Processo nº 0801349-42.2022.8.15.0001
ID: 274899395
Tribunal: TJPB
Órgão: 4ª Vara Cível de Campina Grande
Classe: PROCEDIMENTO COMUM CíVEL
Nº Processo: 0801349-42.2022.8.15.0001
Data de Disponibilização:
21/05/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
MIRELLA BARRETO GOIS DE LACERDA
OAB/PE XXXXXX
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Poder Judiciário da Paraíba 4ª Vara Cível de Campina Grande PROCEDIMENTO COMUM CÍVEL (7) 0801349-42.2022.8.15.0001 [Liminar, Planos de saúde, Tratamento médico-hospitalar] AUTOR: H. L. A. R. C., L J …
Poder Judiciário da Paraíba 4ª Vara Cível de Campina Grande PROCEDIMENTO COMUM CÍVEL (7) 0801349-42.2022.8.15.0001 [Liminar, Planos de saúde, Tratamento médico-hospitalar] AUTOR: H. L. A. R. C., L J AGENCIA DE TURISMO LTDA - ME REU: BRADESCO SAUDE S/A SENTENÇA AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER – PLANO DE SAÚDE – NEGATIVA PARCIAL DE COBERTURA – TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA – MÉTODO ABA – TRATAMENTO MULTIDISCIPLINAR – COBERTURA CONTRATUAL – TRATAMENTO INDICADO POR PROFISSIONAL MÉDICO – DIREITO AO RECEBIMENTO DO TRATAMENTO ADEQUADO – ASSISTENTE TERAPÊUTICO – NATUREZA EMINENTEMENTE EDUCACIONAL – SEM OBRIGATORIEDADE DE COBERTURA – PROFISSIONAL DE EDUCAÇÃO FÍSICA – SEM COBERTURA CONTRATUAL – ACOLHIMENTO PARCIAL – INEXISTÊNCIA DE PROFISSIONAIS HABILITADOS CREDENCIADOS – CONTRATAÇÃO PARTICULAR – POSSIBILIDADE – REEMBOLSO DEVIDO, OBSERVADO O LIMITE CONTRATUAL – DANOS MORAIS – NÃO CONFIGURAÇÃO – APENAS DESCUMPRIMENTO CONTRATUAL – PROCEDÊNCIA PARCIAL DOS PEDIDOS. Vistos, etc. H. L. A. R. C., menor incapaz, devidamente qualificado nos autos em epígrafe, representado por seus genitores, JESSICA LEAL ALMEIDA ROCHA CAVALCANTI e LEONEL LEAL ALMEIDA ROCHA CAVALCANTI, apresentaram Tutela de Urgência de Caráter Antecedente em face de BRADESCO SAÚDE S/A em que requer que seja determinado, liminarmente, o custeio do tratamento multidisciplinar baseado em laudo médico, mediante pagamento à Clínica Neurológica de Reabilitação Nunes & Marques Ltda e pagamento à fisioterapeuta Fernanda Karina A. Barbosa ou, subsidiariamente, que seja autorizado, através de reembolso, o tratamento multidisciplinar baseado em laudo apresentado pela neologista infantil prescrito para o menor (Id 53592315). Foi indeferida a tutela antecipada requerida em caráter antecedente (Id 56301110). A parte autora interpôs embargos de declaração (Id 57056865), que foi rejeitado (Id 60752816). A parte promovente apresentou aditamento à inicial (Id 62538689), aduzindo, em síntese, que é usuário de Seguro Saúde junto à operadora demandada e que recebeu diagnóstico médico de Transtorno do Espectro Autista (CID 10 F84.0) e Síndrome O´Donnell Luria Rodan (CID 10 099.8), sendo prescrito tratamento psicoterapia ABA, todos os dias, por pelo menos 20 horas semanais, por terapeutas graduados em psicologia capacitados em ABA, com recomendação de Fonoaudióloga, capacitada em PECS e PROMPT, Terapeuta Ocupacional certificada em Integração Sensorial de Ayres, Psicóloga especialista em ABA, Psicopedagoga, Psicomotricista especialista em ABA, Fisioterapia motora com especialização em BOBATH, acompanhamento médico com pediatra e neurologista infantil. Assevera que, em razão da ausência de profissionais capacitados para aplicação das terapias indicadas, foi necessário buscar o tratamento digno fora da rede credenciada, requerendo o ressarcimento integral das despesas desprendidas, porém alguns reembolsos foram negados e outros foram pagos a menor, além de obstáculos burocráticos, resultando em débito que perfaz o monte de R$ 38.115,78 (trinta e oito mil, cento e quinze reais e setenta e oito centavos). Alega que, em razão de tais fatos, suportou danos morais. Pugna pela concessão de tutela de urgência antecipada para que seja autorizado o custeio integral do tratamento multidisciplinar solicitado pelo médico assistente e, por fim, requer que seja condenada a ré ao pagamento de indenização pelos danos morais sofridos, no valor de R$ 6.000,00 (seis mil reais), e pelos danos materiais, no valor de R$ 38.115,78 (trinta e oito mil, cento e quinze reais e setenta e oito centavos). Foi indeferida a tutela de urgência pleiteada (Id 67381354). O promovente interpôs agravo de instrumento que foi parcialmente provido para determinar que a instituição promovida custeie, nos termos da prescrição médica, o tratamento multidisciplinar indicado, por meio do método ABA, preferencialmente em rede credenciada, devendo ser realizado o reembolso apenas diante da ausência de rede credenciada apta a realizar o tratamento, bem como que seja excluída da obrigação de custear o tratamento com profissionais que não sejam da área de saúde (Id 70929525). A parte promovida, BRADESCO SAÚDE S/A, apresentou contestação (Id 74900516), em que alega, em suma, que somente são de cobertura obrigatória os procedimentos listados no Anexo I, da Resolução Normativa n. 465 da ANS, se realizados por profissionais de saúde e habilitados para o mesmo, de acordo com a legislação específica sobre as profissões de saúde. Afirma a exclusão de cobertura nos casos de psicomotricidade e acompanhante/assistente terapêutico, quando não realizados por profissionais de saúde habilitados e que as terapias só terão cobertura quando realizadas em consultório, clínicas ou ambulatórios. Assevera que, em sendo opção do segurado o tratamento com profissional ou clínica não referenciada, ou mesmo nos casos da não disponibilidade de referenciados, o valor a ser reembolsado é pago de acordo com limite contratual, cujo cálculo é definido em cláusula constante nas Condições Gerais da Apólice contratada. Sustenta a inexistência de ato ilícito praticado, inexistência de descumprimento contratual e de danos morais. Requer, por fim, que todos os pedidos sejam julgados improcedentes. Realizada audiência conciliatória (Id 75017087), restou infrutífera a tentativa de conciliação. O promovente ofertou réplica à contestação (Id 76508546), em que refuta os argumentos apresentados pela parte promovida e ratifica os termos da peça exordial. Intimadas as partes para manifestarem interesse na dilação probatória, informaram ambas não terem provas a produzir e pugnaram pelo julgamento antecipado do mérito (Id 77680010 e 78375482). O representante do Ministério Público ofertou parecer final em que pugna pela procedência parcial da ação (Id 105250277). O promovente apresentou manifestação em que ratifica o pedido de que a presente ação seja julgada inteiramente procedente (Id 106175737). Voltaram os autos conclusos para julgamento. É O RELATÓRIO. DECIDO. 1 JULGAMENTO ANTECIPADO DA LIDE Inicialmente, cabe destacar que, no presente feito, as partes não manifestarem interesse na produção de novas provas. Ademais, trata-se de matéria unicamente de direito, razão porque cabe o julgamento antecipado da lide, conforme disciplina do art. 355 do Código de Processo Civil (CPC). 2 APLICABILIDADE DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR Cabe registrar, inicialmente, que, consoante o enunciado da Súmula 469 do Superior Tribunal de Justiça, aplica-se o Código de Defesa do Consumidor aos contratos de plano de saúde. Desse modo, segundo a diretriz jurisprudencial dessa Corte Superior, os contratos celebrados entre os planos de saúde e os seus usuários, devem ser analisados sob a ótica dos princípios e regras que regem as relações de consumo. É comum que nesse tipo de relação vertical haja uma polarização desproporcional das partes envolvidas, sendo que os usuários dos planos de saúde figuram numa nítida posição de hipossuficiência, enquanto que, em situação diametralmente oposta, as operadoras contam com uma estrutura robustamente complexa e de patamar econômico infinitamente superior aos dos seus clientes. Por esse motivo, o legislador previu que nos litígios que envolvam relação de consumo, há a possibilidade do ônus da prova ser invertido (CDC, art. 6º, VIII). Essa regra, importa ainda enfatizar, concretiza o direito fundamental de proteção do Estado ao consumidor, nos termos dispostos pelo art. 5º, XXXII, da Constituição da República. Portanto, seguindo essa linha de raciocínio, a controvérsia estabelecida na presente ação deverá, então, ser analisada e dirimida segundo os preceitos estabelecidos pelo Código de Defesa do Consumidor, ante a natureza da relação jurídica que vincula as partes, não se olvidando da adoção, no que couber, do Código Civil e as demais normas específicas aplicáveis à espécie. 3 DO MÉRITO 3.1 DOS TRATAMENTOS REQUERIDOS Inicialmente, importa delimitar o ponto controvertido entre as partes, uma vez que o autor, diagnosticado como portador de Transtorno do Espectro Autista (CID 10 F84.0) e Síndrome O´Donnell Luria Rodan (CID 10 099.8), afirma que houve indicação pelo médico que o acompanha de tratamento de psicoterapia ABA, todos os dias, por pelo menos 20 horas semanais, por terapeutas graduados em psicologia capacitados em ABA, com recomendação de Fonoaudióloga, capacitada em PECS e PROMPT, Terapeuta Ocupacional certificada em Integração Sensorial de Ayres, Psicóloga especialista em ABA, Psicopedagoga, Psicomotricista especialista em ABA, Fisioterapia motora com especialização em BOBATH, acompanhamento médico com pediatra e neurologista infantil. A condição de usuário do plano de saúde do promovente restou suficientemente demonstrada, assim como seu diagnóstico, tendo em vista laudos médicos e outros documentos apresentados (Id 53592321 e seguintes). Tais circunstâncias não foram impugnadas pela parte promovida. Ademais, constam laudos emitidos por médico geneticista (Id 53592321) e neurologista (Id 53592320), que atestam sua condição e o tratamento indicado. O promovente apresentou também recibos, notas fiscais e pedidos de reembolso encaminhados à operadora BRADESCO SEGUROS (Id 53592319 e seguintes). Afirma que alguns reembolsos ocorreram, mas outros foram negados ou pagos em valor inferior ao devido. Como visto, o quadro clínico do demandante e o tratamento indicado restaram suficientemente comprovados e, com relação aos tratamentos pleiteados, verifica-se que houve reconhecimento parcial do direito pela parte promovida. No caso em tela, há prescrição médica de tratamento específico à promovente, utilizando-se dos métodos ABA, PROMPT e BOBATH, ante o diagnóstico alcançado e análise dos profissionais que acompanham o menor. Assim, não havendo óbice contratual à cobertura do tratamento indicado, deve o plano de saúde cumprir o pacto, promovendo o custeio dos procedimentos, nos termos do art. 12, I, “b”, da Lei n. 9.656/98, que determina a cobertura mínima de serviços de apoio diagnóstico, tratamentos e demais procedimentos ambulatoriais, solicitados pelo médico assistente, quando incluso tratamento ambulatorial. Assim, impõe-se à operadora o fornecimento do tratamento, seja por meio de sua rede credenciada ou, caso insuficiente, através de profissionais não credenciados. Nesta última hipótese, o pagamento deverá ser feito à parte autora, mediante reembolso, por meio de requerimento administrativo (com a comprovação dos gastos autorizados), observado o limite contratual estabelecido em avença. Importa ressaltar que o tratamento multiprofissional para a pessoa com diagnóstico de Transtorno do Espectro Autista passou a ser assegurado por lei, consoante art. 3º, III, “b”, Lei nº 12.764/12, que institui a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista. Assim, resta obrigatório o custeio do tratamento indicado pelo médico assistente, desde que relacionado à área de saúde e que tenha cobertura previamente segurada, sem limitação de sessões. No presente caso, o médico que acompanha o autor e que constatou o quadro de transtorno do espectro autista, afirmou que “Todas as terapias devem ser realizadas por profissionais qualificados e capacitados no atendimento de pacientes com transtorno do espectro autista, com experiência no método ABA. O terapeuta ocupacional deve ter certificação em integração sensorial de Ayres; e o fonoaudiólogo, nos métodos PROMPT (Prompts for Reestructuring Oral Muscular Phonetic Targets – Comandos para organização dos objetivos musculares fonéticos e orais) e PECS (Picture Exchange Communication System – Sistema de Comunicação por Troca de Figuras). É importante ressaltar que, devido à plasticidade neuronal, o tratamento precoce tem melhor resposta, podendo modificar a história natural da doença; enquanto retardar o início do tratamento pode ter impacto negativo na evolução. O tratamento deve ser continuado, por tempo indeterminado e a falta deste tratamento pode interferir negativamente no desenvolvimento e qualidade de vida do paciente e, consequentemente, da família”. (Id 53592320 – pág. 2) Apontou ainda a necessidade de tratamento por Analista Comportamental certificado ABA, para supervisionar e reavaliar a cada 3 (três) meses, fazendo supervisão e treinamento semanal da equipe no programa, que deve ser aplicado diariamente (5 vezes por semana, 4 horas por dia) por assistente terapêutica, além de acompanhamento por fonoaudiologia (3 vezes por semana), terapeuta ocupacional para integração sensorial (3 vezes por semana), psicologia (3 vezes por semana), psidopedagogia (3 vezes por semana), psicomotricidade com profissional de educação física com experiência em método ABA (3 vezes por semana). Afirmou ainda que o terapeuta ocupacional deve ter certificação em PROMPT e PECS. Assim, passo à análise individualizada dos profissionais recusados pela operadora de plano de saúde. Com relação ao analista de comportamento, temos que este é, sem dúvidas, um profissional da área de saúde, pois trata-se de um psicólogo analista, habilitado para construção do programa e respectiva avaliação periódica para cada paciente, observando o avanço individual da criança, inferindo-se, portanto, que sua cobertura é impositiva pelo plano de saúde, que garante a disponibilização de psicólogo, sob pena de deficiência do tratamento indicado. No entanto, com relação ao assistente terapêutico, pertine à solução da lide apresentada, repetir decisão recente do Tribunal da Justiça do Estado da Paraíba, que, após instaurar IRDR para análise das questões repetidamente trazidas ao Judiciário, concernentes ao custeio do tratamento multidisciplinar para portadores do transtorno do espectro autista pelas operadoras de plano de saúde, decidiu o seguinte: AÇÃO ORDINÁRIA DE OBRIGAÇÃO DE FAZER, NULIDADE DE CLÁUSULA CONTRATUAL E INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS C/C TUTELA DE URGÊNCIA. PLANO DE SAÚDE. UNIMED FORTALEZA. AUTISMO. EQUIPE MULTIDISCIPLINAR. NEGATIVA DE COBERTURA DE TRATAMENTO MÉDICO, MÉTODO ABA. ANTECIPAÇÃO DE TUTELA PARCIALMENTE DEFERIDA. IRRESIGNAÇÃO. AUSÊNCIA DO DEVER DE COBERTURA E CUSTEIO DO AUXILIAR TERAPÊUTICO EM ÂMBITO DOMICILIAR E ESCOLAR. NÃO ENQUADRAMENTO NA DEFINIÇÃO DE TRATAMENTO MÉDICO. EMBARGOS PREJUDICADOS. AGRAVO PROVIDO EM PARTE. - Tratamentos intensivos para sintomas de autismo abordam o social, a comunicação, os problemas comportamentais e a dificuldade de aprendizagem, por isso, o trabalho interdisciplinar no tratamento do autismo inclui profissionais como fonoaudiólogos, terapeutas ocupacionais, pedagogos e psicólogos. Aqueles profissionais com formação na área de saúde devem ser custeados pelo plano de saúde, os pedagogos e assistentes de sala de aula, por outro lado, são de responsabilidade das escolas. – Não é de competência do plano de saúde a extensão do custeio do trabalho do assistente terapêutico em ambiente escolar ou domiciliar, tendo em vista tal recomendação, ainda que aliada, latu sensu, à saúde, possui natureza eminentemente educacional, fugindo do objeto do contrato de seguro-saúde firmado entre as partes. VISTOS, relatados e discutidos estes autos, em que figuram como partes as acima nominadas. ACORDA a Quarta Câmara Especializada Cível do Tribunal de Justiça do Estado da Paraíba, dar provimento parcial ao recurso, nos termos do voto do relator, integrando a decisão a certidão de julgamento (TJPB - AGRAVO DE INSTRUMENTO n. 0812541-09.2021.8.15.0000, Rel. Des. João Alves da Silva, 4ª Câmara Cível, juntado em 30/03/2022) Assim, vislumbra-se que, segundo o entendimento jurisprudencial de nosso Tribunal, ainda que imprescindível a participação do assistente terapêutico, pois é responsável pelo acompanhamento do programa ABA montado pelo analista comportamental, possui natureza eminentemente educacional, e, portanto, seu custeio não é de responsabilidade da operadora de plano de saúde. Tal serviço, por não se enquadrar na definição de tratamento médico, encontra-se fora do quadro de atuação do plano demandado, cabendo às escolas, por determinação legal (§1º do art. 28 da Lei nº 13.146/2015, e, ainda, art. 3º da Lei Federal nº 12.764/2012), ofertar o serviço especializado para o portador de Transtorno do Espectro Autista. Assim, também, já se posicionou o TJ/PB: AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. PLANO DE SAÚDE. PACIENTE PORTADOR DE TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA. CUSTEIO DE TRATAMENTO POR EQUIPE MULTIDISCIPLINAR NÃO CREDENCIADA AO PLANO DE SAÚDE. DEFERIMENTO PARCIAL DO PLEITO LIMINAR. IRRESIGNAÇÃO. INSUFICIÊNCIA DA OFERTA DE TRATAMENTO CONVENCIONAL ISOLADO POR PROFISSIONAIS CREDENCIADOS. APLICABILIDADE DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. NECESSIDADE DE OBSERVÂNCIA DA FUNÇÃO SOCIAL DO CONTRATO. POLÍTICA NACIONAL DE PROTEÇÃO DOS DIREITOS DA PESSOA COM TRANSTORNO ESPECTRO AUTISTA – LEI 12.764/2012. PREVISÃO EXPRESSA DE DIREITO AO ATENDIMENTO MULTIDISCIPLINAR. RECONHECIMENTO LEGAL QUANTO AO ADEQUADO TRATAMENTO. ENQUADRAMENTO EM SITUAÇÃO EXCEPCIONAL PREVISTA NA JURISPRUDÊNCIA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. COBERTURA INTEGRAL DO TRATAMENTO POR EQUIPE MULTIDISCIPLINAR ESPECIALIZADA QUE DEVE SER GARANTIDA. Exceção para o assistente terapêutico escolar/DOMICILIAR. Prescrição que foge ao escopo do contrato de assistência à saúde. reembolso de acordo com a tabela. Descabimento. procedimento requerido não possui cobertura prevista no plano. Provimento parcial do recurso. - O Superior Tribunal de Justiça editou a Súmula nº 469, afirmando o entendimento de que “aplica-se o Código de Defesa do Consumidor aos contratos de plano de saúde”. - O impedimento de longo prazo do autista se revela pelo transtorno de desenvolvimento, não se podendo conceber como satisfeito o cumprimento da obrigação contratual de adequado serviço de saúde, ante a manifesta recusa de oferta de atendimento capaz de tratar especificamente as necessidades do usuário. Não se trata de capricho ou de escolha de determinada equipe multiprofissional que trabalhe com autista. Trata-se, em verdade, da garantia do próprio atendimento multidisciplinar, reconhecido por lei como o adequado ao autista, previsto, inclusive, como seu direito fundamental. - Não é de competência do plano de saúde o custeio de assistente terapêutico acompanhante do menor em período escolar, sendo este de responsabilidade da escola, por determinação legal (§1º do art. 28 da Lei nº 13.146/2015, e, ainda, art. 3º da Lei Federal nº 12.764/2012), ofertar serviço especializado para a criança portadora de Transtorno do Espectro Autista. Em que pese o terapeuta escolar possa auxiliar na evolução do quadro clínico do menor, não tem relação com serviços de assistência à saúde, tratando-se de recomendação de natureza educacional. - Considerando que o laudo médico anexado aos autos também não possui fundamentação suficiente para embasar a imprescindibilidade de alteração do ambiente de tratamento, descabida a pretensão de custeio pelo plano do auxiliar terapêutico em ambiente domiciliar. - Não dispondo a operadora de profissionais com a especialidade necessária, ou diante da indisponibilidade de horários suficientes nas clínicas conveniadas, deverá proceder ao custeio integral dos valores dispendidos com profissionais não credenciados. VISTOS, relatados e discutidos os presentes autos. ACORDA a Quarta Câmara Cível do Tribunal de Justiça da Paraíba, em sessão ordinária, provimento parcial ao agravo de instrumento, prejudicado o agravo interno, nos termos do voto do relator, unânime. (0801341-39.2020.8.15.0000, Rel. Des. Oswaldo Trigueiro do Valle Filho, AGRAVO DE INSTRUMENTO, 4ª Câmara Cível, juntado em 14/12/2021)(Grifo nosso) No tocante à terapia de psicomotricidade com profissional de educação física, em que pese a importância da atividade, não se trata de serviço diretamente relacionado à área de saúde, razão porque, ante sua ampla abrangência, ainda que indicado por médico assistente, seu custeio não pode ser imposto ao plano de saúde sem prévia previsão contratual. Por fim, com relação aos demais profissionais especializados, cabe ao plano de saúde identificá-los e disponibilizá-los à promovente, prioritariamente dentro da rede credenciada. Contudo, se não disponibiliza profissionais com a especialidade necessária, ou apresenta número insuficiente de profissionais para atender as demandas, deve se valer de outros, mesmo que não credenciados, sob pena de descumprimento contratual. Neste sentido: PLANO DE SAÚDE. OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C DANOS MORAIS. COBERTURA. TERAPIA ABA. Insurgência das partes em face da sentença de procedência parcial. Sentença reformada em parte, sucumbência recíproca nos termos especificados. COBERTURA. Condenação da ré ao fornecimento dos seguintes tratamentos: Psicologia – Especializada ABA; Terapia Ocupacional com integração sensorial; Terapia ABA, Fonoaudiologia – PECs e Teachh; Psicopedagogia especializada em autismo; e Musicoterapia especializada em autismo. Reforma parcial. Expressa recomendação médica para tratamento do autismo da criança. Cobertura, porém, que deve observar o rol taxativo da ANS, segundo entendimento do STJ. Musicoterapia que não tem previsão no rol da ANS, além de não haver evidências de sua efetividade, conforme estudos do NAT/Jus. Demais tratamentos, porém, que devem ser fornecidos. RN nº 539/2022 da ANS que determinou às operadoras atendimento por prestador apto a executar o método ou técnica indicados pelo médico assistente. Métodos ABA e PECs que foram mencionados na nota técnica. Método Teachh também mencionado em obra citada na referida nota técnica. RN nº 469/2021 que, anteriormente, já previa obrigatoriedade de custeio ilimitado de sessões de psicoterapia, fonoaudiologia e terapia ocupacional para pacientes com autismo. DANOS MORAIS. Recurso de apelação da ré para afastamento ou redução da indenização. Recurso adesivo do autor para majoração da indenização. Não cabimento de danos morais em razão de mero inadimplemento. Inexistência de prejuízos à criança. Tratamentos de longo prazo, sem urgência ou emergência médica. RECURSO DE APELAÇÃO DA RÉ. PARCIALMENTE PROVIDO. RECURSO ADESIVO DO AUTOR DESPROVIDO. (TJ-SP - AC: 10300453220218260002 SP 1030045-32.2021.8.26.0002, Relator: Carlos Alberto de Salles, Data de Julgamento: 26/10/2022, 3ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 26/10/2022) Assim, por tudo que foi exposto, é de ser rejeitado o pedido da autora, ainda que prescrito por médico assistente, no tocante ao assistente terapêutico e educador físico, devendo, entretanto, ser compelida a operadora do plano de saúde ao custeio dos demais serviços solicitados pelo médico assistente, a saber: a) Analista Comportamental certificado ABA, que faz o programa e reavalia a cada 3 (três) meses, fazendo supervisão e treinamento semanal da equipe no programa; b) Fonoaudióloga, 03 (três) vezes por semana; c) Psicopedagoga, 03 (três) vezes por semana; d) Terapeuta Ocupacional, 03 (três) vezes por semana. Desta feita, não podendo a parte ser prejudicada pela ausência ou insuficiência de profissionais credenciados pela requerida com as especialidades indicadas no laudo médico, é de ser determinado ao plano de saúde o custeio do tratamento dos profissionais acima deferidos, ainda que não credenciados, inclusive através de reembolso, devendo ser observado, todavia, o limite contratual. O pagamento deverá ser solicitado pela parte autora mediante requerimento administrativo à promovida, com a comprovação dos gastos aqui autorizados, sem maiores formalidades. 3.2 DOS DANOS MATERIAIS Requer o promovente que seja a operadora do plano de saúde condenada ao pagamento de indenização pelos danos materiais sofridos, no valor de R$ 38.115,78 (trinta e oito mil, cento e quinze reais e setenta e oito centavos), tendo em vista que alguns reembolsos foram negados e outros foram pagos em valor inferior ao devido. Resta indubitável que, estando o mal que acomete o autor sob cobertura contratual e havendo requisição de profissional médico do procedimento adequado, faz jus o autor à respectiva cobertura contratual ao que fora requisitado, desde que trate de serviço diretamente relacionado à área de saúde. Cabe ao plano de saúde disponibilizar ao usuário/promovente, prioritariamente dentro da rede credenciada, os profissionais de saúde aptos ao tratamento indicado. Contudo, se não disponibiliza profissionais com a especialidade necessária, pode o usuário se valer de outros, mesmo que não credenciados, cujo custeio deverá ser ressarcido, observando-se, todavia, o limite contratual. Assim sendo, considerando que o autor antecipou os valores, com o fito de realizar do tratamento médico, que deveria ter sido custeado pela empresa demandada, é de ser acolhida parcialmente a pretensão autoral e obrigada a promovida ao pagamento de indenização pelo prejuízo material injustamente suportado pelo autor, no valor correspondente aos serviços de profissionais de saúde reconhecidos como devidos, quais sejam: a) Analista Comportamental certificado ABA, que faz o programa e reavalia a cada 3 (três) meses, fazendo supervisão e treinamento semanal da equipe no programa; b) Fonoaudióloga, 03 (três) vezes por semana; c) Psicopedagoga, 03 (três) vezes por semana; d) Terapeuta Ocupacional, 03 (três) vezes por semana, e desde que observado o limite contratual. Tais valores, a serem apurados em fase de liquidação, deverão ser corrigidos, pelo IPCA, desde a data do efetivo desembolso, além de acrescido de juros de mora equivalente a taxa SELIC, deduzida a correção monetária, a contar da citação que, no presente feito, ocorreu com o comparecimento espontâneo da parte promovida, em 09 de junho de 2023 (Id 74516993). 3.3 DOS DANOS MORAIS Com relação aos danos morais, argumentou o promovente que a falha na prática dos serviços pela parte promovida, caracteriza ato ofensivo, com danos psicológicos, causando prejuízo ao bem-estar emocional, dignidade, gerando angústia, humilhação e lesão ao equilíbrio natural do psiquismo do autor e sua família. No entanto, inobstante o aborrecimento experimentado pela promovente, impende destacar que a jurisprudência pátria é uníssona no sentido de que o descumprimento de contrato não gera, por si só, abalo moral passível de indenização. Especificamente quanto a danos morais nos casos de negativa de cobertura de tratamento por parte das operadoras de plano de saúde, a jurisprudência do STJ assim dispõe: AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. SÚMULA 182/STJ. NÃO INCIDÊNCIA. RECONSIDERAÇÃO DA DECISÃO DA PRESIDÊNCIA. PLANO DE SAÚDE. NEGATIVA DE COBERTURA. TRATAMENTO DE CÂNCER DE PRÓSTATA. DANO MORAL RECONHECIDO PELAS INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS. REEXAME DE PROVAS. SÚMULA 7/STJ. ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. ASTREINTES. REVISÃO. POSSIBILIDADE. EXORBITÂNCIA NÃO CONFIGURADA. AGRAVO INTERNO PROVIDO. RECURSO ESPECIAL DESPROVIDO. 1. Nos termos da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, o descumprimento contratual por parte da operadora de saúde, que culmina em negativa de cobertura para procedimento de saúde, somente enseja reparação a título de danos morais quando houver agravamento da condição de dor, abalo psicológico ou prejuízos à saúde já debilitada do paciente. (...)7. Agravo interno provido para conhecer do agravo e negar provimento ao recurso especial. (AgInt no AREsp 1649686/PR, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, julgado em 24/08/2020, DJe 15/09/2020)(Grifo nosso) Também: PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C DANOS MORAIS. PLANO DE SAÚDE. RECUSA DE COBERTURA. DOENÇA COBERTA. DANOS MORAIS. NÃO CONFIGURADOS. 1. Ação de obrigação de fazer c/c compensação por danos morais, fundada na negativa de custeio do tratamento médico prescrito. 2. A negativa administrativa ilegítima de cobertura para procedimento médico por parte da operadora de saúde só enseja danos morais na hipótese de agravamento da condição de dor, abalo psicológico e demais prejuízos à saúde já fragilizada do paciente. Precedentes.3. Agravo interno desprovido. (AgInt nos EDcl no AREsp 1583039/RJ, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 24/08/2020, DJe 27/08/2020)(grifo nosso) No caso presente, pelo teor da justificativa, tenho que a conduta da ré limitou-se à defesa de seus interesses baseada na interpretação das cláusulas contratuais, não sendo passível de causar danos morais à demandante. Ademais, não há notícia de piora do seu quadro clínico em virtude da situação narrada na inicial. Verifica-se que a conduta da demandada não se trata de recusa injustificada, em absoluta contrariedade à disposição legal ou contratual, mas de dúvida decorrente de novas circunstâncias, não previstas na época da elaboração do contrato, como o fato do surgimento de novos métodos de tratamento, como o método ABA para melhor desenvolvimento de crianças diagnosticadas com o transtorno do espectro autista, não havendo, ainda, unanimidade na jurisprudência acerca do tema. Ressalto que houve negativa de cobertura apenas de parte dos pedidos, sendo verificado, que, como já fundamentado no presente decisório, não pode o custeio dos profissionais ser imposto em sua totalidade. Desta forma, para comprovação de danos extrapatrimoniais faz-se necessária a indicação de outros fatos, além do descumprimento contratual, aptos a ensejar a reparação civil, o que não ocorreu nestes autos. A recusa de atendimento, ainda que decorrente de obrigação contratual, sem comprovação de outras circunstâncias, além do aborrecimento inerente ao descumprimento contratual, não se revela suficiente à demonstração de tais danos. Portanto, não tendo a parte promovente se desincumbido do ônus que lhe cabe, pois não demonstrada a ocorrência de danos extrapatrimoniais passíveis de indenização, é de ser indeferido o pedido de indenização de danos morais. 4 DISPOSITIVO ANTE O EXPOSTO, considerando os fundamentos acima e o entendimento hodierno adotado em nosso ordenamento jurídico, extingo o feito com resolução do mérito, nos termos do art. 487, I, do CPC, e JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos contidos na exordial para: I - CONDENAR a operadora de plano de saúde demandada ao custeio dos seguintes serviços solicitados pelo médico assistente, na forma prescrita, sem limite de sessões: a) Analista Comportamental certificado ABA, que faz o programa e reavalia a cada 3 (três) meses, fazendo supervisão e treinamento semanal da equipe no programa; b) Fonoaudióloga, 03 (três) vezes por semana; c) Psicopedagoga, 03 (três) vezes por semana; d) Terapeuta Ocupacional, 03 (três) vezes por semana. II – Acaso não haja profissionais nas especialidades acima credenciados pelo plano de saúde, ou sejam em número insuficiente, fica o autor autorizado a buscar profissionais particulares, devendo o valor gasto com estes ser REEMBOLSADO pelo promovido, por meio de requerimento administrativo da autora, com a comprovação dos gastos autorizados no Item anterior e observado o limite contratual;. III – REJEITAR a cobertura com relação aos serviços a serem realizados por assistente terapêutico e psicomotricidade, por fisioterapeuta ou educador físico. IV – CONDENAR a parte promovida ao pagamento de indenização por danos materiais, equivalente ao reembolso dos valores comprovadamente despendidos pelo autor com relação aos serviços de profissionais de saúde reconhecidos como devidos, quais sejam: a) Analista Comportamental certificado ABA, que faz o programa e reavalia a cada 3 (três) meses, fazendo supervisão e treinamento semanal da equipe no programa; b) Fonoaudióloga, 03 (três) vezes por semana; c) Psicopedagoga, 03 (três) vezes por semana; d) Terapeuta Ocupacional, 03 (três) vezes por semana, e desde que observado o limite contratual. Tais valores, a serem apurados em fase de liquidação, deverão ser corrigidos, pelo IPCA, desde a data do efetivo desembolso, além de acrescido de juros de mora equivalente a taxa SELIC, deduzida a correção monetária, a contar da citação que, no presente feito, ocorreu com o comparecimento espontâneo da parte promovida, em 09 de junho de 2023 (Id 74516993). IV – REJEITAR o pedido de indenização por danos morais. Em razão da sucumbência recíproca, condeno as partes no pagamento dos honorários advocatícios sucumbenciais, no valor de R$ 1.500,00 (um mil e quinhentos reais) para cada parte. Condeno as partes ainda ao pagamento das custas processuais, que deverão ser reciprocamente suportados na proporção de 60% (sessenta por cento) pela parte promovida e 40% (quarenta por cento) pela parte autora. Após o decurso do prazo recursal, certifique-se o trânsito em julgado, e aguarde-se manifestação das partes, pelo prazo de quinze dias. Nada mais sendo requerido, arquivem-se os presentes autos. Cumpra-se. Campina Grande, data e assinatura eletrônicas. Audrey Kramy Araruna Gonçalves Juíza de Direito
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