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Claudia Valeria Do Nascimento x Caixa De Assistência Dos Funcionários Do Banco Do Brasil - Cassi

ID: 332248420

Tribunal: TJPR Órgão: Vara Cível de Astorga Classe: PROCEDIMENTO COMUM CíVEL Nº Processo: 0002282-03.2024.8.16.0049

Data de Disponibilização: 31/07/2025

Polo Ativo:

CLAUDIA VALERIA DO NASCIMENTO

Polo Passivo:

CAIXA DE ASSISTêNCIA DOS FUNCIONáRIOS DO BANCO DO BRASIL - CASSI

Conclusão

Advogados:

MILENA LAÍS VIEIRA

OAB/DF XXXXXX Desbloquear

MARIA EMÍLIA GONÇALVES DE RUEDA

OAB/PE XXXXXX Desbloquear

PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO PARANÁ COMARCA DE ASTORGA VARA CÍVEL DE ASTORGA - PROJUDI Rua Pará, 515 - Centro - Astorga/PR - CEP: 86.730-000 - Fone: (44) 3234-7472 - E-mail: varacivelast@uol.com.br … PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO PARANÁ COMARCA DE ASTORGA VARA CÍVEL DE ASTORGA - PROJUDI Rua Pará, 515 - Centro - Astorga/PR - CEP: 86.730-000 - Fone: (44) 3234-7472 - E-mail: varacivelast@uol.com.br Autos nº. 0002282-03.2024.8.16.0049 Processo: 0002282-03.2024.8.16.0049 Classe Processual: Procedimento Comum Cível Assunto Principal: Fornecimento de medicamentos Valor da Causa: R$770.000,00 Autor(s): CLAUDIA VALERIA DO NASCIMENTO Réu(s): CAIXA DE ASSISTÊNCIA DOS FUNCIONÁRIOS DO BANCO DO BRASIL - CASSI SENTENÇA I- RELATÓRIO Trata-se de AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C PEDIDO DE TUTELA ANTECIPADA DE URGÊNCIA proposta por CLÁUDIA VALÉRIA DO NASCIMENTO em face de CAIXA DE ASSISTÊNCIA DOS FUNCIONÁRIOS DO BANCO DO BRASIL - CASSI, todos devidamente qualificados. Alega a parte autora, em síntese, que: I) é portadora de neuromielite óptica (NMO), doença que causa graves limitações físicas e tem progressão imprevisível, sendo uma doença autoimune grave que se assemelha em seus efeitos incapacitantes a outras doenças como esclerose múltipla e cegueira; II) possui um contrato de intermediação de serviços de assistência à saúde com a Cassi, sendo que o número do cartão é identificado sob o n. 0010020645500036; III) está em tratamento por neuromielite óptica (NMO) - CID 10: G 36 - com anticorpos aquaporina 4 IgG positivos no soro desde 2009. A NMO, também conhecida como doença de Devic, é uma condição autoimune rara que afeta principalmente o nervo óptico e a medula espinhal. Os anticorpos presentes no soro da Requerente atacam a proteína aquaporina-4, que é fundamental para a função normal das células no sistema nervoso central; IV) vem apresentando piora motora nos últimos 12 meses, além de possuir uma extensa lesão medular residual, fatos caracterizam a doença como agressiva e ativa; V) o tratamento da NMO geralmente envolve imunossupressores para reduzir a atividade do sistema imunológico e prevenir novos surtos da doença, todavia, no caso da requerente os tratamentos anteriores com prednisona, ciclofosfamida, plasmaférese e azatioprina, a condição continua a piorar, destacando a necessidade urgente do medicamento ENSPRYNG (satralizumab), “Sob o risco de piora no quadro motor e risco de sequelas permanentes para a paciente se o medicamento não for utilizado”, de acordo com relatório médico; VI) abriu a solicitação sob o protocolo n° 34665920240709736889, a qual infelizmente recebeu uma resposta negativa, informando que o medicamento não está coberto para uso ambulatorial; VII) a medicação receitada ENSPRYNG (satralizumab) é de alto custo, sendo que cada 120mg, pode custar entre R$55.500,00 à R$65.800,00 e nas condições receitadas à requerente chegaria a uma média anual de R$770.000,00. Requereu, a título de urgência, que o plano de saúde seja compelido a fornecer a medicação. Em decisão de mov. 9.1 foi deferida a gratuidade de justiça, bem como a concessão da liminar para “determinar que a parte ré forneça a medicação ENSPRYNG® (Satralizumab) 120 mg (receita de mov. 1.8), pelo tempo necessário para o tratamento, sob pena de multa diária de R$ 200,00 (duzentos reais), limitada a R$ 5.000,00 (cinco) mil reais”. Citada (mov. 19.1), a parte ré apresentou contestação (mov. 23.1), na qual, preliminarmente, sustenta a inaplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor, alegando que, por se tratar de entidade de autogestão em saúde, sem fins lucrativos, não se configura relação de consumo entre as partes. Por esse motivo, requer o afastamento das normas do CDC, especialmente da inversão do ônus da prova. Impugna também o valor atribuído à causa, afirmando que o montante de R$ 770.000,00 foi fixado de forma arbitrária, sem respaldo em elementos concretos, com o objetivo de majorar eventuais verbas sucumbenciais, razão pela qual requer sua adequação para valor compatível com o real conteúdo econômico da demanda. Além disso, impugna genericamente a gratuidade de justiça concedida à parte autora, sob o argumento de ausência de comprovação da alegada hipossuficiência econômica. No mérito, alega que o medicamento pleiteado, ENSPRYNG (satralizumab), não integra o rol de procedimentos obrigatórios da ANS, conforme Diretriz de Utilização nº 65 da RN nº 465/2021, nem está previsto no contrato firmado com a autora. Afirma que a negativa de cobertura está amparada nas normas regulatórias e não configura conduta abusiva, uma vez que o fornecimento de medicamentos fora do rol da ANS é facultativo e condicionado à previsão contratual. Argumenta que, embora o rol da ANS tenha natureza exemplificativa, ele representa parâmetro técnico mínimo de cobertura obrigatória, devendo ser considerado na avaliação da cobertura assistencial, sob pena de comprometimento do equilíbrio econômico-financeiro do plano e da coletividade de beneficiários. Defende, ainda, que não há nos autos prova técnica idônea a afastar os critérios estabelecidos pela ANS, tampouco demonstração de urgência médica ou risco iminente de morte que justifique o fornecimento compulsório do fármaco. Ressalta que a autora está em acompanhamento médico contínuo e que outros medicamentos anteriormente foram fornecidos, inexistindo omissão ou negligência no atendimento. Ao final, requer o indeferimento da tutela antecipada, o acolhimento das preliminares suscitadas, em especial o afastamento do CDC, e, no mérito, a total improcedência dos pedidos iniciais, com a manutenção da negativa de fornecimento do medicamento ENSPRYNG por ausência de obrigação contratual e respaldo regulatório. A parte autora impugnou a contestação (mov. 32.1.), reiterando todos os termos da exordial e requerendo a procedência da ação. Em decisão de mov. 70.1, o Juízo deferiu a produção de prova emprestada dos autos n°1075819- 77.2024.8.26.0100 (mov. 59.1). Vieram os autos conclusos. É o relato do necessário. Fundamento e decido. II – FUNDAMENTAÇÃO 2.1 Preliminares 2.1.1 – Impugnação ao valor da causa A parte requerida alega que o valor atribuído à causa pela parte autora (R$ 770.000,00) é desproporcional e destituído de base plausível, argumentando que teria sido arbitrariamente fixado com o intuito de majorar artificialmente eventual condenação em honorários e comprometer o equilíbrio do processo. Sustenta, ainda, que o valor não poderia ser estimado com base em orçamento particular, tampouco corresponde à complexidade da demanda. Pois bem. Nos termos do art. 292, §2º, do CPC, tratando-se de obrigação de fazer consistente na prestação continuada (fornecimento de medicamento de uso contínuo e por tempo indeterminado), o valor da causa deve corresponder ao montante equivalente a uma anuidade do tratamento prescrito, sendo essa a orientação consolidada na jurisprudência: APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER. PLANO DE SAÚDE. CUSTEIO DE TRATAMENTO . SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA. VALOR DA CAUSA. SOMATÓRIO DOS PEDIDOS. MEDICAMENTO DE USO CONTÍNUO . VALOR DO TRATAMENTO NO PERÍODO DE UM ANO. APLICAÇÃO DO ARTIGO 292, § 2º, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. HONORÁRIOS SUCUMBENCIAIS. FIXAÇÃO EQUITATIVA . IMPOSSIBILIDADE. PROVEITO ECONÔMICO MENSURÁVEL. APLICAÇÃO DO ARTIGO 85, § 2º, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. TESE FIRMADA PELO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA EM RECURSO REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA – RESP 1 .906.618/SP. READEQUAÇÃO DA BASE DE CÁLCULO FIXADA NA SENTENÇA. SOMATÓRIO DO VALOR DO MEDICAMENTO EFETIVAMENTE CUSTEADO PELA OPERADORA DE PLANO DE SAÚDE COM A INDENIZAÇÃO FIXADA . RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. (TJPR - 8ª Câmara Cível - 0002569-24.2020.8 .16.0172 - Ubiratã - Rel.: DESEMBARGADOR SERGIO ROBERTO NOBREGA ROLANSKI - J. 03 .10.2022) (TJ-PR - APL: 00025692420208160172 Ubiratã 0002569-24.2020.8 .16.0172 (Acórdão), Relator.: Sergio Roberto Nobrega Rolanski, Data de Julgamento: 03/10/2022, 8ª Câmara Cível, Data de Publicação: 04/10/2022) (g.n). No caso dos autos, a parte autora fundamentou o valor atribuído à causa com base no custo médio anual do medicamento ENSPRYNG (satralizumabe), conforme prescrição médica juntada aos autos e orçamento respectivo. Ainda que elevado, o montante reflete o conteúdo econômico da pretensão deduzida e observa os parâmetros legais fixados para obrigações de trato sucessivo. Ademais, não se vislumbra, no caso concreto, nenhuma irregularidade ou indício de má-fé na fixação do valor, tampouco prova concreta de que tenha havido abuso de direito ou tentativa de majoração artificial de honorários. Rejeito, portanto, a preliminar de impugnação ao valor da causa. 2.1.2 – Gratuidade da Justiça A parte requerida impugnou genericamente o deferimento da gratuidade de justiça à parte autora, sustentando ausência de comprovação da insuficiência de recursos, mas sem apresentar qualquer elemento concreto que contradiga a declaração de hipossuficiência firmada na petição inicial. Nos termos do art. 99, §§ 2º e 3º, do Código de Processo Civil, a declaração firmada pela parte goza de presunção relativa de veracidade, cabendo à parte adversa o ônus de demonstrar que a parte autora possui condições de arcar com as custas processuais sem prejuízo de seu sustento ou de sua família, o que não ocorreu no caso dos autos. A jurisprudência é pacífica nesse sentido: AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE ANULAÇÃO DE NEGÓCIO JURÍDICO E PEDIDO DE DANOS MORAIS. IMPUGNAÇÃO AO BENEFÍCIO DA ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA GRATUITA. ÔNUS DA PROVA DO IMPUGNANTE . PRECEDENTES DO STJ. AUSÊNCIA DE PROVAS SOBRE A ALEGADA POSSIBILIDADE FINANCEIRA DO BENEFICIÁRIO. BENEFÍCIO QUE DEVE SER MANTIDO. DECISÃO INALTERADA . AGRAVO DE INSTRUMENTO CONHECIDO E NEGADO PROVIMENTO. (TJPR - 4ª C. Cível - 0022552-06.2021 .8.16.0000 - Cascavel - Rel.: DESEMBARGADORA ASTRID MARANHÃO DE CARVALHO RUTHES - J . 19.07.2021) (TJ-PR - AI: 00225520620218160000 Cascavel 0022552-06.2021 .8.16.0000 (Acórdão), Relator.: Astrid Maranhão de Carvalho Ruthes, Data de Julgamento: 19/07/2021, 4ª Câmara Cível, Data de Publicação: 19/07/2021) (g.n). Assim, na ausência de prova idônea em sentido contrário, mantém-se o benefício da justiça gratuita à parte autora. Rejeito, portanto, a preliminar. 2.1.3 - Aplicação do Código de Defesa do Consumidor A preliminar aventada diz respeito à aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor (CDC) ao presente caso, tendo em vista que a parte ré – Caixa de Assistência dos Funcionários do Banco do Brasil (CASSI) – é entidade de autogestão, ou seja, sem fins lucrativos e mantida pelos próprios beneficiários, mediante contribuições mútuas. De fato, embora a Súmula 608 do STJ preveja a aplicação do CDC aos contratos de plano de saúde, ressalva expressamente os contratos administrados por entidades de autogestão, como é o caso da ré: Súmula 608 - Aplica-se o Código de Defesa do Consumidor aos contratos de plano de saúde, salvo os administrados por entidades de autogestão. Assim, não se aplica o Código de Defesa do Consumidor à relação contratual em análise. Nesse sentido: RECURSO INOMINADO. PLANO DE SAÚDE. FUNDAÇÃO COPEL. CONTRATO DE AUTOGESTÃO. INAPLICABILIDADE DO CDC. NEGATIVA DE COBERTURA DA CIRURGIA OCULAR REFRATIVA ILASIK. JUSTIFICATIVA DE QUE O PROCEDIMENTO NÃO ESTÁ NO ROL DA ANS. ROL MERAMENTE EXEMPLIFICATIVO . INTERPRETAÇÃO FAVORÁVEL AO CONSUMIDOR. AUSÊNCIA DE EXCLUSÃO DA COBERTURA. TÉCNICA INDICADA POR MÉDICO ESPECIALISTA. COBERTURA DEVIDA . SENTENÇA MANTIDA. RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO. (TJ-PR 0012422-56.2022 .8.16.0182 Curitiba, Relator.: Fernanda Bernert Michielin, Data de Julgamento: 23/02/2024, 2ª Turma Recursal, Data de Publicação: 03/03/2024) (g.n). APELAÇÃO CÍVEL. “AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C PEDIDO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS.” 1. PLANO DE SAÚDE . ENTIDADE DE AUTOGESTÃO. INAPLICABILIDADE DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. FALTA DE INTERESSE RECURSAL. NÃO CONHECIMENTO DO RECURSO, QUANTO AO PONTO . 2. USUÁRIO, IDOSO, FALECIDO NO CURSO DO PROCESSO, QUE APRESENTAVA SEQUELAS DECORRENTES DE ACIDENTE VASCULAR CEREBRAL E OUTRAS GRAVES COMPLICAÇÕES. SERVIÇO DE HOME CARE. RECUSA DE COBERTURA EMBASADA NA AUSÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL E CONTRATUAL . ABUSIVIDADE. OFENSA À BOA-FÉ OBJETIVA. INTELIGÊNCIA DO ARTIGO 51, INCISO IV, E § 1.º, INCISO II, DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR . INTERNAÇÃO DOMICILIAR INDICADA EM SUBSTITUIÇÃO À INTERNAÇÃO HOSPITALAR. 3. DANOS MATERIAIS. REEMBOLSO DAS DESPESAS EFETIVAMENTE COMPROVADAS REFERENTES AO TRATAMENTO DOMICILIAR, COM SERVIÇO DE ENFERMAGEM, INCLUINDO INSUMOS, MATERIAIS, EQUIPAMENTOS E MEDICAMENTOS . 4. DANOS MORAIS CONFIGURADOS E “QUANTUM” INDENIZATÓRIO MANTIDO. 5. BASE DE CÁLCULO DOS HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS . VALOR TOTAL E ATUALIZADO DA CONDENAÇÃO, CORRESPONDENTE À SOMA DOS DANOS MATERIAIS (R$12.262,02) E MORAIS (R$15.000,00) ORA RATIFICADOS. RECURSO PROVIDO, QUANTO AO TÓPICO . RECURSO PARCIALMENTE CONHECIDO, E NA EXTENSÃO, PARCIALMENTE PROVIDO. (TJ-PR 00155882820208160001 Curitiba, Relator.: substituta elizabeth de fatima nogueira calmon de passos, Data de Julgamento: 22/07/2024, 10ª Câmara Cível, Data de Publicação: 23/07/2024) (g.n) Por consequência, afasta-se a aplicação do Código de Defesa do Consumidor ao caso concreto. 2.2 Mérito Estão presentes os pressupostos processuais e as condições da ação. Inexistindo preliminares a serem apreciadas e não se vislumbrando a presença de irregularidades a serem sanadas na presente fase processual, passa-se ao exame do mérito. Convém destacar, inicialmente, que o Superior Tribunal de Justiça, em recente julgamento com efeitos uniformizadores, reconheceu que o rol de procedimentos e eventos em saúde suplementar da ANS possui caráter taxativo, porém mitigado, admitindo-se a cobertura de tratamentos não previstos, desde que preenchidos determinados requisitos técnicos e científicos. Neste sentido: EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RECURSO ESPECIAL. PLANO SAÚDE. TRATAMENTO PRESCRITO POR MÉDICO ASSISTENTE. NEGATIVA DE COBERTURA . PROCEDIMENTO NÃO PREVISTO NO ROL DA AGÊNCIA NACIONAL DE SAÚDE SUPLEMENTAR. UNIFORMIZAÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA NOS ERESP N. 1.889 .704/SP PELA TAXATIVIDADE COM EXCEÇÕES. REAÇÃO LEGISLATIVA COM O NOVO ART. 10, §§ 12 E 13, DA LEI N. 9 .656/1998, COM A REDAÇÃO DADA PELA LEI N. 14.454/2022. ROL DA ANS COMO REFERÊNCIA BÁSICA DE COBERTURA COM CONDICIONANTES . ROL EXEMPLIFICATIVO. REQUISITOS DE EXCEÇÃO COMPROVADOS. COBERTURA DO PROCEDIMENTO NECESSÁRIO AO TRATAMENTO DO PACIENTE. NEOPLASIA . EMBARGOS CONHECIDOS E DESPROVIDOS. 1. O rol da ANS é compreendido pelo Superior Tribunal de Justiça como taxativo (EREsp n. 1 .889.704/SP, Segunda Seção), admitindo algumas exceções. 2. A Lei n . 14.454/2022 constitui reação legislativa à decisão do STJ proferida nos EREsp n. 1.889 .704/SP, ao diminuir as exigências para superação da referência básica de cobertura para os planos de saúde. 3. Comprovado o preenchimento dos critérios para flexibilização do rol da ANS definidos na nova lei, cabe ao plano de saúde fornecer tratamento não previsto no rol da ANS.4 . Embargos de divergência conhecidos e não providos. (STJ - EREsp: 1925051 SP 2021/0059467-0, Relator.: Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, Data de Julgamento: 18/04/2024, S2 - SEGUNDA SEÇÃO, Data de Publicação: DJe 24/04/2024) (g.n). Essa diretriz foi incorporada ao ordenamento jurídico por meio da Lei nº 14.454/2022, que acrescentou os §§ 12 e 13 ao art. 10 da Lei nº 9.656/98, estabelecendo que o rol da ANS deve ser considerado como referência básica para a cobertura assistencial, sem impedir a autorização de procedimentos fora do rol, desde que observados os critérios legais expressamente previstos: Art. 10. É instituído o plano-referência de assistência à saúde, com cobertura assistencial médico-ambulatorial e hospitalar, compreendendo partos e tratamentos, realizados exclusivamente no Brasil, com padrão de enfermaria, centro de terapia intensiva, ou similar, quando necessária a internação hospitalar, das doenças listadas na Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde, da Organização Mundial de Saúde, respeitadas as exigências mínimas estabelecidas no art. 12 desta Lei, exceto: (...) § 12. O rol de procedimentos e eventos em saúde suplementar, atualizado pela ANS a cada nova incorporação, constitui a referência básica para os planos privados de assistência à saúde contratados a partir de 1º de janeiro de 1999 e para os contratos adaptados a esta Lei e fixa as diretrizes de atenção à saúde. (Incluído dada pela Lei nº 14.454, de 2022) § 13. Em caso de tratamento ou procedimento prescrito por médico ou odontólogo assistente que não estejam previstos no rol referido no § 12 deste artigo, a cobertura deverá ser autorizada pela operadora de planos de assistência à saúde, desde que: I - exista comprovação da eficácia, à luz das ciências da saúde, baseada em evidências científicas e plano terapêutico; ou II - existam recomendações pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (Conitec), ou exista recomendação de, no mínimo, 1 (um) órgão de avaliação de tecnologias em saúde que tenha renome internacional, desde que sejam aprovadas também para seus nacionais (g.n). Pois bem. No caso em análise, verifico que a parte autora juntou aos autos relatório médico subscrito por neurologista especialista, com o seguinte teor (mov. 1.7): “A senhora Cláudia está em tratamento por NEUROMIELITE ÓPTICA (NMO) com Anticorpos AQUAPORINA 4 IgG positivos no soro desde 2009. A Neuromielite óptica é uma doença inflamatória desmielinizante e imunomediada do sistema nervoso central cuja principal característica da doença são episódios (surtos) de neurite óptica frequentemente bilateral (perda visual) e mielite longitudinal extensa (inflamação medular que causa paraplegia). Os surtos são, na maioria das vezes, graves e podem deixar sequelas neurológicas permanentes como cegueira e paraplegia. Nos primeiros cinco anos após o início da doença, 50% dos pacientes apresentam perda visual grave em pelo menos um olho ou são incapazes de caminhar sem apoio. A fisiopatologia e o diagnóstico da NMO estão relacionados a um anticorpo formado por imunoglobulina G que se liga aos canais de aquaporina tipo 4 (aquaporina 4, IgG) localizado nos pés astrocitários. Cláudia já foi submetida ao tratamento com prednisona, ciclofosfamida, sessões de plasmaférese e azatioprina. Mesmo com todo tratamento descrito, vem apresentando piora motora nos últimos 12 meses (está tendo gradativa piora na capacidade de caminhar). Além disto, apresenta extensa lesão medular residual. Fatos que caracterizam como doença agressiva / ativa. Em virtude deste contexto clínico, solicito tratamento em caráter de urgência com ENSPRYNG® (Satralizumab) 120 mg, conforme prescrição em anexo, sob o risco de piora no quadro motor e risco de sequelas permanentes para a paciente se o medicamento não for utilizado. Gostaria de salientar que há extensa literatura médica com alto grau de evidência para sustentar o tratamento proposto.” Ademais, importa destacar que, da prova emprestada acostada aos autos em mov. 59.4, extrai-se o parecer técnico exarado pelo NAT-JUS/SP nos seguintes termos: "NOTA TÉCNICA Nº 2575/2024 - NAT-JUS/SP 4. Descrição da Tecnologia 4.1. Tipo da tecnologia: MEDICAMENTO SATRALIZUMABE 120MG (ENSPRYNG) 4.2. Princípio Ativo: SATRALIZUMABE 4.3. Registro na ANVISA: 1010006710010 4.4. O produto/procedimento/medicamento está disponível no SUS: Não 4.5. Descrever as opções disponíveis no SUS/Saúde Suplementar: Vide discussão. 4.6. Em caso de medicamento, descrever se existe Genérico ou Similar: Não 4.7. Recomendações da CONITEC: Não avaliado 5. Discussão e Conclusão 5.1. Evidências sobre a eficácia e segurança da tecnologia: O satralizumabe é um medicamento utilizado no tratamento da neuromielite óptica (NMO), também conhecida como espectro de distúrbios da neuromielite óptica (NMOSD). Esta é uma condição autoimune rara e grave que afeta principalmente o sistema nervoso central, especialmente o nervo óptico e a medula espinhal. Os ataques associados ao NMOSD podem levar a perda de visão e problemas de mobilidade. O satralizumabe é um anticorpo monoclonal que se liga à interleucina-6 (IL-6), uma citocina que desempenha um papel crítico na inflamação. Ao bloquear a atividade da IL-6, o satralizumabe ajuda a reduzir a inflamação e prevenir os surtos associados ao NMOSD. Este medicamento é normalmente recomendado para pacientes que não responderam adequadamente a outras terapias ou para aqueles que buscam uma opção de tratamento com um mecanismo de ação específico. No caso da parte autora, ela já recebeu rituximabe antes, porém teve complicação grave relacionada à imunossupressão. A eficácia do satralizumabe foi demonstrada em ensaios clínicos, onde reduziu significativamente a frequência de recaídas em pacientes com NMOSD, melhorando assim a qualidade de vida e ajudando a manter a função neurológica. O medicamento é administrado por via subcutânea, o que pode ser feito em um ambiente clínico ou em casa, após o treinamento adequado. 5.2. Benefício/efeito/resultado esperado da tecnologia: Redução da frequência de crises da doença. 5.3. Parecer ( X ) Favorável ( ) Desfavorável 5.4. Conclusão Justificada: Medicamento com benefício em ensaios clínicos e com indicação para a doença da parte autora. Justifica-se a alegação de urgência, conforme definição de urgência e emergência do CFM? ( ) SIM, com potencial risco de vida ( X ) SIM, com risco de lesão de órgão ou comprometimento de função ( ) NÃO” (g.n). Com base em tal documentação técnica e diante da comprovação médica da gravidade do quadro clínico, da ineficácia dos tratamentos convencionais anteriormente adotados e da urgência na administração da medicação indicada, conclui-se pelo preenchimento dos requisitos legais exigidos para a excepcionalidade à cobertura obrigatória prevista no rol da ANS. Neste sentido: APELAÇÃO CÍVEL. PLANO DE SAÚDE. MEDICAMENTO QUE EXIGE APLICAÇÃO SOB SUPERVISÃO MÉDICA. COBERTURA OBRIGATÓRIA. 1. Apelo contra sentença que obrigou a operadora a fornecer Enspryng (satralizumab) 120 mg para tratamento de neuromielite óptica, alegando que o medicamento não é antineoplásico e não consta no rol da ANS. 2. Necessidade de complementação do preparo na pequena diferença de R$ 16,54, sob pena de inscrição na dívida ativa, providência a ser fiscalizada no Juízo de origem . 3. Medicamento prescrito para ser ministrado em ambiente hospitalar, pois o paciente está internado, não se tratando, pois, de medicamento de uso estritamente domiciliar, tanto que sua aplicação exige supervisão médica e condições específicas de uso, conservação, higienização e preparo devido ao risco de eventos adversos, como infecções graves e neutropenia. 4. Medicamento, ademais, registrado na ANVISA, essencial para controle da doença e prevenção de sequelas graves, conforme bula e Nota Técnica do NAT-Jus, especialmente após falhas e ineficácias terapêuticas anteriores. 5. Sentença mantida, com majoração honorária. 6. Recurso desprovido . (TJ-SP - Apelação Cível: 10758197720248260100 São Paulo, Relator.: Ademir Modesto de Souza, Data de Julgamento: 15/01/2025, 7ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 15/01/2025) (g.n). Dessa forma, a autora faz jus ao fornecimento do medicamento. Passo à análise do pedido de indenização a título de danos morais. Alega a autora que o dano moral é in re ipsa na negativa de cobertura de tratamento, influindo diretamente nos direitos da personalidade. No entanto, conforme entendimento do Colendo STJ: AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL. PLANO DE SAÚDE. RECUSA DE COBERTURA . DANO MORAL IN RE IPSA. NÃO OCORRÊNCIA. ENTENDIMENTO DO TRIBUNAL DE ORIGEM EM CONSONÂNCIA COM A JURISPRUDÊNCIA DO STJ. DANO MORAL NÃO CONFIGURADO . NECESSIDADE DE REEXAME DE PROVAS. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA N. 7 DO STJ . AGRAVO INTERNO DESPROVIDO. 1. "O descumprimento contratual por parte da operadora de saúde, que culmina em negativa de cobertura para procedimento de saúde, somente enseja reparação a título de danos morais quando houver agravamento da condição de dor, abalo psicológico ou prejuízos à saúde já debilitada do paciente" (AgInt no AREsp n. 1 .185.578/SP, Quarta Turma). 2. Rever o entendimento do tribunal de origem acerca da inexistência do dano moral demanda o reexame do suporte fático-probatório dos autos, o que é vedado em recurso especial, ante a incidência do óbice da Súmula n . 7 do STJ. 3. Agravo interno desprovido. (STJ - AgInt no AREsp: 2433593 SE 2023/0287822-2, Relator.: Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, Data de Julgamento: 13/05/2024, T4 - QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJe 15/05/2024) (g.n). No presente caso, não se observa que a negativa da ré causou sofrimento psicológico à autora, pois foi deferida a liminar (mov. 9.1) determinando o fornecimento do medicamento pela requerida logo após o ingresso da ação, sendo que durante o período após a negativa administrativa da ré e o cumprimento da liminar, não foi noticiado e comprovado o agravamento da saúde da autora. Neste sentido, é também o entendimento do E. TJPR: Direito Civil. Recurso Inominado. Plano de Saúde. Negativa de cobertura de medicamento (ácido hialurônico) . Dever de cobertura. Dano moral não configurado. Recurso parcialmente provido. I . Caso em exame 1. Recurso Inominado interposto pela parte Ré contra sentença que julgou procedente os pedidos iniciais, condenando a operadora de plano de saúde a autorizar a aplicação de ácido hialurônico, conforme prescrição médica, e ao pagamento de indenização por danos morais no valor de R$ 3.000,00. A parte Ré alegou a não comprovação da efetividade do medicamento e a existência de previsão contratual e legal para a negativa de cobertura . Pugna, ainda, pelo afastamento da condenação ao pagamento de indenização por dano moral. II. Questão em discussão 2. A questão em discussão consiste em saber se: (i) . A negativa de cobertura do medicamento ácido hialurônico pela operadora de plano de saúde é abusiva e ilegal no presente caso. (ii). A negativa de cobertura configura dano moral indenizável. III . Razões de decidir 3. A negativa de cobertura do medicamento ácido hialurônico, no presente caso, é considerada abusiva e ilegal, pois o medicamento foi prescrito pelo médico assistente da paciente e o tratamento da doença possui cobertura contratual. Além disso, o paciente já havia realizado tratamento com os métodos convencionais sem sucesso. 4 . A negativa de cobertura não configura dano moral in re ipsa, pois se trata de mera divergência contratual. Assim, cabia ao consumidor comprovar violação aos seus direitos da personalidade, o que não ocorreu no presente caso. IV. Dispositivo e tese 5 . Recurso Inominado conhecido e parcialmente provido. Dispositivos relevantes citados: Artigo 373, inciso II, do CPCJurisprudência relevante citada: Processo 0007957-74.2023.8 .16.0018 - Maringá - Rel.: Juiz De Direito Da Turma Recursal Dos Juizados Especiais Fernando Swain Ganem - J. 26 .04.2024; Processo 0006516-02.2023.8 .16.0069 - Cianorte - Rel.: Juiz De Direito Da Turma Recursal Dos Juizados Especiais Irineu Stein Junior - J. 05 .04.2024; Processo AgInt no REsp n. 2.083 .260/SP, relator Ministro Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, julgado em 2/10/2023, DJe de 4/10/202; Processo REsp n. 1.684.257/SP, relatora Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma,DJe de 17/8/2018 . (TJ-PR 00717811920238160014 Londrina, Relator.: Adriana de Lourdes Simette, Data de Julgamento: 25/02/2025, 3ª Turma Recursal, Data de Publicação: 27/02/2025). RESPONSABILIDADE CIVIL – AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C DANOS MORAIS E MATERIAIS C/C TUTELA DE URGÊNCIA – NEGATIVA DE COBERTURA DO MEDICAMENTO CLEXANE SAFETY LOCK – RECUSA ILEGÍTIMA – DEVER DE COBERTURA NÃO IMPUGNADO – TRÂNSITO EM JULGADO EM RELAÇÃO A ESTE PONTO – DANO MORAL NÃO CONFIGURADO – MERO INADIMPLEMENTO CONTRATUAL – AUSÊNCIA DE PREJUÍZOS À SAÚDE DA AUTORA – SENTENÇA REFORMADA NESTE TÓPICO – REDISTRIBUIÇÃO DA VERBA SUCUMBENCIAL – RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. Nos termos da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, o mero inadimplemento contratual não enseja condenação ao pagamento de indenização por danos morais, em tendo a negativa de cobertura ocorrido por divergência razoável de interpretação do contrato, acrescido do fato de que a situação vivenciada pela beneficiária não foi apta a gerar danos à sua intimidade psíquica, caracterizando-se como mero aborrecimento. (TJ-PR 00016685320228160021 Cascavel, Relator.: substituto ademir ribeiro richter, Data de Julgamento: 22/05/2023, 8ª Câmara Cível, Data de Publicação: 22/05/2023) (g.n). Isto posto, não merece guarida o pedido de indenização a título de danos morais. III – DISPOSITIVO Ante o exposto, com fulcro no art. 487, I, do Código de Processo Civil, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE a pretensão articulada para, confirmando a tutela de urgência anteriormente deferida, condenar a ré à obrigação de fazer, consistente no custeio e fornecimento, em caráter definitivo (enquanto houver prescrição médica), do medicamento ENSPRYNG® (Satralizumabe) 120 mg, conforme prescrição médica apresentada nos autos. Considerando a sucumbência mínima da parte autora, condeno a ré ao pagamento da totalidade das custas processuais e de honorários advocatícios em favor do patrono da autora. Sopesados os critérios legais (artigo 85, § 2º, I a IV, do CPC/15), fixo a verba honorária em 10% (dez por cento) sobre o valor atualizado da causa. A apuração dos valores devidos depende apenas de cálculo aritmético, nos termos do § 2º do art. 509 do CPC. Cumpram-se, no mais, as prescrições contidas no Código de Normas da Corregedoria-Geral de Justiça do Estado do Paraná, no que for aplicável. Oportunamente, arquivem-se os autos com as cautelas de praxe. Publique-se. Registre-se. Intimem-se. Astorga, data inserida pelo sistema. Karina de Azevedo Malaguido Juíza de Direito

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