Processo nº 0800554-65.2024.8.15.0001
ID: 257913537
Tribunal: TJPB
Órgão: 10ª Vara Cível de Campina Grande
Classe: PROCEDIMENTO COMUM CíVEL
Nº Processo: 0800554-65.2024.8.15.0001
Data de Disponibilização:
16/04/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
MARIO FELIX DE MENEZES
OAB/PB XXXXXX
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Poder Judiciário da Paraíba 10ª Vara Cível de Campina Grande Ação Declaratória de Inexistência de Contrato c/c Indenização por Danos Morais e Repetição de Indébito, com pedido de tutela de urgência P…
Poder Judiciário da Paraíba 10ª Vara Cível de Campina Grande Ação Declaratória de Inexistência de Contrato c/c Indenização por Danos Morais e Repetição de Indébito, com pedido de tutela de urgência Processo nº: 0800554-65.2024.8.15.0001 Promovente: MARIA DA LUZ SANTOS SOUSA Promovido: ITAU UNIBANCO S/A SENTENÇA EMENTA: AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE CONTRATO C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E REPETIÇÃO DE INDÉBITO. CONTRATAÇÃO DE PRODUTOS BANCÁRIOS (SEGURO, CHEQUE ESPECIAL, “APLICAÇÃO AUTO MAIS”, EMPRÉSTIMO CONSIGNADO) COM AUTENTICIDADE IMPUGNADA PELA PARTE AUTORA. SUSPEITA DE FRAUDE REALIZADA COM O SEU NOME. PARTE DOS INSTRUMENTOS CONTRATUAIS ACOSTADOS COM A CONTESTAÇÃO. REGULARIDADE DA CONTRATAÇÃO DE SEGUROS REALIZADA EM TERMINAL DE AUTOATENDIMENTO. UTILIZAÇÃO DE CARTÃO E SENHA PESSOAL DA AUTORA CORRENTISTA. REGULARIDADE DESSAS ESPECÍFICAS CONTRATAÇÕES. LAUDO PERICIAL GRAFOTÉCNICO, ELABORADO POR PERITO OFICIAL, CONCLUINDO, POR OUTRO LADO, QUE AS GRAFIAS QUESTIONADAS NÃO PERTENCEM AO PUNHO ESCRITOR DA PARTE AUTORA. PARTE DOS DÉBITOS QUE, PORTANTO, DEVEM SER DECLARADOS INEXISTENTES. PRETENSÃO INDENIZATÓRIA. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO PROMOVIDO. SITUAÇÃO QUE ULTRAPASSA O MERO DISSABOR. DANO MORAL CONFIGURADO. DEVER DE REPETIÇÃO, NA FORMA SIMPLES, DO INDÉBITO. PROCEDÊNCIA PARCIAL DA DEMANDA. RELATÓRIO Vistos etc. Nos autos da presente ação, as partes acima identificadas, por seus respectivos patronos, litigam em face dos motivos fáticos e jurídicos expostos na exordial, notadamente em função da alegação autoral de inexistência de relação jurídica entre as partes e, por extensão, da ilegitimidade dos débitos decorrentes de contratação de “produtos e serviços” bancários (empréstimo consignado no valor de R$ 12.540,83, “Seguro Cartão”, “Seguro Itaú Viva Mais”, Cheque Especial LIS) firmados junto ao banco réu, a partir dos quais sobreveio a realização de descontos ne benefício previdenciário da parte autora. Nesse prisma, requereu a promovente, em sede de tutela de urgência, a imediata suspensão dos descontos decorrentes dos contratos litigiosos, pugnando, no mérito, pela procedência da demanda, com a declaração de nulidade dos contratos em questão, além da condenação do demandado à restituição, em dobro, dos valores indevidamente descontados, bem assim ao pagamento de indenização pelos danos morais sofridos (R$ 5.000,00). Instruindo o pedido, vieram extratos bancários, demonstrativos de operações, documentos pessoais, entre outros. Decisão denegando a tutela de urgência requerida initio litis e determinando a inversão do ônus da prova em desfavor do banco réu, a fim de que trouxesse aos autos documentação comprobatória da regularidade das contratações impugnadas. Regularmente citado, o banco réu apresentou contestação, sustentando, em síntese, que: a) a parte Autora contratou com o banco Réu os produtos/serviços impugnados, tendo, por ocasião do contrato de abertura da conta corrente, feito a opção pelo serviço de crédito (Cheque Especial, denominado LIS), bem como a adesão ao serviço denominado “APLIC. AUT. MAIS”, ambas mediante contrato assinado; b) o contrato “SEGURO ITAU VIVA MAIS” foi adquirido na data de 08/02/2023, no valor de R$ 34,90, mediante utilização de cartão magnético dotado da tecnologia CHIP e digitação de senha secreta e pessoal, assim como o seguro “CARTAO PROTEGIDO DEBITO IA”, contratado na data de 20/05/2021; c) o contrato de empréstimo firmado pela autora se deu de forma válida, evidenciando a sua manifestação de vontade de forma livre e espontânea e a inexistência de vício. Sustentando, ainda, a ausência dos elementos ensejadores do dever de restituir valores e de reparar os alegados danos morais, pugnou, ao final, pela total improcedência da demanda. Com a defesa foram acostados “comprovantes de registro de operações”, telas sistêmicas, cópia de documento pessoal (RG) da autora, “proposta de abertura de Conta Universal Itaú”, “proposta de contratação de produtos e serviços”, entre outros. Réplica à contestação. Instadas à especificação de provas, ambas as partes informaram que não teriam outras provas a produzir. Decisão determinando a realização de perícia grafotécnica nas assinaturas constantes dos contratos litigiosos acostados aos autos, seguido da juntada aos autos do laudo grafotécnico confeccionado por perito oficial nomeado por este Juízo (Id Num. 103487744 - Pág. 2/12), em relação ao qual ambas as partes se pronunciaram. É o breve relatório. Passo a decidir. FUNDAMENTAÇÃO 1) Da Declaratória de Nulidade contratual Analisando atentamente a presente demanda, percebe-se que o fundamento jurídico principal do pedido se encontra na alegação da parte autora da realização de inexistentes e fraudulentos contratos de produtos bancários (empréstimo consignado no valor de R$ 12.540,83, “Seguro Cartão”, “Seguro Itaú Viva Mais”, Cheque Especial LIS) em seu nome, mediante fraude praticada por terceiros, o que redundou, segundo alega, na realização de descontos indevidos em seu benefício previdenciário, os quais culminaram em constrangimentos decorrentes da privação dos rendimentos da parte autora. Em outras palavras, a promovente sustenta a inexistência de vínculo contratual entre as partes, ao argumento de que nunca celebrou os sobreditos contratos com a instituição promovida. Nesse prisma, mostra-se evidente que se está diante, na presente demanda, de uma relação de consumo entre as partes, na qual se discute a ocorrência de responsabilidade civil consumerista por fato do serviço, de natureza objetiva, na forma do art. 14 do CDC, em face dessas apontadas contratações fraudulentas em nome da parte autora, por ação de prováveis terceiros fraudadores, configurando-se sempre que demonstrado o dano e o nexo de causalidade, independentemente de culpa na conduta do agente causador do dano. In casu, aplica-se ainda o CDC tendo em vista que a parte autora, muito embora alegue que nada contratou, seria consumidor por equiparação na forma do art. 17 desse código, por ser vítima desse acidente de consumo – bystander. Pois bem. Lidando inicialmente com a questão principal relativa à perquirição se os contratos bancários em tela foram realizados pela própria parte consumidora ou, ao contrário, como defende esta, se realmente ocorreu uma fraude com a utilização indevida de seu nome – cuja admissão implicaria na óbvia declaração da inexistência das relações jurídicas creditícias e dos débitos gerados para sua pessoa –, tem-se, em primeiro lugar, que o ônus da comprovação da regularidade dessas contratações é da instituição financeira ré. Tal se dá por um conjunto de fundamentos. Primeiramente, independentemente de qualquer provimento de inversão do ônus da prova, porque, tendo a parte autora apontado a existência de fraude desde a inicial, apenas por isso já passaria a caber ao promovido a comprovação de um fato impeditivo desse direito, vale dizer, comprovar que a parte autora efetivamente celebrou os contratos e que estaria inadimplente. Por outro lado, como não se mostra possível à parte autora produzir prova negativa das contratações, também em face da distribuição dinâmica da carga da prova, é ônus imputável ao banco réu, ao comparecer em juízo, fazer prova desse fato impeditivo do direito da promovente. Outrossim, de enorme importância, em se tratando de patente responsabilidade por fato do serviço, em que os riscos que razoavelmente se esperam de um serviço prestado aparentemente atingiram a segurança patrimonial da parte consumidora, a inversão do ônus da prova ocorre por mandamento legal, ope legis, derivada do art. 14, § 3º, inciso II, do CDC, já que é ônus do fornecedor comprovar a inexistência do defeito, da falha na prestação de serviços. Ocorre, porém, que, a partir de uma análise detida dos autos, vê-se que o promovido não se desincumbiu TOTALMENTE desse ônus probatório, não comprovando que todos os contratos impugnados pela promovente foram efetivamente por ela celebrados, senão vejamos. 1.1) Dos Contratos de SEGURO “ITAU VIVA MAIS” e “CARTÃO PROTEGIDO” No tocante aos contratos de seguro “ITAU VIVA MAIS” e “CARTÃO PROTEGIDO”, observa-se que a parte ré, visando afastar a existência de conduta ilícita a ensejar eventual declaração de inexistência desses específicos negócios jurídicos, bem como as suas consequências, trouxe aos autos suficiente documentação comprobatória de suas alegações, a saber: telas sistêmicas das “garantias contratadas”, detalhes das apólices, “Comprovante de Registro da Operação”, entre outros. Note-se que, em face dessa forte prova produzida pelo promovido, limitou-se a promovente a aduzir que “não firmou qualquer documento relativo” e que “não teve intenção de contratação, comprova que é uma pessoa IDOSA sabe administrar seu beneficio, entretanto não tem conhecimento de meios técnicos para manobrar caixa eletrônico para adquirir qualquer produto ou serviço, sempre recorre aos funcionários ou estagiários das instituições bancárias” (Id Num. 87220613 - Pág. 1/2). No entanto, observa-se dos autos que a promovente não requereu a produção de prova testemunhal ou outra espécie de prova, deixando, com isso, de demonstrar a veracidade de suas alegações. Nesse contexto, tenho que, ao menos em relação a esses específicos contratos de seguro, a existência da relação jurídica entre as partes ficou devidamente comprovada nos autos, notadamente através dos documentos acostados pela instituição financeira ré, os quais demonstram que os referidos seguros foram contratados em terminal de autoatendimento bancário mediante uso de cartão e senha pessoal (cf. Ids Num. 86882306 e Num. 86882307). A propósito, acerca da realização de operações bancárias que, embora contestadas, são realizadas com a apresentação física do cartão original e mediante uso de senha pessoal do correntista, vejamos os seguintes precedentes do C. STJ: AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DECLARATÓRIA CUMULADA COM REPETIÇÃO DE INDÉBITO E INDENIZAÇÃO. 1. EMPRÉSTIMO. TERMINAL DE AUTOATENDIMENTO. UTILIZAÇÃO DE CARTÃO E SENHA PESSOAL DA CORRENTISTA. REGULARIDADE DA CONTRATAÇÃO. 2. RESPONSABILIDADE DA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA AFASTADA. REVISÃO. ÓBICE DA SÚMULA 7/STJ. 3. OFENSA AO ART. 595 DO CC/2002. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULAS 282 E 356/STF. 4. AGRAVO IMPROVIDO. 1. No caso, o Tribunal estadual, analisando todo o conjunto fático-probatório dos autos, afastou a responsabilidade da instituição financeira pelos danos narrados na inicial e concluiu pela regularidade da contratação do empréstimo consignado, tendo sido devidamente comprovado nos autos pela ré a relação contratual e a transferência dos valores do empréstimo em benefício da parte autora. Logo, não há como modificar o entendimento da instância ordinária quanto à regularidade da contratação de empréstimo por terminal de autoatendimento bancário, mediante uso de cartão e senha pessoal, sem adentrar no reexame do conjunto fático-probatório dos autos, o que encontra óbice no enunciado n. 7 da Súmula desta Corte. 2. Com efeito, no julgamento pela Terceira Turma do REsp n. 1.633.785/SP, firmou-se o entendimento de que, a responsabilidade da instituição financeira deve ser afastada quando o evento danoso decorre de transações que, embora contestadas, são realizadas com a apresentação física do cartão original e mediante uso de senha pessoal do correntista, como ocorreu no presente caso. 3. Em relação ao art 595 do CC/2002, verifica-se que seu conteúdo normativo não foi objeto de apreciação pelo Tribunal de origem. Portanto, ausente o prequestionamento, entendido como a necessidade de ter o tema objeto do recurso sido examinado na decisão atacada. Incidem ao caso as Súmulas 282 e 356/STF. 4. Agravo interno a que se nega provimento. (AgInt no AREsp n. 1.816.546/PB, relator Ministro Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, julgado em 22/11/2021, DJe de 25/11/2021.) RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL. INSTITUIÇÃO BANCÁRIA. SAQUES. COMPRAS A CRÉDITO. CONTRAÇÃO DE EMPRÉSTIMO PESSOAL. CONTESTAÇÃO. USO DO CARTÃO ORIGINAL E DA SENHA PESSOAL DO CORRENTISTA. PRESTAÇÃO DE SERVIÇO. DEFEITO. INEXISTÊNCIA. RESPONSABILIDADE AFASTADA. 1. Recurso especial julgado com base no Código de Processo Civil de 1973 (cf. Enunciados Administrativos nºs 2 e 3/STJ). 2. Controvérsia limitada a definir se a instituição financeira deve responder por danos decorrentes de operações bancárias que, embora contestadas pelo correntista, foram realizadas com o uso de cartão magnético com "chip" e da senha pessoal. 3. De acordo com a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, a responsabilidade da instituição financeira deve ser afastada quando o evento danoso decorre de transações que, embora contestadas, são realizadas com a apresentação física do cartão original e mediante uso de senha pessoal do correntista. 4. Hipótese em que as conclusões da perícia oficial atestaram a inexistência de indícios de ter sido o cartão do autor alvo de fraude ou ação criminosa, bem como que todas as transações contestadas foram realizadas com o cartão original e mediante uso de senha pessoal do correntista. 5. O cartão magnético e a respectiva senha são de uso exclusivo do correntista, que deve tomar as devidas cautelas para impedir que terceiros tenham acesso a eles. 6. Demonstrado na perícia que as transações contestadas foram feitas com o cartão original e mediante uso de senha pessoal do correntista, passa a ser do consumidor a incumbência de comprovar que a instituição financeira agiu com negligência, imprudência ou imperícia ao efetivar a entrega de numerário a terceiros. Precedentes. 7. Recurso especial provido. (REsp n. 1.633.785/SP, relator Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, julgado em 24/10/2017, DJe de 30/10/2017.) (Grifei) Em suma, portanto, o que se observa é que a parte demandante não apresentou nenhuma evidência suficientemente capaz de elidir a veracidade das provas apresentadas pelo demandado, concluindo-se, diante de tais circunstâncias, que o promovido – a partir da aparente regular contratação dos seguros impugnados – não cometeu nenhuma ilicitude ao proceder à cobrança dos débitos em questão. 1.2) Dos Contratos de “Cheque Especial - LIS” e de “Aplicação Automática – APLIC. AUT. MAIS” No que diz respeito aos contratos de “Cheque Especial - LIS” e de “Aplicação Automática – APLIC. AUT. MAIS” impugnados pela autora, é bem verdade que a instituição financeira ré anexou ao feito documentos relacionados às contratações supostamente realizadas pela promovente – v.g. “Proposta de Abertura de Conta Universal Itaú e de Contratação de Serviços Pessoa Física” (Id Num. 86882310 - Pág. 7/10) e “Proposta de Pacote de Serviços” (Id Num. 86882314 - Pág. 1) –, contendo, inclusive, assinaturas que, em tese, seriam da parte autora. Contudo, a despeito da juntada aos autos dos sobreditos documentos, houve, por parte da autora, expressa e reiterada impugnação da autenticidade das assinaturas lançadas nos mesmos, visto que não as reconheceu como sendo suas, fato que rendeu ensejo à realização de exame grafotécnico para dissipação de toda e qualquer dúvida a esse respeito, tendo o perito nomeado, na oportunidade, concluído que “diante dos exames realizados nas Assinaturas Padrões coletadas nos autos em confrontação com as Assinaturas Questionadas apresentadas nos documentos: Proposta de Contratação de Serviços, sob id 86882310 - Pág. 10, Proposta de Pacote de Serviços, sob id 86882314 - Pág. 1, permitiram-me emitir à seguinte conclusão: As Assinaturas Questionadas não correspondem à firma normal da Autora” (Id Num. 103487744 - Pág. 12). Registre-se, por oportuno, que a parte demandada, instada à manifestação, não apresentou nenhuma impugnação frontal ao laudo pericial alhures mencionado. Neste contexto, diante da ausência de qualquer elemento de prova a indicar a efetiva existência de legítima relação negocial entre as partes, bem assim considerando que o laudo do exame grafotécnico reconheceu que as assinaturas apostas nas Propostas de “Abertura de Conta Universal Itaú” e de “Pacote de Serviços” impugnadas não partiram do punho da parte autora, forçosa a declaração de inexistência da relação jurídica havida entre elas, relativamente às cobranças empreendidas pelo banco réu a título de “LIS – Limite Itaú para Sempre” (Cheque Especial) e de “Aplicações e Resgates Automáticos - APLIC. AUT. MAIS”, com a consequente desconstituição dos débitos respectivos. 1.3) Do Contrato de Empréstimo Consignado Em relação ao empréstimo consignado contraído na data de 12/02/2020, no valor R$ 12.540,83, com pagamento em 72 prestações mensais de R$ 311,00 (cf. Id Num. 84147083 - Pág. 1), verifica-se que o banco réu, apesar de sustentar em sua peça contestatória que “a documentação anexa comprova a validade da contratação”, sequer acostou aos autos o referido contrato impugnado, não se desincumbindo, pois, do ônus probatório de comprovar que o contrato questionado foi de fato celebrado pela parte autora. Note-se, ainda, que, em sua contestação, o promovido também não se insurgiu, ao menos satisfatoriamente, em face das alegações fáticas da autora, deixando, por exemplo, de trazer informações detalhadas acerca desse contrato supostamente firmado entre as partes. Ora, sobretudo por inexistir nos autos evidência de consentimento da parte autora quanto à formação do contrato cuja legitimidade é discutida nos autos, deveria o banco réu ter acostado aos autos ao menos documentos mínimos indicativos da regularidade da contratação impugnada, contudo assim não o fez. Neste contexto, diante da ausência de qualquer elemento de prova a indicar a existência da relação negocial impugnada pela parte autora, forçosa a declaração de inexistência também dessa relação jurídica supostamente havida entre elas, com a consequente desconstituição do débito respectivo. 1.4) Da Responsabilidade Civil Consumerista da instituição financeira ré Na presente demanda, tratando-se de hipótese de responsabilidade civil consumerista por fato do serviço, de natureza objetiva, informada pela teoria do risco do empreendimento, na forma do art. 14 do CDC, para sua caracterização neste caso se faz mister o perfeito delineamento de uma conduta comissiva ou omissiva do fornecedor, a causação de um dano a um bem jurídico do ofendido e o nexo de causalidade, contudo, independentemente da existência de culpa por parte da instituição financeira promovida, sendo certo que essa responsabilidade somente poderia ser eventualmente excluída pela existência de caso fortuito ou força maior externos ou não conexos à atividade econômica desenvolvida – evoluindo doutrina e jurisprudência para não admitir o denominado fortuito interno como excludente de responsabilidade civil –, culpa exclusiva do consumidor ou de culpa exclusiva de terceiro, respectivamente, conforme art. 14, § 3º, do CDC. Ora, quanto a essa segunda grande questão posta nos autos, no sentido de perquirir se houve ou não responsabilidade civil consumerista por parte da ré, os elementos de prova indicam que, mesmo não sendo necessário perquirir a respeito da culpa, a conduta do promovido foi omissa e negligente ao receber documentos para a confecção de contrato(s) fraudulento(s), o que redundou em graves prejuízos a bens jurídicos da parte autora, como melhor se discutirá a seguir. De fato, é de se observar, em linhas gerais, que a instituição financeira ré foi responsável tanto pela realização do(s) contrato(s) quanto pela suposta liberação do(s) crédito(s) correspondente(s), o que denota evidente falta de cuidado e critério na verificação dos documentos, gerando, em consequência disso, toda sorte de constrangimentos à promovente, o que evidencia seu dever de indenizar. Percebe-se, portanto, que houve uma efetiva falha na prestação de serviços, sendo certo que a conduta do banco réu contribuiu para a realização fraudulenta dos contratos questionados e a natural causação de danos à parte consumidora. Registre-se, outrossim, que, no presente caso concreto, não há que se falar na admissão da excludente de responsabilidade civil por culpa exclusiva da vítima e/ou de terceiros, na forma do art. 14, § 3º, inciso II, do CDC, eis que o recebimento e conferência de documentos, propostas e contratos bancários é atividade básica da atividade econômica desenvolvida pelo demandado, tendo havido, portanto, contribuição para a ocorrência final da perpetração da fraude e do dano à parte consumidora – recebendo documentos, analisando-os incorretamente e concedendo indevidamente o crédito. Não há, assim, fato exclusivo da vítima e/ou de terceiro, eis que houve contribuição do promovido na causação dos danos – a culpa exclusiva de terceiro somente se posta como excludente de responsabilidade civil quando o fornecedor não concorre de modo algum com o evento danoso[1]. Por outro lado, e importantíssimo, mesmo se se tratasse de caso exclusivamente praticado por terceiros, também não haveria exclusão da responsabilidade civil in casu, eis que, de acordo com a evolução doutrinária e jurisprudencial, não ocorreu hipótese de fortuito externo à atividade econômica desenvolvida pelo promovido, corporificando, ao contrário, o que se denomina de fortuito interno, eis que a atividade de terceiros falsários praticando fraudes creditícias é conexa à atividade econômica bancária desempenhada. Nesse sentido, é remansosa a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, tanto objeto de julgamento através do rito de recurso repetitivo, quanto sumulada através de sua Súmula 479: RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. JULGAMENTO PELA SISTEMÁTICA DO ART. 543-C DO CPC. RESPONSABILIDADE CIVIL. INSTITUIÇÕES BANCÁRIAS. DANOS CAUSADOS POR FRAUDES E DELITOS PRATICADOS POR TERCEIROS. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. FORTUITO INTERNO. RISCO DO EMPREENDIMENTO. 1. Para efeitos do art. 543-C do CPC: As instituições bancárias respondem objetivamente pelos danos causados por fraudes ou delitos praticados por terceiros - como, por exemplo, abertura de conta-corrente ou recebimento de empréstimos mediante fraude ou utilização de documentos falsos -, porquanto tal responsabilidade decorre do risco do empreendimento, caracterizando-se como fortuito interno. 2. Recurso especial provido. (REsp 1197929/PR, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 24/08/2011, DJe 12/09/2011) Súmula 479 do STJ: “As instituições financeiras respondem objetivamente pelos danos gerados por fortuito interno relativo a fraudes e delitos praticados por terceiros no âmbito de operações bancárias”. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. INSCRIÇÃO INDEVIDA EM CADASTRO DE INADIMPLENTES. ABERTURA DE CONTA BANCÁRIA MEDIANTE FRAUDE DE TERCEIROS. DANO MORAL. REQUISITOS CONFIGURADORES. PRETENSÃO DE AFASTAMENTO. IMPOSSIBILIDADE. NECESSIDADE DE REEXAME DE PROVAS. SÚMULA 7/STJ. INDENIZAÇÃO DEVIDA PELA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. IN RE IPSA. PRECEDENTES. QUANTUM INDENIZATÓRIO. VALOR RAZOÁVEL. SÚMULA 7/STJ. (…) 2. A orientação do Superior Tribunal de Justiça firmou-se no sentido de que o fornecimento de crédito, mediante fraude praticada por terceiro-falsário, por constituir risco inerente à atividade econômica das instituições financeiras, não elide a responsabilidade destas pelos danos daí advindos. 3. Ao contrário do alegado pelo recorrente, é de se ressaltar que, em hipóteses como a dos autos, é prescindível a comprovação do dano moral, o qual decorre do próprio fato, operando-se in re ipsa. Depreende-se que o fato por si só é capaz de ofender a honra subjetiva do autor, por afetar o seu bem-estar, em razão da inscrição de seu nome em cadastro de inadimplentes, de forma que o dano moral está ínsito na ilicitude do ato praticado, sendo desnecessária sua efetiva demonstração. 4. O entendimento pacificado no Superior Tribunal de Justiça é de que o valor estabelecido pelas instâncias ordinárias a título de indenização por danos morais pode ser revisto tão somente nas hipóteses em que a condenação se revelar irrisória ou exorbitante, distanciando-se dos padrões de razoabilidade, o que não se evidencia no presente caso. Desse modo, não se mostra desproporcional a fixação em R$ 7.000,00 (sete mil reais) a título de reparação moral, decorrente das circunstâncias específicas do caso concreto, motivo pelo qual não se justifica a excepcional intervenção desta Corte no presente feito, como bem consignado na decisão agravada. 5. Agravo interno a que se nega provimento. (AgRg no AREsp 274.448/SP, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, julgado em 02/05/2013, DJe 11/06/2013) (Grifei) Em suma, portanto, encontram-se reunidos no presente caso concreto os elementos da responsabilidade consumerista objetiva por fato do serviço, independentemente da ocorrência de culpa, sendo certo que a ocorrência de fraudes no âmbito de contratos bancários integra os riscos da atividade econômica desenvolvida pela instituição financeira ré, sendo esta, pois, responsável pela ocorrência de eventuais danos à parte consumidora. 1.5) Danos Morais pleiteados Assentada a prática de conduta ilícita pelo banco réu, passa-se agora à verificação se, no caso concreto, defluíram dessa conduta danos morais passíveis de reparação. Ora, no caso em apreço, ao permitir a realização de contrato(s) fraudulento(s) em nome da parte autora, tenho que o promovido praticou conduta ilícita que ocasionou evidentes danos morais àquela, o que considero, inicialmente, à vista tão-somente da própria contratação fraudulenta havida. De fato, à luz das regras da experiência ordinária, a realização de contrato(s) inexistente(s) em nome alheio já ocasiona, por si só, naturais sentimentos de intensa preocupação e de violação à intimidade de cada qual, que se sente impotente quanto a tal situação e temeroso com os nefastos desdobramentos que normalmente podem acontecer – cobranças, possível inclusão do nome nos cadastros de restrição ao crédito etc. Como se não bastasse, no presente caso concreto, os danos morais à parte autora foram potencializados, porquanto se seguiram descontos realizados em seu benefício previdenciário, o que, sem dúvida, provoca constrangimentos que ultrapassaram, em elevado grau, a esfera do mero constrangimento, notadamente em razão da privação de parcela de seus recursos financeiros, em decorrência de contrato jamais celebrado. Sobre o tema em análise, mutatis mutandis, vejam-se os seguintes julgados: APELAÇÃO. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO, REPETIÇÃO DO INDÉBITO E COMPENSAÇÃO POR DANOS MORAIS. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA, COM A CONDENAÇÃO DO RÉU NA RESTITUIÇÃO DOS VALORES DESCONTADOS E NA COMPENSAÇÃO POR DANOS MORAIS FIXADA EM R$ 10.000,00 (DEZ MIL REAIS). INSURGÊNCIA DO BANCO CONTRA A CONDENAÇÃO A TÍTULO DE DANOS MORAIS. LAUDO PERICIAL QUE CONCLUIU PELA FALSIDADE DAS ASSINATURAS NO CONTRATOS APRESENTADOS PELO BANCO. RESPONSABILIDADE DA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA POR DANOS DECORRENTES DE FRAUDES E DELITOS PRATICADOS POR TERCEIROS NO ÂMBITO DE OPERAÇÕES BANCÁRIAS, NOS TERMOS DA SÚMULA 479 DO C. STJ. DANO MORAL CARACTERIZADO. O AUTOR SOFREU DESGASTES EM RAZÃO DE DESCONTO INDEVIDO EM SEUS PROVENTOS DE APOSENTADORIA, COM PRIVAÇÃO INJUSTIFICADA DE SEU PATRIMÔNIO. REDUÇÃO DA CONDENAÇÃO PARA R$ 5.000,00 (CINCO MIL REAIS), QUANTIA QUE SE MOSTRA RAZOÁVEL E PROPORCIONAL, LEVANDO-SE EM CONSIDERAÇÃO OS EFEITOS COMPENSATÓRIO E PEDAGÓGICO, BEM COMO AS CIRCUNSTÂNCIAS PECULIARES DO CASO EM ANÁLISE. RECURSO PROVIDO EM PARTE. (TJ-SP - AC: 10079027420208260005 SP 1007902-74.2020.8.26.0005, Relator: Alberto Gosson, Data de Julgamento: 08/02/2022, 22ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 08/02/2022) DIREITO DO CONSUMIDOR - APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE NEGÓCIO JURÍDICO C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS - CONTRATO DE EMPRÉSTIMO BANCÁRIO - FRAUDE VERIFICADA - DESCONTOS INDEVIDOS - ATO ILÍCITO - DEVER DE RESSARCIMENTO - DANOS MORAIS - OCORRÊNCIA - VALOR INDENIZATÓRIO MANTIDO - HONORÁRIOS SUCUMBENCIAIS FIXADOS EM PATAMAR ADEQUADO - INTELIGÊNCIA DO ART. 85, §§ 2º E 8º DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL - ARBITRAMENTO DE HONORÁRIOS RECURSAIS EM HIPÓTESE DE SUCUMBÊNCIA RECÍPROCA - POSSIBILIDADE - PRECEDENTES DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA - RECURSO IMPROVIDO - INEXISTÊNCIA DE LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ PELO RÉU. 1. Nas hipóteses de alegação de fraude contratual e consequente inexistência do empréstimo bancário, a inversão do ônus da prova decorre da lei (?ope legis?), cabendo à instituição financeira o ônus de provar que o serviço foi prestado sem defeito ou, caso contrário, que o dano foi causado por culpa exclusiva do consumidor, o que não ocorreu neste caso. 2. Os descontos indevidos decorrentes de empréstimo fraudulento geram a responsabilidade civil da instituição financeira de proceder ao ressarcimento dos valores descontados de forma arbitrária, bem como reparar os danos morais causados em função das privações materiais provocadas por esse ato ilícito. 3. Tomando por base os critérios de extensão do dano, bem como a capacidade econômica das partes, revela-se adequado e proporcional o valor fixado a título de danos morais na sentença recorrida (R$ 1.500,00). [...] (TJ-DF 07362922520208070016 DF 0736292-25.2020.8.07.0016, Relator: ANA MARIA FERREIRA DA SILVA, Data de Julgamento: 27/01/2022, 3ª Turma Cível, Data de Publicação: Publicado no PJe : 23/02/2022 . Pág.: Sem Página Cadastrada.) (Grifei) Em suma, portanto, considerando todas essas nuances, sobretudo (i) a inexistência de relação jurídica base entre as partes, (ii) a ausência de segurança no produto/serviço ofertado pela instituição financeira ré, (iii) a indevida cobrança de dívidas que não contraiu, seguida dos (iv) diversos descontos realizados indevidamente em seus rendimentos, claro está que danos morais foram ocasionados à parte consumidora, sendo a promovida responsável pela respectiva indenização, por estar associada à ocorrência do ilícito. Para então uma correta quantificação do valor da indenização pelos danos morais ocasionados, concretizando a função satisfativa ou compensatória dessa indenização, cumpre observar, de início, que uma série de nuances do caso concreto catalogadas pela doutrina e jurisprudência devem ser sopesadas pelo julgador, dentre elas a extensão do dano provocado; o grau de culpa do ofensor; as condições pessoais das partes; a capacidade econômica das partes, notadamente do ofensor; a eventual repercussão do fato, dentro outros. Por outro lado, a indenização, para além dessa função satisfativa ou compensatória, deve assentar-se também sobre um plano finalístico punitivo e preventivo-dissuasório, vale dizer, a indenização por dano moral deve representar para a vítima uma satisfação capaz de amenizar de alguma forma o sofrimento ocorrido e, ao mesmo tempo, produzir no ofensor um impacto de viés punitivo que venha a dissuadi-lo de novo atentado, prevenindo a ocorrência de novos danos. Por fim, contudo, deve-se atentar para que os princípios da proporcionalidade e razoabilidade não venham a ser violados e a indenização não seja fixada de forma tão elevada que gere enriquecimento ilícito para a parte. Na hipótese em destaque, portanto, considerando (i) a considerável extensão do dano – a parte autora, pessoa idosa, se viu vítima de contratações fraudulentas, envolvendo diversas quantias, inclusive um empréstimo no elevado valor de R$ 12.540,83, a partir do qual, à vista dos diversos descontos indevidamente realizados em seu benefício previdenciário, ocorridos por vários anos, sofreu com a diminuição da sua renda mensal –, (ii) a notória capacidade econômica do promovido, e o (iii) grau de culpa do réu, como também os princípios da proporcionalidade e razoabilidade aplicáveis à espécie, bem ainda as funções punitiva e preventiva também desempenhadas pela indenização por danos morais, entendo que o valor mais adequado ao fim de compensar o dano moral experimentado pela parte autora, bem como de evitar repetições no futuro de casos semelhantes, é o de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) – exatamente o mesmo valor pleiteado pela autora em sua petição inicial. 1.6) Da restituição, EM DOBRO, dos valores descontados A respeito do pleito de devolução EM DOBRO dos valores descontados da parte autora, dispõe o artigo 42, parágrafo único, do CDC: “O consumidor cobrado em quantia indevida tem direito à repetição do indébito, por valor igual ao dobro do que pagou em excesso, acrescido de correção monetária e juros legais, salvo hipótese de engano justificável”. Sobre o tema, consoante tese recentemente fixada pelo C. Superior Tribunal de Justiça nos Embargos de Divergência n. 676.608/RS, “a restituição em dobro do indébito (parágrafo único do artigo 42 do CDC) independe da natureza do elemento volitivo do fornecedor que realizou a cobrança indevida, revelando-se cabível quando a referida cobrança consubstanciar conduta contrária à boa-fé objetiva” (EAREsp 676.608/RS, rel. Min. Og Fernandes, Corte Especial, j. 21.10.2020, DJe 30.03.2021). Note-se que, ao extirpar a verificação do elemento volitivo, revela-se desnecessária a comprovação de má-fé da parte que realizou a cobrança indevida, bastando que a situação se amolde ao art. 42, parágrafo único, do CDC, que haja pagamento indevido e que a fornecedora não tenha comprovado engano justificável. In casu, do que se observa dos autos, percebe-se que não há substrato jurídico válido e suficientemente capaz de referendar os descontos nos benefícios previdenciários da parte autora, estando-se diante, sob um prisma objetivo, de: a) Ausência de engano justificável que legitime a cobrança das quantias mensais; b) Conduta contrária ao princípio da boa-fé objetiva, por parte da promovida, que realizou descontos sem prova das legítimas contratações, ao menos demonstradas nos autos. Nesse sentido, a propósito da inafastável interligação entre devolução em dobro e ausência objetiva de engano justificável, coloca-se a atual jurisprudência da Corte Especial do C. STJ, em sede de recurso repetitivo: DIREITO PROCESSUAL CIVIL E DO CONSUMIDOR. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA. HERMENÊUTICA DAS NORMAS DE PROTEÇÃO DO CONSUMIDOR. REPETIÇÃO DE INDÉBITO. DEVOLUÇÃO EM DOBRO. PARÁGRAFO ÚNICO DO ART. 42 DO CDC. REQUISITO SUBJETIVO. DOLO/MÁ-FÉ OU CULPA. IRRELEVÂNCIA. PREVALÊNCIA DO CRITÉRIO DA BOA-FÉ OBJETIVA. MODULAÇÃO DE EFEITOS PARCIALMENTE APLICADA. ART. 927, § 3º, DO CPC/2015. IDENTIFICAÇÃO DA CONTROVÉRSIA 1. Trata-se de Embargos de Divergência que apontam dissídio entre a Primeira e a Segunda Seções do STJ acerca da exegese do art. 42, parágrafo único, do Código de Defesa do Consumidor - CDC. A divergência refere-se especificamente à necessidade de elemento subjetivo para fins de caracterização do dever de restituição em dobro da quantia cobrada indevidamente. 2. Eis o dispositivo do CDC em questão: "O consumidor cobrado em quantia indevida tem direito à repetição do indébito, por valor igual ao dobro do que pagou em excesso, acrescido de correção monetária e juros legais, salvo hipótese de engano justificável." (art. 42, parágrafo único, grifo acrescentado). ENTENDIMENTO DA EMINENTE MINISTRA RELATORA 3. Em seu judicioso Voto, a eminente Relatora, Ministra Maria Thereza de Assis Moura, lúcida e brilhante como sempre, consignou que o entendimento das Turmas que compõem a Seção de Direito Privado do STJ é o de que "a devolução em dobro só ocorre quando comprovada a má-fé do fornecedor". Destacou que os arestos indicados como paradigmas "firmam ser suficiente para que haja a devolução em dobro do indébito a verificação da culpa." 4. A solução do dissídio, como antevê a eminente Relatora, pressupõe seja definido o que se deve entender, no art. 42, parágrafo único, pelo termo "engano justificável". Observa ela, corretamente, que "a conclusão de que a expressão 'salvo hipótese de engano justificável' significa 'comprovação de má-fé do credor' diminui o alcance do texto legal em prejuízo do consumidor, parte vulnerável na relação de consumo." (grifo acrescentado). Dessa forma, dá provimento aos Embargos de Divergência, pois, "ao contrário do que restou consignado no acórdão embargado, não é necessária a comprovação da má-fé do credor, basta a culpa." 5. Por não haver óbices processuais, irreparável a compreensão da eminente Relatoria original quanto ao conhecimento do recurso. 6. A Relatora, Ministra Maria Thereza de Assis Moura, com precisão cirúrgica, aponta dois pressupostos fundamentais do modelo hermenêutico que rege a aplicação do CDC: a) vedação à interpretação e à analogia que diminuam "o alcance do texto legal em prejuízo do consumidor" e b) valorização ético-legislativa da "parte vulnerável na relação de consumo". DIVERGÊNCIA ENTRE A PRIMEIRA SEÇÃO (DIREITO PÚBLICO) E A SEGUNDA SEÇÃO (DIREITO PRIVADO) DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA 7. Para fins de Embargos de Divergência - resolver teses jurídicas divergentes dentro do STJ -, estamos realmente diante de entendimentos discrepantes entre a Primeira e a Segunda Seções no que tange à aplicação do parágrafo único do art. 42 do CDC, dispositivo que incide sobre todas as relações de consumo, privadas ou públicas, individuais ou coletivas. 8. "Conhecidos os embargos de divergência, a decisão a ser adotada não se restringe às teses suscitadas nos arestos em confronto - recorrido e paradigma -, sendo possível aplicar-se uma terceira tese, pois cabe a Seção ou Corte aplicar o direito à espécie." (EREsp 513.608/RS, Rel. Ministro João Otávio de Noronha, Corte Especial, DJe 27.11.2008). No mesmo sentido: "O exame dos embargos de divergência não se restringe às teses em confronto do acórdão embargado e do acórdão paradigma acerca da questão federal controvertida, podendo ser adotada uma terceira posição, caso prevalente." (EREsp 475.566/PR, Rel. Ministro Teori Albino Zavascki, Primeira Seção, DJ 13/9/2004). Outros precedentes: EREsp 130.605/DF, Rel. Ministro Ruy Rosado de Aguiar, Segunda Seção, DJ 23/4/2001; e AgRg nos EREsp 901.919/RS, Rel. Ministro Jorge Mussi, Terceira Seção, DJe 21/9/2010. HERMENÊUTICA DAS NORMAS DE PROTEÇÃO DO CONSUMIDOR E O ART. 42, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CDC 9. Em harmonia com os ditames maiores do Estado Social de Direito, na tutela de sujeitos vulneráveis, assim como de bens, interesses e direitos supraindividuais, ao administrador e ao juiz incumbe exercitar o diálogo das fontes, de modo a - fieis ao espírito, ratio e princípios do microssistema ou da norma - realizarem material e não apenas formalmente os objetivos cogentes, mesmo que implícitos, abonados pelo texto legal. Logo, interpretação e integração de preceitos legais e regulamentares de proteção do consumidor, codificados ou não, submetem-se a postulado hermenêutico de ordem pública segundo o qual, em caso de dúvida ou lacuna, o entendimento administrativo e o judicial devem expressar o posicionamento mais favorável à real superação da vulnerabilidade ou mais condutivo à tutela efetiva dos bens, interesses e direitos em questão. Em síntese, não pode "ser aceita interpretação que contradiga as diretrizes do próprio Código, baseado nos princípios do reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor e da facilitação de sua defesa em juízo." (REsp 1.243.887/PR, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Corte Especial, DJe 12/12/2011). Na mesma linha da interpretação favorável ao consumidor: AgRg no AREsp 708.082/DF, Rel. Ministro João Otávio de Noronha, Terceira Turma, DJe 26/2/2016; REsp 1.726.225/RJ, Rel. Ministro Moura Ribeiro, Terceira Turma, DJe 24/9/2018; e REsp 1.106.827/SP, Rel. Ministro Marco Buzzi, Quarta Turma, DJe 23/10/2012. Confira-se também: "O mandamento constitucional de proteção do consumidor deve ser cumprido por todo o sistema jurídico, em diálogo de fontes, e não somente por intermédio do CDC." (REsp 1.009.591/RS, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, DJe 23/8/2010). 10. A presente divergência deve ser solucionada à luz do princípio da vulnerabilidade e do princípio da boa-fé objetiva, inarredável diretriz dual de hermenêutica e implementação de todo o CDC e de qualquer norma de proteção do consumidor. O art. 42, parágrafo único, do CDC faz menção a engano e nega a devolução em dobro somente se for ele justificável. Ou seja, a conduta-base ou ponto de partida para a repetição dobrada de indébito é o engano do fornecedor. Como argumento de defesa, a justificabilidade (= legitimidade) do engano, para afastar a devolução em dobro, insere-se no domínio da causalidade, e não no domínio da culpabilidade, pois esta se resolve, sem apelo ao elemento volitivo, pelo prisma da boa-fé objetiva. 11. Na hipótese dos autos, necessário, para fins de parcial modulação temporal de efeitos, fazer distinção entre contratos de serviços públicos e contratos estritamente privados, sem intervenção do Estado ou de concessionárias. REPOSICIONAMENTO PESSOAL DO RELATOR PARA O ACÓRDÃO SOBRE A MATÉRIA 12. Ao apresentar a tese a seguir exposta, esclarece-se que o Relator para o acórdão reposiciona-se a respeito dos critérios do parágrafo único do art. 42 do CDC, de modo a reconhecer que a repetição de indébito deve ser dobrada quando ausente a boa-fé objetiva do fornecedor na cobrança realizada. É adotada, pois, a posição que se formou na Corte Especial, lastreada no princípio da boa-fé objetiva e consequente descasamento de elemento volitivo, consoante Voto-Vista do Ministro Luis Felipe Salomão e manifestações apresentadas pelos eminentes Pares, na esteira de intensos e ricos debates nas várias sessões em que o tema foi analisado. Realça-se, quanto a esses últimos, trecho do Voto do Ministro Og Fernandes: "A restituição em dobro de indébito (parágrafo único do art. 42 do CDC) independe da natureza do elemento volitivo do agente que cobrou o valor indevido, revelando-se cabível quando a cobrança indevida consubstanciar conduta contrária à boa-fé objetiva". CONTRATOS QUE ENVOLVAM O ESTADO OU SUAS CONCESSIONÁRIAS DE SERVIÇOS PÚBLICOS 13. Na interpretação do parágrafo único do art. 42 do CDC, deve prevalecer o princípio da boa-fé objetiva, métrica hermenêutica que dispensa a qualificação jurídica do elemento volitivo da conduta do fornecedor. 14. A esse respeito, o entendimento prevalente nas Turmas da Primeira Seção do STJ é o de dispensar a exigência de dolo, posição sem dúvida inspirada na preeminência e inafastabilidade do princípio da vulnerabilidade do consumidor e do princípio da boa-fé objetiva. A propósito: REsp 1.085.947/SP, Rel. Ministro Francisco Falcão, Primeira Turma, DJe 12/11/2008; AgRg no REsp 1.363.177/RJ, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, DJe 24/5/2013; REsp 1.300.032/RJ, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 13/3/2013; AgRg no REsp 1.307.666/SP, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 12/3/2013; AgRg no REsp 1.376.770/RS, Rel. Ministro Og Fernandes, Segunda Turma, DJe 13/9/2016; AgRg no REsp 1.516.814/RS, Rel. Ministro Og Fernandes, Segunda Turma, DJe 25/8/2015; AgRg no REsp 1.158.038/RJ, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, DJe 3/5/2010; AgInt no REsp 1.605.448/SP, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, DJe 13/12/2017; AgRg no AgRg no AREsp 550.660/RJ, Rel. Ministra Assusete Magalhães, Segunda Turma, DJe 15/12/2015; AgRg no AREsp 723.170/RS, Rel. Ministra Assusete Magalhães, Segunda Turma, DJe 28/9/2015; AgRg no Ag 1.400.388/RJ, Rel. Ministro Sérgio Kukina, Primeira Turma, DJe 10/11/2014. 15. Na Segunda Seção há também precedente que rechaça o requisito do dolo para repetição do indébito em dobro: "Somente na presença de má-fé ou culpa o pagamento em dobro é devido." (AgRg no AREsp 162.232/RJ, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, DJe 20.8.2013). 16. Agrega-se ao raciocínio construído na Primeira Seção a regra geral de que a responsabilidade do Estado e das pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviço público é objetiva em relação a danos causados a terceiros (art. 37, § 6º, da CF/1988). Cito precedentes do STJ sobre o tema: REsp 1.299.900/RJ, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, DJe 13/3/2015; AgInt no REsp 1.581.961/SP, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 14/9/2016; AgInt no REsp 1.711.214/MT, Rel. Ministro Francisco Falcão, Segunda Turma, DJe 18/11/2020; REsp 1.736.039/SP, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, DJe 7/6/2018; AgInt no AREsp 1.238.182/PE, Rel. Ministro Og Fernandes, Segunda Turma, DJe 17/9/2018; AgInt no AREsp 937.384/PE, Rel. Ministro Og Fernandes, Segunda Turma, DJe 26/6/2018; REsp 1.268.743/RJ, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, DJe 7/4/2014; REsp 1.038.259/SP, Rel. Ministro Sérgio Kukina, Primeira Turma, DJe 22/2/2018. 17. Quanto ao art. 37, § 6º, da Carta Magna, o Supremo Tribunal Federal sedimentou, sob o rito da Repercussão Geral, a posição de que "a responsabilidade civil das pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviço público é objetiva relativamente a terceiros usuários e não-usuários do serviço, segundo decorre do art. 37, § 6º, da Constituição Federal." (RE 591.874, Relator Ministro Ricardo Lewandowski, Tribunal Pleno, julgado em 26.8.2009, Repercussão Geral - Mérito, DJe 18.12.2009). Na mesma linha: ARE 1.043.232 AgR, Relator Ministro Alexandre de Moraes, Primeira Turma, DJe 13/9/2017; RE 598.356, Relator Ministro Marco Aurélio, Primeira Turma, DJe 1º/8/2018; ARE 1.046.474 AgR, Relator Ministro Celso de Mello, Segunda Turma, DJe 12/9/2017; e ARE 886.570 ED, Relator Ministro Roberto Barroso, Primeira Turma, DJe 22/6/2017. 18. Ora, se a regra da responsabilidade civil objetiva impera, universalmente, em prestações de serviço público, como admitir que, nas relações de consumo - na presença de sujeito (consumidor) caracterizado ope legis como vulnerável (CDC, art. 4º, I) -, o paradigma jurídico seja o da responsabilidade subjetiva (com dolo ou culpa)? Seria contrassenso atribuir tal privilégio ao fornecedor, mormente por ser fato notório que dezenas de milhões dos destinatários finais dos serviços públicos, afligidos por cobranças indevidas, personificam não só sujeitos vulneráveis, como também sujeitos indefesos e hipossuficientes econômica e juridicamente, ou seja, carentes em sentido lato, destituídos de meios financeiros, de informação e de acesso à justiça. 19. Compreensão distinta, centrada na necessidade de prova de elemento volitivo, na realidade inviabiliza a devolução em dobro, p. ex., de pacotes de serviços telefônicos jamais solicitados pelo consumidor, bastando ao fornecedor invocar uma justificativa qualquer para seu engano. Nas condições do mercado de consumo massificado, impor ao consumidor prova de dolo ou culpa corresponde a castigá-lo com ônus incompatível com os princípios da vulnerabilidade e da boa-fé objetiva, legitimando, ao contrário dos cânones do microssistema, verdadeira prova diabólica, o que contraria frontalmente a filosofia e ratio eticossocial do CDC. Assim, a expressão "salvo hipótese de engano justificável" do art. 42, parágrafo único, do CDC deve ser apreendida como elemento de causalidade, e não como elemento de culpabilidade. CONTRATOS QUE NÃO ENVOLVAM PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS PÚBLICOS 20. Como se sabe, recursos em demandas que envolvam contratos sem natureza pública, como os bancários, de seguro, imobiliários, de planos de saúde, entre outros, são de competência da Segunda Seção. Tendo em vista a controvérsia existente nos contratos de natureza bancária, o eminente Ministro Paulo de Tarso Sanseverino submeteu o REsp 1.517.888/SP ao rito dos recursos repetitivos, no âmbito da Corte Especial, ainda pendente de julgamento. Em sessão da Corte Especial que examinava os EAREsp 622.897/RS, deliberou-se dar continuação ao julgamento dos Embargos de Divergência sobre o mesmo tema, sem necessidade de sobrestar o feito em virtude da afetação da matéria como repetitivo. 21. Tal qual ocorre nos contratos de consumo de serviços públicos, nas modalidades contratuais estritamente privadas também deve prevalecer a interpretação de que a repetição de indébito deve ser dobrada quando ausente a boa-fé objetiva do fornecedor na cobrança realizada. Ou seja, atribui-se ao engano justificável a natureza de variável da equação de causalidade, e não de elemento de culpabilidade, donde irrelevante a natureza volitiva da conduta que levou ao indébito. RESUMO DA PROPOSTA DE TESE RESOLUTIVA DA DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL 22. A proposta aqui trazida - que procura incorporar, tanto quanto possível, o mosaico das posições, nem sempre convergentes, dos Ministros MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, NANCY ANDRIGHI, LUIS FELIPE SALOMÃO, OG FERNANDES, JOÃO OTÁVIO DE NORONHA E RAUL ARAÚJO - consiste em reconhecer a irrelevância da natureza volitiva da conduta (se dolosa ou culposa) que deu causa à cobrança indevida contra o consumidor, para fins da devolução em dobro a que refere o parágrafo único do art. 42 do CDC, e fixar como parâmetro excludente da repetição dobrada a boa-fé objetiva do fornecedor (ônus da defesa) para apurar, no âmbito da causalidade, o engano justificável da cobrança. 23. Registram-se trechos dos Votos proferidos que contribuíram diretamente ou serviram de inspiração para a posição aqui adotada (grifos acrescentados): 23.1. MINISTRA NANCY ANDRIGHI: "O requisito da comprovação da má-fé não consta do art. 42, parágrafo único, do CDC, nem em qualquer outro dispositivo da legislação consumerista. A parte final da mencionada regra - 'salvo hipótese de engano justificável' - não pode ser compreendida como necessidade de prova do elemento anímico do fornecedor." 23.2. MINISTRA MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA: "Os requisitos legais para a repetição em dobro na relação de consumo são a cobrança indevida, o pagamento em excesso e a inexistência de engano justificável do fornecedor. A exigência de indícios mínimos de má-fé objetiva do fornecedor é requisito não previsto na lei e, a toda evidência, prejudica a parte frágil da relação." 23.3. MINISTRO OG FERNANDES: "A restituição em dobro de indébito (parágrafo único do art. 42 do CDC) independe da natureza do elemento volitivo do agente que cobrou o valor indevido, revelando-se cabível quando a cobrança indevida consubstanciar conduta contrária à boa-fé objetiva." 23.4. MINISTRO RAUL ARAÚJO: "Para a aplicação da sanção civil prevista no art. 42, parágrafo único, do CDC, é necessária a caracterização de conduta contrária à boa-fé objetiva para justificar a reprimenda civil de imposição da devolução em dobro dos valores cobrados indevidamente." 23.5. MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO: "O código consumerista introduziu novidade no ordenamento jurídico brasileiro, ao adotar a concepção objetiva do abuso do direito, que se traduz em uma cláusula geral de proteção da lealdade e da confiança nas relações jurídicas, prescindindo da verificação da intenção do agente - dolo ou culpa - para caracterização de uma conduta como abusiva (...) Não há que se perquirir sobre a existência de dolo ou culpa do fornecedor, mas, objetivamente, verificar se o engano/equívoco/erro na cobrança era ou não justificável." 24. Sob o influxo da proposição do Ministro Luis Felipe Salomão, acima transcrita, e das ideias teórico-dogmáticas extraídas dos Votos das Ministras Nancy Andrighi e Maria Thereza de Assis Moura e dos Ministros Og Fernandes, João Otávio de Noronha e Raul Araújo, fica assim definida a resolução da controvérsia: a repetição em dobro, prevista no parágrafo único do art. 42 do CDC, é cabível quando a cobrança indevida consubstanciar conduta contrária à boa-fé objetiva, ou seja, deve ocorrer independentemente da natureza do elemento volitivo. PARCIAL MODULAÇÃO TEMPORAL DOS EFEITOS DA PRESENTE DECISÃO 25. O art. 927, § 3º, do CPC/2015 prevê a possibilidade de modulação de efeitos não somente quando alterada a orientação firmada em julgamento de recursos repetitivos, mas também quando modificada jurisprudência dominante no STF e nos tribunais superiores. 26. Na hipótese aqui tratada, a jurisprudência da Segunda Seção, relativa a contratos estritamente privados, seguiu compreensão (critério volitivo doloso da cobrança indevida) que, com o presente julgamento, passa a ser completamente superada, o que faz sobressair a necessidade de privilegiar os princípios da segurança jurídica e da proteção da confiança dos jurisdicionados. 27. Parece prudente e justo, portanto, que se deva modular os efeitos da presente decisão, de maneira que o entendimento aqui fixado seja aplicado aos indébitos de natureza contratual não pública cobrados após a data da publicação deste acórdão. TESE FINAL 28. Com essas considerações, conhece-se dos Embargos de Divergência para, no mérito, fixar-se a seguinte tese: A REPETIÇÃO EM DOBRO, PREVISTA NO PARÁGRAFO ÚNICO DO ART. 42 DO CDC, É CABÍVEL QUANDO A COBRANÇA INDEVIDA CONSUBSTANCIAR CONDUTA CONTRÁRIA À BOA-FÉ OBJETIVA, OU SEJA, DEVE OCORRER INDEPENDENTEMENTE DA NATUREZA DO ELEMENTO VOLITIVO. MODULAÇÃO DOS EFEITOS 29. Impõe-se MODULAR OS EFEITOS da presente decisão para que o entendimento aqui fixado - quanto a indébitos não decorrentes de prestação de serviço público - se aplique somente a cobranças realizadas após a data da publicação do presente acórdão. RESOLUÇÃO DO CASO CONCRETO 30. Na hipótese dos autos, o acórdão recorrido fixou como requisito a má-fé, para fins do parágrafo único do art. 42 do CDC, em indébito decorrente de contrato de prestação de serviço público de telefonia, o que está dissonante da compreensão aqui fixada. Impõe-se a devolução em dobro do indébito. CONCLUSÃO 31. Embargos de Divergência providos. (EAREsp 600.663/RS, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, Rel. p/ Acórdão Ministro HERMAN BENJAMIN, CORTE ESPECIAL, julgado em 21/10/2020, DJe 30/03/2021) (Grifei) Não obstante, em respeito ao sistema de precedentes brasileiro, percebe-se que foi estabelecida modulação dos efeitos da decisão vinculante acima, publicada somente na data de 30/03/2021, motivo pelo qual, tratando-se de contratação realizada anteriormente à alteração da jurisprudência da Corte Superior e, assim, à publicação do referido acórdão, compreendo que deve ser afastada, episodicamente, o pedido de devolução em dobro das parcelas. Desse modo, A REJEIÇÃO DO PEDIDO DE REPETIÇÃO DE INDÉBITO EM DOBRO É MEDIDA QUE SE IMPÕE. DISPOSITIVO Nessas condições, ante toda a fundamentação supra, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE OS PEDIDOS INICIAIS, para, em consequência, ratificando parcialmente os efeitos da tutela de urgência concedida initio litis (à vista da modificação realizada a partir da prolação desta Sentença): a. DECLARAR A INEXISTÊNCIA, EM FACE DA PARTE AUTORA, DE TODO E QUALQUER DÉBITO ORIUNDO DOS PRODUTOS BANCÁRIOS IMPUGNADOS (“LIS – Limite Itaú para Sempre” - Cheque Especial - e “Aplicações e Resgates Automáticos - APLIC. AUT. MAIS”) E DO EMPRÉSTIMO CONSIGNADO DISCUTIDO NOS PRESENTES AUTOS (FIRMADO NA DATA DE 12/02/2020, NO VALOR R$ 12.540,83, COM PAGAMENTO EM 72 PRESTAÇÕES MENSAIS DE R$ 311,00); BEM COMO, b. CONDENAR O DEMANDADO A PAGAR À PARTE DEMANDANTE A QUANTIA DE R$ 5.000,00 (CINCO MIL REAIS), A TÍTULO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS, devidamente corrigida pelo IPCA, a contar desta data, e acrescida de juros moratórios pela taxa SELIC (deduzido o IPCA do período), a partir do evento danoso (07/04/2016 – data da primeira contratação fraudulenta – cf. Id Num. 86882310 - Pág. 9), conforme dispõe o art. 398, do CC/02 e entendimento da Súmula 54/STJ (responsabilidade extracontratual); bem ainda c. CONDENAR O PROMOVIDO À REPETIÇÃO DO INDÉBITO, NA FORMA SIMPLES, DOS VALORES INDEVIDAMENTE DESCONTADOS DO BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO DA PARTE AUTORA (a título de “LIS – Limite Itaú para Sempre” - Cheque Especial -, de “Aplicações e Resgates Automáticos - APLIC. AUT. MAIS” e do empréstimo consignado discutido nos presentes autos), no período compreendido entre os 5(cinco) anos anteriores à data do ajuizamento da ação (art. 27 do CDC, conforme jurisprudência do STJ) até à data da efetiva cessação das cobranças indevidas (conforme art. 323 do NCPC), cujo montante deverá ser apurado em sede de liquidação de sentença e corrigido monetariamente pelo IPCA, com incidência a partir de cada desconto, com incidência de juros moratórios pela taxa SELIC (deduzido o IPCA do período), contados desde o evento danoso (Súmula 54, STJ). Em harmonia com a fundamentação exposta acima, fica rejeitado o pedido de repetição em dobro do indébito. Fica, de igual modo, autorizada (a) a compensação do referido montante condenatório com o numerário eventualmente recebido pela parte autora em sua conta bancária (fruto do contrato de empréstimo consignado em testilha, desde que tal recebimento reste devidamente comprovado), sobre o qual deverá incidir correção monetária, também pelo IPCA, a contar da data do efetivo depósito na conta bancária da parte autora. Outrossim, REVOGO parcialmente os efeitos do decisum que denegou a tutela de urgência requerida initio litis e, nesta oportunidade, presentes os pressupostos do art. 300 do CPC, CONCEDO PARCIALMENTE A REFERIDA TUTELA DE URGÊNCIA a fim de DETERMINAR ao banco réu que SE ABSTENHA DE REALIZAR NOVOS DESCONTOS NO BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO DA PARTE AUTORA em razão dos débitos decorrentes dos produtos bancários impugnados “LIS – Limite Itaú para Sempre” - Cheque Especial - e “Aplicações e Resgates Automáticos - APLIC. AUT. MAIS” e do empréstimo consignado discutido na presente demanda, no prazo de 15(quinze) dias, sob pena de incidência de multa diária revertida em favor da promovente, a ser oportunamente arbitrada por este Juízo. Considerando que a parte autora sucumbiu em parte mínima do pedido, e atento ao princípio da causalidade, condeno, ainda, o promovido ao pagamento das custas processuais e de honorários advocatícios arbitrados em 15% (quinze por cento) sobre o valor da condenação, com apoio no § 2º do art. 85 do CPC. DISPOSIÇÕES FINAIS PROMOVA-SE a Escrivania, de logo, o necessário para a DEVOLUÇÃO DO(S) CONTRATO(S) ORIGINAL(IS) LITIGIOSO(S) ao banco requerido, caso tenha(m), de fato, sido depositado(s) em cartório, INTIMANDO-SE a instituição financeira ré para eventualmente APANHÁ-LO(S) em cartório, no prazo de 15(quinze) dias. Paralelamente, Outrossim, EXPEÇA-SE, incontinenti, Alvará Judicial, em favor do perito nomeado por este juízo, para levantamento dos honorários periciais já depositados pela parte ré (Id Num. 102503543), observando-se, para tanto, os dados bancários já indicados no petitório de Id Num. 109035953 - Pág. 1. Com o trânsito em julgado desta sentença sem a interposição de recurso, ALTERE-SE A CLASSE PROCESSUAL PARA CUMPRIMENTO DE SENTENÇA e então INTIME-SE a parte vencedora para requerer o cumprimento de sentença, no prazo de 15(quinze) dias, DEVENDO, QUANTO AO PEDIDO DE REPETIÇÃO DE INDÉBITO, COMPROVAR TODOS OS DESCONTOS EM SEU BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. Uma vez apresentada petição de cumprimento de sentença, INTIME-SE a parte executada para (i) efetuar o pagamento do valor executado, no prazo de 15(quinze) dias, sob pena de incidência de multa de 10% e honorários advocatícios da fase executiva também de 10%, bem como para, (ii) num prazo suplementar de mais 15(quinze) dias, querendo, impugnar esse cumprimento de sentença. Sobrevindo pagamento voluntário do quantum executado a qualquer tempo, EXPEÇAM-SE os competentes Alvarás Judiciais (ou proceda-se à transferência de valores para eventuais contas bancárias que vierem a ser indicadas), relativos ao valor principal e honorários sucumbenciais, em favor da parte autora e de seu advogado, liberando-se, igualmente, os honorários contratuais em caso de juntada de contrato de honorários nos autos, CALCULANDO-SE, em seguida, as custas processuais e então INTIMANDO-SE a parte sucumbente para, no prazo de 15 (quinze) dias, efetuar o devido pagamento, sob pena de protesto, inscrição na dívida ativa e/ou bloqueio de valores via SisbaJud. Ao fim, cumpridas as determinações acima, inclusive com o recolhimento das custas processuais, e nada mais sendo requerido, ARQUIVE-SE o presente feito. Publique-se. Registre-se. Intimem-se. Cumpra-se. Campina Grande, data e assinatura eletrônicas. Wladimir Alcibíades Marinho Falcão Cunha Juiz de Direito [1] A propósito da inexistência de fato exclusivo de terceiro quando há concorrência do fornecedor, vejam-se os interessantes precedentes a seguir, do C. STJ e E. TJPE: RECURSO ESPECIAL. CIVIL, PROCESSUAL CIVIL E CONSUMIDOR. RESPONSABILIDADE CIVIL PELO FATO DO SERVIÇO. RELAÇÃO DE CONSUMO. VÍTIMA DA PRESTAÇÃO DEFEITUOSA DE SERVIÇO. ART. 17 DO CDC. REGRA DE EXTENSÃO. PRECEDENTES. EXTORSÃO MEDIANTE SEQUESTRO. PERMISSÃO DE LEVANTAMENTO DO VALOR DO RESGATE DEPOSITADO EM CONTA CORRENTE SEM A NECESSÁRIA CAUTELA. EXCLUDENTE DO FATO EXCLUSIVO DE TERCEIRO AFASTADA. (...). 1. Pretensão indenizatória veiculada contra o banco demandado por não correntista, vítima de extorsão mediante sequestro, pela utilização dos serviços bancários para o recebimento do resgate, liberado sem as devidas cautelas para integrante da organização criminosa. 2. Ampliação do conceito básico de consumidor pelo art. 17 do CDC para proteger todas as vítimas de um acidente de consumo. Precedentes. 3. "Tratando-se de consumidor direto ou por equiparação, a responsabilidade da instituição financeira por fraudes praticadas por terceiros, das quais resultam danos aos consumidores, é objetiva e somente pode ser afastada pelas excludentes previstas no CDC, como por exemplo, culpa exclusiva da vítima ou de terceiro" (REsp. 1.1199.782, jul. sob o rito do artigo 543-C, rel. Min. Luis Felipe Salomão, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 24/08/2011, DJe 12/09/2011). 4. Não caracteriza a excludente do fato exclusivo de terceiro, prevista no artigo 14, § 3.º,. II, do CDC, quando o fato alegado não é causa exclusiva do evento danoso. 5. Reconhecimento pelas instâncias de origem de falha na prestação do serviço bancário pela falta da cautela devida na liberação de vultosa quantia, cujo afastamento exigiria a revaloração do conjunto fático probatório dos autos, o que é vedado a esta Corte Superior, nos termos da Súmula 07/STJ. (…) 8. RECURSO ESPECIAL DESPROVIDO. (REsp 1374726/MA, Rel. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, TERCEIRA TURMA, julgado em 18/02/2014, DJe 08/09/2014) RESPONSABILIDADE CIVIL. CONTRATO DE FINANCIAMENTO REALIZADO MEDIANTE FRAUDE. FATO DE TERCEIRO NÃO CARACTERIZADO. DEVER DE INDENIZAR. DANO MORAL CONFIGURADO. 1. Incumbe à instituição financeira conferir os dados apresentados pelo suposto comprador mediante cuidadosa análise da documentação apresentada, procedendo à eficaz conferência dos dados. 2. A excludente prevista no artigo 14, § 3º, II, do CDC somente se aplica aos casos em que o fornecedor do serviço não concorre - de nenhum modo - para a ocorrência do evento danoso, ou seja, quando o prejuízo decorre de ação ou omissão exclusiva do consumidor ou de terceiro. 3. A indevida inscrição do nome do postulante em cadastros restritivos de crédito acarreta dano moral indenizável. Trata-se do chamado dano moral in re ipsa . 4. Considerando a gravidade do ato ilícito praticado contra o demandado, o potencial econômico do ofensor, o caráter punitivo-compensatório da indenização e os parâmetros adotados em casos semelhantes, para reduzir o valor da indenização de R$ 100.000,00 (cem mil reais) para R$ 10.000,00 (dez mil reais). 5. Ademais, inverto o ônus da sucumbência e condeno o apelante/réu a suportar as custas processuais e os honorários advocatícios, arbitrados em 15% (quinze por cento) do valor da condenação. 6. Recurso provido em parte. (TJ-PE - APL: 3039976 PE, Relator: José Fernandes, Data de Julgamento: 11/05/2016, 5ª Câmara Cível, Data de Publicação: 23/05/2016) (Grifei)
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