Processo nº 5000265-08.2017.4.03.6108
ID: 280514364
Tribunal: TRF3
Órgão: Gab. 18 - DES. FED. GISELLE FRANÇA
Classe: APELAçãO CíVEL
Nº Processo: 5000265-08.2017.4.03.6108
Data de Disponibilização:
27/05/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
ALINE CREPALDI ORZAM
OAB/SP XXXXXX
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RODRIGO RODRIGUES CORDEIRO
OAB/SP XXXXXX
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EMERSON DE HYPOLITO
OAB/SP XXXXXX
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PODER JUDICIÁRIO Tribunal Regional Federal da 3ª Região 6ª Turma APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5000265-08.2017.4.03.6108 RELATOR: Gab. 18 - DES. FED. GISELLE FRANÇA APELANTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - P…
PODER JUDICIÁRIO Tribunal Regional Federal da 3ª Região 6ª Turma APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5000265-08.2017.4.03.6108 RELATOR: Gab. 18 - DES. FED. GISELLE FRANÇA APELANTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP APELADO: JOSE MARCIO RIGOTTO, USINA DE PROMOCAO DE EVENTOS LTDA - ME, THIAGO ROBERTO APARECIDO MARCELINO FERRAREZI, J C CIA DE EVENTOS LTDA - ME, JEAN CARLO DE OLIVEIRA Advogado do(a) APELADO: ALINE CREPALDI ORZAM - SP205243-A Advogado do(a) APELADO: RODRIGO RODRIGUES CORDEIRO - SP303803-A Advogado do(a) APELADO: EMERSON DE HYPOLITO - SP147410-A OUTROS PARTICIPANTES: PARTE RE: HMW COMERCIALIZACAO DE ARTIGOS EM GERAL E PRODUCOES ARTISTICAS LTDA - ME, LUIZ MONTOYA SAMPERI PODER JUDICIÁRIO Tribunal Regional Federal da 3ª Região 6ª Turma APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5000265-08.2017.4.03.6108 RELATOR: Gab. 18 - DES. FED. GISELLE FRANÇA APELANTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP APELADO: JOSE MARCIO RIGOTTO, USINA DE PROMOCAO DE EVENTOS LTDA - ME, THIAGO ROBERTO APARECIDO MARCELINO FERRAREZI, J C CIA DE EVENTOS LTDA - ME, JEAN CARLO DE OLIVEIRA Advogado do(a) APELADO: ALINE CREPALDI ORZAM - SP205243-A Advogado do(a) APELADO: RODRIGO RODRIGUES CORDEIRO - SP303803-A Advogado do(a) APELADO: EMERSON DE HYPOLITO - SP147410-A OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O A Desembargadora Federal Giselle França: Trata-se de ação civil, ajuizada pelo Ministério Público Federal, por atos de improbidade administrativa imputados a JOSÉ MÁRCIO RIGOTTO (ex-prefeito de Balbinos - SP), USINA DE PROMOÇÃO DE EVENTOS LTDA., THIAGO ROBERTO APARECIDO MARCELINO FERRAREZI, J.C. CIA DE EVENTOS LTDA., JEAN CARLO DE OLIVEIRA, HMW PRODUÇÕES ARTÍSTICAS LTDA. E LUIZ MONTOYA SAMPIERI. Segundo o parquet, "José Márcio Rigotto, quando ocupava o cargo de prefeito do Município de Balbinos/SP, prevalecendo-se dos poderes inerentes ao seu cargo público, autorizou a deflagração de procedimento de inexigibilidade de licitação sem observar as exigências legais, bem como foi omisso no dever de prestar contas de verbas federais oriundas de convênios firmados entre aquele município e o Ministério do Turismo", referindo-se, no caso destes autos, aos Convênios MTUR nº 1200/2010 e nº. 959/2010, cujos objetos foram a realização do "1º Arraiá Junino de Balbinos” e da "1ª Festa do Peão de Balbinos”, respectivamente. O MPF ainda afirma que “nos mesmos ilícitos incorreram as empresas USINA DE PROMOÇÃO DE EVENTOS LTDA e seu sócio administrador THIAGO ROBERTO APARECIDO MARCELINO FERRAREZI; J. C. CIA DE EVENTOS LTDA. e seu sócio administrador JEAN CARLO DE OLIVEIRA; e HMW PRODUÇÕES ARTÍSTICAS LTDA e seu sócio administrador LUIZ MONTOYA SAMPERI, em razão da prática de ilegalidades em processo licitatório realizado pela Prefeitura de Balbinos/SP, no ano de 2010. Aduz o órgão ministerial, em suma, que as irregularidades dos processos licitatórios consistiram na ausência de comprovação da realização dos eventos artísticos objetos dos convênios MTur nº. 1200/2010 e 959/2010, e de contratos de exclusividade dos artistas e seus representantes, consoante exigência constante da Cláusula Terceira, inciso II, alínea “oo”, dos convênios firmados entre o Município e o Ministério do Turismo (ID 276999781). Sustentando que esses atos, além de atentarem contra os princípios da administração pública, resultaram em enriquecimento ilícito e lesão ao erário - incidindo, assim, nas condutas tipificadas nos arts. 9º, 10 e 11 da Lei nº 8.429/1992 -, requer a condenação dos réus às sanções previstas no art. 12 da mesma norma. A petição inicial foi recebida quanto dos réus José Márcio Rigotto, Usina de Promoção de Eventos Ltda., Thiago Roberto Aparecido Marcelino Ferrarezi, J. C. Cia. de Eventos Ltda. e Jean Carlo de Oliveira, nos termos do artigo 17, § 9º, da Lei n.º 8.429/92 (no que se refere aos eventos artísticos da dupla Gilberto e Gilmar, banda Cruzeiro do Sul, dupla Lourenço e Lourival e do cantor Sérgio Reis). Na mesma oportunidade, foi determinado o desmembramento do feito em relação ao Convênio MTur n.º 959/2010 e os réus José Márcio Rigotto (apenas no que tange ao show do cantor “Edson”, portanto), HMW Produções Artísticas Ltda. e Luiz Montoya Sampieri, (ID 277000443). Processados os autos, o MM. Juízo a quo julgou a ação improcedente, por entender que, em relação à alegada dispensa indevida do processo licitatório e da inexecução dos objetos dos convênios, não houve comprovação de perda patrimonial efetiva ao erário, elemento indispensável para constituição de ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário, segundo a atual redação do artigo 10 da LIA. Concluiu ainda o juiz sentenciante inexistir dúvida acerca da apresentação da dupla Gilberto e Gilmar, da banda Cruzeiro do Sul, da dupla Lourenço e Lourival e do cantor Sérgio Reis na cidade de Balbinos e que a execução dos contratos em datas diversas das contratadas consistiria simples irregularidade, além de não haver indício de que os valores não teriam sido repassados aos artistas contratados. Afirmou também, o magistrado de primeiro grau, que somente haveria lesão ao erário acaso provado que a contratação irregular foi feita em parâmetros muito superiores à média de mercado e, no sentido oposto, há notícia, trazida pelo próprio MPF, de contratações realizadas por preços superiores àqueles pagos por Balbinos, além de coligir que as cartas de exclusividade utilizadas no procedimento de inexigibilidade de licitação, a despeito de irregulares, não têm potencial de qualificar a conduta dos agentes como ímproba. No que se refere à prestação de contas, o MM. Juízo a quo entendeu que o então prefeito de Balbinos/SP, José Márcio Rigotto, prestou contas das verbas oriundas dos convênios MTur, ao revés do contido na inicial, no entanto, elas foram rejeitadas pelo TCU e tal fato impede a tipificação do ilícito administrativo. Ademais, a atual redação do artigo 11 da LIA exige, para configuração de ato de improbidade administrativa, que a ausência da prestação de contas deve estar acompanhada do dolo específico dirigido para ocultação de irregularidade, o que não restou comprovado nos autos (ID 277000937). O Ministério Público Federal apela desse decisum, alegando irretroatividade da Lei nº. 14.230/21 e requer a reforma da r. sentença, julgando-se a ação procedente em face de todos réus, condenando-os nos termos postulados na exordial (ID 277000941). Contrarrazões (ID's 277000967 e 277000971). O parquet, em atuação como custos legis, opina pelo provimento do recurso (ID 277308416). É o relatório. PODER JUDICIÁRIO Tribunal Regional Federal da 3ª Região 6ª Turma APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5000265-08.2017.4.03.6108 RELATOR: Gab. 18 - DES. FED. GISELLE FRANÇA APELANTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP APELADO: JOSE MARCIO RIGOTTO, USINA DE PROMOCAO DE EVENTOS LTDA - ME, THIAGO ROBERTO APARECIDO MARCELINO FERRAREZI, J C CIA DE EVENTOS LTDA - ME, JEAN CARLO DE OLIVEIRA Advogado do(a) APELADO: ALINE CREPALDI ORZAM - SP205243-A Advogado do(a) APELADO: RODRIGO RODRIGUES CORDEIRO - SP303803-A Advogado do(a) APELADO: EMERSON DE HYPOLITO - SP147410-A OUTROS PARTICIPANTES: V O T O A Desembargadora Federal Giselle França: Do Reexame Necessário: No julgamento do REsp 1502635/PI (Primeira Turma, Rel. Ministro Paulo Sérgio Domingues, j. 12/12/2023, DJe 18/12/2023), o E. STJ firmou entendimento no sentido de que, nas ações de improbidade administrativa, “A sentença que extingue o processo sem resolução de mérito, ou julga improcedentes os pedidos antes das alterações processuais trazidas pela Lei 14.230/2021 está, pois, submetida ao regime até então vigorante no microssistema das ações coletivas de proteção aos direitos e interesses difusos, com as interpretações dadas, até então, pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça”. Importa consignar, a propósito, que a Corte Superior de Justiça considera como dia do julgamento a data da efetiva publicação da sentença (Corte Especial, EDcl no REsp 1144079/SP, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, j. 25/04/2013, DJe 20/05/2013). Portanto, por aplicação analógica do art. 19 da Lei nº 4.717/1965, nas ações de improbidade administrativa, o duplo grau de jurisdição é obrigatório quanto às sentenças de improcedência ou extintivas sem julgamento do mérito publicadas antes de 26/10/2021, data da entrada em vigor da Lei nº 14.230/2021. Veja-se, a propósito, a jurisprudência desta Sexta Turma: “CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA REEXAME NECESSÁRIO. PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE. IRRETROATIVIDADE DO NOVO REGIME PRESCRICIONAL PREVISTO NA LEI Nº 14.230/2021. PRESCRIÇÃO NÃO OCORRIDA. DOLO COMPROVADO. INDISPONIBILIDADE DE BEM MANTIDA. MULTA CIVIL MAJORADA. 1. Cancelamento da afetação do Tema 1.042 pelo C. STJ. Levantamento do sobrestamento do feito. 2. De rigor o reexame necessário, porquanto proferida sentença de parcial procedência em 31/10/2017, antes da entrada em vigor das alterações promovidas pela Lei nº 14.230/2021. 3. Aplicável, de forma analógica, o art. 19 da Lei 4.717/65, o qual submete a reexame necessário a sentença de improcedência proferida em ações populares, diante da necessidade de proteção do interesse público tutelado. (...) 13. Apelação do MPF e remessa oficial parcialmente providas. Apelação dos réus desprovida.” (ApelRemNec nº 0001083-62.2014.4.03.6104, Relator Desembargador Federal MAIRAN GONCALVES MAIA JUNIOR, j. 29/09/2023, DJEN DATA: 04/10/2023, v. unânime, meus os destaques). No caso concreto a sentença de primeiro grau foi prolatada em 23/02/2023, portanto após a edição da Lei nº 14.230/2021, não se submetendo, pois, ao reexame necessário, conforme dicção do artigo 17-C, § 3º, da LIA. Da Lei de Improbidade Administrativa e das inovações introduzidas pela Lei nº 14.230/2021: A Constituição Federal, em seu artigo 37, § 4º, determina que: “Os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível.” (grifo nosso). A regulamentar o dispositivo maior, emergiu no ordenamento pátrio a Lei nº 8.429/1992, também conhecida como Lei de Improbidade Administrativa (LIA), que, nas palavras do e. Ministro Alexandre de Moraes, do STF, “representou uma das maiores conquistas do povo brasileiro no combate à corrupção e à má gestão dos recursos públicos” (ARE 843.989/PR, j. 18/08/2022, Plenário). De forma sintética, pode-se dizer que a Lei nº 8.429/1992 passou a reprimir os atos de improbidade administrativa nas modalidades: a) enriquecimento ilícito (artigo 9º); b) prejuízo ao erário (artigo 10); e c) atentado aos princípios da Administração Pública (artigo 11). Mais recentemente, em 26/10/2021, foi publicada a Lei nº 14.230/2021, que impôs alterações significativas na Lei nº 8.429/1992, dentre as quais destacam-se a legitimidade ativa exclusiva do Ministério Público (artigo 17, caput e §§ 6º-A e 10-C, e artigo 17-B, caput e §§ 5º e 7º), a possibilidade de acordo de não-persecução civil (artigo 17-B), a necessidade da ocorrência do elemento subjetivo dolo para a tipificação do ato ímprobo (artigos 9º, 10 e 11) e o estabelecimento da prescrição intercorrente, e com novos prazos (artigo 23). Da aplicação da nova lei no tempo: O aspecto intertemporal das inovações impostas pela Lei nº 14.230/2021 foi objeto de análise pelo Supremo Tribunal Federal, em especial quanto 1) à necessária presença do elemento subjetivo dolo para fins de tipificação das condutas ímprobas (artigos 9º, 10 e 11 da LIA); e 2) ao novo prazo prescricional, respectivas causas suspensivas e interruptivas, e sua forma intercorrente (artigo 23 da LIA). Ao enfrentar essas questões, o STF, no julgamento do Tema 1199, fixou a seguinte tese de repercussão geral (Tribunal Pleno, Recurso Extraordinário com Agravo 843.989/PR, j. 18/08/2022, Relator Ministro Alexandre de Moraes): 1) É necessária a comprovação de responsabilidade subjetiva para a tipificação dos atos de improbidade administrativa, exigindo-se - nos artigos 9º, 10 e 11 da LIA - a presença do elemento subjetivo - DOLO; 2) A norma benéfica da Lei 14.230/2021 - revogação da modalidade culposa do ato de improbidade administrativa -, é IRRETROATIVA, em virtude do artigo 5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal, não tendo incidência em relação à eficácia da coisa julgada; nem tampouco durante o processo de execução das penas e seus incidentes; 3) A nova Lei 14.230/2021 aplica-se aos atos de improbidade administrativa culposos praticados na vigência do texto anterior da lei, porém sem condenação transitada em julgado, em virtude da revogação expressa do texto anterior; devendo o juízo competente analisar eventual dolo por parte do agente; 4) O novo regime prescricional previsto na Lei 14.230/2021 é IRRETROATIVO, aplicando-se os novos marcos temporais a partir da publicação da lei. Vale ressaltar, nesse aspecto, que “A Lei em vigor terá efeito imediato e geral, respeitados o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada” (artigo 6º da Lei de Introdução ao Código Civil), sendo que “A norma processual não retroagirá e será aplicável imediatamente aos processos em curso, respeitados os atos processuais praticados e as situações jurídicas consolidadas sob a vigência da norma revogada." (artigo 14 do Código de Processo Civil). Adotado, pois, o rito comum do CPC às ações por improbidade administrativa (artigo 17 da LIA) e, portanto, observado o princípio “tempus regit actum” (artigo 14 do CPC), permanecem válidos os atos processuais consumados sob a regência da lei anterior (Lei nº 8.429/1992). Do caso concreto: A presente ação civil pública decorre das condutas atribuídas a JOSÉ MÁRCIO RIGOTTO (ex-prefeito de Balbinos - SP), USINA DE PROMOÇÃO DE EVENTOS LTDA., THIAGO ROBERTO APARECIDO MARCELINO FERRAREZI, J.C. CIA DE EVENTOS LTDA. e JEAN CARLO DE OLIVEIRA, que teriam praticado atos dolosos de improbidade administrativa que causaram dano ao erário e violaram os princípios da administração pública, nos termos da capitulação dos artigos 10, caput e incisos VIII e XII e 11, caput e incisos I e VI, todos da Lei nº 8.429/92, com redação anterior à Lei nº 14.230/21, por fatos relacionados à celebração dos Convênios nº 1200/2010 e 959/2010, firmados entre o Município de Balbinos/SP, através do então Prefeito JOSÉ MÁRCIO RIGOTO e o Ministério do Turismo. Após isso, foram contratados shows artísticos sem licitação, com fundamento no artigo 25, inciso III da Lei de Licitações. Segundo o Parquet, as contratações não foram formalizadas diretamente com os artistas ou através de seus empresários exclusivos, mas sim com empresas intermediárias, as quais detinham alegada exclusividade de comercialização dos artistas somente para as datas correspondentes às respectivas apresentações nos eventos, o que contraria o dispositivo legal invocado, bem como não houve nas ausências de comprovação da realização de tais eventos artísticos e ocorreu omissão, do então prefeito de Balbinos/SP, na prestação de contas das verbas federais que advieram dos mencionados convênios. O MM. Juízo a quo sintetizou bem os fatos no relatório da sentença, nesses termos: "(...) Alega o MPF, para tanto, que “JOSÉ MÁRCIO RIGOTTO, quando ocupava o cargo de prefeito do Município de Balbinos/SP, prevalecendo-se dos poderes inerentes ao seu cargo público, autorizou a deflagração de procedimento de inexigibilidade de licitação sem observar as exigências legais, bem como foi omisso no dever de prestar contas de verbas federais oriundas de convênios firmados entre aquele município e o Ministério do Turismo para a implementação dos projetos intitulados “1º Arraiá Junino de Balbinos” e “1ª Festa do Peão de Balbinos”. Nos mesmos ilícitos incorreram as empresas USINA DE PROMOÇÃO DE EVENTOS LTDA e seu sócio administrador THIAGO ROBERTO APARECIDO MARCELINO FERRAREZI; J. C. CIA DE EVENTOS LTDA. e seu sócio administrador JEAN CARLO DE OLIVEIRA; e HMW PRODUÇÕES ARTÍSTICAS LTDA e seu sócio administrador LUIZ MONTOYA SAMPERI, em razão da prática de ilegalidades em processo licitatório realizado pela Prefeitura de Balbinos/SP, no ano de 2010.”. As irregularidades dos processos licitatórios consistiriam nas ausências de prova efetiva da realização dos eventos artísticos objeto dos convênios MTur n.º 1.200/2010 e 959/2010, e de contratos de exclusividade dos artistas e seus representantes, consoante exigência constante da Cláusula Terceira, inciso II, alínea “oo”, dos convênios firmados entre o Município e o Ministério do Turismo. Segundo o Parquet, “não se trata de mera formalidade, a exigência de cópia do contrato de exclusividade dos artistas com o empresário contratado, devidamente registrado em cartório, consiste em mecanismo apto a afastar o desvio de recursos públicos com o pagamento de intermediários quando seria possível a contratação direta do artista enquadrado na hipótese de inexigibilidade prevista no inciso III do art. 25 da Lei 8.429/1993. Referida exigência não se confunde com as cartas apresentadas pelas empresas USINA DE PRODUÇÃO DE EVENTOS LTDA. e J.C. CIA DE EVENTOS LTDA. e HMW PRODUÇÕES ARTÍSTICAS LTDA., que consistem, em verdade, em mera declaração de exclusividade do artista especificamente para a apresentação no dia, horário e local determinado no contrato firmado. [...] vale fixar que foi facilitado aos particulares (pessoas físicas e jurídicas) que figuram como demandados nesta ação de improbidade enriquecerem ilicitamente, seja porque firmaram contratos com o Poder Público sem atender aos requisitos constantes do artigo 25, III, da Lei 8.666/93 – que se tivessem sido respeitados jamais resultaria na contratação de empresas que não detém contratos de exclusividade com os artistas que agenciaram –, seja porque receberam por serviços cuja realização não restou comprovada e, a menos que se prove o contrário, não foram prestados. [...] Quanto ao valor aproximado do dano causado ao erário da União, tem-se que, conforme informações do Portal da Transparência do Governo Federal (fls. 268/269), houve liberação do valor de R$ 100.000,00, no dia 07.12.2010 (1ª Festa do Peão de Balbinos – Convênio MTur nº 1200/2010) e, mais R$ 100.000,00, no dia 10.11.2010 (1º Arraiá Junino de Balbinos – Convênio MTur nº 959/2010). Tais valores atualizados monetariamente, desde a data de liberação, equivalem, até 17.08.2017, respectivamente a R$ 170.610,00 e R$ 171.540,00, totalizando: R$ 342.150,00 (sem considerar os consectários legais, como incidência de juros de mora e multa), conforme planilhas de fls. 270/271.” (...)" Inicialmente, conforme já mencionado, o advento da Lei nº. 14.230/2021 promoveu profunda modificação no texto original da LIA e, dentre as alterações, remodelou expressivamente o regime jurídico dos atos de improbidade administrativa que atentam contra os princípios da administração pública, previstos no artigo 11, da Lei nº. 8.249/1992. Com efeito, o legislador suprimiu os tipos caracterizadores de atos de improbidade administrativa prescritos nos incisos I e II, do artigo 11, da LIA, modificou a redação de diversos outros incisos do mesmo artigo, dentre os quais o inciso VI (pertinente ao caso em tela), além de ter abolido o rol aberto das figuras ensejadoras de violação aos princípios administrativos e passou a exigir tipificação taxativa, em rol fechado, devendo-se observar as condutas enumeradas nos incisos do mesmo dispositivo legal, conforme as alterações promovidas no texto original da LIA, a seguir reproduzidas: "(...) Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições, e notadamente: Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública a ação ou omissão dolosa que viole os deveres de honestidade, de imparcialidade e de legalidade, caracterizada por uma das seguintes condutas: (Redação dada pela Lei nº 14.230, de 2021) I - praticar ato visando fim proibido em lei ou regulamento ou diverso daquele previsto, na regra de competência; I - (revogado); (Redação dada pela Lei nº 14.230, de 2021) II - retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício; II - (revogado); (Redação dada pela Lei nº 14.230, de 2021). (...) VI - deixar de prestar contas quando esteja obrigado a fazê-lo; VI - deixar de prestar contas quando esteja obrigado a fazê-lo, desde que disponha das condições para isso, com vistas a ocultar irregularidades; (Redação dada pela Lei nº 14.230, de 2021) (...) Neste contexto, a recente jurisprudência dos Tribunais Superiores (expandindo o entendimento, no que concerne à retroatividade relativa do novo texto da LIA aos processos em curso, firmado no Tema 1.199 - No julgamento do ARE 843.989), assentou que as alterações trazidas pela Lei nº. 14.230/2021, no que se refere ao artigo 11, da Lei nº. 8.249/1192, aplicam-se aos atos de improbidade administrativa praticados na vigência do texto original, desde que ausente condenação transitada em julgado. Veja-se: AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. LEI N. 14.231/2021: ALTERAÇÃO DO ART. 11 DA LEI N. 8.429/1992. APLICAÇÃO AOS PROCESSOS EM CURSO. TEMA 1.199 DA REPERCUSSÃO GERAL. AGRAVO IMPROVIDO. I — No julgamento do ARE 843.989/PR (Tema 1.199 da Repercussão Geral), da relatoria do Ministro Alexandre de Moraes, o Supremo Tribunal Federal assentou a irretroatividade das alterações promovidas pela Lei n. 14.231/2021 na Lei de Improbidade Administrativa (Lei n. 8.429/1992), mas permitiu a aplicação das modificações implementadas pela lei mais recente aos atos de improbidade praticados na vigência do texto anterior nos casos sem condenação com trânsito em julgado. II — O entendimento firmado no Tema 1.199 da Repercussão Geral aplica-se ao caso de ato de improbidade administrativa fundado no revogado art. 11, I, da Lei n. 8.429/1992, desde que não haja condenação com trânsito em julgado. III – Agravo improvido. (STF, 1ª Turma, RE 1452533 AgR, j. em 08-11-2023, PROCESSO ELETRÔNICO DJes/n DIVULG 20-11-2023 PUBLIC 21-11-2023, Rel. Min. CRISTIANO ZANIN.) SEGUNDO AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. RESPONSABILIDADE POR ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. ADVENTO DA LEI 14.231/2021. INTELIGÊNCIA DO ARE 843.989 (TEMA 1.199). INCIDÊNCIA IMEDIATA DA NOVA REDAÇÃO DO ART. 11 DA LEI 8.429/1992 AOS PROCESSOS EM CURSO. 1. A Lei 14.231/2021 alterou profundamente o regime jurídico dos atos de improbidade administrativa que atentam contra os princípios da administração pública (Lei 8.249/1992, art. 11), promovendo, dentre outros, a abolição da hipótese de responsabilização por violação genérica aos princípios discriminados no caput do art. 11 da Lei 8.249/1992 e passando a prever a tipificação taxativa dos atos de improbidade administrativa por ofensa aos princípios da administração pública, discriminada exaustivamente nos incisos do referido dispositivo legal. 2. No julgamento do ARE 843.989 (tema 1.199), o Supremo Tribunal Federal assentou a irretroatividade das alterações introduzidas pela Lei 14.231/2021, para fins de incidência em face da coisa julgada ou durante o processo de execução das penas e seus incidentes, mas ressalvou exceção de retroatividade relativa para casos como o presente, em que ainda não houve o trânsito em julgado da condenação por ato de improbidade. 3. As alterações promovidas pela Lei 14.231/2021 ao art. 11 da Lei 8.249/1992 aplicam-se aos atos de improbidade administrativa praticados na vigência do texto anterior da lei, porém sem condenação transitada em julgado. 4. Tendo em vista que (i) a imputação promovida pelo autor da demanda, a exemplo da capitulação promovida pelo Tribunal de origem, restringiu-se a subsumir a conduta imputada aos réus exclusivamente ao disposto no caput do art. 11 da Lei 8.429/1992 e que (ii) as condutas praticadas pelos réus, nos estritos termos em que descritas no arresto impugnado, não guardam correspondência com qualquer das hipóteses previstas na atual redação dos incisos do art. 11 da Lei 8.429/1992, imperiosa a reforma do acórdão recorrido para julgar improcedente a pretensão autoral. 5. Ausência de argumentos capazes de infirmar a decisão agravada. 6. Agravo regimental desprovido. (STF, 2ª Turma, ARE 1346594 AgR-segundo, j. em 24-10-2023, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-s/n DIVULG 30-10-2023 PUBLIC 31-10- 2023, Rel. Min. GILMAR MENDES.) PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. SUPERVENIÊNCIA DA LEI 14.230/2021. OMISSÃO RECONHECIDA. RECURSO ACOLHIDO, COM EFEITOS INFRINGENTES. 1. O panorama normativo da improbidade administrativa mudou em benefício da parte embargante em razão de certas alterações levadas a efeito pela Lei 14.230/2021, norma que, em muitos aspectos, consubstancia verdadeira novatio legis in mellius. 2. Diante do novo cenário, a condenação com base em genérica violação a princípios administrativos, sem a tipificação das figuras previstas nos incisos do art. 11 da Lei 8.429/1992, ou, ainda, quando condenada a parte ré com base nos revogados incisos I e II do mesmo artigo, sem que os fatos tipifiquem uma das novas hipóteses previstas na atual redação do art. 11 da Lei de Improbidade Administrativa, remete à abolição da tipicidade da conduta e, assim, à improcedência dos pedidos formulados na inicial. 3. Embargos de declaração acolhidos, com efeitos infringentes . (STJ, 1ª Turma, EDcl nos EDcl no AgInt no AREsp n. 1.174.735/PE, j. em 05/03/2024, DJe de 08/03/2024, Rel. Min. Paulo Sérgio Domingues.) ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. AGRAVO DE INSTRUMENTO. EX-PREFEITO. PRESTAÇÃO DE CONTAS EXTEMPORÂNEA. INEXISTÊNCIA DE ATO ÍMPROBO. ART. 11, VI, LEI 8.429/92. IMPOSSIBILIDADE DE INTERPRETAÇÃO EXTENSIVA. AGRAVO IMPROVIDO. 1. Em conformidade com as provas constantes dos autos e, consoante afirma o próprio agravante, o réu, mesmo que de forma tardia, prestou as contas devidas, relativas às verbas federais repassadas ao Município, pela Fundação Nacional de Saúde - FUNASA (Convênio n° 1165/2002). 2. O art. 11, VI, da Lei 8.429/92 não pode ser interpretado de forma extensiva, e, portanto, não se subsume à previsão do art. 11, VI, da Lei 8.429/92 a hipótese na qual o ex-Prefeito presta contas, depois de findo o prazo determinado legalmente. Precedentes deste Tribunal. 3. Mantida a decisão que rejeitou a inicial da ação de improbidade administrativa em relação à imputação de omissão do dever de prestar contas pelo ex-prefeito. 4. Agravo não provido. Nas suas razões recursais, com fundamento no art. 105, III, a e c, da Constituição Federal, a parte recorrente alega violação ao art. 11, VI, da Lei 8.429/1992, sustentando, em síntese, que "a conduta imputada ao ex-gestor não pode ser caracterizada como mera irregularidade administrativa" (fl. 149). Defende que "não se trata de mera formalidade legal, mas ferramenta republicana essencial que permite o acompanhamento da boa gestão pela população e pelos órgãos de controle. Tanto o é que sua omissão encontra-se prevista como hipótese típica de conduta ímproba por violação aos princípios da Administração, nos termos do art. 11, VI, da Lei nº 8.429/1992" (fl. 149). O recurso especial não foi admitido pelo Tribunal de origem (fls. 159-162), tendo o agravante interposto o agravo de fls. 168-181. Na decisão de fls. 236-237, foi determinada a devolução dos autos à origem, para que aguardasse o julgamento do Tema 1.199/STF. Em juízo de retratação, a Corte a quo manteve a decisão de inadmissão, ao fundamento de que "a aplicação do Tema 1.199/STF é desinfluente no caso presente, uma vez que o elemento subjetivo foi afastado pelo Tribunal, de modo que a aplicação retroativa ou não da Lei 14.230/2021 não tem o condão de alterar o resultado do julgamento da apelação" (fl. 313). É o relatório. Decido. Ao dirimir a controvérsia, o Tribunal de origem consignou o seguinte: Pretende, pois, o agravante a reforma da decisão agravada para que a inicial da ação de improbidade seja recebida também quanto à imputação de omissão do dever de prestar contas pelo ex-prefeito ALMIR PEREIRA CUTRIM - Convênio n° 1165/2002/FUNASA ante a existência de indícios da prática de ato ímprobo, ainda que tenha sido realizada a prestação de contas após o ajuizamento da ação de improbidade, ou seja, extemporaneamente. [...] In casu, estaria, portanto, o agravado, ora requerido enquadrado no dispositivo acima, em razão de não ter prestado as contas a que estava obrigado, na qualidade de Prefeito, conforme exigência do art. 70, parágrafo único, da Constituição Federal. No entanto, em conformidade com as provas constantes do processo e, consoante afirma o próprio agravante, o réu, mesmo que de forma tardia, prestou as contas devidas, relativas às verbas federais repassadas ao Município, pela Fundação Nacional de Saúde - FUNASA (Convênio n° 1165/2002). A jurisprudência deste Tribunal é uníssona, no sentido de que o art. 11, VI, da Lei 8.429/92 não pode ser interpretado de forma extensiva, e, portanto, não se subsume à previsão do art. 11, VI, da Lei 8.429/92 a hipótese na qual o ex-Prefeito presta contas, depois de findo o prazo determinado legalmente (fl. 131). Nesse sentido, decidir de forma contrária, demandaria o reexame de matéria fática, o que é vedado em recurso especial, nos termos da Súmula 7/STJ. A propósito: PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. OFENSA AO ART. 11 DA LEI 8.429/1992. AUSÊNCIA DE ELEMENTO SUBJETIVO. REVISÃO DAS CONCLUSÕES DO TRIBUNAL DE ORIGEM. INVIABILIDADE. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 7/STJ. [...] 2. No que diz respeito à configuração de ato de improbidade administrativa em razão do atraso na prestação de contas, esta Corte Superior já se posicionou no sentido de que não configura ato ímprobo o mero atraso na prestação de contas pelo gestor público, sendo necessário, para a adequação da conduta ao art. 11, VI, da Lei n. 8.429/1992, a demonstração de dolo, ainda que genérico, o que não ocorreu no caso. 3. No caso dos autos, a Corte a quo, embora tenha afirmado a ilegalidade na conduta da parte recorrente, não reconheceu a presença de conduta dolosa indispensável à configuração de ato de improbidade administrativa violador dos princípios da administração pública (art. 11 da Lei n. 8.429/1992). 4. Nesse contexto, a revisão de tal conclusão implicaria o reexame do conjunto fático-probatório dos autos, o que é defeso na via eleita devido ao enunciado da Súmula 7 do STJ. 5. Agravo interno a que se nega provimento (AgInt no REsp n. 1.767.529/TO, relator Ministro Og Fernandes, Segunda Turma, julgado em 10/8/2021, DJe de 13/12/2022). Quanto à alínea c, a jurisprudência deste STJ é no sentido de que "a incidência da Súmula n. 7/STJ impede o conhecimento do recurso lastreado, também, pela alínea c do permissivo constitucional, uma vez que falta identidade entre os paradigmas apresentados e os fundamentos do acórdão, tendo em vista a situação fática de cada caso" (AgInt no AREsp n. 2.350.617/RJ, relator Ministro Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, julgado em 16/10/2023, DJe de 18/10/2023). Isso posto, com fundamento no art. 253, parágrafo único, II, a, do RISTJ, conheço do agravo para não conhecer do recurso especial. Sem condenação em honorários advocatícios, nos termos do art. 18 da Lei 7.347/1985. (AREsp n. 1.848.716, Ministro Afrânio Vilela, DJEN de DJEN 05/02/2025 – Decisão Monocrática - STJ) Trago, no mesmo sentido, precedentes desta Corte Regional: ADMINISTRATIVO. PROCESSO CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. INTEMPESTIVIDADE NÃO CONFIGURADA. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. LEI Nº 14.230/2021. VIOLAÇÃO AOS PRINCÍPIOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. DEVOLUÇÃO DO PRAZO PARA RÉPLICA. MATÉRIA PREJUDICADA. AMBIENTAL. PARCELAMENTO DO SOLO. IMÓVEIS QUE NÃO PERTENCEM À UNIÃO. ILEGITIMIDADE ATIVA DO MPF. LITISPENDÊNCIA NÃO CONFIGURADA. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. 1. Como houve a ciência da decisão em 21/01/2020 (terça-feira), tem-se que o dia do começo do prazo recursal é o dia útil seguinte (22/01/2020 – quarta-feira), nos termos do art. 231, V, do CPC. Contudo, o dia de começo não deve ser computado (art. 224 do CPC), de modo que a contagem do prazo recursal se iniciou no dia útil subsequente (23/01/2020 – quinta-feira), sendo que o último dia, 06/03/2020, foi a data em que o presente recurso fora interposto (ID Num. 126307799). 2. A partir da Lei nº 14.230/2021, não existe mais a possibilidade de condenar o agente público tão somente pela simples violação a princípios da Administração Pública enumerados no caput do art. 11, devendo a sua conduta ímproba estar expressamente prevista em algum dos incisos deste dispositivo. E, como a imputação ministerial está fundamentada no inciso II, o qual fora revogado pela novel legislação, resta inviabilizado o reconhecimento da prática de qualquer ato improbo. Consequentemente, fica prejudicada a análise de devolução do prazo para a apresentação de réplica quanto às defesas preliminares por improbidade apresentadas por ZAMBÃO e REPLE. 3. Tendo em vista que o terreno não integra o patrimônio da União, entidade autárquica ou empresa pública federal, não há que se falar em legitimidade ativa ad causam do MPF para pleitear o cancelamento do parcelamento do solo. 4. Infere-se que a matéria discutida na ACP nº 0005293-65.2005.4.03.6107 está delimitada aos termos da autuação do IBAMA, ou seja, ao art. 2º, "c" e "e", do antigo Código Florestal (Lei nº 4.771). Deste modo, a questão referente às veredas/áreas brejosas não integrou expressamente a causa de pedir fática daquela demanda. 5. Agravo de instrumento parcialmente provido. (TRF-3, 4ª Turma, AI - AGRAVO DE INSTRUMENTO - 5005464-94.2020.4.03.0000, j. em 18/12/2024, Intimação via sistema DATA: 22/01/2025, Rel. Des. Fed. MARCELO MESQUITA SARAIVA) EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM APELAÇÃO EM AÇÃO CIVIL PÚBLICA POR ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. LEI DE ACESSO À INFORMAÇÃO. CONSELHOS PROFISSIONAIS. APLICABILIDADE. ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. INÍCIO DA VIGÊNCIA DA NOVA LIA NO CURSO DA AÇÃO. REEXAME NECESSÁRIO E APELAÇÃO PARCIALMENTE PROVIDOS.AUSENTES AS HIPÓTESES DE CABIMENTO. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO REJEITADOS. I - Não houve qualquer vício sanável na via dos embargos declaratórios. II - O acórdão pronunciou-se a respeito das questões impugnadas. No tocante ao julgamento do Tema 1.199, a despeito do esforço argumentativo do MPF, se o STF sedimentou a tese da aplicação imediata da revogação da modalidade culposa do ato de improbidade administrativa aos processos em curso, é de se supor que o mesmo raciocínio se aplica à revogação das hipóteses do art. 11, I e II da Lei 8.429/92, uma vez que esta modificação promovida pela Lei 14.230/21 é ainda mais benéfica que a revogação da modalidade culposa de ato ímprobo. Por fim, de rigor reiterar a inconveniência de se instaurar incidente de inconstitucionalidade quando o STF já afetou a matéria impugnada. III - A matéria objeto dos presentes embargos de declaração traz questão que foi apreciada de forma clara com o mérito da causa, não apresentando o acórdão embargado, obscuridade, contradição ou omissão. IV - Hipótese em que os embargos declaratórios são opostos com nítido caráter infringente. V - Embargos de declaração rejeitados. (TRF-3, 6ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 0004616-07.2015.4.03.6100, j. em 13/09/2024, DJEN DATA: 18/09/2024, Rel. Des. Fed. NOEMI MARTINS DE OLIVEIRA) CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. REMESSA OFICIAL. EX-PREFEITO MUNICIPAL. AUSÊNCIA DE PRESTAÇÃO DE CONTAS REFERENTES AOS PROGRAMAS PNAE E PNATE DO GOVERNO FEDERAL. OMISSÃO QUE CAUSOU PREJUÍZO AO ERÁRIO. CONDENAÇÃO MANTIDA PELO ART. 10 DA LEI 8.429/92. PRINCÍPIOS ADMINISTRATIVOS. ART. 11 DA LEI 8.429/92. ATIPICIDADE SUPERVENIENTE. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. DESCABIMENTO. – As sentenças de improcedência proferidas antes do advento da Lei nº 14.230/21 devem ser submetidas ao reexame necessário. Da mesma forma, nos casos de parcial procedência, a parte improcedente deve ser objeto de remessa oficial nos termos do art. 496, I, CPC, e da aplicação analógica da Lei de Ação Popular. – Em razão de medida cautelar deferida na ADI 7236/DF, em 27/12/2022, pelo Ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, encontram-se com eficácia suspensa os seguintes dispositivos da Lei 8.429/92, com as modificações produzidas pela Lei 14.230/21: art. 1º, §8º, art. 12, §§ 1º e 10, art. 17-B, §3º e art. 21, §4º. Ademais, também na ADI 7236/DF, foi deferida medida cautelar para conferir interpretação conforme ao art. 23-C, da LIA. – O Supremo Tribunal Federal fixou tese de repercussão geral, vinculada ao Tema 1199, reconhecendo, dentre outros pontos, que “O novo regime prescricional previsto na Lei 14.230/2021, é irretroativo, aplicando-se os novos marcos temporais a partir da publicação da lei”. Caso em que o mandato do ex-prefeito do Município de Tuiuti/SP encerrou-se em dezembro/2012 e a ação foi ajuizada em 08.05.2014, portanto, antes do prazo quinquenal previsto no art. 23, I, da Lei 8.429/92, em sua redação vigente à época. – Trata-se de ação de improbidade administrativa ajuizada pela municipalidade contra ex-prefeito em razão da ausência de prestação de contas referentes aos convênios do PNAE – Programa Nacional de Alimentação Escolar nos anos de 2008, 2010 e 2011, e PNATE – Programa Nacional de Apoio ao Transporte Escolar nos anos de 2010 e 2011. Pela omissão, imputa-se ao agente público condutas violadoras dos arts. 10 e 11, VI, ambos da Lei 8.429/97. – Decorre da Constituição Federal o dever de prestar contas por parte daquele que recebe, arrecada, gerencia ou administra dinheiro ou bens públicos (art. 70, caput e parágrafo único). – Conquanto tenha assumido o mandato no ano de 2009, não socorre o gestor municipal a alegação de que não pode ser responsabilizado pela omissão quanto à prestação de contas do convênio do PNAE de 2008. Incidência da súmula 230 do TCU, segundo a qual “Compete ao prefeito sucessor apresentar a prestação de contas referente aos recursos federais recebidos por seu antecessor, quando este não o tiver feito e o prazo para adimplemento dessa obrigação vencer ou estiver vencido no período de gestão do próprio mandatário sucessor, ou, na impossibilidade de fazê-lo, adotar as medidas legais visando ao resguardo do patrimônio público”. – As contas do PNAE/2008 foram prestadas tardiamente, iniciando-se de forma irregular e sendo complementadas posteriormente, pela gestão posterior à do mandatário réu. – Os documentos carreados aos autos comprovam que não foram prestadas contas referentes ao PNAE/2010. – As contas do PNAE/2011 foram prestadas tardiamente, pelo gestor que sucedeu o réu. – Também foram prestadas pela gestão ulterior as contas referentes ao PNATE de 2010 e de 2011. A primeira encontra-se aprovada pelo FNDE, enquanto a segunda encontra-se em análise. – Cabalmente evidenciado o descumprimento, por parte do então gestor público, do dever constitucional e legal de prestar contas dos valores recebidos dos cofres públicos. Não se trata de inexperiência ou de inépcia, mas de ato que se mostrou corriqueiro na gestão do alcaide que geriu o município no período de 01.01.2009 a 31.12.2012, a revelar desprezo para com um dos principais deveres do administrador público. Dolo comprovado. – Caracterizado prejuízo ao erário quanto ao PNAE/2008, pois além das contas terem sido prestadas intempestivamente, o réu não demonstrou a utilização e tampouco efetuou a devolução dos valores recebidos. O locupletamento ou a utilização de numerário com desvio de finalidade configuram situações aptas a caracterizar o ilícito do art. 10 da LIA. Precedente desta Corte. – Quanto aos demais períodos do PNAE (2010 e 2011) e quanto ao PNATE (2010 e 2011), apesar da omissão no dever de prestar contas, não ficou comprovado prejuízo ao erário. – A ausência de prestação de contas no prazo legal subsumia a conduta ao tipo legal do art. 11, VI, da Lei 8.429/92: deixar de prestar contas quando esteja obrigado a fazê-lo. Contudo, a Lei 14.230/2021 alterou de forma expressiva o panorama da improbidade administrativa e o art. 11, que caracterizava como improbidade a violação de princípios que regem a Administração Pública, passou a prever um rol fechado de condutas. – Com a nova legislação, o inciso VI do art. 11 da Lei 8.429/92 passou a prescrever: deixar de prestar contas quando esteja obrigado a fazê-lo, desde que disponha das condições para isso, com vistas a ocultar irregularidades. Por opção do legislador, inseriu-se dois elementos essenciais à configuração do ilícito, não bastando, mais, apenas a ausência de prestação de contas; é necessário, doravante, que o agente disponha de condições para isso e que tenha intenção de ocultar irregularidades. – Conquanto o réu dispusesse de condições de prestar as contas dos convênios do PNAE e do PNATE, não se demonstrou nos autos que a omissão ocorreu com vistas a ocultar irregularidades. – O STF firmou entendimento de que as disposições contidas no art. 11 da Lei 8.429/92, outrora exemplificativas, passaram a ser taxativas com o advento da Lei 14.230/2021 e, apesar de não se tratar de lei penal, dado o cunho sancionador, é de se entender por retroativas as disposições que beneficiam os réus em processos não transitados em julgado. – Dosimetria. A sentença condenou o ex-prefeito por violação aos arts. 10, caput e 11, VI, da Lei 8.429/92. Uma vez que só remanesce a condenação pelo primeiro, referente ao PNAE de 2008, há de ser promovida a readequação das sanções aplicadas. – O ressarcimento integral do dano é o mínimo que se espera nas situações em que o erário é prejudicado. Deve, assim, o ex-prefeito municipal ressarcir o erário pelo dano causado quanto ao numerário referente ao PNAE de 2008, nos moldes em que estabelecido pela sentença. – A multa civil é devida por sua finalidade de desestimular a prática de atos de improbidade administrativa e, face a sua natureza, não configura bis in idem com a pena de ressarcimento. Mantida a multa fixada no mínimo legal. – Afastadas as sanções de suspensão dos direitos políticos, de perda de eventual função pública e de proibição de contratar com o Poder Público ou de receber benefícios ou incentivos fiscais, as quais mostram-se substancialmente severas e desarrazoadas no caso concreto. – Sedimentada a jurisprudência, à época da sentença, a respeito do descabimento da condenação do vencido em honorários advocatícios, por aplicação analógica do art. 18 da Lei 7.347/85. – Apelação do FNDE e remessa oficial, havida por submetida, desprovidas; provido em parte a apelação do ex-prefeito. (TRF-3, 3ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 0000605-94.2014.4.03.6123, j. em 07/11/2024, Intimação via sistema DATA: 11/11/2024, Rel. Des. Fed. RUBENS ALEXANDRE ELIAS CALIXTO). No caso concreto, houve a imputação aos acusados da prática de atos de improbidade administrativa violadores dos princípios da administração pública, tipificados no caput; no revogado inciso I e na antiga redação do inciso VI, todos do artigo 11, da Lei nº. 8.249/1992. Deste modo, a atipicidade superveniente do tipo outrora previsto no inciso I, do artigo 11, da LIA, revogado pela Lei nº 14.231/2021, consubstancia-se em verdadeira lei mais benéfica aos acusados e é aplicável ao presente caso. Assim, mostra-se inviável a responsabilização dos imputados, especificamente neste ponto, com base no tipo revogado, ou seja, na hipótese de “praticar ato visando fim proibido em lei ou regulamento ou diverso daquele previsto, na regra de competência”. Tem-se ainda a imputação de infringência ao artigo 11, inciso VI, da LIA, em sua redação original. Hodiernamente, em conformidade com a redação do mesmo dispositivo, atualizada pela lei nº. 14.230/21, para a configuração do ato ímprobo, a conduta prevista no referido inciso demanda, além da ausência de prestação de contas nos casos obrigatórios, que o agente público disponha das condições para tanto e que a omissão seja dirigida para ocultação de irregularidades. No caso em tela, sequer ocorreu tal omissão. Consta, em verdade, que o ex-prefeito do município de Balbinos/SP, José Marcio Rigotto, não deixou de prestar as contas das verbas federais relativas aos convênios celebrados com o Ministério do Turismo. O indigitado agente público as apresentou. Entretanto, elas foram rejeitas pelo Tribunal de Contas da União. Assim, a conduta do então gestor público não se amolda ao tipo taxativo descrito no artigo 11, inciso VI, da LIA, uma vez que, repise-se, apresentou as contas referentes aos Convênios MTur nº. 959/2010 e 1.200/2010 ao Órgão de Controle Externo da Administração Pública, ente este que as desaprovou. Ademais, ainda que se entenda que a prestação de contas apresentada, mas tida por irregular pelo TCU, pudesse se subsumir ao tipo em comento (que representaria indevida interpretação extensiva do tipo), não há nos autos elementos que informem a existência de vontade livre e consciente do ex gestor público dirigida à ocultação de irregularidades. Verifica-se, outrossim, com esteio nos fatos delineados na inicial acusatória, que as imputações da prática de atos violadores dos princípios da administração pública não se enquadram em nenhuma das hipóteses atualmente previstas no rol taxativo do artigo 11 e seus incisos, da LIA, motivo pelo qual, revela-se inevitável a manutenção da improcedência da pretensão acusatória, neste tópico. De maneira similar, a Lei nº 14.231/2021 também conferiu relevante modificação na essência da materialização dos atos de improbidade administrativa que causem prejuízo ao erário, vez que passou, expressamente, a exigir a comprovação de perda patrimonial efetiva, conforme atual redação do caput do artigo 10 da LIA, verbis: Art. 10. Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão dolosa, que enseje, efetiva e comprovadamente, perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º desta Lei, e notadamente:: (Redação dada pela Lei nº 14.230, de 2021). (...) Diante deste cenário, mas sem deixar de observar as balizas definidas pelo STF, ao julgar o Tema 1199, a respeito das modificações benéficas trazidas pela Lei 14.320/2021, a recente jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça passou a reconhecer a atipicidade da conduta superveniente da conduta baseada exclusivamente em dano presumido ao erário aos atos tidos por ímprobos desta natureza. Veja-se: ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. PREFEITO MUNICIPAL. EFETIVAÇÃO DE DESAPROPRIAÇÃO SEM PRÉVIA DOTAÇÃO ORÇAMENTÁRIA. CONDENAÇÃO COM BASE NOS ARTS. 10, IX, E 11, CAPUT, DA LEI 8.429/1992. IMPOSSIBILIDADE. SUPERVENIÊNCIA DA LEI 14.230/2021. DOLO GENÉRICO. AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DE DANO EFETIVO. AGRAVO INTERNO NÃO PROVIDO. 1. Após o julgamento do Tema 1.199 da Repercussão Geral, o Supremo Tribunal Federal vem decidindo que "as alterações promovidas pela Lei 14.231/2021 ao art. 11 da Lei 8.249/1992 aplicam-se aos atos de improbidade administrativa praticados na vigência do texto anterior da lei, porém sem condenação transitada em julgado" (AREsp 803.568 AgR-segundo-EDv-ED, relator Luiz Fux, relator p/ acórdão Gilmar Mendes, Tribunal Pleno, julgado em 22/8/2023, DJe de 6/9/2023). Precedentes. 2. "Apesar de o Tema n. 1.199 do STF não tratar especificamente da retroatividade de tal dispositivo, impõe-se a sua aplicação no caso para reconhecer a atipicidade superveniente da conduta baseada exclusivamente em dano presumido ao erário"(AREsp n. 2.102.066/SP, relator Ministro Teodoro Silva Santos, Segunda Turma, julgado em 24/9/2024, DJe de 2/10/2024). 3. No caso, inviável a condenação do agravado com base no art. 11, caput, da Lei 8.429/92, por não ser a conduta a ele imputada, na forma em que descrita no acórdão recorrido, prevista em nenhum dos atuais incisos do mencionado artigo. Também não merece acolhida a pretensão de condenação do agravante com base no art. 10, IX, da Lei 8.429/92, pois (a) a sentença rejeitou o pedido de condenação dos réus ao ressarcimento ao erário; (b) apenas os réus apelaram; e (c) o acórdão recorrido também não indicou que o ato impugnado teria ensejado "efetiva e comprovadamente, perda patrimonial". 4. Agravo interno não provido. (STJ, 1ª Turma, AgInt no REsp n. 1.676.386/GO, j. em 27/11/2024, DJe de 02/12/2024, rel. Min. Afrânio Vilela.) AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA POR ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. FRUSTRAÇÃO À LICITUDE DO PROCESSO LICITATÓRIO. DANO PRESUMIDO. CONSTRUÇÃO JURISPRUDENCIAL. LEI N. 14.230/2021. PREVISÃO NORMATIVA EXPRESSA. EXIGÊNCIA DE PERDA PATRIMONIAL EFETIVA. TEMA N. 1.199 DE REPERCUSSÃO GERAL DO STF. RETROATIVIDADE. PUNIBILIDADE EXTINTA. DEMAIS QUESTÕES RECURSAIS PREJUDICADAS. JULGADA EXTINTA A PUNIBILIDADE DOS AGRAVANTES PELA ABOLITIO. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL PREJUDICADO. 1. A conduta de frustrar a licitude de processo licitatório ou dispensá-lo indevidamente, tipificada no art. 10, inciso VIII, da Lei n. 8.429/1992, com a redação alterada pela Lei n. 14.230/2021, além de prever exclusivamente o dolo, passou a exigir a comprovação de perda patrimonial efetiva para caracterização como ato que causa lesão ao erário. 2. A possibilidade de condenação com base em dano presumido (in re ipsa) era fruto de entendimento jurisprudencial, que não mais se coaduna com a nova disposição legal da matéria. 3. Apesar de o Tema n. 1.199 do STF não tratar especificamente da retroatividade de tal dispositivo, impõe-se a sua aplicação no caso para reconhecer a atipicidade superveniente da conduta baseada exclusivamente em dano presumido ao erário. Precedente desta Corte Superior. 4. Extinta a punibilidade dos recorrentes, fica prejudicada a análise do agravo em recurso especial. 5. Julgada extinta a punibilidade dos agravantes, pela abolitio da conduta, ficando prejudicado o agravo em recurso especial. (STJ, 2ª Turma, AREsp n. 2.102.066/SP, julgado em 24/9/2024, DJe de 02/10/2024, rel. Min. Teodoro Silva Santos.) Do caso em análise, vê-se que o Ministério Público Federal, na exordial acusatória, asseverou que a lesão ao erário estaria configurada em decorrência da contratação direta, por meio da inexigibilidade de licitação indevida, e pelo integral repasse das verbas previstas nos convênios celebrados entre o Ministério do Turismo e o Município de Balbinos/SP. Ora, nota-se que o próprio autor da ação não apontou, concretamente, o dano efetivo aos cofres públicos no ajuizamento do feito. Além disso, no desenvolvimento do processo e no desenrolar da instrução probatória, tem-se que o MPF não se desincumbiu do ônus que lhe cabia neste tópico, ou seja, quantificar os prejuízos causados aos cofres públicos. Demais disso, tem-se notícia, trazida aos autos pelo MPF (ID 277000485), da contratação, por diversas outras Prefeituras Municipais, de shows dos artistas que também foram contratados pelo Município de Balbinos na ocasião da realização dos festejos denominados “1º Arraiá Junino de Balbinos” e “1ª Festa do Peão de Balbinos”, com verbas advindas dos convênios firmados com o Ministério do Turismo. Da análise comparativa dos valores desembolsados por Balbinos e por outros Municípios não se identifica o pagamento de preços superiores à média de mercado, rechaçando-se superfaturamento na realização dessas contratações, fator que, se fizesse presente, poderia ensejar a ocorrência de dano efetivo aos cofres públicos. Cita-se, a título de exemplo, a contratação do show do cantor Sérgio Reis. A Prefeitura Municipal de Balbinos pagou R$ 50.000,00 pela contratação do referido artista, em meados do ano de 2010 (ID 276999891, fls. 10/17). Na mesma época daquele ano, o Município de Pradópolis/SP despendeu a quantia de R$ 58.000,00 pelo mesmo show (ID 277000485, fls. 2). Já a contratação do show artístico da dupla sertaneja Gilberto e Gilmar, também para a metade do ano de 2010, custou R$ 35.000,00 ao Município de Balbinos (ID 276999885, fls. 14/21). No mês de julho de 2010, o Município de Braúna/SP contratou o show da referida dupla sertaneja e desembolsou R$ 34.500,00 pelo negócio (ID 277000485, fls. 4). Nesta senda, haja a vista a alteração legal, que passou a reivindicar a demonstração efetiva e comprovada do dano ao erário para a caracterização de conduta ímproba que cause prejuízo ao erário, a mesma solução deve ser, também, aqui aplicada àquele desfecho dispensado às condutas tidas por violadoras dos princípios da administração pública, qual seja, a conservação da improcedência da demanda em relação aos réus, acusados de terem incorrido nos tipos prescritos no artigo 10, caput, e nos incisos VIII e XII, da LIA. Registre-se, outrossim, que o caso concreto, apesar de cuidar de situação similar, distingue-se dos julgados proferidos por esta E. 6ª Turma nas situações decididas nos seguintes autos: 1) TRF-3, 6ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 0004257-04.2013.4.03.6108, j. em 20/09/2023, Intimação via sistema DATA: 22/09/2023, Rel. Des. Fed. VALDECI DOS SANTOS e 2) TRF-3, 6ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 5000055-58.2017.4.03.6139, j. em 02/10/2024, DJEN DATA: 10/10/2024, Rel. Des. Fed. NOEMI MARTINS DE OLIVEIRA No primeiro caso em referência, o julgado acompanhava a anterior jurisprudência do C. STJ, antes da expansão de entendimento pela retroatividade da Lei 14.230/21, que entendia que o prejuízo decorrente da dispensa indevida de licitação é presumido (dano in re ipsa). Recentemente, a Corte Cidadã alterou tal entendimento e passou a reconhecer a atipicidade superveniente da conduta baseada exclusivamente em dano presumido ao erário, com base na nova redação do artigo 10 da LIA, que exige efetiva e comprovada perda patrimonial. Já o segundo julgado citado cuidou de situação em que se reconheceu a configuração de ato improbidade administrativa, pois restou comprovado, naquele feito, a ocorrência de superfaturamento na contratação indevidamente dispensada, na medida em que a artista contratada, pelo que se lá apurou, recebeu um quinto do valor total do preço pago na licitação. Tais peculiaridades não se encontram presentes nestes autos. Não obstante isso, os elementos de prova produzidos sob o contraditório judicial indicam que não se verificaram os fatos descritos na peça inicial com robustez para acarretar a responsabilização dos acusados pelo cometimento de atos de improbidade administrativa. A prova testemunhal produzida nos autos da ação penal nº 003169-86.2017.403.6108, processo em que se apurou os mesmos fatos naquela seara, foi recebida como prova emprestada neste feito. Do exame das oitivas realizadas no juízo penal (ID 277000517 a ID 277000891), restou incontroverso que as apresentações musicais contratadas se realizaram na cidade de Balbinos, com a presença de milhares de pessoas e com a estrutura montada de acordo com o porte dos eventos. Além disso, não há nos autos informação de que os artistas que foram contratados e executaram as apresentações ajustadas não tenham recebido pelos respectivos cachês. Repise-se, ademais, que não se demonstrou que as contratações ocorreram com o pagamento de preços superiores aos praticados no mercado naquela ocasião. As irregularidades apontadas pelo Tribunal de Contas da União na execução dos Convênios MTur nº. 1.200/2010 e nº. 959/2010 não tem, por si só, força suficiente para se consubstanciar em atos qualificados como violadores da LIA. A realização dos shows em datas diversas àquelas que foram ajustadas na contratação não ultrapassa a mera irregularidade, vez que a essência do contrato se perfez. Assim, os shows ocorreram no Município de Balbinos/SP e não se tem notícia de que os artistas não tenham recebido pelo trabalho. No que se refere ao ponto da acusação atinente ao descumprimento da exigência constante no artigo 25, inciso III, da Lei nº. 8.666/93, concernente à contratação dos artistas realizada com o emprego das “cartas de exclusividade” em desacordo com a regra prescrita no aludido dispositivo da antiga Lei de Licitações, que demandava a celebração do negócio jurídico com o “empresário exclusivo”, não se mostra suficiente para se materializar em ato ímprobo capitulado como tal na Lei nº. 8.429/92, pelo que se apurou dos autos. A contratação efetivada nos moldes ora delineados, de fato, mostra-se em descompasso com a exigência legal e evidencia irregularidade administrativa no procedimento destinado a tal objetivo, tanto que restou rejeitada pelo TCU. No entanto, não restou demonstrado a presença do dolo dirigido ao fim de lesar o patrimônio público na conduta imputada aos acusados, em especial, ao do ex-prefeito de Balbinos, que pudesse caracterizar ato de improbidade administrativa. Advoga em benefício da boa-fé dos acusados o contexto regional de gestão pública municipal em que eram realizadas as contratações do gênero, praxe essa que também se viu replicada no Munícipio de Balbinos/SP. Revelou-se corriqueiro, por diversas cidades paulistas, a aceitação das denominadas “cartas de exclusividade” nos procedimentos de contratação de profissionais do ramo artístico, por inexigibilidade de licitação, pelo que se vê do documento confeccionado pelo MPF, com base nas publicações de extrato de contração de shows artísticos por outras Prefeituras efetuadas no Diário Oficial do Estado de São Paulo (ID 277000485). Ademais, pelo que extraiu do depoimento da testemunha Jardel de Araújo, ex-prefeito do Município de Pirajuí/SP, de 2005 a 2012 (mesmo período em que o réu José Márcio Rigotto administrou a cidade de Balbinos/SP), verifica-se que similar expediente era utilizado em Pirajuí/SP (IDs 277000755 e 277000765). A indigitada testemunha narrou que boa parcela das contratações (muitas dessas vezes, como único meio) de shows artísticos era efetuada por intermédio dos “empresários regionais”, que detinham a exclusividade para a representação de determinado artista naquela região, para datas específicas, prática que poderia representar preços mais baixos aos municípios, a depender da distância do local da cidade onde seria realizada o evento. Foi ouvido ainda o empresário que possui contrato de exclusividade com a dupla Lourenço e Lourival, Sr. Clodoaldo de Moraes (ID 277000765). O aludido depoente afirmou que era uma prática muito comum e usada constantemente, o repasse da representação exclusiva de um artista para um empresário local representá-lo em determinada cidade, denominada carta ou atestado de exclusividade. Pois bem, dadas tais peculiaridades ora relatadas, verifica-se que os fatos delineados na exordial não configuraram condutas ilícitas capazes gerar responsabilização dos demandados por atos de improbidade administrativa, vez que não se demostrou a presença de atuação dolosa direcionada à malversação de recursos públicos. A propósito, vale transcrever trecho da sentença de primeiro grau, que adoto como razão de decidir, reforçando a inexistência, in casu, de elementos suficientes à condenação dos réus: “(...) No caso em tela, o MPF afirma que a lesão ao erário consistiria na integralidade dos repasses feitos pelo Ministério do Turismo ao município de Balbinos – o que, em si, serve de verdadeira confissão de não ter o autor provado a perda patrimonial que atingira o erário. E tal se dá em virtude de não existir dúvida de que a dupla Gilberto e Gilmar, a banda Cruzeiro do Sul, a dupla Lourenço e Lourival e o cantor Sérgio Reis apresentaram-se, na cidade de Balbinos – como reconheceram todas as testemunhas ouvidas na ação penal correlata ao presente feito, e cujos depoimentos aqui foram acolhidos com a força de prova emprestada. Frise-se que consistiria simples irregularidade a execução dos contratos em datas diversas das contratadas – pois, no que essencial, seus objetivos teriam sido atingidos. Também, não há qualquer indício de que os valores não teriam sido repassados aos artistas contratados. Em assim sendo, somente haveria lesão ao erário acaso provado que a contratação irregular foi feita em parâmetros muito superiores à média de mercado, ou seja, com superfaturamento – prova esta, repita-se, não obtida pela parte demandante. Ao revés: há notícia de contratações por preços superiores àqueles pagos por Balbinos, como noticiou o próprio MPF (fls. 1205/1208). Ainda que assim não fosse, denote-se que a irregularidade apontada pelo TCU, e seguida de perto pelo autor, não tem, com a devida vênia, o condão de fazer aparecer a figura da improbidade. Melhor refletindo sobre a questão, verifico que, embora as “cartas de exclusividade” utilizadas no procedimento de inexigibilidade de licitação sejam, de fato, irregulares, não possuem nódoa de reprovabilidade capaz de agregar à conduta dos agentes o qualificativo de ímproba. Denote-se que não há simulação, ou falsidade, nas cartas, pois indicam a exclusividade para data específica, sem que destoem as declarações da realidade. Ainda que não cumpram a regra do artigo 25, inciso III, da Lei n.º 8.666/93 - que faz referência ao “empresário exclusivo” - não se retira da forma de contratação o intuito de lesar o patrimônio estatal, dado que a impossibilidade de competição advém da natureza do serviço contratado – a subjetividade inerente à representação artística - e, não, da existência de empresário exclusivo. (...)” Ante o exposto, nego provimento à apelação. É o voto. O Desembargador Federal Mairan Maia: Vênia devida ao entendimento esposado pela e. Relatora, ouso divergir. Preliminarmente, não obstante a possibilidade de eventual absolvição na esfera criminal produzir efeitos no âmbito da ação de improbidade administrativa, consoante disposição expressa do art. 21 da Lei nº 8.429/92, tal hipótese não implica, ipso facto, a obrigatoriedade de suspensão do feito cível. Quanto à incorporação aos autos, na qualidade de prova emprestada, do acervo testemunhal produzido no âmbito do processo criminal que versa sobre os mesmos fatos ora submetidos à cognição judicial, observa-se que, em face do despacho de fl. 1196, a defesa do réu José Márcio Rigotto se manteve inerte, operando-se, por conseguinte, a preclusão temporal, o que inviabiliza a designação de audiência para oitiva de testemunhas adicionais. No tocante à legitimidade passiva ad causam, resta indubitável a possibilidade jurídica de o réu José Márcio Rigotto, então Prefeito, figurar no polo passivo da presente demanda. No mais, destaco que os fatos que desencadearam o ajuizamento desta ação se deram sob a égide da Lei 8.429/92 e da Lei 8.666/93. Durante a tramitação do feito, foi promulgada a Lei 14.230/21, a qual promoveu alterações expressivas na Lei de Improbidade Administrativa de 1992. A esse propósito, cumpre assinalar que, no âmbito da ADI 7236, ainda pendente de julgamento pelo órgão colegiado da Suprema Corte, o Ministro Alexandre de Moraes proferiu decisão liminar reconhecendo a inconstitucionalidade do art. 1º, § 8º, da Lei 8.429/92, incluído pela Lei 14.230/21, que dispõe: § 8º Não configura improbidade a ação ou omissão decorrente de divergência interpretativa da lei, baseada em jurisprudência, ainda que não pacificada, mesmo que não venha a ser posteriormente prevalecente nas decisões dos órgãos de controle ou dos tribunais do Poder Judiciário. Destaquem-se, ademais, as teses fixadas no STF no julgamento do Tema 1199, após se debruçar sobre a extinção da modalidade culposa dos atos de improbidade administrativa e sobre o regime de prescrição aprovado pela nova LIA: 1) É necessária a comprovação de responsabilidade subjetiva para a tipificação dos atos de improbidade administrativa, exigindo-se - nos artigos 9º, 10 e 11 da LIA - a presença do elemento subjetivo - DOLO; 2) A norma benéfica da Lei 14.230/2021 - revogação da modalidade culposa do ato de improbidade administrativa -, é IRRETROATIVA, em virtude do artigo 5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal, não tendo incidência em relação à eficácia da coisa julgada; nem tampouco durante o processo de execução das penas e seus incidentes; 3) A nova Lei 14.230/2021 aplica-se aos atos de improbidade administrativa culposos praticados na vigência do texto anterior da lei, porém sem condenação transitada em julgado, em virtude da revogação expressa do texto anterior; devendo o juízo competente analisar eventual dolo por parte do agente; 4) O novo regime prescricional previsto na Lei 14.230/2021 é IRRETROATIVO, aplicando-se os novos marcos temporais a partir da publicação da lei. Por fim, impende consignar que a ação foi proposta em 25 de agosto de 2017 (id. 276999781), tendo o réu José Márcio Rigotto permanecido no cargo de Prefeito do Município de Balbinos/SP desde a data da prática dos atos impugnados até 31 de dezembro de 2016, não havendo que se falar em consumação do lapso prescricional extintivo do ius puniendi estatal. Passo à análise do mérito. Pois bem, a presente ação civil pública foi ajuizada com objetivo de assegurar a responsabilização dos réus JOSÉ MÁRCIO RIGOTTO, ex-prefeito do município de Balbinos-SP; USINA DE PROMOÇÃO DE EVENTOS LTDA e seu sócio e administrador THIAGO ROBERTO APARECIDO MARCELINO FERRAREZI; J. C. CIA DE EVENTOS LTDA e seu sócio e administrador JEAN CARLO DE OLIVEIRA; HMW PRODUÇÕES ARTÍSTICAS LTDA. - ME e seu sócio e administrador LUIZ MONTOYA SAMPERI, pelo cometimento de atos de improbidade administrativa consistentes na dispensa indevida de licitação, omissão em prestar contas e não comprovação da regular aplicação de recursos públicos federais recebidos mediante dois convênios celebrados com o Ministério do Turismo para realização de eventos no município de Balbinos/SP (Convênios nº 1.200/2010 e 959/2010). Em síntese, apura-se a ocorrência de irregularidades na execução de dois convênios firmados entre o Município de Balbinos/SP e o Ministério do Turismo no ano de 2010, a saber: Convênio MTur nº 1.200/2010 (SICONV 742.114/2010), referente ao "1º Arraiá Junino de Balbinos", e Convênio MTur nº 959/2010 (SICONV 739368/2010), atinente à "1ª Festa do Peão de Balbinos". Oportuno destacar ter sido determinado, na origem, o desmembramento do feito em relação ao Convênio MTur nº 959/2010, particularmente no tocante ao cantor Edson, ocorrendo a redução subjetiva e objetiva da lide. O Parquet Federal sustenta que os requeridos incorreram em diversas irregularidades, notadamente: i) utilização indevida do instituto da inexigibilidade de licitação (art. 25, III, da Lei nº 8.666/93) para a contratação de shows artísticos, mediante intermediários que não detinham a condição de empresários exclusivos dos artistas, conforme exigência legal, apresentando tão somente "cartas de exclusividade" restritas às datas específicas das apresentações; ii) ausência de comprovação da efetiva realização dos eventos nas datas previstas nos planos de trabalho, havendo evidências de que foram realizados em datas diversas das pactuadas, conforme notícias publicadas na internet; iii) inexistência de documentos idôneos que comprovassem o efetivo pagamento aos artistas, não sendo possível estabelecer o nexo causal entre os recursos repassados e a execução do objeto dos convênios. Sobreveio sentença, a qual, diante da prova colacionada, concluiu terem sido descumpridas as normas legais que regem o processo licitatório, porém não identificou efetiva comprovação de dolo, a ensejar a responsabilização dos réus pelo cometimento de atos de improbidade administrativa. Destaco, no ponto, tópicos do decisum: “No caso em tela, o MPF afirma que a lesão ao erário consistiria na integralidade dos repasses feitos pelo Ministério do Turismo ao município de Balbinos – o que, em si, serve de verdadeira confissão de não ter o autor provado a perda patrimonial que atingira o erário. E tal se dá em virtude de não existir dúvida de que a dupla Gilberto e Gilmar, a banda Cruzeiro do Sul, a dupla Lourenço e Lourival e o cantor Sérgio Reis apresentaram-se, na cidade de Balbinos – como reconheceram todas as testemunhas ouvidas na ação penal correlata ao presente feito, e cujos depoimentos aqui foram acolhidos com a força de prova emprestada. Frise-se que consistiria simples irregularidade a execução dos contratos em datas diversas das contratadas – pois, no que essencial, seus objetivos teriam sido atingidos. Também, não há qualquer indício de que os valores não teriam sido repassados aos artistas contratados. Em assim sendo, somente haveria lesão ao erário acaso provado que a contratação irregular foi feita em parâmetros muito superiores à média de mercado, ou seja, com superfaturamento – prova esta, repita-se, não obtida pela parte demandante. Ao revés: há notícia de contratações por preços superiores àqueles pagos por Balbinos, como noticiou o próprio MPF (fls. 1205/1208). Ainda que assim não fosse, denote-se que a irregularidade apontada pelo TCU, e seguida de perto pelo autor, não tem, com a devida vênia, o condão de fazer aparecer a figura da improbidade. Melhor refletindo sobre a questão, verifico que, embora as “cartas de exclusividade” utilizadas no procedimento de inexigibilidade de licitação sejam, de fato, irregulares, não possuem nódoa de reprovabilidade capaz de agregar à conduta dos agentes o qualificativo de ímproba. Denote-se que não há simulação, ou falsidade, nas cartas, pois indicam a exclusividade para data específica, sem que destoem as declarações da realidade. Ainda que não cumpram a regra do artigo 25, inciso III, da Lei n.º 8.666/93 - que faz referência ao “empresário exclusivo” - não se retira da forma de contratação o intuito de lesar o patrimônio estatal, dado que a impossibilidade de competição advém da natureza do serviço contratado – a subjetividade inerente à representação artística - e, não, da existência de empresário exclusivo. Repise-se: com ou sem a intervenção de empresários, as contratações da dupla Gilberto e Gilmar, da banda Cruzeiro do Sul, da dupla Lourenço e Lourival e do cantor Sérgio Reis passariam ao largo do processo licitatório. (…) A utilização de “cartas de exclusividade ad hoc”, inclusive, era rotineira, pelos municípios paulistas. Como se colhe dos memoriais do MPF (fl. 1205): “também comprovam essas irregularidades as consultas aos Diários Oficiais do Estado de São Paulo, que indicam contratações dos artistas “Banda Cruzeiro do Sul”, “Sérgio Reis” e Gilberto e Gilmar” por diversos municípios paulistas com diferentes “empresários exclusivos”. Tais documentos podem ser visualizados nos Id´s 33736366 a 33736368.” Ora, a praxe administrativa – ainda que rejeitada pelo TCU – milita em favor da boa-fé dos réus, pois se valiam da interpretação corrente em administrações similares. E essa interpretação, ou seja, a hermenêutica então vigente, não pode configurar o severo ilícito da improbidade, sob pena de vingar a “Administração Pública do medo”: (…)” O Ministério Público Federal, em apelação, pondera que a contratação não se deu nos parâmetros legais, visto não ter sido acompanhada de documentação comprobatória da exclusividade das empresas contratadas para a comercialização dos shows artísticos objetos dos contratos (carta de exclusividade). Reproduzo, por oportuno, os seguintes excertos do recurso de apelação apresentado: "[...] No caso dos autos, as condutas ímprobas ficaram comprovadas, extraindo-se que, por meio delas, os requeridos empresários auferiram vantagem patrimonial indevida em razão do exercício do cargo de prefeito de JOSÉ MÁRCIO RIGOTTO. O dolo é evidente, na medida em que a prática foi (ou está sendo) repetida por THIAGO ROBERTO APARECIDO MARCELINO FERRAREZI e sua empresa USINA DE PROMOÇÕES DE EVENTOS LTDA. em diversos municípios do Brasil, não havendo dúvida de que tais procedimentos ilícitos se tornaram meio de vida. Conforme certidão de distribuição na Justiça Federal de São Paulo, obtida nesta oportunidade (em anexo), há dezenas de ações penais e de improbidade administrativa contra THIAGO, além desta, (0000248- 82.2012.4.03.6124, 0003445-02.2012.4.03.6106, 0001203-13.2012.4.03.6125, 0004780-07.2013.4.03.6111, 0000975-76.2014.4.03.6122, 0002911-72.2014.4.03.6111, 0000313-23.2015.4.03.6108, 0000617-22.2015.4.03.6108, 0000401-56.2015.4.03.6142, 0001114-39.2015.4.03.6107, 0001239-59.2015.4.03.6122, 0000158-41.2016.4.03.6122, 0001095-88.2016.4.03.6142, 0000089-12.2017.4.03.6142, 5000055-58.2017.4.03.6139, 0000591-57.2017.4.03.6139, 5000066-32.2017.4.03.6125, 0003169-86.2017.4.03.6108, 5000345-18.2017.4.03.6125, 0003771-68.2017.4.03.6111, 5001607-20.2018.4.03.6108, 0000462-77.2019.4.03.6108, 5000393-72.2020.4.03.6124), certamente em razão do mesmo tipo de engodo para locupletar-se do dinheiro público enviado por meio de emendas parlamentares. Não se perca de vista que nem mesmo há provas suficientes de que os shows previstos [e que foram os motivos das liberações dos recursos federais] tenham realmente ocorrido. Ora, fica claro que, tratando-se de cantores consagrados pela crítica, certamente que seus shows atrairiam centenas ou milhares de pessoas, não sendo crível que ninguém tivesse registrado o evento com fotos ou vídeos. A falta de comprovação da ocorrência dos shows indica a intenção de desviar o dinheiro público. Também não comprovaram os requeridos que os recursos foram usados para pagar os artistas, comprovação essa que, data vênia, não seria difícil, bastando que os artistas fornecessem recibos ou declarações desses lançamentos perante os órgãos competentes (Receita Federal, ECAD etc). E ainda é indicativo do dolo das partes o fornecimento e uso de documentação inidônea para instruir o procedimento licitatório, claramente direcionado para empresas que não detinham a exclusividade dos artistas e cujos administradores fizeram do ilícito o meio de vida. Ora, na medida em que fraudaram a licitude do certame licitatório (documentação inidônea), os requeridos empresários enriqueceram ilicitamente porque, se assim não fosse (e fossem seguidos os requisitos do art. 25, III, da Lei 8.666/93), eles jamais teriam sido contratados pelo Poder Público. Em resumo, o enriquecimento ilícito ocorreu na medida em que foram contratadas empresas inidôneas para o ato (sem a exclusividade prevista na lei) e também porque elas receberam por serviços cuja realização não restou comprovada. [...] Os “registros” do evento “1ª Festa do Peão de Balbinos” apresentados como comprobatórios da sua realização (v. fl. 262, Id 2389416, p. 14), as Notas Técnicas de Reanálise nº 735/2013 (fls. 127/128, Id 2387523, pp. 20/21) e 0316/2013 (fl. 258/262, Id 2389416, pp. 08/14), o relatório do Tribunal de Contas da União (fls. 05/09, Id 2387377, pp. 07/14), a comprovação de notificações ao convenente para a apresentação de documentação complementar (fl. 05, §6o , Id 2387377, p. 07) bem como a falta de resposta por parte de JOSÉ MÁRCIO RIGOTTO quando instado a prestar esclarecimentos ao Ministério Público Federal (fls. 37/38, Id 2387409, pp. 20/21; fl. 40, Id 2387409, p. 23; e 68, Id 2387437, p. 19), revelam ausência de prestação de contas de forma intencional, já que todos esses documentos demonstram que o ex-prefeito, dolosamente, sequer buscou justificar suas condutas, mesmo ciente de que sua obrigação configura ato de improbidade administrativa ... Quanto valor aproximado do dano causado ao erário da União , tem-se que, conforme informações do Portal da Transparência do Governo Federal (fls. 268/269, Id 2389416, pp. 21/22), houve liberação do valor de R$ 100.000,00, no dia 07.12.2010 (1ª Festa do Peão de Balbinos – Convênio MTur nº 1200/2010) e, mais R$ 100.000,00, no dia 10.11.2010 (1º Arraiá Junino de Balbinos – Convênio MTur nº 959/2010). Tais valores atualizados monetariamente, desde a data de liberação, equivalem, até 17.08.2017, respectivamente a R$ 170.610,00 e R$ 171.540,00, totalizando: R$ 342.150,00 (sem considerar os consectários legais, como incidência de juros de mora e multa), conforme planilhas de fls. 270/271, Id 2389416, pp. 23/24. (…) A par dessas considerações, reitere-se, novamente, que, considerando que, na hipótese, não se trata de um ato culposo e nem ocorrido após a publicação da nova Lei, não deverá ser aplicada a nova redação do artigo 10 que exige demonstração de perda patrimonial efetiva na fraude licitatória. E, ainda que tal dispositivo fosse realmente aplicável, fato é que, como demonstrado no curso da ação, os procedimentos licitatórios (inexigibilidade de licitação) foram instruídos com documentos inidôneos (cartas de exclusividade falsas) - obviamente para auferir lucros indevidos às custas do erário (pois, conclusão óbvia, se fossem lícitos não haveria necessidade de fraude), além do que os requeridos não conseguiram comprovar que os shows ocorreram da forma prevista no plano de trabalho do convênio, tudo conforme minudentemente explanado na petição inicial (Id 2387311) e nos memoriais finais (Id 56447674), ora reiterados in totum, cujo conteúdo deixa-se de reproduzir para evitar repetições desnecessárias. Assim colocada a questão, passo ao exame dos fatos A Constituição Federal, em seu artigo 37, inciso XXI, estabelece a obrigatoriedade de licitação para a contratação de obras, serviços, compras e alienações promovidas pelos órgãos da Administração Pública, por força do princípio da indisponibilidade do patrimônio público, observando-se os princípios da legalidade, igualdade, impessoalidade, publicidade, probidade administrativa, moralidade administrativa e vinculação ao instrumento convocatório. Conforme o dispositivo constitucional acima, a licitação é a regra, sendo que, excepcionalmente, o legislador ordinário é autorizado a criar situações nas quais a licitação é dispensada ou considerada inexigível. As exceções constam dos artigos 24 e 25 da Lei nº 8.666/93, in verbis: “Art. 25. É inexigível a licitação quando houver inviabilidade de competição, em especial: […] III – para contratação de profissional de qualquer setor artístico, diretamente ou através de empresário exclusivo, desde que consagrado pela crítica especializada ou pela opinião pública.” - (Grifo nosso) Ocorre que, até mesmo em hipóteses de contratação direta autorizada em lei, demanda-se a instauração de procedimento administrativo prévio, no bojo do qual devem ser discriminadas as razões da dispensa ou inexigibilidade, bem assim motivos pelos quais a contração de determinada empresa se revela mais vantajosa à Administração no caso concreto. E assim se dá em observância aos princípios da isonomia, transparência, supremacia e indisponibilidade do interesse público, norteadores da atividade administrativa. A respeito do tema, esclarecedoras as palavras de Marçal Justen Filho (in Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos - Rio de Janeiro: Aide, 1993, pp. 155/156), cujo teor reproduzo: Em termos rigorosos, é incorreto afirmar que a contratação direta exclui um "procedimento licitatório". Os casos de dispensa e inexigibilidade de licitação envolvem um procedimento especial. Há uma série ordenada de atos, colimando selecionar a melhor proposta e o contratante mais adequado. "Ausência de licitação" não significa desnecessidade de observar formalidades prévias (tais como verificação da necessidade e conveniência da contratação, disponibilidade de recursos etc). Devem ser observados os princípios fundamentais da atividade administrativa, buscando selecionar a melhor contratação possível, segundo os princípios da licitação. (...) A contratação direta pressupõe o cumprimento dos requisitos dos arts. 7º, 14 ou 17. Mas, além disso, a Administração tem de justificar não apenas a presença dos pressupostos da ausência de licitação. Deve indicar, ademais, o fundamento da escolha de um determinado contratante e de uma específica proposta. A Lei quer evitar a fraudulenta invocação de dispositivos legais autorizadores da contratação direta. Deverá ser comprovada e documentada a presença dos requisitos legais que autorizam a contratação direta. Embora o art. 26 indique apenas algumas das hipóteses, toda e qualquer contratação direta deverá ser antecedida de um procedimento onde sejam documentadas as ocorrências relevantes. Atinge-se essa conclusão pela necessidade de documentação dos atos administrativos e pela natureza não discricionária de todas as hipóteses de contratação direta. Nenhum gestor de recursos públicos poderia escusar-se a justificar uma contratação direta sob fundamento de que a hipótese não estava prevista no art. 26. No mesmo sentido, o escólio de Hely Lopes Meirelles, in verbis: A dispensa e a inexigibilidade de licitação devem ser necessariamente justificadas e o respectivo processo deve ser instruído com elementos que demonstrem a caracterização da situação emergencial ou calamitosa que justifique a dispensa, quando for o caso; a razão da escolha do fornecedor do bem ou executante da obra ou serviço; e a justificativa do preço. Com esses elementos, a decisão da autoridade competente deverá ser submetida ao superior hierárquico para ratificação e publicação na imprensa oficial, no prazo de cinco dias, como condição de eficácia dos atos (art. 26 e parágrafo único) (in Direito Administrativo Brasileiro. 29 ed. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 279). Destaco o seguinte aresto do C. Superior Tribunal de Justiça: ADMINISTRATIVO. PROCESSO CIVIL. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. NÃO-OCORRÊNCIA. REVALORAÇÃO JURÍDICA DOS FATOS DESCRITOS NA ORIGEM. POSSIBILIDADE. ART. 11 DA LEI 8.429/92. PRINCÍPIOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. DOLO. EXIGÊNCIA. VIOLAÇÃO CONFIGURADA. PENALIDADES. APLICAÇÃO ALTERNATIVA. MULTA. ADMISSIBILIDADE. 1. Cuida-se de ação de improbidade ajuizada contra o ex-Prefeito de Acaiaca/MG, por ter contratado, sem procedimento licitatório, juntamente com seu irmão, a compra de materiais - toras, estacas de madeira e madeiras de escoramento - no valor aproximado de R$ 4.200, 00. 2. Os embargos de declaração não servem para a reapreciação do mérito da demanda, já que o ordenamento pátrio destina fim específico para tal recurso, qual seja, a integração de decisão judicial, em que tenha ocorrido eventual negativa de prestação jurisdicional, sendo desnecessário que o magistrado se oponha a cada um dos argumentos expendidos pelo recorrente, bastando que a querela tenha sido solucionada de forma integral, rejeitando-se logicamente as teses contrárias. Precedentes. 3. Não incide o óbice da Súmula 7/STJ, quando o Tribunal a quo detalha a conduta imputada ao agente. Nesses casos, inexiste a reapreciação do contexto probatório da demanda, mas tão somente a revaloração jurídica dos elementos fáticos delineados pela Corte recorrida. 4. A despeito de não haver necessidade de comprovação de prejuízo ao erário, as condutas descritas no artigo 11 da LIA dependem da presença do elemento subjetivo na modalidade dolosa (EREsp 875.163/RS, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, DJ 30.06.10). 5. A contratação direta de parente pelo administrador público, sem prévio procedimento de dispensa ou de inexigibilidade de licitação, ou qualquer justificativa plausível, afronta os princípios da Impessoalidade, Legalidade, Transparência e Moralidade Administrativa, evidenciando o intuito de utilizar a máquina pública em proveito individual. Não se trata de mero descumprimento das formalidades exigidas em lei para a realização da contratação, mas de hipótese de favorecimento familiar por meio do poder público, o que destoa do senso comum e do dever de probidade inerente ao agente público. 6. O art. 12 da Lei 8.429/92 atribui ao Judiciário a realização da dosimetria da pena, tomando-se por base a gravidade da conduta, a extensão do dano e o proveito patrimonial obtido pelo agente. Nesse contexto, não há obrigatoriedade de aplicação cumulativa das sanções, cabendo ao magistrado fixar as penalidades em obediência aos Princípios da Razoabilidade e Proporcionalidade e aos fins sociais a que a Lei de Improbidade Administrativa se propõe. 7. Na espécie, considerando as informações colhidas na origem, de não ter havido prejuízo ao erário, nem enriquecimento ilícito, bem como o pequeno valor da contratação (R$ 4.200,00), é suficiente para o restabelecimento da ordem jurídica a aplicação de multa civil no valor de uma remuneração mensal percebida pelo agente púbico à época do ato praticado. 8. Recurso especial provido em parte. (REsp 1156564/MG, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, SEGUNDA TURMA, julgado em 26/08/2010, DJe 08/09/2010) Os dispositivos legais tidos por ofendidos, antes da entrada em vigor da Lei nº 14.230/21 dispunham: Art. 10. Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º desta lei, e notadamente: ... V - permitir ou facilitar a aquisição, permuta ou locação de bem ou serviço por preço superior ao de mercado; ... VIII - frustrar a licitude de processo licitatório ou dispensá-lo indevidamente; Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições, e notadamente: Assegurava-se a responsabilização nas modalidades culposa e dolosa. Além disso, o caput do art. 11 punia condutas que atentassem contra os princípios da administração pública e elencava em seu bojo rol exemplificativo e não excludente de situações que pudessem caracterizar improbidade administrativa. Todavia, as hipóteses nas quais enquadrada a conduta perpetrada pelos réus, insertas nos arts. 10, V, VIII e 11, caput, da Lei nº 8429/92, receberam significativas alterações a partir da entrada em vigor da nova lei nº 14.230/21, passando a exigir o elemento subjetivo dolo para ensejar a responsabilização dos envolvidos. Da mesma forma, todas as hipóteses de culpabilidade foram expressamente arroladas nos incisos do art. 11. Trago à consideração as novas disposições: Art. 10. Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão dolosa, que enseje, efetiva e comprovadamente, perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º desta Lei, e notadamente: (Redação dada pela Lei nº 14.230, de 2021) ... V - permitir ou facilitar a aquisição, permuta ou locação de bem ou serviço por preço superior ao de mercado; ... VIII - frustrar a licitude de processo licitatório ou de processo seletivo para celebração de parcerias com entidades sem fins lucrativos, ou dispensá-los indevidamente, acarretando perda patrimonial efetiva; (Redação dada pela Lei nº 14.230, de 2021) Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública a ação ou omissão dolosa que viole os deveres de honestidade, de imparcialidade e de legalidade, caracterizada por uma das seguintes condutas: (Redação dada pela Lei nº 14.230, de 2021) In casu, foram acostados aos autos o Acórdão nº 414/2016 do TCU (id. 276999851 – fls. 04/09), referente ao Convênio MTur nº 1.200/2010, acompanhado da documentação pertinente (Proposta, Termo de Convênio, Contratos e Nota Técnica de Reanálise – ids. 276999878, 276999885 e 276999891), e o Acórdão nº 6.339/2018 (id. 277000341), referente ao Convênio MTur nº 959/2010, também acompanhado da documentação pertinente (ids. 276999896, 276999900 e 276999908). Em ambos os casos a prestação de contas foi reprovada. Dentre os documentos apresentados, destacam-se os seguintes: i) Atestado de Exclusividade (id. 276999913 – fl. 245) da empresa Usina de Promoções de Eventos LTDA, prevendo a exclusividade da dupla Gilberto e Gilmar, para o dia 26/06/2010; ii) Atestado de Exclusividade (id. 276999913 – fl. 247) da empresa Usina de Promoções de Eventos LTDA, prevendo a exclusividade da Banda Cruzeiro do Sul, para o dia 26/06/2010; iii) Atestado de Exclusividade (id. 276999779 – fl. 253) da empresa Usina de Promoções de Eventos LTDA, prevendo a exclusividade da dupla Lourenço e Lourival, para o dia 20/06/2010; iv) Carta de Exclusividade (id. 276999779 – fl. 255) da empresa HMW Produções Artísticas LTDA, prevendo a exclusividade do artista Edson, para o dia 19/06/2010; V) Carta de Exclusividade (id. 276999891 – fl. 126) da empresa JC CIA DE EVENTOS LTDA – ME, prevendo a exclusividade do artista Sérgio Reis, para o dia 27/06/2010. Em relação aos réus JEAN CARLO OLIVEIRA e J. C. CIA DE EVENTOS LTDA, consta expressamente da contestação que “se caracterizou uma ocasional intermediação entre a empresa demandada e o artista, sem que as agenciadoras se alçassem ao status de empresários exclusivos”. Nesse primeiro ponto, está comprovado o descumprimento da legislação de regência, a qual, no art. 25, III, acima transcrito, assegura a contratação de profissional de qualquer setor artístico, diretamente ou através de empresário exclusivo, hipótese que não se confunde com a contratação efetivada por intermediário, in casu, as empresas aqui destacadas. Todavia, no caso das contratações fundadas no art. 25, inciso III, da Lei nº 8.666/93, sempre houve controvérsia no âmbito do Poder Executivo da União quanto aos requisitos para a contratação. O Tribunal de Contas do Estado de São Paulo admitia que as citadas “cartas de exclusividade”, com indicação de dia e local, seriam suficientes para a contratação nessas hipóteses. A pacificação da controvérsia somente ocorreu após a prolação, pelo Tribunal de Contas da União, do Acórdão nº 96, de 31/01/2008 – TCU – Plenário, no qual foi determinada, como condição para a validade de contratação por inexigibilidade de licitação, a apresentação de contrato assinado e registrado em cartório, nos casos do art. 25, inciso III, da Lei nº 8.666/93. Uma das deliberações do TCU no Acórdão Plenário foi de que o Ministério do Turismo deveria informar, nas avenças e nos manuais de prestação de contas, as condicionantes para a validade da contratação sob a ótica do art. 25, inciso III, da Lei nº 8.666/93. Vejam-se os seguintes pontos do acórdão: “9.5. determinar ao Ministério do Turismo que, em seus manuais de prestação de contas de convênios e nos termos dessas avenças, informe que: 9.5.1. quando da contratação de artistas consagrados, enquadrados na hipótese de inexigibilidade prevista no inciso III do art. 25 da Lei nº 8.666/1992, por meio de intermediários ou representantes: 9.5.1.1. deve ser apresentada cópia do contrato de exclusividade dos artistas com o empresário contratado, registrado em cartório. Deve ser ressaltado que o contrato de exclusividade difere da autorização que confere exclusividade apenas para os dias correspondentes à apresentação dos artistas e que é restrita à localidade do evento” (destaques não originais). Na hipótese vertente, os Convênios nº 1.200/2010 e 959/2010, firmados entre o Ministério do Turismo e o Município, assim como os contratos celebrados com as empresas ocorreram no ano de 2010, isto é, após a prolação do Acórdão citado. Com efeito, a cláusula terceira, inciso II, letra “n”, de ambos os Convênios, dispõem: n) observar o disposto no art. 26, da Lei 8.666/93, atualizada, nos casos de dispensa e inexigibilidade de licitação, previstas respectivamente nos arts. 24 e 25 da referida Lei, devendo a homologação ser procedida pela instância máxima de deliberação do ente público, sob pena de nulidade. Dito isso, à época da avença não mais havia divergência interpretativa quanto à aplicação da lei (art. 25, III da Lei nº 8666/93), a qual poderia socorrer os réus e justificar o cometimento da ilegalidade aqui discutida. Por outro lado, muito embora, efetivamente, não tenha havido observância irrestrita das normas legais que regem o processo licitatório, para que esteja devidamente caracterizada a improbidade administrativa, faz-se necessária a comprovação efetiva de dolo ou intenção de fraudar o erário e o enriquecimento ilícito dos réus. A responsabilização por atos de improbidade administrativa praticados em detrimento da organização do Estado é necessária. As condutas ímprobas praticadas de forma dolosa violam princípios de moralidade, legalidade e honestidade que devem nortear a atividade pública em todas as suas formas. Busca-se tutelar e resguardar o patrimônio público como um todo e punir severamente as condutas corruptas e nocivas praticadas por agentes públicos, que se valem do cargo ou função exercida para enriquecer ilicitamente ou causar prejuízo ao erário. Por oportuno, trago à consideração tópico extraído do acórdão proferido pelo E. Ministro Teori Zavascki no RESP 827.455/SP: " [...] não se pode confundir ilegalidade com improbidade. A improbidade é ilegalidade tipificada pelo elemento subjetivo da conduta do agente. A ilegitimidade do ato, se houver, estará sujeita a sanção de outra natureza, estranha ao âmbito da ação de improbidade." Ora, o descumprimento dos termos dos Convênios pelo Município, na pessoa do então Prefeito, revela dolo específico de fraudar o processo licitatório e assim causar prejuízo ao erário e interesse público. Não lhe socorre o fato de terem sido efetivamente realizados os shows no 1º Arraiá Junino de Balbinos e na 1ª Festa do Peão de Balbinos. Compete ao gestor público zelar pela observância irrestrita dos princípios que regem a atividade administrativa. A singela conclusão de ter havido equívoco interpretativo ou desconhecimento de lei, da mesma forma, não tem o condão de afastar a necessidade de responsabilização decorrente do descumprimento dos Convênios firmados. Particularmente no tocante ao réu JOSÉ MÁRCIO RIGOTTO, então prefeito do Município, analisando o conjunto probatório e fático dos autos, está comprovado o dolo, imprescindível para a caracterização da conduta perpetrada. Destaco, nesse sentido, relevante argumentação trazida pelo apelante: A Corte de Contas encaminhou cópia do Acórdão 414/2016-TCU-Primeira Câmara, Sessão de 26/01/2016, no qual se verifica que foi julgada irregular a prestação de contas relativa ao Convênio 1.200/2010 (Siconv 742.114/2010). Conforme se lê do Relatório da Corte de Contas acostado às fls. 05/08 do ICP (Id 2387377, pp. 07/11), o objeto do aludido convênio foi a implementação do projeto intitulado “1º Arraiá Junino de Balbinos” pelo Município de Balbinos- SP, e resultou no aporte de R$ 100.000,00 à conta do concedente – Ministério do Turismo – com contrapartida de R$ 5.000,00 do convenente (Município de Balbinos-SP). Consta do Plano de Trabalho (fls. 84-vo do ICP, Id 2387468, p. 11) que os valores recebidos pelo convênio seriam destinados à: • Contratação de Shows Artísticos da Banda Cruzeiro do Sul para o dia 26.06.2010 – intermediada pela USINA DE PROMOÇÃO DE EVENTOS LTDA. (Contrato nº 030/2010, às fls. 108/115, Id 2387513, p. 22, e Id 2387523, pp. 01/07) R$ 20.000,00 • Contratação de Shows Artísticos da Dupla Sertaneja Gilberto e Gilmar para o dia 26.06.2010 – intermediada pela USINA DE PROMOÇÃO DE EVENTOS LTDA. (Contrato nº 029/2010, às fls. 100/107, Id 2387513, pp. 14/21). R$ 35.000,00 • Contratação de Shows Artísticos do Cantor Sérgio Reis para o dia 27.06.2010 – intermediado pela J.C. CIA DE EVENTOS LTDA. (Contrato nº 032/2010, às fls. 118/125, Id 2387523, pp. 10/17). R$ 50.000,00 Ocorre que, a despeito da liberação dos recursos federais, diversas irregularidades foram perpetradas pelos envolvidos na execução do convênio. Primeiramente, observa-se que as contratações ocorreram sob suposto fundamento de inexigibilidade de licitação, fundamentado no artigo 25, III, da Lei de Licitações. Eis o comando legal: Art. 25. É inexigível a licitação quando houver inviabilidade de competição, em especial: (…) III - para contratação de profissional de qualquer setor artístico, diretamente ou através de empresário exclusivo, desde que consagrado pela crítica especializada ou pela opinião pública. Mas, visando burlar o comando legal, o procedimento de inexigibilidade de licitação foi instruído com cartas de exclusividades que não condizem com a verdade, pois os supostos empresários dos artistas, não são empresários exclusivos deles. Nesse sentido, os requeridos JEAN CARLO DE OLIVEIRA e J.C. CIA. DE EVENTOS LTDA. acabaram confessando em sua contestação (Id 22234859) que detinham representação do cantor Sérgio Reis apenas para apresentações específicas, singularizadas, com datas já estabelecidas e não representação exclusiva. Também comprovam essas irregularidades as consultas aos Diários Oficiais do Estado de São Paulo, que indicam contratações dos artistas “Banda Cruzeiro do Sul”, “Sérgio Reis” e Gilberto e Gilmar” por diversos municípios paulistas com diferentes “empresários exclusivos”. Tais documentos podem ser visualizados nos Id´s 33736366 a 33736368. Na petição sob Id 33736364, este Órgão Ministerial produziu tabelas, para melhor visualização, com as contratações encontradas no diário oficial, que aqui se reproduzem, para melhor compreensão dos fatos. (…) Além do Convênio 1200/2010 (Siconv 742.114), foi celebrado, na mesma época, o Convênio 0959/2010 (Siconv 739.368 – data de 18.06.2010), para a realização da “1ª Festa do Peão de Balbinos”, que aconteceria nos dias 19 a 20 de junho de 2010 – uma semana antes do “1º Arraiá de Balbinos”. Tal como se deu no Convênio 1200/2010, neste 959/2010, a União repassou o valor de R$ 100.000,00 (cem mil reais), ao passo que o convenente arcou com a contrapartida de R$ 5.000,00. De acordo com o Plano de Trabalho (fls. 142/146, Id 2387542, pp. 14/18), o objeto desse segundo convênio foi a contratação de show artísticos do cantor Edson para o dia 19.06.2010, pelo valor de R$ 80.000,00 (oitenta mil reais), e da dupla Lourenço e Lourival para o dia 20.06.2010, pelo valor de R$ 25.000,00 (vinte e cinco mil reais). Nesse Convênio 959/2010 também houve a contratação de artistas por empresas intermediárias, ou seja, USINA DE PROMOÇÃO DE EVENTOS LTDA. para o show da dupla Lourenço e Lourival (Contrato nº 031/2010, às fls. 166/173, Id 2387566, pp. 10/17); e a empresa HMW PRODUÇÕES ARTÍSTICAS LTDA., para o show do cantor Edson (Contrato nº 028/2010, às fls. 179/186, Id´s 2387566, pp. 23/27, e 2387577, pp. 01/03). Quanto aos fatos relativos à contratação da empresa HMW PRODUÇÕES ARTÍSTICAS LTDA., para o show do cantor Edson, como já se disse, estão em apuração em feito desmembrado (nº 5002310-14.2019.4.03.6108). Na época do ajuizamento da petição inicial, o Tribunal de Contas da União ainda não tinha finalizado sua análise sobre as contas do convênio. Posteriormente, finalizado o julgamento, este Ministério Público Federal fez juntar aos autos cópia do Acórdão 6339/2018- TCU-Primeira Câmara, Relator Bruno Dantas, Sessão de 26/6/2018, proferido em processo de Tomada de Contas Especial, TC 019.625/2015-4, instaurada em razão da impugnação total de despesas do Convênio 0959/2010, Siafi 739368, pelo qual se verifica que as contas prestadas por JOSÉ MÁRCIO RIGOTTO foram julgadas irregulares, tendo ele sido condenado a ressarcir o valor do convênio ao erário da União, bem como ao pagamento de multa no valor de R$ 15.000,00 (quinze mil reais) – Id 12414040. E aqui mais uma vez, para realização das contratações previstas no plano de trabalho do convênio, os envolvidos valeram-se de procedimento instruído com documentação irregular, vale dizer, não foram apresentados contratos de exclusividade dos artistas com representante exclusivo, mas tão somente “atestados de exclusividade” relativos às datas das apresentações (fl. 253, Id 2389416, p. 03), mais uma vez em dissonância com os requisitos para a inexigibilidade de licitação nos termos do art. 25, III, Lei 8666/1993. Reafirme-se que o Convênio 959/2010 foi firmado para realização da “1ª Festa do Peão de Balbinos”, com previsão de show do cantor Edson no dia 19/06/2010 e da dupla Lourenço e Lourival, no dia 20/06/2010 (Id 2387542, pp. 09/18). O “atestado de exclusividade” da dupla Lourenço e Lourival, juntado, indica a realização do show nesta data (Id 2389416, p. 03), mas a Nota Fiscal de Prestação de Serviços nº 0021, emitida pela requerida USINA DE PROMOÇÕES DE EVENTOS LTDA. informa que o show dos cantores ocorreu na verdade no dia 30/06/2010, no evento “1º Arraiá da Cidade de Balbinos” (Id 2389416, p. 04). Ainda quanto à contratação da dupla Lourenço e Lourival, é importante anotar que a testemunha ouvida na ação penal, cujo depoimento aqui se encontra juntado como prova emprestada, Clodoaldo de Moraes (Id´s 33746227 e 33743957), confirmou que é o empresário exclusivo da dupla Lourenço e Lourival, há mais de dez anos ou mais, mas não foi ele quem apareceu como contratado do Município de Balbinos-SP, pois no caso o contratado foi o requerido LUIZ MONTOYA SAMPERI, da empresa HMW. Afirmou a testemunha que sabe que LUIZ trabalha no mesmo ramo, e que pode ter acontecido de ter repassado a exclusividade da dupla.” O mesmo entendimento se aplica aos réus THIAGO ROBERTO APARECIDO MARCELINO FERRAREZI, representante da empresa USINA DE PROMOÇÃO DE EVENTOS LTDA., JEAN CARLO DE OLIVEIRA, representante da empresa J. C. CIA DE EVENTOS LTDA, e LUIZ MONTOYA SAMPERI, representante da empresa HMW PRODUÇÕES ARTÍSTICAS LTDA – ME, visto que, profissionais da área de eventos - e, portanto, familiarizados com as particularidades de que se revestem os contratos firmados com entes públicos -, obtiveram vantagem indevida e fraudaram a natureza do processo licitatório, de forma dolosa. Ora, como transcrito acima, os réus, como intermediários, e não representantes exclusivos, obtiveram vantagem ilícita ao lograr a celebração de contrato de intermediação sem legítimo e imprescindível processo licitatório, em ofensa ao princípio da isonomia. A esse respeito, trago à consideração recentes julgados desta C. Corte, inclusive desta E. Sexta Turma: APELAÇÃO EM AÇÃO CIVIL PÚBLICA POR ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. EXTINÇÃO DA MODALIDADE CULPOSA NO CURSO DA AÇÃO. ILÍCITO ADMINISTRATIVO INEQUÍVOCO. DISPENSA INDEVIDA DE LICITAÇÃO. ARTISTA CONTRATADA POR EMPRESÁRIO SEM REPRESENTAÇÃO EXCLUSIVA. REMUNERAÇÃO DE INTERMEDIÁRIOS. SUPERFATURAMENTO. CONDENAÇÃO AO RESSARCIMENTO NOS TERMOS DO ART. 17, § 16 DA LEI 8.429/92. APELAÇÃO PARCIALMENTE PROVIDA. I - A controvérsia contida nos presentes autos envolve a análise de conflito de normas no tempo. Os fatos que provocaram o ajuizamento da ação se deram sob a égide da Lei 8.429/92 e da Lei 8.666/93. No curso da ação, porém, sobreveio a aprovação da Lei 14.230/21, que promoveu alterações sensíveis na redação da Lei de Improbidade Administrativa de 1992, e a aprovação da Lei 14.133/21, a nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos que revogou a lei de 1993. II - No âmbito da ADI 7236, ainda pendente de julgamento pelo órgão colegiado da Suprema Corte, o Ministro Alexandre de Moraes proferiu decisão liminar reconhecendo a inconstitucionalidade do art. 1º, § 8º da Lei 8.429/92 incluído pela Lei 14.230/21. De particular relevância para a presente ação é o teor das teses fixadas pelo STF no julgamento do Tema 1199, após se debruçar sobre a extinção da modalidade culposa nos atos de improbidade administrativa, e sobre o regime de prescrição aprovado pela nova LIA. III - Os prazos de prescrição da Lei 14.230/21 não se aplicam ao caso dos autos. Conforme a Súmula 634 do STJ, ao particular aplica-se o mesmo regime prescricional previsto na Lei de Improbidade Administrativa para o agente público. Nos termos do art. 23, I, da Lei 8.429/92, vigente à época, ao se considerar que o mandato do réu Eliel Cardoso Santiago, ex-prefeito do Município de Nova Campina, encerrou-se em 31/12/2012, não houve o transcurso do prazo quinquenal antes do ajuizamento da ação, o que ocorreu em 01/06/2017. IV - Os atos ímprobos imputados aos réus pelo MPF estão descritos no art. 10, VIII e XI, e no art. 11, I da Lei 8.429/92. A nova redação do caput do art. 10 passou a prever somente a modalidade dolosa, exigindo, ainda, que a conduta tenha ensejado efetiva e comprovadamente perda patrimonial ao erário público. Da mesma forma, a redação do inciso VIII passou a exigir perda efetiva para sua incidência. A hipótese do caput do art. 11 igualmente passou a incluir ação ou omissão dolosa, enquanto o inciso I do art. 11 foi revogado pela nova LIA. V - Destaca-se meses antes da edição da Lei 14.230/21, o STJ havia afetado o Tema Repetitivo 1096, com o intuito de definir se a conduta de frustrar a licitude de processo licitatório ou dispensá-lo indevidamente configura ato de improbidade que causa dano presumido ao erário (in re ipsa). No entanto, as alterações promovidas pela foram de tal profundidade que, em fevereiro de 2024, a afetação foi cancelada, com o acórdão destacando ser prudente que eventual fixação de tese repetitiva sobre o tema seja realizada em recurso especial em que tenha havido ampla discussão sobre o alcance das inovações implementadas pela Lei 14.230/2021, o que não ocorreu no caso. VI - O conjunto probatório constante nos autos, entre documentos e testemunhos, indicam uma situação de grave e generalizada negligência nas práticas administrativas do Município de Nova Campina. Percebe-se que a formatação dos processos administrativos que envolviam dispensa de licitação era realizada de forma padronizada e nada criteriosa. Embora não se vislumbre nos autos a existência de dolo do réu CLAUDIO TAKAMI, sua conduta configura erro grosseiro, uma vez que ignorou por completo os pormenores do art. 25, III do Lei 8.666/93. Vislumbra-se negligência grave do ex-Prefeito, por culpa in eligendo, ao designar pessoa despreparada para o exercício de funções sensíveis na administração pública e pelo descuido de não zelar pelas boas práticas administrativas. VII - Verifica-se que, à luz do art. 23, III da Lei 8.666/93, é inequívoca a ilicitude da contratação por inexigibilidade de contratação no caso em comento, uma vez que a artista não foi contratada diretamente, tampouco por empresário que fosse seu empresário com exclusividade. VIII - Mesmo ao se considerar as alegações dos réus e testemunhas, segundo as quais, à época dos fatos, a prática corrente no meio artístico era a constituição de carta de exclusividade apenas para determinada data e evento, a ilicitude não se desconfigura. Em primeiro lugar porque, em regra, os costumes ou práticas consuetudinárias não tem o condão de derrogar norma legal. Em segundo lugar porque, mesmo antes da edição da nova lei de licitações, a interpretação da Lei 8.666/93 reivindicada pelos réus acaba por esvaziar o sentido da exigência contida em seu art. 23, III. Na ausência de contratação direta ou por empresário exclusivo, a licitação deixa de ser inexigível, pela simples razão de que os distintos empresários poderiam competir entre si para oferecer o menor preço ao ente público contratante. Não é por outra razão que este passou a ser o entendimento adotado pelos acórdãos do TCU, que ainda veio a ser consagrado pela Lei 14.133/21. No caso dos autos, no entanto, sequer foi apresentada a aludida carta de exclusividade, o que esvazia boa parte da defesa dos réus. Em terceiro lugar porque, no caso dos autos, a ilicitude não é meramente formal, sendo efetivo e comprovado o dano causado ao Município que, ao deixar de contratar a artista nos termos exigidos pela lei, acabou por remunerar intermediários sem a comprovação de custos ou cadeia de fornecimento que justifiquem os preços praticados. IX - Ao contrário, o réu THIAGO ROBERTO APARECIDO MARCELINO FERRAREZI, em seu depoimento, deu declarações vagas, com frequência apontando que não se lembrava das condições de contratação, afirmando que não detinha os documentos da época em virtude do tempo passado entre os fatos e o ajuizamento da ação. As alegações revelam, no mínimo, uma postura pouco prudente do réu, já que pessoas habituadas a firmar contratos com entes públicos tem ciência da necessidade de atuar com máxima transparência, arquivando notas fiscais e outros documentos para eventual prestação de contas, como foi requerido pelo TCU, pelo MPF e na presente ação civil pública. X - O réu afirma que teve de arcar com vários custos, mas em momento algum apresentou comprovantes ou mesmo estimativas de gastos que justificassem a contratação por valor que excedeu em 400% o montante recebido pela artista. Não suficiente, como bem apontado, a declaração contraria os termos do contrato administrativo. É possível supor que, apesar das obrigações contidas no contrato, a empresa possa ter assumido as obrigações acessórias necessárias à apresentação, mas o réu não se desincumbiu do ônus de provar suas alegações. XI - A conduta de THIAGO ROBERTO APARECIDO MARCELINO FERRAREZI, por sua vez, ao se considerar sua formação e experiência na área, conforme seu próprio depoimento em juízo, tornam inverossímil o desconhecimento da norma de representação exclusiva ao ponto de sequer apresentar a carta de exclusividade que se reputava suficiente à época dos fatos. XII - Por esta razão, não é possível concluir-se que houve mera busca de maximização de lucros, já que o superfaturamento é rechaçado pelo art. 25, § 2º da Lei 8.666/93 e é suficiente para comprovar o dolo exigido pelas alterações promovidas pela Lei 14.230/21. Neste contexto, a efetiva prestação do serviço contratado não descaracteriza o dano. XIII - Pela redação da Lei 8.429/92 e pelo entendimento jurisprudencial dominante à época, restaria evidente a incidência do art. 10, VIII da LIA, pela dispensa indevida de licitação, notadamente quando o dano não se restringe a mera presunção. A sentença recorrida, todavia, entendeu que não houve suficiente comprovação do dolo exigido pela Lei 14.230/21. XIV - É de se indagar se a nova redação do art. 10 da Lei 8.429/92, caso interpretada em sua literalidade, não acaba por esvaziar seu conteúdo, uma vez que, na ausência de enriquecimento ilícito do agente, dificulta-se sobremaneira a possibilidade de provar o dolo na conduta do agente público que gera danos efetivos ao patrimônio público. A questão certamente ainda será objeto de longa análise jurisprudencial antes de ser consolidada, como bem apontou o julgado do STJ. XV - Neste diapasão, é certo que não há comprovação do dolo do réu CLAUDIO TAKAMI, embora cristalina a configuração de erro grosseiro. A verificação do dolo do ex-Prefeito restou prejudicada pelo acordo firmado com fundamento no art. 17-B da Lei 8.429/92.Independentemente das discussões relativas à possibilidade, ou não, de se condenar a conduta dolosa do particular quando não comprovado o dolo do agente público, verifica-se que o ex-Prefeito firmou acordo com vistas a ressarcir os danos causados. XVI - Ainda que a configuração do ato ímprobo seja controversa pela redação da nova LIA, dispõe o art. 17, § 16 da Lei 8.429/92 que, a qualquer momento, se o magistrado identificar a existência de ilegalidades ou de irregularidades administrativas a serem sanadas sem que estejam presentes todos os requisitos para a imposição das sanções previstas pela LIA aos agentes incluídos no polo passivo da demanda, poderá, em decisão motivada, converter a ação de improbidade administrativa em ação civil pública, regulada pela LACP. XVII - Por todo o exposto, não havendo dúvidas quanto à existência de ilícito administrativo, por força do teor do art. 25, § 2º da Lei 8.666/93, considerando ainda a responsabilidade já reconhecida pelo ex-Prefeito, é de rigor condenar os réus THIAGO ROBERTO APARECIDO MARCELINO FERRAREZI e USINA DE PROMOÇÃO DE EVENTOS LTDA - ME, por sua conduta dolosa, ao ressarcimento dos danos causados ao Município de Nova Campina, uma vez que foram seus reais beneficiários. XVIII - Apelação parcialmente provida para condenar THIAGO ROBERTO APARECIDO MARCELINO FERRAREZI e USINA DE PROMOÇÃO DE EVENTOS LTDA - ME ao ressarcimento do valor de R$ 40.000,00 (quarenta mil reais), com juros e correção monetária nos termos do Manual de Cálculos da Justiça Federal. (APELAÇÃO CÍVEL nº 5000055-58.2017.4.03.6139, 6ª Turma, Relator(a): Desembargador Federal NOEMI MARTINS DE OLIVEIRA, Julgamento: 02/10/2024,DJEN Data: 10/10/2024) CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DISPENSA INDEVIDA DE LICITAÇÃO. ATOS DE IMPROBIDADE COMPROVADOS. INCIDÊNCIA DOS ARTIGOS 10, VIII; 11, CAPUT; 12, II E III, TODOS, DA LEI Nº 8.429/92. - O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL ajuizou a presente ação civil pública em face de NICANOR NOGUEIRA BRANCO, ROBERTO CARLOS DA SILVA e DIRCEU LUIZ DA SILVA objetivando o reconhecimento da prática de atos de improbidade administrativa (dispensa indevida do processo licitatório). Fundamenta sua pretensão no Inquérito Civil Público nº 1.34.015.000686/2011-05, que concluiu pela conduta improba dos investigados. Consta dos autos do procedimento preparatório referido que a Prefeitura do Município de Palestina/SP, na pessoa de seu prefeito, Nicanor Nogueira Branco, teria se utilizado indevidamente do montante de R$ 158.000,00 (cento e cinquenta e oito mil reais), consistente em verba pública federal recebida da União por intermédio do Ministério do Turismo, através do Convênio nº 703539/2009, ao contratar, por meio da empresa Clássica Comércio de Eletrônicos e Produções Ltda., pertencente aos dois outros investigados, artistas (cantores sertanejos: Maicon e Renato; Mato Grosso e Matias; Luan Santana) para a realização da 41ª Festa do Peão de Boiadeiro da cidade, no período de 4 a 7 de junho de 2009, sem a realização de licitação Procedimentos de Inexigibilidade nº 03,04 e 05/2009; Contratos nº 23, 24 e 25/2009), sob a justificativa de notória especialização, nos termos do artigo 25, III, da Lei 8.666/93, deixando de cumprir orientação já pacificada no âmbito do TCU (e que constava no convênio já mencionado), no sentido de que a contratação de artistas, sem licitação, teria que ser direta ou através de empresários exclusivos, sob pena de caracterizar flagrante irregularidade, com prejuízo ao erário. - Segundo o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, os atos cometidos por NICANOR NOGUEIRA BRANCO, ROBERTO CARLOS DA SILVA e DIRCEU LUIZ DA SILVA, estão disciplinados na Lei de improbidade, em especial, nos artigos 10, VIII; 11, caput; e 12, II e II, todos, da Lei nº 8.429/92 - No caso do art. 10, da Lei nº 8.429/92, o pressuposto para tipificação do ato de improbidade é a ocorrência de lesão ao erário. Ademais, o dispositivo exige a comprovação do elemento subjetivo (dolo ou culpa) do agente e o nexo de causalidade entre sua ação/omissão e o respectivo dano. - Para o art. 11 da referida lei, o pressuposto essencial para configuração do ato de improbidade é a violação aos princípios da Administração Pública, independente do enriquecimento ilícito ou de lesão ao erário. A violação aos princípios deve ser conjugada com a comprovação do dolo do agente e o nexo de causalidade entre ação/omissão e a respectiva ofensa ao princípio aplicável à Administração. - Após análise do conjunto probatório, não há nenhuma dúvida de que as denúncias feitas contra NICANOR NOGUEIRA BRANCO são verídicas. - Quanto aos requeridos ROBERTO CARLOS DA SILVA e DIRCEU LUIZ DA SILVA, correta a r. sentença no sentido da ausência de provas. - REMESSA OFICIAL não provida. (RemNecCiv nº 0001884-06.2013.4.03.6106, 4ª Turma,Relator(a): Desembargador Federal MONICA AUTRAN MACHADO NOBRE,Julgamento: 10/06/2020,Intimação via sistema Data: 23/06/2020) Passo a discorrer sobre a condenação a ser imposta. Pede o Ministério Público sejam os réus condenados ao ressarcimento integral do dano, bem como às sanções previstas no art. 12 da Lei nº 8.429/92. A lei assim dispõe: Art. 12. Independentemente do ressarcimento integral do dano patrimonial, se efetivo, e das sanções penais comuns e de responsabilidade, civis e administrativas previstas na legislação específica, está o responsável pelo ato de improbidade sujeito às seguintes cominações, que podem ser aplicadas isolada ou cumulativamente, de acordo com a gravidade do fato: (Redação dada pela Lei nº 14.230, de 2021) I - na hipótese do art. 9º desta Lei, perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos até 14 (catorze) anos, pagamento de multa civil equivalente ao valor do acréscimo patrimonial e proibição de contratar com o poder público ou de receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo não superior a 14 (catorze) anos; (Redação dada pela Lei nº 14.230, de 2021) II - na hipótese do art. 10 desta Lei, perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, se concorrer esta circunstância, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos até 12 (doze) anos, pagamento de multa civil equivalente ao valor do dano e proibição de contratar com o poder público ou de receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo não superior a 12 (doze) anos; (Redação dada pela Lei nº 14.230, de 2021) III - na hipótese do art. 11 desta Lei, pagamento de multa civil de até 24 (vinte e quatro) vezes o valor da remuneração percebida pelo agente e proibição de contratar com o poder público ou de receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo não superior a 4 (quatro) anos; (Redação dada pela Lei nº 14.230, de 2021) Mais especificamente nos casos em que há o litisconsórcio passivo, assim dispõe o mesmo diploma legal: Art. 17-C. A sentença proferida nos processos a que se refere esta Lei deverá, além de observar o disposto no art. 489 da Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil): (Incluído pela Lei nº 14.230, de 2021) § 2º Na hipótese de litisconsórcio passivo, a condenação ocorrerá no limite da participação e dos benefícios diretos, vedada qualquer solidariedade. (Incluído pela Lei nº 14.230, de 2021) A previsão do art. 17-C, § 2º, da Lei nº 8.429/92, conforme alteração promovida pela Lei nº 14.230/2021, deve ser interpretada sistematicamente em conjunto com o art. 12, caput, do mesmo diploma legal. Este último, em sua redação literal, estabelece clara distinção entre o ressarcimento integral do dano causado ao Erário e as demais sanções aplicáveis aos agentes ímprobos. Tal diferenciação permite concluir que o ressarcimento não constitui propriamente sanção, mas sim medida de recomposição patrimonial destinada à reconstituição do status quo ante, preservando o princípio da indisponibilidade do interesse público. Há que se considerar, ademais, que o ordenamento jurídico pátrio, por meio do art. 942 do Código Civil, consagra a solidariedade passiva nos casos de ilícitos civis praticados em coautoria, revelando-se, portanto, desproporcional e contrário à tutela efetiva do patrimônio público afastar tal instituto nos casos de improbidade administrativa, especialmente quando se trata de ressarcimento ao Erário, hipótese em que não se verifica o caráter personalíssimo inerente às sanções propriamente ditas. Impõe-se, assim, a condenação dos réus ao ressarcimento dos valores ilicitamente negociados, os quais totalizam R$ 200.000,00 (duzentos mil reais) – sendo R$ 100.000,00 (cem mil reais) decorrentes do Convênio MTur nº 1.200/2010, e R$ 100.000,00 (cem mil reais) decorrentes do Convênio MTur nº 959/2010 –, em regime de solidariedade, com juros e correção monetária, nos termos do Manual de Cálculos da Justiça Federal. Esclareça-se que a responsabilidade de J.C. CIA DE EVENTOS LTDA. e seu representante, JEAN CARLO DE OLIVEIRA, diz respeito apenas ao Convênio MTur nº 1.200/2010, considerando que não participaram das avenças relacionadas ao Convênio MTur nº 959/2010. Do total, o Município deve ser ressarcido proporcionalmente, levando em conta o valor proporcional da contrapartida. Ressalte-se que, eventuais valores devolvidos na via administrativa devem ser descontados do montante fixado. Impõe-se, ainda, a condenação do então prefeito à perda da função pública, caso a exerça, suspensão dos direitos políticos por 08 (oito) anos, além de pagamento de multa civil equivalente a 50% sobre o valor versado, incidindo os dispositivos da Lei nº 8429/92 antes da superveniência da Lei nº 14.230/2021, porquanto mais benéfica no ponto. Aos empresários réus, impõe-se a condenação em suspensão dos direitos políticos por 08 (oito) anos, pagamento de multa civil equivalente a 50% sobre o valor a ser ressarcido e proibição de contratar com o poder público ou de receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo não superior a 03 (três) anos. Às empresas rés, impõe-se a condenação de pagamento de multa civil equivalente a 50% sobre o valor versado e proibição de contratar com o poder público ou de receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo não superior a 03 (três) anos. Com relação aos honorários advocatícios, a C. Corte Especial do E. Superior Tribunal de Justiça, nos autos do EAREsp 962.250/SP, consolidou o entendimento de que, em Ação Civil Pública, por força do princípio da simetria, não há condenação em honorários advocatícios da parte requerida quando inexistente a má-fé, conforme o disposto no art. 18 da Lei nº 7.347/85. Ante o exposto dou parcial provimento à apelação do Ministério Público Federal. É como voto. E M E N T A DIREITO ADMINISTRATIVO. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. DESPROVIMENTO. I. CASO EM EXAME. 1. Recurso de apelação interposto pelo Ministério Público Federal contra r. sentença que julgou improcedente pedido condenatório por atos de improbidade administrativa. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO. 2. Há duas questões em discussão: (i) saber se prestação de contas efetuada por ex-prefeito, rejeitada pelo Tribunal de Contas da União, caracteriza ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública previsto no artigo 11, inciso VI, da Lei nº 8.429/1992; e (ii) saber se a dispensa indevida do processo licitatório, por inexigibilidade de licitação, sem observância das exigências legais, mas sem comprovação de perda patrimonial efetiva, configura ato de improbidade que causa prejuízo ao erário. III. RAZÃO DE DECIDIR. 3. O Supremo Tribunal Federal, no julgamento do ARE 843.989/PR (Tema 1.199 da Repercussão Geral), assentou a irretroatividade das alterações promovidas pela Lei n. 14.231/2021 na Lei de Improbidade Administrativa (Lei n. 8.429/1992), mas permitiu a aplicação das modificações implementadas pela lei mais recente aos atos de improbidade praticados na vigência do texto anterior nos casos sem condenação com trânsito em julgado. 4. A Lei nº. 14.231/2021 alterou profundamente o regime jurídico dos atos de improbidade administrativa que atentam contra os princípios da administração pública (Lei 8.249/1992, art. 11). Promoveu, dentre outros, a abolição da hipótese de responsabilização por violação genérica aos princípios discriminados no caput do art. 11 da Lei 8.249/1992. Suprimiu o tipo prescrito no inciso I, alterou a redação do inciso VI, ambos do do mesmo artigo, e passou a prever a tipificação taxativa, em rol fechado, dos atos de improbidade administrativa por ofensa aos princípios da administração pública. 5. A Lei nº. 14.231/2021 também conferiu relevante modificação na essência da materialização dos atos de improbidade administrativa que causem prejuízo ao erário, vez que passou, expressamente, a exigir a comprovação de perda patrimonial efetiva, conforme atual redação do caput do artigo 10 da LIA. 6. No caso, a atipicidade superveniente do tipo outrora previsto no inciso I, do artigo 11 da LIA, beneficia os imputados. A conduta dos acusados não se amolda tipo taxativo descrito no artigo 11, inciso VI, da LIA. Não se demonstrou dano efetivo ao erário para a caracterização de conduta ímproba que cause prejuízo ao erário. IV. DISPOSITIVO E TESE. 7. Apelação desprovida. Tese de julgamento: “1. A Lei nº. 14.231/2021 promoveu significativa alteração na Lei nº. 8.249/1992, remodelando o regime jurídico dos artigos 10 e 11 da LIA e aplicam-se aos atos de improbidade administrativa praticados na vigência do texto anterior da lei, porém sem condenação transitada em julgado. 2. Não há configuração de ato de improbidade que cause lesão ao erário sem a demonstração efetiva e comprovada do prejuízo aos cofres públicos. 3. Os tipos caracterizadores de atos de improbidade administrativa prescritos nos incisos I e II, do artigo 11, da LIA, foram abolidos e passou-se a exigir tipificação taxativa, em rol fechado, nas condutas enumeradas nos incisos do mesmo dispositivo legal, conforme as alterações promovidas no texto original da LIA”. Dispositivos relevantes citados: Lei nº. 8.429/1992, artigos 10, caput, incisos VIII e XII, e 11, caput, incisos I e VI. Jurisprudência relevante citadas: STF, RE com Agravo 843.989/PR (Tema 1.199 da Repercussão Geral), Rel. Min. Alexandre de Moraes, Pleno, j. 18/08/2022; STF, RE 1452533 AgR, Rel. Min. Cristiano Zanin, 1ª Turma, j. 08-11-2023; STF, ARE 1346594 AgR-segundo, Rel. Min. Gilmar Mendes, 2ª Turma, j. em 24-10-2023; STJ, EDcl nos EDcl no AgInt no AREsp n. 1.174.735/PE, Rel. Min. Paulo Sérgio Domingues, 1ª Turma j. 05/03/2024; STJ, AREsp n. 2.102.066/SP, rel. Min. Teodoro Silva Santos, 2ª Turma, j. 24/9/2024. ACÓRDÃO Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, prosseguindo no julgamento, proferiu seu voto a Des. Fed. Marisa Santos, acompanhando o voto da Relatora. Assim, a Sexta Turma, em julgamento realizado nos moldes do art. 942 do CPC, por maioria, negou provimento à apelação do Ministério Público Federal, nos termos do voto da Relatora, acompanhada pelos votos dos Des. Fed. Marisa Santos, Souza Ribeiro e Valdeci dos Santos. Vencido o Des. Fed. Mairan Maia, que lhe dava parcial provimento. Lavrará o acórdão a Relatora, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado. GISELLE FRANÇA Desembargadora Federal
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