Processo nº 6139719-22.2024.8.09.0164
ID: 312476034
Tribunal: TJGO
Órgão: 6ª Câmara Cível
Classe: PROCEDIMENTO COMUM CíVEL
Nº Processo: 6139719-22.2024.8.09.0164
Data de Disponibilização:
01/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
RENATO CHAGAS CORREA DA SILVA
OAB/GO XXXXXX
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Tribunal de Justiça do Estado de Goiás6ª Câmara CívelGabinete do Desembargador Aureliano Albuquerque AmorimAGRAVO INTERNO NA APELAÇÃO CÍVEL Nº 6139719-22.2024.8.09.0164COMARCA DE CIDADE OCIDENTALAGRA…
Tribunal de Justiça do Estado de Goiás6ª Câmara CívelGabinete do Desembargador Aureliano Albuquerque AmorimAGRAVO INTERNO NA APELAÇÃO CÍVEL Nº 6139719-22.2024.8.09.0164COMARCA DE CIDADE OCIDENTALAGRAVANTE : ITAÚ UNIBANCO S/AAGRAVADO : RAILMA MENDES DE MELORELATOR : DES. AURELIANO ALBUQUERQUE AMORIM DECISÃO MONOCRÁTICA Trata-se de agravo interno interposto por ITAÚ UNIBANCO S/A contra a decisão proferida na mov. 42 que negou provimento ao recurso de apelação cível. Movimentação 47: Juntada -> Petição -> Agravo interno O Itaú Unibanco S/A, inconformado com a decisão singular, interpôs agravo interno, buscando a reforma da decisão monocrática que negou provimento à apelação. O banco alega, em síntese, a tempestividade do agravo, a necessidade de reforma da decisão monocrática, o cabimento do agravo, a legitimidade do registro no SCR, a ausência de ato ilícito ou prejuízo à parte agravada e a inexistência de nexo de causalidade entre a negativa de crédito e as informações enviadas ao SCR. Argumenta que o SCR não possui caráter restritivo, sendo um sistema de consulta gerido pelo Banco Central, e que a inclusão das informações é obrigatória, conforme a Resolução CMN nº 5.037/2022. Sustenta que a parte agravada não sofreu nenhum tipo de prejuízo, pois a Súmula 359 do STJ não se aplica ao SCR. Além disso, o banco afirma que a parte autora tinha ciência e anuiu com a inclusão e consulta de dados no SCR, conforme as condições gerais da conta. O banco ainda alega que a negativa de crédito não decorreu exclusivamente das informações enviadas ao SCR, e que a fixação dos honorários advocatícios deve observar o art. 85 do CPC. Requer, por fim, o provimento do agravo e a reforma da decisão agravada. Preparo feito. Movimentação 50: Juntada -> Petição -> Resposta Railma Mendes de Melo apresentou contrarrazões ao agravo interno, defendendo a manutenção da decisão monocrática que negou provimento à apelação do banco. Railma argumenta que a decisão agravada está devidamente fundamentada e que a ausência de notificação específica sobre o lançamento de informações sensíveis no SCR pode configurar conduta ilícita, caso gere prejuízo concreto. Afirma que a jurisprudência não é pacífica sobre a inexistência do dever de informação prévia no âmbito do SCR, e que o registro foi feito de forma indevida, sem notificação clara e específica ao consumidor. Railma alega que o lançamento indevido gerou impedimentos concretos à sua vida financeira, como a recusa de crédito. Menciona jurisprudência que entende que a simples anotação indevida em qualquer banco de dados sensível, inclusive o SCR, é suficiente para ensejar reparação por danos morais. Railma sustenta que a alegação do banco de que a decisão monocrática violaria o art. 932, IV, do CPC não merece prosperar, pois há consolidada jurisprudência sobre a indenização por inclusão indevida em cadastros bancários. Requer, assim, a manutenção da decisão monocrática que negou provimento à apelação do banco. É o relatório. Decido. Presentes os pressupostos de admissibilidade do recurso, dele conheço. Destaca-se ser possível o julgamento monocrático da matéria em discussão neste, nos termos do art. 141, inciso II, do Regimento Interno deste Tribunal: “Art. 141. Ao relator do acórdão compete:(...);II - relatar os agravos internos interpostos às suas decisões, se não exercer o juízo de retratação;” Grifei. Em suas razões, a agravante pretende a reforma do ato decisório. Em síntese, não se conforma o agravante com o julgamento de parcial procedência da pretensão inicial, pois reputa equivocado o reconhecimento da irregularidade do apontamento a registro no SCR por falta de notificação prévia do devedor, quando não lhe é exigível pela regulação bancária tal providência, desde que haja previsão contratual acerca de tal apontamento, como na espécie. Acerca da anotação em causa, merece registro que nos termos do artigo 21, VIII, da Constituição Federal de 1988, é obrigação da União, via de suas instituições financeiras, “Administrar as reservas cambiais do País e fiscalizar as operações de natureza financeira, especialmente as de crédito, câmbio e capitalização, bom como as de seguros e de previdência privada.” Visando atender ao determinismo constitucional, a União via do Banco Central do Brasil estipulou regras para que se possa fiscalizar as operações financeiras ocorrentes do País. Depreende-se da legislação em vigor que a disciplina do crédito e o zelo pela higidez e solvência das instituições que compõem o Sistema Financeiro Nacional são objetivos da política financeira formulada pelo Conselho Monetário Nacional. A central de risco de crédito, normatizada pelo Conselho Monetário Nacional e pelo Banco Central do Brasil, tem previsão no art.1º, § 3º, I, da Lei Complementar n. 105/2001, nesses termos: “Art. 1o As instituições financeiras conservarão sigilo em suas operações ativas e passivas e serviços prestados. […] § 3o Não constitui violação do dever de sigilo: I – a troca de informações entre instituições financeiras, para fins cadastrais, inclusive por intermédio de centrais de risco, observadas as normas baixadas pelo Conselho Monetário Nacional e pelo Banco Central do Brasil.” De fato, havendo uma determinação constitucional de fiscalização, há uma superposição aos direitos particulares das pessoas, com vistas a assegurar uma correta administração do sistema de crédito brasileiro, tão necessário para normalização das relações financeiras a serem realizadas. Por isso, a retirada do sigilo nestes casos específicos, posto que em isso a letra constitucional ordenadora da fiscalização restaria natimorta. O Conselho Monetário Nacional, ainda na intenção de cumprimento da norma constitucional em referência, editou a Resolução n. 2.724, de 31/05/2000, substituindo outra de 1997, anterior à CF/1988. Nela foi disciplinado o Sistema Central de Risco de Crédito – CRC, assim dispondo: “Art. 1º Determinar a prestação ao Banco Central do Brasil de informações sobre o montante dos débitos e responsabilidades por garantias de clientes pelos bancos múltiplos, bancos comerciais, Caixa Econômica Federal, bancos de investimento, bancos de desenvolvimento, sociedades de crédito imobiliário, sociedades de crédito, financiamento e investimento, companhias hipotecárias, agências de fomento e sociedades de arrendamento mercantil. Parágrafo único. O disposto neste artigo aplica-se também às instituições em regime especial. Art. 2º As informações de que se trata: I – serão consolidadas no sistema Central de Risco de Crédito em termos de débito e responsabilidades por cliente; II– são de exclusiva responsabilidade das instituições mencionadas no art. 1º, inclusive no que diz respeito às respectivas inclusões, atualizações ou exclusões do sistema. Art. 3º. As instituições mencionadas no art. 1º poderão consultar as informações consolidadas por cliente constantes do sistema, desde que obtida autorização específica do cliente para essa finalidade. Art. 4º Fica o Banco Central do Brasil autorizado a baixar as normas e a adotar as medidas necessárias ao cumprimento do disposto nesta Resolução.” (Resolução BACEN n. 2.724/2000). Essa resolução foi substituída pela de n. 3.658, de 17/12/2008, que modificou o nome para Sistema de Informações de Crédito – SCR. Em termos gerais, foram mantidas as determinações da resolução anterior, notadamente quanto à obrigação de fornecimento dos dados ao BACEN e disponibilidade das mesmas informações a todas as instituições financeiras, “...desde que obtida autorização específica...” do cliente. Em seu artigo 8º, II, essa resolução determina que se deve “...comunicar previamente ao cliente o registro dos seus dados no SCR, exceto se houver autorização dele para o registro...” (grifei). Assim, pela resolução, desde que obtida a autorização, não é necessária a notificação prévia a cada lançamento, independente de sua natureza, mas desde que vinculado ao sistema financeiro. A atual resolução que trata do caso é a de n. 5.037, de 29/09/2022. Por ela, continua a obrigação normativa de fornecimento das informações das atividades financeiras das instituições do sistema nos termos de seu artigo 5º, senão vejamos: “Art. 5º As instituições referidas no art. 4º devem remeter ao Banco Central do Brasil informações relativas às operações de crédito, conforme definido no art. 3º, inclusive de: […].” Para o fiel cumprimento das normas de fiscalização em estudo, a referida resolução determinou também em seu artigo 13 que as instituições financeiras devem comunicar previamente ao cliente que os dados das operações realizadas serão registrados no SCR, in verbis: “Art. 13. As instituições originadoras das operações de crédito ou que tenham adquirido tais operações de entidades não integrantes do Sistema Financeiro Nacional devem comunicar previamente ao cliente que os dados de suas respectivas operações serão registrados no SCR. […] 2º A comunicação de que trata o caput deve ocorrer anteriormente à remessa das informações para o SCR.” (Resolução BACEN n. 5.037/2022). Em que pese a resolução não informar, não há necessidade de autorização específica para cada lançamento que é realizado mensalmente, desde que fique claro ao cliente que isso será realizado. A interpretação neste sentido é fundada nas previsões do artigo 18 da referida resolução, ao informar que continuam válidas as autorizações concedidas anteriormente à nova resolução, assim: “Art. 18. Permanecem válidos as autorizações de consulta concedidas pelos clientes e os registros de determinações judiciais anteriores à vigência desta Resolução.” Ora, se as autorizações anteriores continuam válidas é porque geram efeitos para o futuro, levando à conclusão de que basta a cientificação inicial para sua realização pelas instituições financeiras. Do contrário, haveria disposição clara no sentido de sua realização a cada lançamento, desconsiderando as anteriormente realizadas.A falta de uma informação clara nas resoluções do BACEN sobre a periodicidade das notificações fez surgir o entendimento de que o SCR é em realidade um banco de dados que pode trazer ao consumidor uma restrição em seus créditos, aplicando as previsões do Código de Defesa do Consumidor a exigir prévia notificação quando houver inclusão de informações negativas. A posição inicial se deu em 2010, via do julgamento do REsp n. 1099527/MG, da relatoria da Min. Nancy Andrighi, com a seguinte ementa: “CIVIL E PROCESSUAL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO REVISIONAL DE CONTRATO BANCÁRIO. TUTELA ANTECIPADA DEFERIDA. LIMINAR OBSTATIVA DA INSCRIÇÃO EM CADASTRO DE INADIMPLENTES. SISBACEN. SISTEMA DE INFORMAÇÕES DE CRÉDITO DO BANCO CENTRAL DO BRASIL (SCR). DESCUMPRIMENTO DE ORDEM JUDICIAL. RECURSO ESPECIAL NÃO PROVIDO. 1. As informações fornecidas pelas instituições financeiras ao Sisbacen afiguram-se como restritivas de crédito, visto que esse sistema de informação avalia a capacidade de pagamento do consumidor de serviços bancários. 2. A inclusão do nome da parte autora no Sisbacen, enquanto o débito estiver sub judice, configura descumprimento de ordem judicial proferida em sede de ação revisional de contrato, que, em antecipação de tutela, determinou à instituição bancária que se abstenha de negativar o nome da recorrida em qualquer banco de dados de proteção ao crédito. 3. Recurso especial não provido.” (STJ, 3ª Turma, REsp n. 1099527/MG, Rel. Min. Nancy Andrighi, DJe de 24/09/2010). A conclusão da Ministra Nancy Andrighi foi de que o SCR seria um sistema de restrição de crédito de natureza mista, diferenciando-se dos demais que somente incluem as informações negativas, enquanto que o SCR inclui todo tipo de informação, tanto positivas quanto negativas. Nesse sentido, confira-se o seguinte trecho de seu voto: “A peculiaridade do banco de dados mantido pelo Bacen, que o faz diferir, em parte, dos demais bancos de dados, sejam públicos ou privados, é que aquele é alimentado tanto por informações positivas quanto negativas, o que o caracteriza como um ‘sistema múltiplo’, enquanto a maioria dos demais somente armazenam informações negativas.” (STJ, 3ª Turma, REsp n. 1099527/MG, Rel. Min. Nancy Andrighi, DJe de 24/09/2010 - trecho do voto). Esse julgamento, tido como paradigma, não fala na necessidade de prévia notificação para cada lançamento, embora o vincule a uma relação consumerista. Isso fez com que alguns outros julgamentos no STJ entendessem pela necessidade de notificação exclusiva para a inclusão de informação negativa, conforme se pode retirar da leitura do retromencionado voto, verbis: “Salienta-se, ainda, por oportuno, que o art. 43 do CDC sinaliza para a proteção do consumidor em relação a ‘informações existentes em cadastros, fichas, registros e dados pessoais e de consumo arquivados sobre ele, bem como sobre as suas respectivas fontes’, de modo a abranger também o SCR – Sistema de Informações de Crédito do Banco Central do Brasil.” (STJ, 3ª Turma, REsp n. 1099527/MG, Rel. Min. Nancy Andrighi, DJe de 24/09/2010 - trecho do voto). No mesmo sentido: STJ, 3ª Turma, AgInt no AREsp n. 851585/SP, Rel. Min. João Otávio de Noronha, DJe de 23/06/2016. No entanto, posicionamentos mais recentes têm modificado o referido entendimento, havendo uma espécie, ainda que tênue, de superação.Por ocasião do julgamento de recurso repetitivo do Tema 874, a 2ª Seção do Superior Tribunal de Justiça teve a oportunidade de se pronunciar acerca da legitimidade passiva em ações de indenização por dano moral relacionadas à inscrição em sistema de informação que funciona como uma das ramificações do SISBACEN, qual seja, o Cadastro de Emitentes de Cheques sem Fundos (CCF). Naquela oportunidade, fixou-se a tese de que “O Banco do Brasil, na condição de gestor do Cadastro de Emitentes de Cheques sem Fundos (CCF), não tem a responsabilidade de notificar previamente o devedor acerca da sua inscrição no aludido cadastro, tampouco legitimidade passiva para as ações de reparação de danos diante da ausência de prévia comunicação”. Veja-se: “RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA (CPC, ART. 543-C). PROCESSUAL CIVIL. BANCÁRIO. CONSUMIDOR. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. INSCRIÇÃO NO CADASTRO DE EMITENTES DE CHEQUES SEM FUNDOS - CCF. AUSÊNCIA DE NOTIFICAÇÃO PRÉVIA. BANCO DO BRASIL. ILEGITIMIDADE PASSIVA. OPERADOR E GESTOR DO SISTEMA. COMPARAÇÃO DO CCF COM MERO SERVIÇO DE PROTEÇÃO AO CRÉDITO. IMPROCEDÊNCIA. RECURSO IMPROVIDO. 1. Para fins do art. 543-C do Código de Processo Civil: ‘O Banco do Brasil, na condição de mero operador e gestor do Cadastro de Emitentes de Cheques sem Fundos - CCF, não detém legitimidade passiva para responder por danos resultantes da ausência de notificação prévia do correntista acerca de sua inscrição no referido cadastro, obrigação que incumbe ao banco sacado, junto ao qual o correntista mantém relação contratual’. 2. Mostra-se equivocada a comparação entre a função, de interesse predominantemente privado, de serviço de proteção ao crédito comercial, que opera com recursos privados de cada empresário ou sociedade empresária, sem risco sistêmico, e a função, de interesse público relevante, desempenhada pelo operador do CCF, de proteção de todo o sistema financeiro, o qual opera com recursos captados com a população (economia popular). 3. Recurso especial desprovido.” (STJ, 2ª Seção, REsp n. 1354590/RS, Rel. Min. Raul Araújo, DJe de 15/09/2015). Nessa linha, merece destaque a recente decisão proferida pelo Ministro Mauro Campbell Marques, nos termos seguintes: “[…] o que se pode concluir é que a função desempenhada pelo BACEN, na qualidade de gestor do SCR, é de interesse público relevante e sem intuito de obtenção de lucros, mas sim de proteção de todo o sistema financeiro, através do monitoramento e avaliação da carteira de créditos das instituições financeiras. Portanto, mostra-se equivocada a comparação entre esta função do BACEN por intermédio do SCR e a função, de interesse predominantemente privado, de um serviço de proteção ao crédito comercial, com intuito de obtenção de lucro, como é o caso do SPC e do SERASA. […] Desse modo, conclui-se que não é possível imputar ao BACEN a responsabilidade, prevista no artigo 43, § 2º, do CDC, por notificar previamente a pessoa física ou jurídica quando de sua inclusão no SCR, uma vez que esta obrigação incumbe à instituição financeira que alimentou o sistema do BACEN com os dados de seus consumidores. Assim, não há falar em legitimidade passiva do Banco Central do Brasil para responder por danos resultantes da ausência de notificação prévia de pessoa física ou jurídica acerca de sua inclusão no Sistema de Informações de Crédito do Banco Central (SCR). Nesse prumo, o recurso especial deve ser parcialmente provido, para reformar o acórdão recorrido e afastar a condenação do BACEN, uma vez que a este não incumbe a notificação prévia por ocasião da inclusão do nome de pessoa física ou jurídica no SCR.” (STJ, AgInt no REsp 1485721/RS, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Dje de 05/02/2020 – decisão monocrática). Os precedentes cuidam, portanto, de avaliar a pertinência da comparação entre a função, de interesse predominantemente privado, de serviços de informação mercantil, que operam recursos privados de cada empresário ou sociedade empresária, sem risco sistêmico, e a função, de interesse público relevante, desempenhada em nome da proteção do Sistema Financeiro Nacional. Outra decisão do STJ que informa a diferenciação entre o SCR e os sistemas privados de proteção ao crédito foi prolatada no julgamento do Recurso Especial n. 1626547/RS, em 06/04/2021, assim ementada: “RECURSO ESPECIAL PROCESSUAL CIVIL. SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL – REGULAÇÃO. CONSUMIDOR. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. CADASTRAMENTO NO SISBACEN. AUSÊNCIA DE NOTIFICAÇÃO PRÉVIA. BANCO CENTRAL DO BRASIL. ILEGITIMIDADE PASSIVA. RECURSO PROVIDO. SÚMULA 572/STJ. 1. A partir dos termos da legislação afeta ao Sistema Financeiro Nacional, os cadastros integrantes do SISBACEN se destinam, precipuamente, à atividade fiscalizadora do Recorrente, discrimen suficiente para justificar o afastamento das regras consumeristas aplicáveis aos cadastros restritivos de crédito que praticam serviços de informação mercantil. 2. Ante o papel de gestor do SISBACEN, de natureza pública e distinto dos cadastros privados como o SERASA e o SPC, que auferem lucros com o cadastramento dos inadimplentes, o Banco Central do Brasil é parte ilegítima para figurar no polo passivo da ação manejada, na origem, pelo ora Recorrido. Inteligência da Súmula 572/STJ. 3. Recurso Especial a que se dá provimento.” (STJ, 1ª Turma, REsp n. 1626547/RS, Rel. Min. Regina Helena Costa, DJe de 08/04/2021 - grifo meu). Como se pode notar, o julgado afasta, para o caso do SISBACEN, a aplicação das normas consumeristas, dentre elas a necessidade de prévia notificação anteriormente a cada lançamento, fazendo concluir que a inclusão da ciência do consumidor de que tais lançamentos serão efetuados por expressa disposição legal, seja suficiente para cientificá-lo de que tal irá ocorrer. Por fim, temos ainda como argumento a edição da Lei n. 12.414, de 9 de junho de 2011, que trata do chamado ‘cadastro positivo de informações de adimplemento’. Esse cadastro difere dos demais cadastros particulares, posto que é direcionado à formação de histórico de crédito, e não de simples hipóteses de inadimplemento. Em seu artigo 1º, a referida legislação trás as informações de seu objetivo, assim como trata dos bancos de dados instituídos ou mantidos por pessoa jurídica de direito público. Ressai da legislação informada: in verbis e com grifo de minha parte. “Art. 1º Esta Lei disciplina a formação e consulta a bancos de dados com informações de adimplemento, de pessoas naturais ou de pessoas jurídicas, para formação de histórico de crédito, sem prejuízo do disposto na Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990 - Código de Proteção e Defesa do Consumidor. Parágrafo único. Os bancos de dados instituídos ou mantidos por pessoas jurídicas de direito público interno serão regidos por legislação específica.” O parágrafo informado deixa claro que há considerável diferença entre os bancos de dados particulares, direcionados a toda e qualquer movimentação de crédito, com os bancos de dados operados por pessoa jurídica de direito público, dentre elas o BACEN com o sistema SISBACEN, nele incluído o SCR. Por isso os remete a legislação específica, enquanto que na hipótese do caput, direcionado aos demais tipos de bancos de dados de natureza particular, é expressa em manter os efeitos da proteção ao consumidor. A partir do momento em que os bancos de dados públicos, por expressa determinação legal, serão regidos por legislação específica, há automático afastamento das regras consumeristas, notadamente a que regula a obrigação de notificação prévia para cada lançamento negativo, bastando que haja a cientificação de que tais lançamentos serão mensalmente realizados quando da realização da operação financeira. O STJ já concluiu desta maneira ao analisar a situação em concreto no seguinte aresto: “RESPONSABILIDADE CIVIL. RECURSO ESPECIAL. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. INSCRIÇÃO INDEVIDA DO NOME DE PESSOA JURÍDICA NO CADASTRO DE INADIMPLENTES DO SISBACEN/SCR. DETERMINAÇÃO JUDICIAL PROFERIDA EM LIMINAR EM AÇÃO REVISIONAL DETERMINANDO QUE A RÉ SE ABSTIVESSE DE INCLUIR OU MANTER O NOME DA AUTORA NO ROL DE ‘QUALQUER ÓRGÃO DE PROTEÇÃO AO CRÉDITO’. ATO ILÍCITO CONFIGURADO. DANO MORAL. RAZOABILIDADE NA FIXAÇÃO DO QUANTUM. […] 4. A Lei n. 12.414/2011, chamada de lei do ‘cadastro positivo’, apesar de disciplinar a formação e consulta a banco de dados com informações de adimplemento para histórico de crédito (art. 1°), estabelece que os bancos de dados de natureza pública terão regramento próprio (parágrafo único do art. 1°), o que, a contrário sensu, significa dizer que eles também são considerados bancos de dados de proteção ao crédito, os quais futuramente serão objeto de regulamentação própria. […] 6. Recurso especial a que se nega provimento.” (STJ, 4ª Turma, REsp n. 1365284/SC, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, Relator para acórdão Min. Luis Felipe Salomão, DJe de 21/10/2014). Sem uma lei própria de regulamentação, o que pode ser aplicado em situações do jaez aqui presente são as resoluções do Banco Central a respeito do tema, que exigem somente a informação preliminar de que os dados serão mensalmente informados, não se exigindo prévia notificação para cada lançamento efetuado. Esse posicionamento é admitido por vários Tribunais de Justiça do Brasil, como resta comprovado nos seguintes arestos: “DIREITO CIVIL. APELAÇÃO. INEXIGIBILIDADE DE DÉBITO E INDENIZAÇÃO. RECURSO DA AUTORA DESPROVIDO E DA RÉ PARCIALMENTE PROVIDO. I. Caso em Exame. Ação declaratória de inexigibilidade de débito cumulada com pedidos indenizatórios movida por contra Banco Volkswagen S/A. A autora alega contratação indevida de seguros e inclusão de seu nome no SCR/SISBACEN sem notificação prévia. Requer a repetição de valores, declaração de inexigibilidade de débitos e indenização por danos morais. Sentença de parcial procedência. Apelação de ambas as partes. II. Questão em Discussão 2. A questão em discussão consiste em (I) verificar a legitimidade passiva do banco para restituição de seguros, (II) a configuração de venda casada na contratação de seguros, e (III) a regularidade da inclusão do nome da autora no SCR/SISBACEN. III. Razões de Decidir. 3. Legitimidade passiva da Financeira ré configurada. Estipulante do contrato de seguro. Responsabilidade solidária da cadeia de fornecimento. 4. Seguro de proteção veicular e acidentes pessoais estabelecidos em instrumento apartado ao do contrato de financiamento. Ausência de prova de que a autora foi compelida a contratar com a seguradora elencada. Venda casada não configurada. Inteligência da Súmula nº 972 e art. 39, I, do CDC. 5. Inscrição de consumidor no cadastro SCR (Sistema de Informação de Crédito do Banco Central). Mero histórico de informações. Envio obrigatório pelas Financeiras. Danos morais não configurados. lV. Dispositivo 5. Recurso da autora desprovido e parcialmente provido o da ré.” (TJSP, Núcleo de Justiça 4.0 em Segundo Grau – Turma III – Direito Privado 2, AC n. 1020676-86.2023.8.26.0602, Rel. Des. Mara Trippo Kimura, DJe de 14/03/2025). “APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C. C. DANOS MORAIS. Inscrição de dívida no Sistema de Informações de Crédito do Banco Central. SCR-SISBACEN. Sentença de improcedência. Recurso do autor. Descabimento. Os apontamentos existentes no cadastro SCR indicam o histórico de operações realizadas pelos consumidores, de modo que eventual débito pretérito não pode ser retirado. Comunicação imposta de forma obrigatória a todas instituições financeiras e em relação a todos os clientes. Resolução CMN nº 5.037/22. Anotações de débitos pretéritos e efetivamente existentes que não maculam a esfera de direitos do consumidor. Dano moral não configurado. Sentença mantida. Nega-se provimento ao recurso.” (TJSP, 19ª Câmara de Direito Privado, AC n. 1027856-56.2023.8.26.0602, Rel. Des. Sidney Braga, DJe de 07/02/2025). “APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO DO CONSUMIDOR E PROCESSUAL CIVIL. Ação de obrigação de fazer c/c indenização por danos morais c/c tutela antecipada. Sentença de improcedência. Irresignação da parte autora. Afirma ausência de aviso prévio para inscrição de seu nome junto ao sistema de informações de crédito (scr). Autora equipara o sisbacen (scr) ao scp e serada. Argumento que não deve prosperar. Resolução n. º 5.037/2022. O scr não é orgão de restrição de crédito, mas sim de fiscalização. Informações enviadas ao Banco Central do Brasil (bcb) não requerem situação de inadimplemento. Autora que não discute o débito. Impossibilidade de imputar ao banco qualquer responsabilidade sob afronta a liberdade econômica e à livre iniciativa (art. 170 da CF/88). Recurso conhecido e desprovido. Decisão por unanimidade.” (TJSE, 2ª Câmara Cível, AC n. 0056941-91.2023.8.25.0001, Rel. Des. Não Informado; DJe de 31/01/2025). “APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO DO CONSUMIDOR. AÇÃO COM PRECEITOS DECLARATÓRIO DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO E CONDENATÓRIO POR DANO MORAL. INFORMAÇÃO INSERIDA NO SISTEMA DE INFORMAÇÕES DE CRÉDITO (SCR/BACEN). Sentença de improcedência. Recurso autoral. Registro no sisbacen. Src (sistema de risco do Banco Central) que não traduz inscrição indevida em cadastro de inadimplentes. No caso dos autos, além de a parte autora não negar a existência de relação jurídica com o banco réu, não houve inserção de informações desabonadoras, mas apenas nos campos risco total, a vencer e carteira de crédito. Exercício regular do direito do banco. Ausência do dever de indenizar. Dano moral não configurado. Sentença mantida. Honorários recursais majorados em observância à orientação firmada pelo STJ no RESP nº 1.573.573/RJ, frisando, contudo, que o autor é beneficiário dos auspícios da justiça gratuita e, por isso, recai sobre ele a condição suspensiva de exigibilidade contida no art. 98, §3º, do CPC. Recurso conhecido e não provido.” (TJAL, 1ª Câmara Cível, AC n. 0717588-42.2023.8.02.0001, Rel. Des. Tutmés Airan de Albuquerque Melo, DJAL de 10/09/2024, p. 147). Também no Tribunal de Justiça do Estado de Goiás já se encontram posicionamentos desta natureza: “DIREITO DO CONSUMIDOR. APELAÇÃO CÍVEL. INSCRIÇÃO EM SISTEMA DE INFORMAÇÕES DE CRÉDITO DO BANCO CENTRAL (SCR). RESPONSABILIDADE CIVIL. DANO MORAL NÃO CONFIGURADO. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.I. CASO EM EXAME. Apelação cível interposta contra sentença que julgou improcedentes os pedidos de cancelamento de registro no Sistema de Informações de Crédito (SCR) e de indenização por danos morais, sob a alegação de ausência de notificação prévia para a inclusão no referido sistema.II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO 2. A questão em discussão consiste em: (i) saber se a inscrição no Sistema de Informações de Crédito (SCR) depende de comunicação prévia ao consumidor; e (ii) saber se a inscrição no SCR, por si só, sem caráter de restrição pública, configura dano moral passível de indenização.III. RAZÕES DE DECIDIR 3. A Resolução nº 4.571/2017 do Banco Central regulamenta o SCR, estabelecendo que as instituições financeiras devem comunicar ao BACEN informações sobre operações de crédito contratadas, independentemente de notificação prévia ao cliente. 4. O SCR não possui caráter de cadastro restritivo, não sendo equivalente a SPC ou Serasa, limitando-se a um banco de dados para monitoramento fiscalizatório e regulatório. 5. A simples inscrição no SCR, sem exposição pública ou negativação do nome, não gera abalo moral passível de indenização. 6. A previsão contratual expressa quanto ao registro no SCR atende aos requisitos legais, conforme o art. 13 da Resolução CMN 5.037/2022. 7. Não restou comprovado nos autos qualquer erro, irregularidade ou manutenção indevida de informações no sistema.IV. DISPOSITIVO E TESE 7. Recurso conhecido e desprovido.” (TJGO, 5ª Câmara Cível, AC n. 5739736-73.2024.8.09.0116, Rel. Des. Maurício Porfírio Rosa, DJe de 22/05/2025). Em conclusão, desde que a movimentação financeira tenha existindo, é obrigação das instituições financeiras fazerem a comunicação mensal ao SCR, de modo a cumprir com exigência constitucional de controle e fiscalização das atividades financeiras, sendo necessário apenas a ciência inicial ao cliente bancário de que as informações devem ser realizadas. Por isso, não há dano moral quando a contratação realmente foi realizada e cientificado o cliente da necessidade de informação mensal de seu histórico junto ao BACEN. Em complemento, tampouco é possível a retirada das informações, posto que pertencem ao histórico do cliente, sendo necessária para fiscalização das atividades bancárias. Diante do exposto, exerço o juízo de retratação para, em juízo de retratação, DAR PROVIMENTO ao recurso de agravo interno e, julgar improcedentes os pedidos da inicial. Como consequência, dessa reforma, fica o autor/agravado condenado ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios (10% sobre o valor atualizado da causa), suspensa, contudo, a exigibilidade correspondente, à conta da anterior concessão da gratuidade do processo (mov. 05). Intimem-se. Cumpra-se. Goiânia, datado e assinado digitalmente. Desembargador AURELIANO ALBUQUERQUE AMORIMRelator
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