Processo nº 0001822-13.2015.8.11.0003
ID: 294905312
Tribunal: TJMT
Órgão: Segunda Câmara de Direito Público e Coletivo
Classe: APELAçãO CíVEL
Nº Processo: 0001822-13.2015.8.11.0003
Data de Disponibilização:
10/06/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO SEGUNDA CÂMARA DE DIREITO PÚBLICO E COLETIVO NÚMERO ÚNICO: 0001822-13.2015.8.11.0003 CLASSE: APELAÇÃO CÍVEL (198) ASSUNTO: [OBRIGAÇÃO DE FAZER / NÃO FAZER, DANO…
ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO SEGUNDA CÂMARA DE DIREITO PÚBLICO E COLETIVO NÚMERO ÚNICO: 0001822-13.2015.8.11.0003 CLASSE: APELAÇÃO CÍVEL (198) ASSUNTO: [OBRIGAÇÃO DE FAZER / NÃO FAZER, DANO AMBIENTAL, AMBIENTAL, INTERESSES OU DIREITOS COLETIVOS EM SENTIDO ESTRITO] RELATORA: EXMA. SRA. DES. MARIA APARECIDA FERREIRA FAGO REDATOR DESIGNADO: EXMO. SR. DES. MÁRIO ROBERTO KONO DE OLIVEIRA Turma Julgadora: [DES(A). MARIA APARECIDA FERREIRA FAGO, DES(A). ANGLIZEY SOLIVAN DE OLIVEIRA, DES(A). JONES GATTASS DIAS, DES(A). MÁRCIO VIDAL, DES(A). MÁRIO ROBERTO KONO DE OLIVEIRA] PARTE(S): [ESTADO DE MATO GROSSO - CNPJ: 03.507.415/0001-44 (APELADO), MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO - CNPJ: 14.921.092/0001-57 (APELADO), MUNICÍPIO DE RONDONÓPOLIS - CNPJ: 03.347.101/0001-21 (APELANTE), MEIO AMBIENTE (VÍTIMA), MÁRCIO HENRIQUE DE BRITO MAZETI - CPF: 348.106.058-09 (ADVOGADO)] A C Ó R D Ã O Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a SEGUNDA CÂMARA DE DIREITO PÚBLICO E COLETIVO do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência do Des. MÁRIO ROBERTO KONO DE OLIVEIRA, por meio da Turma Julgadora, proferiu a seguinte decisão: POR MAIORIA PROVERAM O RECURSO, NOS TERMOS DO VOTO DO 2º VOGAL, EXMO. SR. DES. MÁRIO ROBERTO KONO DE OLIVEIRA. PARTICIPARAM DO JULGAMENTO A EXCELENTÍSSIMA SRA. DESA. RELATORA MARIA APARECIDA FERREIRA FAGO, 1ª VOGAL EXMA. SRA. DESA. ANGLIZEY SOLIVAN DE OLIVEIRA, 2º VOGAL EXMO. SR. DES. MÁRIO ROBERTO KONO DE OLIVEIRA, 3º VOGAL EXMO. SR. DES. MÁRCIO VIDAL (convocado) e 4º VOGAL EXMO. SR. DES. JONES GATTASS DIAS (convocado). E M E N T A DIREITO CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. RECURSO DE APELAÇÃO. GESTÃO DE BENS PÚBLICOS MUNICIPAIS. SEPARAÇÃO DOS PODERES. DISCRICIONARIEDADE ADMINISTRATIVA. LIMITES DO CONTROLE JUDICIAL. I - Caso em exame: 1. Recurso de apelação interposto pelo Município de Rondonópolis contra sentença que julgou procedente Ação Civil Pública e determinou a abstenção de desafetar, alienar ou alterar, de forma geral, todas as praças existentes no Município, inclusive aquelas consolidadas por uso e costume. II. Questão em discussão: 2. Há duas questões em discussão: (i) saber se é legítima a imposição judicial de vedação irrestrita à gestão das praças públicas pelo Município; (ii) saber se tal decisão viola o princípio constitucional da separação dos poderes ao restringir a discricionariedade administrativa. III. Razões de decidir: 3. A proteção ao meio ambiente e às áreas verdes urbanas é relevante, mas deve respeitar os limites da atuação judicial, que não pode substituir-se ao Executivo na gestão legítima dos bens públicos. 4. A cláusula da separação dos poderes impede que o Judiciário intervenha de forma ampla e genérica em decisões administrativas que envolvem juízo de conveniência e oportunidade. 5. A obrigação judicial imposta restringe de modo indevido a discricionariedade do Executivo, contrariando a autonomia municipal e comprometendo a gestão urbana conforme os interesses locais. IV. Dispositivo e tese 6. Recurso de apelação provido. Ação civil pública julgada improcedente. Tese de julgamento: "1. A imposição judicial que proíbe, de forma geral e irrestrita, a alteração, desafetação ou alienação de praças públicas viola o princípio da separação dos poderes e restringe indevidamente a discricionariedade administrativa do Município. 2. O controle judicial de atos administrativos deve respeitar os limites da legalidade, sem substituição do juízo de conveniência e oportunidade inerente ao Poder Executivo." RELATÓRIO EXMA. SRA. DESA. MARIA APARECIDA FERREIRA FAGO (RELATORA): Egrégia Câmara: Trata-se de RECURSO DE APELAÇÃO, interposto pelo MUNICÍPIO DE RONDONÓPOLIS, MT, contra a sentença proferida pela Excelentíssima Juíza de Direito, Dra. Milene Aparecida Pereira Beltramini, nos autos de n.° 0001822-13.2015.8.11.0003, em trâmite perante a 3ª Vara da Comarca de Rondonópolis, MT, que julgou procedentes os pedidos, nos seguintes termos (ID. 238961201): “Vistos etc., O MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL, devidamente representado, ajuizou AÇÃO CIVIL PÚBLICA AMBIENTAL COM PEDIDO DE ANTECIPAÇÃO DE TUTELA contra o MUNICÍPIO DE RONDONÓPOLIS, também qualificado no processo, objetivando compelir o ente público se abster de desafetar, alienar ou alterar, de forma geral, todas as praças existentes na cidade de Rondonópolis, ainda que não formalizadas, mas que sejam locais cujos usos e costumes indiquem tratar-se de Praça Pública. O autor alega que em 2012 foi instaurado procedimento preparatório por meio do qual foi expedida notificação recomendatória para o demandado se abstivesse de editar atos administrativos que pudessem resultar em desafetação ou supressão de praças públicas, dentre elas: a) praças localizadas na Cohab Velha; b) praça São José, localizada na Vila Birigui; c) praça Bom Jesus, localizada na Vila Operária; dentre outras. Diz que no caso da praça da Saudade, onde se pretende edificar uma Unidade Básica de Saúde, é um lugar frequentado por crianças, adultos e idosos para caminhadas, prática de esportes, passeios, etc. Argui que a praça existe há longos anos e sempre se destinou a finalidades ambientais ínsitas em áreas verdes. Afirma que o objeto da lide visa impedir o Poder Público de alterar ou destruir praças públicas dando-lhes destinações diversas das previstas na legislação ambiental. Afirma que apesar das constatações, o ente público permanece inerte. Requer a procedência do pleito inicial. Juntou documentos. O pedido de antecipação de tutela foi deferido (id. 61018529, pág. 100/107); e, complementado no id. 61017890, pág. 77/78. O demandado apresentou contestação no id. 61017881, pág. 34/51. Alega, em preliminar, incompetência absoluta do juízo. No mérito, em longas razões, sustenta a legalidade da construção da unidade básica de saúde na Praça da Saudade, ao argumento da não alteração da destinação do espaço físico destinado à funcionalidade do espaço destinado à praça pública, sendo, inclusive, um pleito dos moradores da região. Aduz a impossibilidade da concessão da tutela antecipada, pugnando pela revogação e requer a improcedência do pleito inicial. Juntou documentos. Tréplica no id. 61017881, pág. 53/61. Tentativa de conciliação sem êxito (id. 61017890, pág. 66). Vieram-me os autos conclusos. É O BREVE RELATO. EXAMINADOS. DECIDO. O feito enseja julgamento antecipado, na forma do artigo 355, inciso I, do CPC. A prova trazida aos autos é suficiente para o desfecho da questão. A questão preliminar suscitada pelo demandado perdeu significância a partir da decisão proferida monocrática proferida nos autos do recurso de agravo de instrumento nº 50233/2015 (id. 61017881, pág. 21/24), a qual reconheceu a competência deste Juízo para apreciar e julgar a matéria. Antes da análise dos fatos mister tecer algumas considerações sobre o tema, em decorrência da relevância que apresenta à saúde e à preservação da vida, assim como da responsabilidade do Poder Público em manter um ambiente sadio e equilibrado à coletividade recebendo o meio ambiente especial atenção do legislador constituinte. Primeiramente, deve ser registrado que a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, inovando em matéria constitucional, inseriu em seu artigo 225 que: "Todos têm direito ao Meio Ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações". Mais adiante, menciona que: "As condutas e atividades consideradas lesivas ao Meio Ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados." (art. 225, §3º). Ao dissertar sobre o assunto, ALEXANDRE DE MORAES preleciona: "A Constituição Federal de 1988 consagrou como obrigação do Poder Público a defesa, preservação e garantia de efetividade do direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida. Assim, no caput do art.225, o texto constitucional afirma que o meio ambiente é bem de uso comum do povo, suscitando diversas questões quanto à efetividade de sua proteção. (...) O que se pretende é a salvaguarda dos recursos naturais, a preservação do meio ambiente para as gerações futuras, garantindo-se o potencial evolutivo. Dentro desse contexto, o art. 225 deve ser interpretado em consonância com a art. 1º, III, que consagra como fundamento da República o princípio da dignidade da pessoa humana; o art. 3º, II, que prevê como objetivo fundamental da República o desenvolvimento nacional; e o art.4º, IX, que estipula que o Brasil deve reger-se em suas relações internacionais pelos princípios da cooperação entre os povos para o progresso da humanidade, de maneira a permitir maior efetividade na proteção ao meio ambiente”. (Constituição do Brasil Interpretada e Legislação Constitucional, 4ª ed., 2004, p.2053/2057). Por sua vez, a Constituição do Estado de Mato Grosso, em manifesta competência legislativa concorrente sobre o tema, dispõe no mesmo sentido, em seu artigo 263 e 264: "Art. 263. Todos têm direito a Meio Ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Estado, aos Municípios e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. Parágrafo Único - Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Estado: (...) III – instituir a política estadual de saneamento básico e recursos hídricos; IV - exigir, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade, garantida a participação da comunidade mediante audiências públicas e de seus representantes em todas as fases; (...) Art. 264 - As condutas e atividades lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores a sanções administrativas, com aplicação de multas diárias e progressivas no caso de continuidade da infração ou reincidência, incluídas a redução de atividade e interdição, independente da obrigação dos infratores de repararem os danos causados, na forma do artigo 298 desta constituição". Os bens culturais são gravados de um especial interesse público, seja ele de propriedade particular ou de domínio de uma pessoa jurídica, seja ente público. E, ao mesmo tempo que a cidadania passa a ter direitos em relação ao bem cultural, como a visualização, a informação e o direito a exigir da administração a sua manutenção e conservação, passa a ter obrigações em relação a ele, que estão diretamente ligadas a sua proteção, constituindo crime qualquer agressão cometida, conforme Carlos Frederico Marés.[1] Ainda sobre a natureza dos bens culturais, num outro enfoque, mas com uma significação muito importante, o hoje Ministro do STJ Herman Benjamin[2], ao discorrer sobre o meio ambiente em geral, como macrobem, esclarece: [...] é bem público, não porque pertença ao Estado, mas porque se apresenta no ordenamento constitucional e infraconstitucional, como “direito de todos”, como bem destinado a satisfazer as necessidade de todos. É bem público em sentido objetivo e não em sentido subjetivo, integrando uma certa “dominialidade coletiva”, desconhecida do direito tradicional público, então porque incapaz de apropriação exclusivista, porque destinado à satisfação de todos e porque, por isso mesmo, de domínio coletivo, o que não quer dizer de domínio estatal. O Estatuto da Cidade (Lei 10.257/2001), por sua vez, estabelece: Art. 1º. Na execução da política urbana, de que tratam os arts. 182 e 183 da Constituição Federal, será aplicado o previsto nesta Lei. Parágrafo único. Para todos os efeitos, esta Lei, denominada Estatuto da Cidade, estabelece normas de ordem pública e interesse social que regulam o uso da propriedade urbana em prol do bem coletivo, da segurança e do bem-estar dos cidadãos, bem como do equilíbrio ambiental. Art. 2º. A política urbana tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade urbana, mediante as seguintes diretrizes gerais: (...) XII – proteção, preservação e recuperação do meio ambiente natural e construído, do patrimônio cultural, histórico, artístico, paisagístico e arqueológico; Cabe lembrar que o meio ambiente não abrange somente o meio ambiente natural (constituído pela fauna, a flora, o solo, a água, o ar atmosférico), mas também, conforme bem conceitua o eminente ambientalista Édis Milaré, o meio ambiente artificial e o meio ambiente cultural. “A visão holística do meio ambiente leva-nos à consideração de seu caráter social, uma vez definido constitucionalmente como bem de uso comum do povo, caráter ao mesmo tempo histórico, porquanto o meio ambiente resulta das relações do ser humano com o mundo natural no decorrer do tempo. Esta visão faz-nos incluir no conceito de meio ambiente, além dos ecossistemas naturais, as sucessivas criações do espírito humano que se traduzem nas suas múltiplas obras. Por isso, as modernas políticas ambientais consideram relevante ocupar-se do patrimônio cultural, expresso em realizações significativas que caracterizam, de maneira particular, os assentamentos humanos e as paisagens do seu entorno.” (Direito do Ambiente. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001, p. 201) No mesmo sentido Helita Barreiro Custódio pontifica: Para os fins protecionais, a noção de meio ambiente é muito ampla, abrangendo os bens naturais e culturais de valor juridicamente protegidos, desde o solo, as águas, o ar, a flora, a fauna, as belezas naturais e artificiais, o ser humano, o patrimônio histórico, artístico, turístico, paisagístico, monumental, arqueológico, além das variadas disciplinas urbanísticas contemporâneas (Legislação Ambiental no Brasil. Revista Direito Civil, Imobiliário, Agrário e Empresarial, São Paulo, n. 76, 1996, p. 56). Destarte, face o disposto nos artigos 225, § 3º, da CF/88 e 14, § 1º da Lei 6.938, de 31 de agosto de 1981, que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, independe de culpa a obrigação do demandado em recuperar os danos ocorridos, uma vez que a responsabilidade civil, em matéria ambiental, é objetiva, bastando a comprovação da relação de causalidade entre os danos sofridos e o evento danoso. Importantes os ensinamentos da doutrina sobre tal particular: Com efeito, a Carta Maior dispensou qualquer análise de culpa como determinante do dever de reparar o dano causado ao meio ambiente, que independe, ainda, de ser a atividade lícita ou ilícita. A solidariedade é outro aspecto da responsabilidade civil ambiental, a ela se aplicando as regras do disposto no art. 1.518, 2ª parte, do Cód. Civil, e ganha importância na questão em tela especialmente quando se tratar de bem particular objeto de tombamento, respondendo pelos danos causados, tanto aquele que diretamente causou a degradação do bem, que pode ser o proprietário ou terceiro, como o Poder Público, isoladamente ou em conjunto com aquele(s), especialmente quando este se omite no cumprimento do dever de proteção, preservação e restauro desses bens, como comumente acontece. Assim, a reparação do dano ambiental poderá ser exigida de todos e de qualquer um dos responsáveis, que a ele tenham dado causa, isoladamente ou não, direta ou indiretamente, através da ação civil pública competente. (Liliane Garcia Ferreira. O dano moral à coletividade decorrente dos danos causados a bens ambientais culturais, assim como da privação do direito de fruição desses bens. disponível em: http://www.mp.sp.gov.br/caouma/Doutrina) Lado outro, A estética urbana se constituiu em constante preocupação dos povos civilizados e se encontra inserida na temática do moderno Urbanismo, não só em relação às edificações, como também no pertinente às construções, incluindo o significado técnico diverso dos dois vocábulos. Portanto, o Urbanismo não visa, apenas, à obra de utilidade, mas cuida do contexto em que estão inseridas; dos aspectos artísticos, panorâmicos, paisagísticos, monumentais, históricos, de interesse cultural, recreativo e turístico da comunidade. O uso indevido das áreas destinadas as praça públicas, as áreas verdes, caracteriza-se ilícito civil de natureza pública. O Plano Diretor do Município de Rondonópolis estabelece, no seu artigo 6º, que: "Art. 6º. São considerados de interesse público e prioridades para alocação de investimentos pelo Município, objetivando a solução dos principais problemas urbanos: (...) VII - implantação ou incremento de praças, jardins e parques públicos para atividades de lazer e recreação, contemplativas de populações localizadas;" Constituição Federal, art. 182, caput: "A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes." Com relação à matéria assim se posiciona a jurisprudência: Ação Civil Pública - Restauração de área livre, de lazer do povo, prejudicada por iniciativa administrativa tendente à construção de monumento lesivo à unidade e simplicidade da paisagem (RJTJRGS, p. 139/170, 2ª Câm. Cív. do TJRGS, Rel. Mário Rocha Lopes, j. 12/04/89). AÇÃO CIVIL PÚBLICA - Preservação de praça pública - Valor histórico e paisagístico - Interesse da comunidade, no sentido do resguardo de tradições locais- Reconhecimento de sua existência que pode ser efetivado pelo judiciário, não sendo privativo do órgão Legislativo ou Administrativo - Lei Federal nº 7.347, de 1985 (RJTJESP - LEX - vol.122/50, 8ª Câm. Cív. do TJSP, Rel. Fonseca Tavares - j. 28/06/89). Dessa forma, conclui-se que além dos interesses difusos tutelados na Ação Civil Pública (lesão ao meio ambiente), existem ainda, os interesses coletivos (comerciantes e moradores vizinhos). Tais interesses são por legitimidade defendidos pelo Ministério Público como parte ativa, por meio da Ação Civil Pública, por força do dispositivo constitucional (arts. 129, III, e 225), sendo a defesa dos interesses de tais direitos, uma de suas funções institucionais. Todavia, essa categoria de bens de uso comum do povo desfruta de especial proteção legal, posto que, no cenário do meio ambiente urbano, estão predispostos a desempenhar determinadas funções sociais na cidade, em prol da coletividade local e difusa. Portanto, quando o Município adota um comportamento comissivo ou se omite na gestão desses bens ele afronta todo o sistema da legislação urbanística nacional, merecendo a tutela judicial, sob preceito cominatório, por meio de ação civil pública. De todo o processado nos presentes, observa-se verdadeira inanição do demandado no controle, disposição e utilização dos imóveis públicos destinados às áreas verdes e praças públicas. Somente após o ajuizamento da presente demanda e a concessão da tutela de urgência é que se pode averbar no competente CRI os imóveis públicos, destinados às finalidades alhures mencionados. Registra-se que a norma inserta no art. 4º, da Lei Federal nº 6.766/79 (Lei de Lehmann), dispõe que, em todo parcelamento para fins urbanísticos, deverá ser reservada áreas destinadas a sistemas de circulação, implantação de equipamento urbano e comunitário, bem como espaços livres de uso público, proporcionais à densidade de ocupação prevista para a zona em que se situem, in verbis: Art. 4º. Os loteamentos deverão atender, pelo menos, aos seguintes requisitos: I - as áreas destinadas a sistemas de circulação, a implantação de equipamento urbano e comunitário, bem como a espaços livres de uso público, serão proporcionais à densidade de ocupação prevista pelo plano diretor ou aprovada por lei municipal para a zona em que se situem. Por sua vez, coube à municipalidade, dada sua competência constitucional para suplementar a legislação federal (art. 30, incisos I, III e IV), editar normas de interesse local, definindo o percentual de tais áreas a serem reservadas, que passariam ao domínio público quando da aprovação do projeto de loteamento, a teor do art. 22, da Lei Federal. Vislumbra-se, ainda, que as áreas de uso comum do povo, dentre as quais as institucionais, destinadas a abrigar escolas, creches, postos de saúde, hospitais, edifícios públicos etc, não podem ter sua destinação alterada pelo loteador, ressalvadas as hipóteses constantes da norma, conforme disposto no art. 17, da lei de Lehmann: Art. 17. Os espaços livres de uso comum, as vias e praças, as áreas destinadas a edifícios públicos e outros equipamentos urbanos, constantes do projeto e do memorial descritivo, não poderão ter sua destinação alterada pelo loteador, desde a aprovação do loteamento, salvo as hipóteses de caducidade da licença ou desistência do loteador, sendo, neste caso, observadas as exigências do art. 23 desta Lei. Sobre o tema, cito o precedente do Superior Tribunal de Justiça, REsp 28058, de relatoria do Ministro ADHEMAR MACIEL, no sentido de que a norma inserta no art. 17 deve ser observada também pelo Poder Público Municipal, pois tais áreas foram incorporadas ao seu patrimônio justamente para salvaguardar o interesse da comunidade e não para lhe proporcionar acréscimo patrimonial: Existe, em relação a esses bens, uma espécie de separação jurídica entre o sujeito de direito da propriedade, o Município, e o seu objeto, a comunidade. Assim, embora a norma jurídica em apreço se dirija ao loteador, retirando-lhe de forma expressa o poder de disponibilidade sobre praças, ruas e áreas de uso comum, a razão de ser da norma, isto é, o seu espírito, cria limitações à atuação do Município, pois a Administração que fiscaliza não pode violar a norma. Como dito, o objetivo da norma jurídica é vedar ao incorporador a alteração das áreas destinadas à comunidade. Portanto, não faz sentido, exceto, em casos especialíssimos, possibilitar à Administração a fazê-lo. No caso concreto, as áreas foram postas sob a tutela da administração municipal, não com o propósito de confisco, mas como forma de salvaguardar o interesse dos administrados, em face de possíveis interesses especulativos dos incorporadores. De mais a mais, a importância do patrimônio público deve ser aferida em razão da importância da sua destinação. Assim, os bens de uso comum do povo possuem função ut universi. Constituem um patrimônio social comunitário, um acervo colocado à disposição de todos. Nesse sentido, a desafetação desse patrimônio prejudicaria toda uma comunidade de pessoas, indeterminadas e indefinidas, diminuindo a qualidade de vida do grupo. Destarte, existe uma espécie de hierarquia de bens públicos, consolidada não em face do seu valor monetário, mas segundo a relação destes bens com a comunidade. Por isso, não me parece razoável que a própria Administração diminua sensivelmente o patrimônio social da comunidade. Prática, aliás, vedada por lei, pois o art. 4º impõe áreas mínimas para os espaços de uso comum. Incorre em falácia pensar que a Administração onipotentemente possa fazer, sob a capa da discricionariedade, atos vedados ao particular, se a própria lei impõe a tutela desses interesses. Diante desses elementos, a área verde não pode ser desafetada. Lado outro, as constatações realizadas nos autos comprovam que os espaços públicos se encontram em relativo estado de preservação (id. 124250349, 124250351, 124250354, 124570387, 124610500, 124699498, 124699499, 124699500, 124699501, 124699503, 124699507 e 124699511). Ex positis, julgo procedente o pedido inicial. Ratifico os termos da tutela deferida, inclusive em relação ao valor fixado a título de astrientes. A parte demandada deverá se abster de desafetar, alienar ou alterar, de forma geral, todas as praças existentes na cidade de Rondonópolis, ainda que não formalizadas, mas que sejam locais cujos usos e costumes indiquem tratar-se de Praça Pública. Esta decisão deverá ser averbada em todas as matrículas dos imóveis destinados a tal fim, no CRI local. Deixo de condenar o requerido ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios em face da não incidência neste rito processual. Transitada em julgado, ou havendo desistência do prazo recursal, ao arquivo com baixa e anotações necessárias. P.R.I.C. Rondonópolis/MT/2024. MILENE APARECIDA PEREIRA BELTRAMINI JUÍZA DE DIREITO”. Em suas razões recursais, a parte apelante aduz que “compete ao Executivo a consecução da infraestrutura indispensável às obras públicas, a quem, atento às peculiaridades de cada caso, cabe examinar os aspectos técnicos e as opções viáveis, elaborando o projeto básico/termo de referência e deflagrando o concernente procedimento licitatório, nos moldes, via de regra, do que prevê a Lei 8.666/93”. Afiança, nesse contexto, que não cabe ao Ministério Público e ao Poder Judiciário usurpar o espaço da função administrativa, o que torna desmedida qualquer decisão cominatória que obrigue o Poder Público. Sustenta, ademais, o não cabimento da aplicação de multa, pois os recursos públicos têm como destinatária a sociedade, de modo que a cominação de astreintes acaba por prejudicar a satisfação dos interesses da população local. Ressalta, outrossim, que o valor da multa coercitiva é desproporcional. Por essa razão, requer o provimento do recurso, “para reformar a sentença, no sentido de julgar totalmente improcedente a pretensão inicial” (ID. 2388961202). Nas contrarrazões a parte apelada pugna pelo não provimento do recurso (ID. 238961204). A Procuradoria-Geral de Justiça manifesta-se pelo “desprovimento do apelo” (ID. 251593180). É o relatório. V O T O EXMA. SRA. DESA. MARIA APARECIDA FERREIRA FAGO (RELATORA): Egrégia Câmara, O recurso de apelação é regular, tempestivo e cabível, estando dispensado do recolhimento de preparo, uma vez que a Fazenda Pública Estadual goza de isenção das custas processuais, nos termos do artigo 3°, inciso I, da Lei Estadual n.° 7.603/2001. Como relatado, trata-se de RECURSO DE APELAÇÃO, interposto pelo MUNICÍPIO DE RONDONÓPOLIS, MT, contra a sentença proferida pela Excelentíssima Juíza de Direito, Dra. Milene Aparecida Pereira Beltramini, nos autos de n.° 0001822-13.2015.811.0003, em trâmite perante a 4ª Vara da Comarca de Cáceres, MT, que julgou procedentes os pedidos. Extrai-se do processado que a parte apelada ajuizou “AÇÃO CIVIL PÚBLICA AMBIENTAL COM PEDIDO DE ANTECIPAÇÃO DE TUTELA” em desfavor do MUNICÍPIO DE RONDONÓPOLIS, MT, asseverando que há anos ocorre o desvirtuamento de áreas verdes no município, dentre elas as praças públicas, mediante a desafetação para destinação diversa da função ambiental das referidas áreas, motivo pelo qual requer (ID. 238961150 – pág. 04/18): “a) a concessão da liminar antecipatória de tutela, após oitiva do Requerido, na forma estabelecida no tópico acima, determinando-lhe que se abstenha de desafetar, alienar ou alterar, de forma geral, todas as Praças Públicas existentes em Rondonópolis-MT, ainda que não formalizadas mas que sejam locais cujos usos e costumes indiquem se tratar de Praça Pública. Pugna, em particular, por excesso de zelo, ainda que soe redundante, seja determinado que não execute obras que possam alterar os usos a Praça da Saudade, Praças da Cohab Velha, Praças do Residencial Ananias Filho, Praça São José (Vila Birigui) e Praça Bom Jesus (localizada na Vila Operária São José). É evidente que não se pleiteia a realização de obras de conservação, limpeza e manutenção dos espaços verdes (o que pugno conste na liminar para que o alcaide não deixe de dar manutenção nas praças afirmando estar proibido pelo Juízo!). b) que se fixe o pagamento de multa diária ao requerido, a ser arbitrado por este MM. Juízo, sugerindo o valor de pelo menos R$ 5.000,00 (cinco mil reais) por cada metro de praça alterado, como penalidade caso descumpram a decisão, em favor do fundo municipal de defesa dos interesses difusos – instituído no art. 13, da Lei n.° 7.347/85. c) Seja averbado, liminarmente, em todas as matrículas de todas as praças de Rondonópolis sua inalienabilidade e impossibilidade de alteração de sua destinação ainda que exista Lei Municipal autorizando eventual desafetação. Para tanto que seja oficiada a Serventia de Registro de Imóveis bem como requisitado do Município nesta cidade para conferência. Que sejam requisitadas informações sobre as praças consolidadas pelos usos e costumes e que ainda não estão devidamente averbadas nas Matrículas dos imóveis. Que seja deferido o prazo de 90 (noventa) dias para apresentação de tais informações ao Juízo fixando-se multa pessoal ao gestor de pelo menos R$ 5.000,00 (cinco mil reais) por cada matrícula não informada. d) a citação do requerido para que conteste a presente ação; e) em sentido necessário, a produção das provas admitidas em direito a serem especificadas no momento processual adequado; f) o regular prosseguimento do feito, até a sentença final de procedência, com a confirmação da liminar e consequente condenação do Requerido para se abster de desafetar, alienar ou alterar, de forma geral, todas as Praças Públicas existentes em Rondonópolis-MT, ainda que não formalizadas mas que sejam locais cujos usos e costumes indiquem se tratar de Praça Pública. Que esta determinação fique constando nas matrículas de todas as Praças (já formalizadas ou apenas consolidadas pelos usos e costumes locais), evitando-se que futuros gestores tentem praticar atos semelhantes”. O pedido de antecipação de tutela foi deferido, consoante decisão proferida em 20.02.2016 (ID. 238961150 – pág. 100/107), para “determinar que o Cartório de Registro de Imóveis desta Comarca, proceda, a imediata averbação desta ação nas matrículas de todas as praças públicas consolidadas deste Município, fazendo constar a inalienabilidade e impossibilidade de alterar sua destinação, ainda que Lei Municipal discipline em sentido contrário. Determino ainda, que o requerido apresente nos autos, no prazo de 90 (noventa) dias, as matrículas de todas as praças consolidadas como de “uso e costume” deste Município, para possibilitar a averiguação acerca da averbação junto ao Cartório de Registro de Imóveis desta Comarca. Fixo multa diária para ambos (Cartório de Registro de Imóveis desta Comarca de Requerido Município de Rondonópolis), para o caso de descumprimento em R$ 1.000,00 (um mil) reais, ou ainda, para o caso de omissão no fornecimento do número das referidas matrículas, pelo requerido”. Citado, o MUNICÍPIO DE RONDONÓPOLIS, MT, apresentou contestação, oportunidade na qual suscita preliminar de incompetência absoluta, a legalidade na construção de unidade básica de saúde na praça da saudade, a necessidade de utilização de praças públicas pelo município e a impossibilidade de concessão de tutela antecipada (ID. 238961151 – pág. 34/51). Impugnada a contestação (ID. 238961151 – pág. 53/61), realizou-se audiência de conciliação, porém sem acordo firmado entre as partes (ID. 238961152 – pág. 66) e, após, deferiu-se a complementação da antecipação de tutela para determinar “que o Município de Rondonópolis se abstenha de desafetar, alienar ou alterar, de forma geral, todas as praças existentes na cidade de Rondonópolis, ainda que não formalizadas, mas que sejam locais cujos usos e costumes indiquem tratar-se de Praça Pública. Fica, ainda, o ente público proibido de executar obras que possam alterar os usos das seguintes praças: Praça da Saudade, Praças da Cohab Velha, Praças do Residencial Ananias Filho, Praça São José (Vila Birigui) e Praça Bom Jesus (localizada na Vila São José Operário; tal impedimento não se refere a realização de limpeza e conservação dos espaços verdes” (ID. 238961152 – pág. 77/78). Empós, realizadas diversas diligências com vista ao cumprimento da liminar concedida, as partes foram intimadas para especificar as provas que pretendem produzir (ID. 238961162). O município apelante postulou pela produção de prova documental, pericial e testemunhal (ID. 238961165), enquanto o Parquet requereu o julgamento antecipado da lide (ID. 238961169). Ato seguinte, o juízo a quo determinou a expedição de mandado de constatação, a fim de vistoriais os imóveis objeto da lide, verificando se houve degradação ambiental, tredestinação, desafetação ou supressão de praças públicas no município de Rondonópolis, MT (ID. 238961170), diligência cumprida consoante certidões de ID. 238961174/238861176, ID. 238961177/238961186, ID. 238961190. Sobreveio, então, a sentença que julgou procedentes os pedidos, nos termos já transcritos no relatório. Com essas considerações, passo à análise das insurgências recursais. De proêmio, a despeito da alegação da parte apelante no sentido de que a sentença a quo afronta ao princípio da separação dos poderes, mister ressaltar que as situações que afrontam os ditames da Constituição Federal ficam sujeitos ao controle pelo Poder Judiciário, inclusive para eventuais condenações a obrigações de fazer ou não fazer. Assim, não há que se falar em desrespeito ao princípio em voga, mas de mecanismo democrático para a prevalência do conjunto legal, em especial da Carta Magna, que traça diretrizes do Poder do Povo. Nesse contexto, registra-se que a Constituição da República, em seu artigo 225, prevê que “Todos têm direito ao Meio Ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”. Igualmente, dispõe, no artigo 182, que “A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes". Em complemento, no âmbito infraconstitucional, o Estatuto da Cidade prevê que, na execução da política urbana, devem ser observadas as diretrizes de proteção, preservação e recuperação do meio ambiente natural e construído, do patrimônio histórico, artístico, paisagístico e arqueológico. Confira-se: “Art. 1º. Na execução da política urbana, de que tratam os arts. 182 e 183 da Constituição Federal, será aplicado o previsto nesta Lei. Parágrafo único. Para todos os efeitos, esta Lei, denominada Estatuto da Cidade, estabelece normas de ordem pública e interesse social que regulam o uso da propriedade urbana em prol do bem coletivo, da segurança e do bem-estar dos cidadãos, bem como do equilíbrio ambiental. Art. 2º. A política urbana tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade urbana, mediante as seguintes diretrizes gerais: (...) XII – proteção, preservação e recuperação do meio ambiente natural e construído, do patrimônio cultural, histórico, artístico, paisagístico e arqueológico; À vista disso, incumbe à municipalidade, consoante prevê a Lei n.° 10.257/2001, atender às diretrizes e políticas urbanas a fim de cumprir a função social das cidades, nela incluída a proteção e preservação das áreas verdes e espaços públicos, como praças, que conjuga elementos históricos, paisagísticos, artísticos e culturais da localidade, porquanto, consoante leciona Juliana Santos, “[...] os princípios informadores do direito urbanístico visam a melhoria da qualidade de vida nas cidades, vislumbrando a dignidade da pessoa humana” (SANTOS, Juliana. 3.5 Princípios informadores do direito urbanístico In: ALVIM, José; CAMBLER, Everaldo. Estatuto da Cidade. São Paulo (SP):Editora Revista dos Tribunais. 2014). Em face dessa competência municipal para legislar e administrar matéria ambiental por meio do Plano Diretor, o ente federativo deve adotar medidas para a proteção ambiental, em todas as perspectivas, nos seus domínios. Com isso, as áreas verdes e praças públicas configuram patrimônios inalienáveis, plenamente afetados à sua missão social e ambiental no contexto urbanístico. Nessa perspectiva, o Plano Diretor do Município de Rondonópolis, no seu artigo 6°, estabelece que as praças, jardins e parques públicos são considerados de interesse público e prioridades para alocação de investimentos pela municipalidade, objetivando a solução dos principais problemas urbanos, in verbis: "Art. 6º. São considerados de interesse público e prioridades para alocação de investimentos pelo Município, objetivando a solução dos principais problemas urbanos: (...) VII - implantação ou incremento de praças, jardins e parques públicos para atividades de lazer e recreação, contemplativas de populações localizadas;". Quando o ente federativo por sua vez, desvia-se da finalidade legal, comete grave dano indo de encontro ao princípio da legalidade. Isso porque, mostra-se inaceitável que a Administração Pública, cujo dever primordial é o de fiscalizar a aplicação das normas, venha a violá-las. Ademais, as áreas verdes, praças e parques públicos, sejam decorrentes das regras previstas na Lei n.° 6.766/79, que dispõe sobre o parcelamento urbano, ou de destinação de área pelo próprio ente federativo, são gravadas com finalidade específica, qual seja, a de promover a consecução das metas socioambientais das cidades. Logo, é defeso ao município alterar a destinação de tais áreas. A desafetação das áreas em discussão, pelo Poder Público Municipal, sob qualquer pretexto, mesmo pelo suposto interesse público, configura desconformidade com a legalidade, além de falhar na sua missão constitucional de defender o meio ambiente. Dessa maneira, não há que e falar em ingerência do Poder Judiciário na hipótese, uma vez que evidenciada a necessidade de assegurar direitos constitucionalmente reconhecidos como essenciais, como é o caso da preservação do meio ambiente. A propósito, é assente o entendimento do Supremo Tribunal Federal nesse sentido: “AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. INTERPOSIÇÃO EM 17.02.2023. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPLEMENTAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS. FISCALIZAÇÃO. OCUPAÇÕES IRREGULARES. ALEGADA VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DE PODERES. IMPROCEDÊNCIA. DANO MORAL COLETIVO. REEXAME DE FATOS E PROVAS, OFENSA REFLEXA. SÚMULAS 279 E 454 DO STF. 1. É firme o entendimento deste Tribunal no sentido de que o Poder Judiciário pode, em situações excepcionais, determinar que a Administração Pública adote medidas assecuratórias de direitos constitucionalmente reconhecidos como essenciais, como é o caso de preservação do meio ambiente, sem que isso configure violação ao princípio da separação de poderes, uma vez que não se trata de ingerência ilegítima de um Poder na esfera de outro. 2. Eventual divergência em relação ao entendimento adotado pelo juízo a quo, quanto à ocorrência ou não de omissão por parte do ente público, demandaria o reexame de fatos e provas constantes dos autos e o exame da legislação infraconstitucional local aplicável à espécie, de modo que possível afronta a Constituição Federal, se existente, somente se verificaria de modo indireto ou reflexo, além de atrair a incidência do óbice da Súmula 279 do STF, o que inviabiliza o processamento do apelo extremo. 3. Agravo regimental a que se nega provimento. Sem honorários, por se tratar de ação civil pública (art. 18 da Lei 7.347/1985)”. (STF - ARE: 1402505 RJ, Relator: Min. EDSON FACHIN, Data de Julgamento: 06/02/2024, Segunda Turma, Data de Publicação: PROCESSO ELETRÔNICO DJe-s/n DIVULG 08-02-2024 PUBLIC 09-02-2024). (Grifo nosso). “AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. AMBIENTAL E URBANÍSTICO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. PREVENÇÃO DE DANOS AMBIENTAIS. ESCOAMENTO E DRENAGEM DE ÁGUAS PLUVIAIS. NECESSIDADE DE INVESTIMENTOS PÚBLICOS. POSSIBILIDADE DE O PODER JUDICIÁRIO DETERMINAR A ADOÇÃO DE MEDIDAS ASSECURATÓRIAS DE DIREITO AO MEIO AMBIENTE EQUILIBRADO. ALEGAÇÃO DE CONTRARIEDADE AO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES: INOCORRÊNCIA. ADEQUAÇÃO E PROPORCIONALIDADE DAS MEDIDAS A SEREM ADOTADAS PELO MUNICÍPIO: SÚMULA N. 279 DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO”. (STF - ARE: 1460852 GO, Relator: Min. CÁRMEN LÚCIA, Data de Julgamento: 14/02/2024, Primeira Turma, Data de Publicação: PROCESSO ELETRÔNICO DJe-s/n DIVULG 15-02-2024 PUBLIC 16-02-2024). (Grifo nosso). No concernente à multa cominatória, insta salientar que os artigos 461-A, § 3º e 461, § 5º, do Código de Processo Civil, cumulado com o disposto no artigo 11, da Lei n.° 7.347/85, permitem que o magistrado determine medidas assecuratórias que considerar mais adequada para o cumprimento da decisão, uma vez que se trata de rol meramente exemplificativo, sendo lícito ao juízo determinar multa pecuniária, caso a Administração Pública não cumpra a obrigação, como meio de concretizar a proteção integral ao meio ambiente. No tocante ao valor da multa, levando-se em consideração a relevância e a magnitude do direito protegido (meio ambiente), o poder econômico da parte apelante, bem como o fato de que sua cobrança só será efetuada em caso de descumprimento da decisão, entende-se adequada aos princípios da proporcionalidade e razoabilidade a sua fixação diária no valor de R$ 1.000,00 (mil reais). Nesse sentido: “RECURSO DE APELAÇÃO – AÇÃO CIVIL PÚBLICA – DEMANDA AJUIZADA CONTRA O MUNICÍPIO E CONCESSIONÁRIA DOS SERVIÇOS PÚBLICOS DE ABASTECIMENTO DE ÁGUA E ESGOTAMENTO SANITÁRIO – LANÇAMENTO INADEQUADO DE EFLUENTES NAS GALERIAS PLUVIAIS DO MUNICÍPIO SEM NENHUM TRATAMENTO – DANO AMBIENTAL CAUSADO POR PESSOAS FÍSICAS QUE OCUPARAM E CONSTRUÍRAM IMÓVEIS IRREGULARES EM ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE – LOCAL ONDE ESTÃO SENDO LANÇADOS OS POLUENTES DISTINTO DE ONDE É DESPEJADO O ESGOTO TRATADO PELA CONCESSIONÁRIA – RESPONSABILIDADE DA CONCESSIONÁRIA AFASTADO – FISCALIZAÇÃO DO USO E OCUPAÇÃO DO SOLO URBANO POR LOTEAMENTO IRREGULAR – RESPONSABILIDADE DO MUNICÍPIO – IMPOSIÇÃO DE MULTA DIÁRIA PARA O CASO DE DESCUMPRIMENTO DA ORDEM JUDICIAL – POSSIBILIDADE – FIXAÇÃO DA ASTREINTES EM OBSERVÂNCIA AOS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE – QUANTUM MANTIDO – RECUSO DA CONCESSIONÁRIA PROVIDO – RECURSO DO MUNICÍPIO DESPROVIDO. “Em que pese a responsabilidade por dano ambiental seja objetiva (e lastreada pela teoria do risco integral), faz-se imprescindível, para a configuração do dever de indenizar, a demonstração da existência de nexo de causalidade apto a vincular o resultado lesivo efetivamente verificado ao comportamento (comissivo ou omissivo) daquele a quem se repute a condição de agente causador. [...]”. (STJ - REsp 1596081/PR) Constatação de que o ilícito ambiental consubstanciado no lançamento inadequado de esgotos residenciais, entulhos em águas pluviais do município, sem nenhum tratamento, realizado por pessoas físicas que ocuparam e construíram imóveis irregulares em área de preservação permanente. Ausência de responsabilidade da concessionária dos serviços públicos de abastecimento de água e esgotamento sanitário afastado, eis que demonstrada a ausência de nexo de causalidade entre o ilícito ambiental e o seu comportamento comissivo ou omissivo. “Na forma da jurisprudência do STJ, incumbe ao Município o poder-dever de agir para fiscalizar e regularizar loteamento irregular, sendo do ente municipal a responsabilidade pelo parcelamento, uso e ocupação do solo urbano, atividade vinculada e não discricionária” (REsp 1826761/RJ). Nos termos do art. 537, do Código de Processo Civil é possível a fixação, pelo Magistrado, de multa por descumprimento do comando judicial. Se o a multa foi arbitrada em observância com os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, ela deve ser mantida na forma como consignada. (TJ-MT - APELAÇÃO CÍVEL: 0000105-72.2011.8.11.0013, Relator: MARIO ROBERTO KONO DE OLIVEIRA, Data de Julgamento: 14/02/2023, Segunda Câmara de Direito Público e Coletivo, Data de Publicação: 08/03/2023)”. Ademais, não se pode olvidar que a finalidade da multa é impelir o devedor a cumprir com a obrigação que lhe é imposta, sendo que a redução da quantia comprometeria a função coercitiva, essência das astreintes. Todavia, a fim de evitar que a multa cominatória venha a se afastar dos parâmetros da razoabilidade e da proporcionalidade, estabeleço o teto de R$ 100.000,00 (cem mil reais) para eventual cobrança em caso de não atendimento, sem prejuízo de sua revisão acaso observado que não atingiu ao objetivo de coerção ao atendimento da determinação judicial. Aliás, sobre a fixação de limite para a cobrança, assim decidiu o Superior Tribunal de Justiça: AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. APLICAÇÃO DA MULTA DO ART. 461, § 4º, DO CPC. ASTREINTES FIXADAS EM HARMONIA COM A SITUAÇÃO FÁTICA DA CAUSA. PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E RAZOABILIDADE ATENDIDOS. LIMITAÇÃO AO VALOR DA CONDENAÇÃO. POSSIBILIDADE. AGRAVO NÃO PROVIDO. 1. Em princípio, o valor das astreintes não pode ser revisto em sede de recurso especial, em face do óbice da Súmula 7/STJ. Contudo, em situações excepcionais, nas quais o exagero na fixação configura desrespeito aos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, a jurisprudência deste Tribunal afasta a vedação da Súmula 7/STJ para reduzir e adequar a multa diária. No caso, o valor da multa, por si só, não se mostra elevado. 2. Como se vislumbra da fundamentação do julgado recorrido, cabe fixar um teto máximo para a cobrança da multa, pois o total devido a esse título não deve se distanciar do valor da obrigação principal. Precedentes. 4. Agravo interno não provido. ( AgInt no AREsp 976.921/SC, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 09/03/2017, DJe 16/03/2017) Ante o exposto, CONHEÇO e DOU PARCIAL PROVIMENTO ao recurso de apelação, tão somente para estabelecer o limite de R$ 100.000,00 (cem mil reais) para efeitos de cobrança da multa aplicada para a hipótese de descumprimento do comando judicial, mantendo a sentença inalterada nos demais termos. É como voto. VOTO EXMO. SR. DES. MÁRIO ROBERTO KONO DE OLIVEIRA (2º VOGAL): Peço vista dos autos para melhor análise da matéria. VOTO EXMA. SRA. DESA. ANGLIZEY SOLIVAN DE OLIVEIRA (1ª VOGAL): Acompanho o voto da relatora. SESSÃO EXTRAORDINÁRIA DE 10 DE ABRIL DE 2025 (CONTINUAÇÃO DE JULGAMENTO): V O T O (VISTA) EXMO. SR. DES. MÁRIO ROBERTO KONO DE OLIVEIRA (2º VOGAL): Egrégia Câmara, Trata-se de RECURSO DE APELAÇÃO, interposto pelo MUNICÍPIO DE RONDONÓPOLIS, MT, contra a sentença proferida pela Excelentíssima Juíza de Direito, Dra. Milene Aparecida Pereira Beltramini, nos autos de n.° 0001822-13.2015.811.0003, em trâmite perante a 3ª Vara da Comarca de Rondonópolis, MT, que julgou procedentes os pedidos formulados na inicial, determinando a abstenção de desafetar, alienar ou alterar, de forma geral, todas as praças existentes na cidade de Rondonópolis, ainda que não formalizadas, mas que sejam locais cujos usos e costumes indiquem tratar-se de Praça Pública. A e. Relatora, Desa. Maria Aparecida Ferreira Fago proferiu voto no sentido de conceder parcial provimento ao recurso, tão somente para limitar as astreintes em cem mil reais, sendo acompanhada pela e. 1ª Vogal, Desa. Anglizey Solivan de Oliveira. Pois bem. Com a devida vênia à eminente Relatora, promovo a divergência das razões adotadas no voto condutor. Inicialmente, cumpre ressaltar que realmente não há óbice ao controle jurisdicional dos atos administrativos incompatíveis com o ordenamento jurídico, inclusive no tocante às políticas públicas essenciais, como é o caso da proteção ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. No entanto, a pretensão inicial, acolhida na sentença recorrida, vai muito além do simples controle de legalidade, configurando verdadeira ingerência na esfera de discricionariedade administrativa inerente à gestão dos interesses públicos locais pelo Poder Executivo municipal. Com efeito, a obrigação imposta ao Município de se abster de proceder a qualquer alteração, alienação ou desafetação das áreas verdes do município, sobretudo as praças públicas consolidadas pelos usos e costumes, revela inadmissível cerceio à autonomia municipal para gerir os recursos e bens públicos de acordo com o interesse local. As atribuições típicas do Poder Executivo, em todas as esferas de governo, abrangem não apenas a execução das leis e atos normativos, mas também o exercício de juízo discricionário na identificação das necessidades coletivas prioritárias e na alocação dos recursos públicos visando ao seu atendimento. Assim, conquanto não detenha caráter absoluto e ilimitado, o poder discricionário da Administração Pública, lastreado nos princípios da conveniência e oportunidade, encontra limitações decorrentes dos cânones da legalidade, impessoalidade, razoabilidade, moralidade e eficiência. Todavia, dentro dessa margem de discricionariedade, cabe ao Poder Executivo avaliar as melhores formas de consecução do interesse público, definindo prioridades, programas de governo e diretrizes políticas fundamentais, sempre alinhadas com a ordem jurídica. Não pode o Poder Judiciário, ao arrepio da cláusula constitucional da separação dos poderes, substituir-se ao Executivo nessa função típica de gestão da administração pública local e dos recursos disponíveis. Logo, por mais relevante que seja a preservação das áreas verdes e das praças públicas, tais bens integram o patrimônio municipal e, como tais, sujeitam-se à gestão administrativa, desde que não se configurem ações manifestamente inconstitucionais, ilegais ou lesivas ao interesse público. A ordem judicial que impede, de maneira geral e irrestrita, qualquer espécie de alteração, desafetação ou alienação das praças públicas existentes no município extrapola o controle de legalidade e, a toda evidência, interfere indevidamente na esfera da discricionariedade administrativa, inviabilizando quaisquer obras ou melhorias urbanas envolvendo essas áreas. Desse modo, considero que a obrigação de não fazer imposta na sentença, por seu caráter amplo e irrestrito, infringe o princípio constitucional da separação de poderes, porquanto cerceia a discricionariedade administrativa inerente à gestão dos bens públicos municipais de acordo com os interesses locais. III - DISPOSITIVO Diante do exposto, peço vênia à e. Relatora para conceder PROVIMENTO ao recurso de apelação e JULGAR IMPROCEDENTE a Ação Civil Pública movida pelo Ministério Público Estadual contra o Município de Rondonópolis. É como voto. V O T O EXMA. SRA. DESA. ANGLIZEY SOLIVAN DE OLIVEIRA (1ª VOGAL): Senhor Presidente, Diante das ponderações do voto de Vossa Excelência, peço para revisitar os autos. SESSÃO DE 13 DE MAIO DE 2025 (CONTINUAÇÃO DE JULGAMENTO): V O T O (RETIFICADO) EXMA. SRA. DESA. ANGLIZEY SOLIVAN DE OLIVEIRA (1ª VOGAL): Egrégia Câmara, A controvérsia instaurada por meio de recurso de apelação gira em torno da preservação das praças e áreas verdes já afetadas e consolidadas pelo Município, bem como daquelas utilizadas pela população, com essa finalidade. Inicialmente, acompanhei o voto da relatora para negar provimento ao recurso interposto pelo Município de Rondonópolis, mantendo a sentença que julgou procedente a ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público Estadual, condenando a municipalidade a se “abster de desafetar, alienar ou alterar, de forma geral, todas as praças existentes na cidade de Rondonópolis, ainda que não formalizadas, mas que sejam locais cujos usos e costumes indiquem tratar-se de Praça Pública”. No entanto, ao abrir divergência e apresentar seu voto, o Des. Mario Kono lançou luz a um ponto até então não sopesado: o limite de intervenção do Poder Judiciário nos atos administrativos e nas políticas públicas. O problema reside na extensão dos pedidos formulados na petição inicial da ação civil pública, que busca vedar ao Município a alteração das praças públicas da cidade de Rondonópolis. Uma vez confirmada a sentença, o advento da coisa julgada praticamente cria uma norma nova, ou insere, na prática, um dispositivo legal no Estatuto das Cidades, impedindo a desafetação das Praças Públicas pela Administração Municipal, ainda que a motivação atenda ao interesse da população. Ora, as cidades estão em constante transformação e, no caso de Rondonópolis, o crescimento da área urbana tem se acentuado nos últimos anos, obrigando o Poder Público a adotar as medidas necessárias para ordenar esse crescimento, como, por exemplo, o “planejamento do desenvolvimento das cidades, da distribuição espacial da população e das atividades econômicas do Município e do território sob sua área de influência, de modo a evitar e corrigir as distorções do crescimento urbano e seus efeitos negativos sobre o meio ambiente” (inciso IV, do Art. 2º, da Lei Federal nº 10.257/01 – Estatuto das Cidades). Reafirmo, aqui, meu entendimento, em consonância com o voto da relatora, de que o meio ambiente urbano goza da proteção da lei, assim como o direito da população que habita determinada urbe, em utilizar praças e áreas verdes. Contudo, entendo que a questão deve ser decidida caso a caso, e não de forma genérica como está ocorrendo. Ressalte-se, ainda, que o Estatuto das Cidades prevê a gestão democrática na execução e no acompanhamento de planos, programas e projetos de desenvolvimento urbano (art. 2º, inciso II, da Lei nº 10.257/01), o que implica a participação da população nas decisões a serem tomadas — norma que deve ser observada pelo alcaide quando propuser a desafetação de bens dominicais e alterações em áreas verdes do Município. Assim, diante da necessidade de respeito à autonomia municipal na condução de suas políticas urbanas, e considerando que a tutela do meio ambiente urbano deve ser efetivada de forma equilibrada, com análise individualizada de cada situação, em casos como este, concluo pela improcedência da ação civil pública, acompanhando a divergência instaurada. Dessa forma, retifico o meu voto e acompanho a divergência aberta pelo 2º Vogal para JULGAR IMPROCEDENTE a Ação Civil Pública movida pelo Ministério Público Estadual contra o Município de Rondonópolis. É como voto. EXMO. SR. DES. MÁRIO ROBERTO KONO DE OLIVEIRA (PRESIDENTE): Em razão da divergência, o julgamento, prosseguirá com aplicação da técnica de ampliação do colegiado, prevista no art. 942 do CPC, nos termos do art. 23-A do RITJ/MT, em sessão futura. SESSÃO DE 03 DE JUNHO DE 2025 (CONTINUAÇÃO DE JULGAMENTO): V O T O (TÉCNICA DE JULGAMENTO) EXMO. SR. DES. MÁRCIO VIDAL (3º VOGAL – CONVOCADO): Egrégia Câmara, Como visto nos votos precedentes, está na mesa o Recurso de Apelação Cível, apresentado pelo Município de Rondonópolis, contra sentença proferida pelo Juízo da Terceira Vara Cível da Comarca daquela municipalidade, que julgou procedente os pedidos formulados na Ação Civil Pública, que visava compelir o ente municipal a se abster de desafetar, alienar ou alterar, de forma geral, todas as praças existentes na cidade de Rondonópolis, ainda que não formalizadas, mas que sejam locais cujos usos e costumes indiquem tratar-se de Praça Pública. Em suas razões recursais, a Fazenda Pública Municipal sustentou: a) Violação ao Princípio da Separação dos Poderes, aduzindo que compete ao Executivo a consecução da infraestrutura indispensável às obras públicas, não cabendo ao Ministério Público e ao Poder Judiciário usurpar o espaço da função administrativa, tornando desmedida qualquer decisão cominatória que obrigue o Poder Público. b) Descabimento da Multa, alegando que os recursos públicos têm como destinatária a sociedade, de modo que a cominação de astreintes acaba por prejudicar a satisfação dos interesses da população local. c) Desproporcionalidade, asseverando que o valor da multa coercitiva é desproporcional. Requereu, portanto, o provimento total do recurso para reformar a sentença e julgar totalmente improcedente a pretensão inicial. Em contrarrazões, o Ministério Público Estadual arguiu não haver violação ao princípio da separação dos poderes, pois o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado é direito consagrado constitucionalmente. Reforçou que a ação visa garantir a preservação de áreas verdes que contribuem significativamente para a qualidade de vida e equilíbrio ambiental dos centros urbanos, e que não há discricionariedade do administrador público frente a direitos consagrados constitucionalmente. Afirmou, por fim, que multa só será aplicada em caso de descumprimento. A Douta Relatora, Desa. Maria Aparecida Ferreira Fago, votou pelo PARCIAL PROVIMENTO do recurso, tão somente para estabelecer o limite de R$ 100.000,00 (cem mil reais) para efeitos de cobrança da multa aplicada, na hipótese de descumprimento do comando judicial, mantendo a sentença inalterada nos demais termos. Consignou que o controle judicial sobre atos administrativos que comprometam direitos fundamentais não configura ingerência indevida do Poder Judiciário no Executivo, bem como que as áreas verdes e praças públicas são bens de uso comum do povo e exercem relevante função socioambiental, sendo indispensáveis à sadia qualidade de vida Ponderou que a fixação de multa cominatória é legítima, mas deve ser limitada para evitar desproporções. O Segundo Vogal, Des. Mario Roberto Kono de Oliveira, em voto divergente, deu provimento ao recurso, ao fundamento que a pretensão inicial vai além do simples controle de legalidade, configurando verdadeira ingerência na esfera da discricionariedade administrativa. Asseverou que a obrigação imposta revela um inadmissível cerceamento à autonomia municipal para gerir os recursos e bens públicos de acordo com o interesse local, de modo que o poder discricionário da Administração Pública, dentro dos limites legais, deve ser respeitado. Ressaltou que a ordem judicial impede de maneira geral e irrestrita qualquer espécie de alteração, extrapolando o controle de legalidade. Por seu turno, a Primeira vogal, Desa. Anglizey Solivan de Oliveira, inicialmente, acompanhou a Relatora, mas após o pedido de vista e as ponderações do voto divergente, retificou seu posicionamento para acompanhar a divergência, votando pelo PROVIMENTO TOTAL do recurso. Destacou que a confirmação da sentença praticamente cria uma norma nova, impedindo a desafetação das Praças Públicas pela Administração Municipal, ainda que a motivação atenda ao interesse da população. Afiançou que as cidades estão em constante transformação, obrigando o Poder Público a adotar medidas necessárias para ordenar esse crescimento, de sorte que a questão deve ser decidida caso a caso, e não de forma genérica, dada a necessidade de respeito à autonomia municipal na condução de suas políticas urbanas. Por não haver unanimidade, houve a extensão do julgamento, com a minha convocação. Sabe-se, que a técnica de julgamento repousa sobre a parte do julgamento do Recurso de Apelação que resultou em divergência de posicionamento entre os membros do Órgão Colegiado. Denota-se dos autos que a controvérsia recursal diz respeito à tensão entre a proteção constitucional ao meio ambiente urbano e a autonomia municipal para gestão discricionária de bens públicos, especificamente, quanto à possibilidade de o Poder Judiciário impor vedação genérica e irrestrita à desafetação de praças públicas pelo ente municipal. Especificamente, discute-se: Se o Poder Judiciário pode proibir, preventiva e genericamente, o Município de Rondonópolis de alterar, desafetar ou alienar TODAS as praças públicas da cidade, independentemente do motivo ou finalidade da alteração. Pois bem. O caso concreto que motivou a ação envolve a intenção municipal de construir uma Unidade Básica de Saúde na Praça da Saudade, local frequentado por crianças, adultos e idosos para caminhadas, prática de esportes e passeios. O Ministério Público sustentou que tal praça existe há longos anos e sempre se destinou a finalidades ambientais ínsitas em áreas verdes, razão pela qual o Poder Público não poderia alterar ou destruir praças públicas dando-lhes destinações diversas das previstas na legislação ambiental. O pedido liminar foi deferido pelo Juízo de primeiro grau, determinando a averbação da inalienabilidade nas matrículas dos imóveis e, posteriormente, complementado para abranger todas as praças da cidade. A questão central dos autos transcende a mera proteção ambiental e adentra na complexa seara da delimitação das competências constitucionais entre os Poderes da República. Embora seja inequívoca a relevância da preservação do meio ambiente urbano, consagrada como direito fundamental no artigo 225 da Constituição Federal, a forma genérica e irrestrita pela qual a decisão recorrida pretende tutelar esse direito viola frontalmente o princípio da separação dos poderes e cerceia indevidamente a discricionariedade administrativa inerente ao exercício da função executiva municipal. A Constituição da República, em seu artigo 2º, estabelece que são Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário. Esse preceito constitui cláusula pétrea do ordenamento jurídico pátrio, conforme disposto no artigo 60, parágrafo 4º, inciso III, da CRFB (Constituição da República Federativa do Brasil). Como bem ensina José Afonso da Silva1, a separação dos poderes fundamenta-se na especialização funcional, na independência orgânica e na limitação recíproca entre os órgãos do poder político, visando impedir a concentração e o eventual abuso do poder estatal. A cada um dos Poderes foi constitucionalmente atribuída determinada função preponderante, cabendo ao Poder Executivo, nos termos do artigo 84 da Constituição Federal, a direção superior da administração federal e, no caso dos municípios, conforme o artigo 30, a gestão dos interesses locais. O poder discricionário da Administração Pública, embora não seja absoluto, constitui prerrogativa indispensável ao exercício da função administrativa, permitindo ao gestor público escolher, dentre as alternativas legalmente possíveis, aquela que melhor atenda ao interesse público segundo critérios de conveniência e oportunidade. Como leciona Celso Antônio Bandeira de Mello2, a discricionariedade administrativa "é a margem de liberdade que remanesça ao administrador para eleger, segundo critérios consistentes de razoabilidade, um, dentre pelo menos dois comportamentos, cabíveis perante cada caso concreto" Essa prerrogativa encontra fundamento não apenas na impossibilidade de o legislador prever todas as situações concretas que se apresentarão à Administração, mas também na necessidade de conferir flexibilidade ao gestor público para adequar sua atuação às circunstâncias específicas de cada situação. No caso em exame, a decisão de primeiro grau, ao determinar que o município se abstenha de desafetar, alienar ou alterar "de forma geral" todas as praças existentes na cidade, extrapola os limites do controle jurisdicional e invade campo próprio da discricionariedade administrativa. A vedação genérica e irrestrita imposta pela sentença impede que o Poder Executivo municipal avalie, caso a caso, a necessidade e conveniência de eventual alteração na destinação de áreas públicas, ainda que para atender a interesses públicos primários como saúde, educação ou segurança pública. Essa proibição absoluta desconsidera que o planejamento urbano é atividade complexa e dinâmica, que deve levar em conta não apenas a preservação ambiental, mas também as necessidades crescentes da população e a evolução das demandas sociais. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal tem reconhecido que, embora seja possível ao Poder Judiciário determinar a adoção de medidas assecuratórias de direitos constitucionalmente reconhecidos como essenciais, tal intervenção deve observar os limites impostos pelo princípio da separação dos poderes e não pode substituir a discricionariedade administrativa por decisões judiciais genéricas. No julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) n. 45, o Ministro Celso de Mello destacou que "a realização dos direitos econômicos, sociais e culturais depende, em grande medida, de um inescapável vínculo financeiro subordinado às possibilidades orçamentárias do Estado", ressaltando que não compete ao Poder Judiciário, que não tem função política, formular e implementar políticas públicas. A proteção do meio ambiente urbano, conquanto seja direito fundamental de envergadura constitucional, não pode ser interpretada de forma absoluta a ponto de inviabilizar completamente o exercício de outras competências constitucionais igualmente relevantes. O próprio artigo 225 da Constituição Federal, ao estabelecer o dever de defender e preservar o meio ambiente, não exclui a possibilidade de compatibilização entre a proteção ambiental e outros interesses públicos primários. O princípio da proporcionalidade, amplamente consagrado na doutrina constitucional e jurisprudência pátria, exige que as medidas restritivas de direitos sejam adequadas, necessárias e proporcionais em sentido estrito aos fins que se pretende alcançar. No caso concreto, a construção de uma Unidade Básica de Saúde na Praça da Saudade representa manifestação legítima do exercício da competência municipal para organizar e prestar serviços públicos de interesse local, conforme previsto no artigo 30, inciso V, da Constituição da República. O direito à saúde, consagrado no artigo 196 da CRFB, como direito de todos e dever do Estado, deve ser garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação. A necessidade de expansão da rede pública de saúde, especialmente, em municípios em crescimento como Rondonópolis, constitui interesse público primário que não pode ser sumariamente desconsiderado em favor de uma interpretação absolutista da proteção ambiental. A decisão recorrida ignora que o planejamento urbano adequado pode e deve conciliar a preservação de áreas verdes com a necessidade de expansão dos equipamentos públicos essenciais. A mera existência de uma praça pública não torna intocável e imutável para todo o sempre a destinação do respectivo terreno, especialmente quando se demonstre a necessidade de sua utilização para atendimento de demandas sociais prementes. O Estatuto da Cidade, Lei 10.257/2001, embora preveja a proteção do meio ambiente natural e construído, também estabelece como diretriz geral da política urbana a garantia do direito a cidades sustentáveis, entendido como o direito à terra urbana, à moradia, ao saneamento ambiental, à infraestrutura urbana, ao transporte e aos serviços públicos, ao trabalho e ao lazer. A exigência de que toda e qualquer alteração em praças públicas seja previamente submetida ao crivo judicial por meio de ação civil pública específica, conforme sugerido pela primeira vogal, embora represente solução mais equilibrada que a vedação absoluta imposta pela sentença, ainda assim não se mostra adequada por diversos motivos. Primeiro, porque transformaria o Poder Judiciário em instância administrativa de revisão de todas as decisões municipais sobre planejamento urbano, função para a qual não possui expertise técnica nem legitimidade democrática. Segundo, porque geraria insegurança jurídica e morosidade na implementação de políticas públicas essenciais, submetendo decisões administrativas urgentes aos prazos e ritmos do processo judicial. Terceiro, porque inverteria a lógica do sistema, fazendo com que o Poder Executivo tivesse que justificar preventivamente suas decisões ao Judiciário, em lugar de estas serem questionadas a posteriori, quando efetivamente violassem direitos ou a legalidade. O controle judicial da administração pública, embora seja prerrogativa indispensável em um Estado Democrático de Direito, deve ser exercido dentro dos parâmetros constitucionais e legais estabelecidos, limitando-se à verificação da conformidade dos atos administrativos com o ordenamento jurídico. Como bem observa Maria Sylvia Zanella Di Pietro3, "o controle judicial não pode substituir o mérito administrativo pelo judicial; não pode o Poder Judiciário substituir o administrador na escolha discricionária". O mérito do ato administrativo, entendido como a conveniência e oportunidade de sua prática, escapa ao controle jurisdicional, salvo quando manifesta e evidentemente contrário ao interesse público ou eivado de vício de legalidade. No presente caso, não se demonstrou que o Município recorrente tenha praticado ato ilegal ou manifestamente contrário ao interesse público ao pretender construir equipamento de saúde em área que atualmente funciona como praça. Ao contrário, a ampliação da rede pública de saúde constitui obrigação constitucional do ente municipal e atende a interesse público primário incontestável. A eventual alteração na configuração urbana do local, desde que observadas as normas ambientais e urbanísticas aplicáveis, representa exercício legítimo da competência municipal para ordenar o desenvolvimento das funções sociais da cidade, nos termos do artigo 182 da Constituição Federal. A preocupação manifestada pela eminente Primeira Vogal, de que a confirmação da sentença criaria precedente impeditivo de qualquer alteração em praças públicas por municípios do Estado de Mato Grosso é procedente e merece especial consideração. A jurisprudência desta Corte tem efeito multiplicador e orientador para as instâncias inferiores, de modo que a manutenção de decisão que estabeleça vedação genérica e absoluta criaria grave precedente restritivo da autonomia municipal. Esse entendimento poderia inviabilizar não apenas a construção de equipamentos de saúde, mas também de escolas, creches, delegacias, quartéis de bombeiros e outros equipamentos públicos essenciais em terrenos atualmente destinados a praças, ainda que tais alterações fossem plenamente justificadas pelo interesse público e pela evolução. O princípio da autonomia municipal, consagrado no artigo 18 da Constituição Federal, assegura aos municípios a competência para legislar sobre assuntos de interesse local e organizar e prestar serviços públicos de interesse local, de modo que essa prerrogativa inclui necessariamente a faculdade de decidir sobre a melhor utilização dos bens públicos municipais, observadas as limitações legais e constitucionais pertinentes. A interferência judicial na gestão municipal, quando não fundamentada em ilegalidade manifesta ou violação a direitos fundamentais específicos e concretos, viola a autonomia constitucional dos entes locais e compromete o federalismo cooperativo previsto na CRFB. Cumpre observar que a proteção do meio ambiente urbano não exige necessariamente a manutenção inalterada de todas as áreas verdes existentes, mas sim a observância de parâmetros urbanísticos e ambientais que assegurem a qualidade de vida urbana. O Plano Diretor municipal, instrumento básico da política de desenvolvimento e expansão urbana previsto no parágrafo 1º do artigo 182 da Constituição Federal, constitui o meio adequado para estabelecer as diretrizes de preservação ambiental e definir as áreas que devem ser mantidas como espaços livres de uso público. A eventual necessidade de alteração em tais diretrizes, motivada por mudanças nas demandas sociais ou no crescimento urbano, deve ser objeto de discussão democrática no âmbito do Poder Legislativo municipal, e não de vedação judicial genérica e prévia. Por fim, apenas à título argumentativo, no tocante à multa cominatória fixada na sentença, além das razões já expostas para a improcedência da ação, cumpre destacar que sua aplicação contra ente público onera desnecessariamente o erário e, por consequência, toda a coletividade. Como tem decidido reiteradamente esta Corte, a imposição de multa cominatória ao Poder Público importa na oneração de toda a coletividade, sem que o responsável arque diretamente pela consequência da eventual desídia, devendo-se optar por outros meios coercitivos que garantam a efetividade da obrigação sem prejuízo aos cofres públicos. Dessa forma, com a devida vênia à ilustre relatora, voto para acompanhar a divergência aberta pelo douto segundo vogal, Des. Mário Roberto Kono de Olieira, e ratificada pela douta primeira vogal, Desa. Anglizey Solivan de Oliveira, para DAR PROVIMENTO ao recurso de Apelação Cível, interposto pelo Município de Rondonópolis, e julgar improcedente a ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público. É como voto. V O T O (TÉCNICA DE JULGAMENTO) EXMO. SR. DES. JONES GATTASS DIAS (4º VOGAL – CONVOCADO): Senhor Presidente, Voto no mesmo sentido de Vossa Excelência para prover o recurso e julgar improcedente a ação civil pública. É como voto. Data da sessão: Cuiabá-MT, 03/06/2025
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