 485, VI, do CPC, e não conheceu a Apelação da ora Agravante, com fulcro no art. 932, III, do CPC, pois prejudicada pela decretação de nulidade da sentença. II. Questão em discussão 2. A questão consiste em verificar se a decisão monocrática deve ser reformada, afastando o reconhecimento da ilegitimidade passiva dos ora Agravados e, consequentemente, dando prosseguimento ao julgamento da Apelação da ora Agravante. 3. A Agravante apresenta quatro teses: (i) a decisão agravada supostamente incorreu em violação ao contraditório e ampla defesa em razão do reconhecimento de ofício da ilegitimidade passiva dos ora Agravados; (ii) a ilegitimidade passiva reconhecida pela decisão monocrática parte de uma premissa genérica, desconsiderando os elementos fáticos do caso concreto; (iii) a conduta de má-fé da preposta do cartório sob a responsabilidade direta da tabeliã delegatária; (iv) a decisão impôs condenação ao pagamento dos honorários advocatícios de sucumbência a despeito da extinção do feito sem julgamento de mérito, com fundamento exclusivamente na ilegitimidade passiva. III. Razões de decidir 4. Os Agravados sequer participaram do ocorrido, figurando no polo passivo da demanda, unicamente, pela condição de Tabeliã/Tabelião, ou seja, por ato praticado pela preposta do cartório, enquanto no exercício das suas funções inerentes ao cargo público. 5. A serventia e os tabeliães não têm responsabilidade civil pelos atos praticados no exercício de sua função pública que causem prejuízo a terceiros, e são delegatários do Estado. Portanto, este é que deve figurar no polo passivo da demanda em que se discute o dano moral, e tem assegurado o direito de ajuizar ação regressiva (RE 842.846. Tema 777/STF). 6. A condenação ao pagamento dos honorários advocatícios ao mínimo legal, 8% (oito por cento) sobre o valor da causa (artigo 85, §3º, II, do CPC de 2015), se deu em observância do Princípio da Causalidade, haja vista ter escolhido demandar contra a parte ilegítima. 7. Decisão agravada mantida. IV. Dispositivo 8. Recurso conhecido e desprovido. ____________________________________________________ Dispositivos relevantes citados: artigo 85, §3º, II, do CPC de 2015. Jurisprudência relevante citada: RE 842.846 (Tema 777/STF). (TJPA – APELAÇÃO CÍVEL – Nº 0067169-85.2015.8.14.0301 – Relator(a): MARIA ELVINA GEMAQUE TAVEIRA – 1ª Turma de Direito Público – Julgado em 26/05/2025) Após narradas todas as razões que levaram à convicção deste julgador, resta evidente a necessidade de reforma da sentença somente neste ponto para manter a legitimidade do pólo passivo só sobre o Estado do Pará. Por todo o exposto, NEGO PROVIMENTO ao recurso do Estado do Pará e DEIXO DE CONHECER da Apelação Cível do Sr. Pedro Hugo, em razão da ausência de dialeticidade, nos termos da fundamentação ao norte lançada. Em decorrência da suscitação de Remessa Necessária de Ofício, determino que seja excluído dos autos o Sr. Pedro Hugo Palha De Souza, em razão de ser o cartorário, ora agente público, nos termos do Tema 940 do STF. Ante a interposição de recurso, majoro a sucumbência arbitrada para 11% (onze por cento) sobre o valor da condenação, nos termos do art. 85, §11º do Código de Processo Civil. Alerta-se às partes que embargos declaratórios meramente protelatórios ensejarão a aplicação de multa, nos termos do artigo 1.026, §2º do CPC/15. Servirá a presente decisão como mandado/ofício, nos termos da Portaria n.º 3731/2005-GP. Publique-se, registre-se, intimem-se. Belém - PA, data de registro no sistema. Juiz Convocado Dr. Álvaro José Norat de Vasconcelos, Relator
Conteúdo completo bloqueado
Desbloquear