Processo nº 1001201-52.2023.8.11.0024
ID: 315555831
Tribunal: TJMT
Órgão: Quinta Câmara de Direito Privado
Classe: APELAçãO CíVEL
Nº Processo: 1001201-52.2023.8.11.0024
Data de Disponibilização:
03/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO QUINTA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO Número Único: 1001201-52.2023.8.11.0024 Classe: APELAÇÃO CÍVEL (198) Assunto: [Alienação Fiduciária, Contratos Bancários, Busca…
ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO QUINTA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO Número Único: 1001201-52.2023.8.11.0024 Classe: APELAÇÃO CÍVEL (198) Assunto: [Alienação Fiduciária, Contratos Bancários, Busca e Apreensão] Relator: Des(a). MARCOS REGENOLD FERNANDES Turma Julgadora: [DES(A). MARCOS REGENOLD FERNANDES, DES(A). LUIZ OCTAVIO OLIVEIRA SABOIA RIBEIRO, DES(A). SEBASTIAO DE ARRUDA ALMEIDA] Parte(s): [BANCO BRADESCO FINANCIAMENTOS S.A. - CNPJ: 07.207.996/0001-50 (APELANTE), FREDERICO ALVIM BITES CASTRO - CPF: 036.283.076-27 (ADVOGADO), HUGO GUILHERME LECHNER CORREA - CPF: 068.825.131-55 (APELADO)] A C Ó R D Ã O Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a QUINTA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência Des(a). SEBASTIAO DE ARRUDA ALMEIDA, por meio da Turma Julgadora, proferiu a seguinte decisão: POR UNANIMIDADE, DESPROVEU O RECURSO. E M E N T A DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE BUSCA E APREENSÃO. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. NOTIFICAÇÃO EXTRAJUDICIAL. DEVOLUÇÃO COM ANOTAÇÃO "NÃO PROCURADO". INAPLICABILIDADE DO TEMA 1.132 DO STJ. AUSÊNCIA DE CONSTITUIÇÃO VÁLIDA EM MORA. RECURSO DESPROVIDO. I. CASO EM EXAME 1. Recurso de Apelação interposto por BANCO BRADESCO FINANCIAMENTOS S.A. contra sentença que indeferiu a petição inicial de ação de busca e apreensão e extinguiu o processo sem resolução de mérito, por ausência de comprovação válida da mora do devedor HUGO GUILHERME LECHNER CORREA, uma vez que a notificação extrajudicial foi devolvida com a anotação "não procurado". II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO 2. A questão em discussão consiste em verificar se a devolução da notificação extrajudicial com a informação "não procurado" é suficiente para comprovar a constituição em mora do devedor fiduciário, à luz do Tema 1.132 do STJ. III. RAZÕES DE DECIDIR 3. A constituição em mora é requisito indispensável para a propositura da ação de busca e apreensão, conforme dispõe o art. 2º, § 2º, do Decreto-Lei n. 911/1969 e a Súmula n. 72 do STJ. 4. O Tema 1.132 do STJ estabelece que, para comprovar a mora, basta o envio de notificação ao endereço constante do contrato, dispensando-se a prova de recebimento, desde que haja tentativa efetiva de entrega. 5. A devolução da notificação com a anotação "não procurado" indica que a correspondência não foi sequer encaminhada ao endereço do devedor, mas permaneceu em agência, frustrando a tentativa de ciência do inadimplemento. 6. O STJ, em precedentes posteriores ao Tema 1.132, tem reafirmado que a devolução com "não procurado" não comprova a mora, pois inexiste diligência de entrega, não se aplicando a tese repetitiva a tais hipóteses. 7. A responsabilidade pela escolha do meio de notificação é do credor, que assume os riscos do método escolhido, podendo optar por outras formas legalmente previstas para constituir o devedor em mora. 8. Exigir do devedor a retirada de notificação na agência postal, especialmente em localidade sem entrega domiciliar, transfere-lhe indevidamente o ônus de viabilizar a ciência do ato. IV. DISPOSITIVO E TESE 9. Recurso desprovido. Tese de julgamento: 1. A devolução de notificação extrajudicial com a anotação "não procurado" não constitui prova válida de mora para o ajuizamento de ação de busca e apreensão. 2. O Tema 1.132 do STJ não se aplica a hipóteses em que inexiste tentativa de entrega da notificação no endereço indicado no contrato. 3. O credor assume os riscos pela ineficácia do meio de notificação escolhido, podendo valer-se de alternativas legais para constituir validamente o devedor em mora. Dispositivos relevantes citados: Decreto-Lei n. 911/1969, art. 2º, §§ 2º e 3º; CPC, arts. 321, 330 e 485, I. Jurisprudência relevante citada: STJ, Tema 1.132, REsp 1.951.888/RS, Rel. Min. João Otávio de Noronha, j. 22/08/2023; STJ, AgInt no AREsp 2.418.430/RJ, Rel. Min. Marco Buzzi, Quarta Turma, j. 04/03/2024, DJe 07/03/2024; STJ, AgInt no AREsp 2.472.631/RJ, Rel. Min. Raul Araújo, Quarta Turma, j. 20/05/2024, DJe 04/06/2024; STJ, AgInt no REsp 2.007.339/RS, Rel. Min. João Otávio de Noronha, Quarta Turma, j. 13/03/2023, DJe 16/03/2023; TJMT, N.U 1035891-48.2024.8.11.0000, Rel. Des. Rubens de Oliveira Santos Filho, Quarta Câmara de Direito Privado, j. 26/02/2025, DJE 26/02/2025; TJMT, N.U 1000040-53.2023.8.11.0041, Rel. Des. Antonia Siqueira Gonçalves, Terceira Câmara de Direito Privado, j. 26/07/2023, DJE 02/08/2023. R E L A T Ó R I O EXMO. SR. DES. MARCOS REGENOLD FERNANDES (RELATOR) Egrégia Câmara: Trata-se de Recurso de Apelação interposto por BANCO BRADESCO FINANCIAMENTOS S.A. contra sentença prolatada pelo MM. Juiz de Direito da 2ª Vara da Comarca de Chapada dos Guimarães/MT, Dr. Renato J. de A. C. Filho, nos autos da Ação de Busca e Apreensão em face de HUGO GUILHERME LECHNER CORREA, que indeferiu a petição inicial e julgou extinto o processo sem resolução de mérito, com fulcro nos art. 321, parágrafo único, c/c art. 330 e 485, I, todos do CPC, por entender que não houve comprovação válida da mora do devedor (vide ID. 291821862). Em suas razões recursais de ID. 291821864, o Apelante sustenta, em síntese, que: a) a notificação extrajudicial foi enviada ao endereço indicado pelo financiado no Contrato de Financiamento n. 3625026356, cumprindo integralmente o disposto no art. 2º, § 2º, do Decreto-Lei nº 911/69; b) o retorno da correspondência com a informação "não procurado" não pode prejudicar o credor, pois ocorre quando o destinatário está em localidade onde a agência postal não faz entregas domiciliares; c) a mora está devidamente comprovada, conforme a tese firmada pelo Superior Tribunal de Justiça no julgamento do Tema 1132; d) o juízo a quo equivocou-se ao não aplicar o precedente vinculante, criando distinção não prevista na tese firmada; e) já havia manifestado expressamente sobre a aplicação do Tema 1132 em petição de emenda à inicial. Requer, portanto, o provimento do recurso para reformar a sentença, com o recebimento da petição inicial e conseguinte deferimento da medida liminar de busca e apreensão e o prosseguimento do feito. Não há contrarrazões ante a ausência de angularização processual na Primeira Instância. Recurso tempestivo (ID. 291821866) e devidamente preparado (ID. 292904399). É o relatório. Inclua-se em pauta de julgamento. V O T O R E L A T O R EXMO. SR. DES. MARCOS REGENOLD FERNANDES (RELATOR). Colenda Câmara: Extrai-se dos autos que, na origem, BANCO BRADESCO FINANCIAMENTOS S.A. ajuizou Ação de Busca e Apreensão contra HUGO GUILHERME LECHNER CORREA, fundamentada no Contrato de Financiamento n. 3625026356 para Aquisição de Bens, garantido por Alienação Fiduciária, celebrado em 27/01/2022, no valor de R$ 35.441,69, tendo como objeto o veículo marca FIAT, modelo STRADA WORKING, ano 2012/2013, cor BRANCA, placa OBG0B17, RENAVAM 00481093559, CHASSI 9BD27805MD7564596. À vista disso, alegou o inadimplemento a partir da parcela 12 de 48, vencida em 04/02/2023, e pleiteou que, caso o bem fosse apreendido e o Requerido/Apelado não efetuasse o pagamento integral da dívida no prazo de 05 dias, fosse consolidada a propriedade definitiva do veículo em seu favor. Ao apreciar o feito ao ID. 291821399, o Juízo a quo determinou inicialmente a emenda da petição inicial para comprovação da constituição em mora do devedor, tendo em vista que a notificação extrajudicial havia retornado com a informação "NÃO PROCURADO". Após manifestação do Banco Autor/Apelante invocando o Tema 1132 do STJ (ID. 291821855), o magistrado indeferiu a petição inicial e julgou extinto o processo sem resolução de mérito, nos seguintes termos: “Visto e bem examinado. Trato de AÇÃO DE BUSCA E APREENSÃO com pedido LIMINAR - Decreto-Lei n. 911/1969 - ajuizada por BANCO BRADESCO FINANCIAMENTOS S.A. em desfavor de HUGO GUILHERME LECHNER CORREA, no qual foi intimada para que emende/corrija a petição inicial, sob pena de indeferimento e extinção. A parte requerente foi intimada para comprovar a constituição em mora do devedor, uma vez que a notificação extrajudicial retornou com o motivo “NÃO PROCURADO”, contudo, sustentou a desnecessidade de comprovação da mora quando enviado a notificação para o endereço indicado, mesmo não sendo tentado realizar a entrega. É o necessário. Decido de forma sucinta e objetivamente fundamentada - CRFB/1988, art. 93, IX - para assegurar a razoável duração do processo e garantir a celeridade da tramitação - CRFB/1988, art. 5º, LXXVIII. No direito processual civil brasileiro, a ação de busca e apreensão fundada em contrato garantido por alienação fiduciária possui regramento específico no Decreto-Lei n. 911/1969, alterado substancialmente pela Lei n. 13.043/2014. O procedimento especial exige, como pressuposto processual específico, a comprovação da constituição em mora do devedor, nos termos do Decreto-Lei n. 911/1969, art. 3º e Enunciado n. 72 da Súmula do STJ: “A comprovação da mora é imprescindível à busca e apreensão do bem alienado fiduciariamente”. A mora decorre do simples vencimento do prazo para pagamento e, conforme Decreto-Lei n. 911/1969, art. 2º, § 2º, poderá ser comprovada por carta registrada com aviso de recebimento, não se exigindo que a assinatura constante do referido aviso seja a do próprio destinatário. Acerca do tema, o Superior Tribunal de Justiça, ao julgar o Tema 1.132 sob o rito dos recursos repetitivos (REsp 1.951.662/RS e REsp 1.951.888/RS), fixou a seguinte tese: (...) No voto condutor do acórdão, o Exmo. Ministro João Otávio de Noronha expressamente delimitou que tal entendimento abrange as hipóteses em que a notificação retorna com os motivos "ausente", "mudou-se", "insuficiência do endereço do devedor" ou "extravio do aviso de recebimento". Contudo, o caso em análise apresenta situação distinta. A notificação extrajudicial retornou com a informação "NÃO PROCURADO", o que significa, segundo informações dos próprios Correios, que o objeto sequer foi levado ao endereço do destinatário, permanecendo em agência postal para retirada por se tratar de localidade onde não há entrega domiciliar. A parte autora/requerente se limitou em juntar notificação extrajudicial enviada pelos Correios cujo objeto não foi retirado e o resultado informado foi “NÃO PROCURADO”. Os Correios não efetuam a entrega domiciliar em algumas cidades, em área rural, logradouros de difícil acesso ou de risco, hipóteses em que enviam os objetos para uma unidade mais próxima do endereço do destinatário, para que seja realizada a entrega interna, esta que não ocorreu. Portanto, não constituído em mora. Embora a jurisprudência da Corte Superior evidencie o entendimento de que a mora estaria comprovada quando do envio de notificação extrajudicial ao devedor no endereço indicado no instrumento contratual, isso não se aplica aos casos em que a notificação retorna pelo motivo "NÃO PROCURADO", pelo simples fato que nessas hipóteses não é possível pressupor o envio ao devedor no endereço, assim como a conduta desidiosa ou que contrarie a boa-fé da parte requerida. O constante no Tema 1.132 do STJ não dispensa providências outras nesses casos em que “NÃO PROCURADO”, pois no conteúdo do voto vencedor do Exmo. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, relator para o acórdão do REsp 1951888/RS, existe menção apenas às hipóteses em que “(…) a notificação enviada ao endereço do devedor retorna com aviso de ‘ausente’, de ‘mudou-se’, de ‘insuficiência do endereço do devedor’ ou de ‘extravio do aviso de recebimento’ (...)”. Nada há sobre a hipótese de falta de envio e entrega pelos Correios em decorrência do fato de que “NÃO PROCURADO” por falta de atendimento. (...) Não sendo possível o recebimento da inicial sem a comprovação da mora, requisito específico da ação de busca e apreensão, o magistrado deve oportunizar que a parte regularize a petição inicial, concedendo o prazo de 15 (quinze) dias - CPC, art. 321, caput. Transcorrido o prazo sem manifestação ou persistindo a irregularidade, o indeferimento da inicial é medida que se impõe, nos termos do CPC, art. 321, parágrafo único. Isso posto, considerando que a parte autora não sanou a irregularidade apontada quanto à comprovação da mora do devedor, requisito específico e indispensável da ação de busca e apreensão - Decreto-Lei n. 911/1969, art. 3º -, INDEFIRO A PETIÇÃO INICIAL E JULGO EXTINTO O PROCESSO SEM RESOLUÇÃO DE MÉRITO - CPC, art. 485, I. Condeno a parte autora ao pagamento das custas e despesas processuais. Sem honorários advocatícios, tendo em vista a ausência de citação e constituição de advogado pela parte requerida.”. Pois bem. In casu, a controvérsia recursal cinge-se em determinar se a notificação extrajudicial, requisito essencial para o ajuizamento da ação de busca e apreensão, devolvida com a anotação "não procurado" pode ser considerada suficiente para configurar a mora do devedor fiduciário, especialmente à luz do Tema 1132 do STJ. Cediço que a comprovação da mora constitui requisito essencial para o ajuizamento da ação de busca e apreensão, sendo que a sua falta enseja a extinção do processo, sem resolução do mérito, por ausência de pressuposto de constituição e desenvolvimento válido e regular. É o que estabelece o Decreto-Lei n. 911/69, que prevê o seguinte em seu artigo 2º, §§ 2º e 3º: “Art. 2o No caso de inadimplemento ou mora nas obrigações contratuais garantidas mediante alienação fiduciária, o proprietário fiduciário ou credor poderá vender a coisa a terceiros, independentemente de leilão, hasta pública, avaliação prévia ou qualquer outra medida judicial ou extrajudicial, salvo disposição expressa em contrário prevista no contrato, devendo aplicar o preço da venda no pagamento de seu crédito e das despesas decorrentes e entregar ao devedor o saldo apurado, se houver, com a devida prestação de contas. [...] § 2o A mora decorrerá do simples vencimento do prazo para pagamento e poderá ser comprovada por carta registrada com aviso de recebimento, não se exigindo que a assinatura constante do referido aviso seja a do próprio destinatário. § 3º A mora e o inadimplemento de obrigações contratuais garantidas por alienação fiduciária, ou a ocorrência legal ou convencional de algum dos casos de antecipação de vencimento da dívida facultarão ao credor considerar, de pleno direito, vencidas tôdas as obrigações contratuais, independentemente de aviso ou notificação judicial ou extrajudicial”. Além disso, a Súmula n. 72 do Superior Tribunal de Justiça preconiza que “a comprovação da mora é imprescindível à busca e apreensão do bem alienado fiduciariamente”. Mais recentemente, o Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Tema 1.132, em sede de recurso repetitivo, definiu que: “Em ação de busca e apreensão fundada em contratos garantidos com alienação fiduciária (art. 2º, § 2º, do Decreto-Lei n. 911/1969), para a comprovação da mora, é suficiente o envio de notificação extrajudicial ao devedor no endereço indicado no instrumento contratual, dispensando-se a prova do recebimento, quer seja pelo próprio destinatário, quer por terceiros”. Ao julgar o Tema 1.132, o STJ flexibilizou a exigência de prova do recebimento da notificação pelo próprio devedor, por entender que basta o envio da correspondência ao endereço indicado no contrato. Todavia, é necessário que a notificação tenha sido efetivamente encaminhada ao endereço do destinatário, ainda que recebida por terceiro. Crucial destacar que, no voto condutor do acórdão paradigma (REsp 1.951.888/RS), o Exmo. Ministro João Otávio de Noronha expressamente delimitou o alcance da tese, mencionando especificamente as hipóteses em que a notificação retorna com os motivos "ausente", "mudou-se", "insuficiência do endereço do devedor" ou "extravio do aviso de recebimento". Não há qualquer menção à hipótese de devolução com a anotação "não procurado". No caso em análise, constata-se que a notificação extrajudicial expedida pela instituição financeira foi devolvida com a anotação “não procurado” (Cf. ID. 291821394 - Pág. 2), inexistindo comprovação de que tenha sido efetivamente direcionada ao endereço contratual da Parte Apelada. Tal circunstância se distingue fundamentalmente da hipótese contemplada no Tema 1.132/STJ, pois a devolução com essa informação revela que sequer houve tentativa efetiva de entrega no endereço do devedor/Apelado e, conforme esclarecido pelo próprio juízo a quo, com base em informações dos Correios, a indicação "não procurado" significa que o objeto postal permaneceu em agência para retirada por se tratar de localidade onde não há entrega domiciliar, não tendo sido sequer levado ao endereço do destinatário. Esta distinção é fundamental, pois compromete a própria finalidade da notificação como instrumento de ciência inequívoca do inadimplemento. Enquanto nas hipóteses previstas no Tema n. 1.132 há, ao menos, a tentativa de entrega no endereço contratual, sendo que, no caso de devolução por "não procurado", inexiste qualquer diligência nesse sentido. Convém ressaltar, ademais, que este entendimento se harmoniza com o princípio da boa-fé objetiva que deve nortear as relações contratuais e com o devido processo legal. Não é razoável imputar ao devedor consequências jurídicas gravosas, como a perda do bem dado em garantia, quando não lhe foi efetivamente oportunizado conhecer a existência da inadimplência e saná-la voluntariamente antes do ajuizamento da demanda. O próprio STJ tem sido categórico ao estabelecer essa distinção crucial, em julgados posteriores ao Tema 1.132, afirmando expressamente a inaplicabilidade da tese repetitiva para casos em que a notificação sequer chegou ao endereço do devedor. Confira-se: “AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL - AÇÃO DE BUSCA EM APREENSÃO - DECISÃO MONOCRÁTICA QUE NEGOU PROVIMENTO AO RECLAMO - INSURGÊNCIA RECURSAL DO AUTOR . 1. Não comprovada a mora, conforme súmula 72/STJ, não há falar em deferimento da medida liminar de busca e apreensão, notadamente quando o aviso de recebimento enviado retorna com a informação "não procurado". Precedentes. 2. Agravo interno desprovido.” (STJ. AgInt no AREsp 2.418.430/RJ. Relator Min. Marco Buzzi, Quarta Turma. Julgamento: 04/03/2024, DJe: 07/03/2024; g. n.). Este precedente é particularmente relevante por ser posterior ao julgamento do Tema 1.132 (finalizado em agosto de 2023), demonstrando que a Corte Superior mantém o entendimento de que a hipótese de devolução com "não procurado" não está abarcada pela tese firmada no recurso repetitivo. A propósito: “[...] AÇÃO DE BUSCA E APREENSÃO. CONSTITUIÇÃO DO DEVEDOR EM MORA. NÃO OCORRÊNCIA. INAPLICABILIDADE DO TEMA REPETITIVO N. 1.132/STJ. AGRAVO INTERNO DESPROVIDO. [...] 2. No caso, o Tribunal de Justiça concluiu que o ora agravado não foi constituído em mora, sob o fundamento de que "(...) depreende-se dos documentos que instruíram a petição inicial dos autos originários que, apesar da notificação extrajudicial ter sido endereçada conforme consta do contrato de financiamento firmado entre as partes, ela sequer saiu da agência dos correios para entrega". 3. Considerando as circunstâncias do caso concreto, é inviável a aplicação de tese repetitiva, entendimento firmado no recurso especial repetitivo (Tema nº 1.132), uma vez que a notificação extrajudicial nem sequer foi entregue no endereço previsto no contrato. 4. Agravo interno a que se nega provimento”. (STJ. AgInt no AREsp 2.472.631/RJ. Relator Min. Raul Araújo, Quarta Turma. Julgamento: 20/05/2024, DJe: 04/06/2024; g. n.). “AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE BUSCA E APREENSÃO. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. CONSTITUIÇÃO EM MORA. NOTIFICAÇÃO ENVIADA POR CARTA REGISTRADA COM AVISO DE RECEBIMENTO. DEVOLUÇÃO COM A INFORMAÇÃO "NÃO PROCURADO". MORA NÃO COMPROVADA. EXTINÇÃO DA AÇÃO DE BUSCA E APREENSÃO. [...] 1. Para os contratos garantidos por alienação fiduciária, a mora se configura automaticamente quando vencido o prazo para o pagamento - mora ex re -, mas, considerando o teor da Súmula n. 72 do STJ, é imprescindível a comprovação da mora para o prosseguimento da ação de busca e apreensão. [...] 3. No caso em que a notificação extrajudicial retorna com a informação "não procurado", é correta a extinção da ação de busca e apreensão em razão da ausência de comprovação da mora, tendo em vista que a notificação expedida não foi sequer encaminhada ao endereço do devedor. [...].” (STJ. AgInt no REsp 2.007.339/RS. Relator Min. João Otávio de Noronha, Quarta Turma. Julgamento: 13/03/2023, DJe; 16/03/2023; g. n.). Nesse mesmo sentido é o entendimento consolidado deste Egrégio Tribunal de Justiça, conforme recentes julgados: “DIREITO PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE BUSCA E APREENSÃO DE VEÍCULO. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. CONSTITUIÇÃO EM MORA. NOTIFICAÇÃO EXTRAJUDICIAL. DEVOLUÇÃO COM A ANOTAÇÃO "NÃO PROCURADO". AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DE TENTATIVA DE ENTREGA. EXTINÇÃO DA LIDE SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO. RECURSO PROVIDO. [...] O Superior Tribunal de Justiça reconhece que a mora pode ser configurada com o simples envio de notificação extrajudicial ao endereço indicado no contrato, sem exigir o recebimento pelo destinatário, desde que seja comprovada a tentativa de entrega no local. A ausência de prova dessa tentativa inviabiliza a constituição válida da mora, requisito essencial para o deferimento da busca e apreensão, consoante a Súmula 72 do STJ. [...]”. (N.U 1035891-48.2024.8.11.0000, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PRIVADO, RUBENS DE OLIVEIRA SANTOS FILHO, Quarta Câmara de Direito Privado, Julgado em 26/02/2025, Publicado no DJE 26/02/2025 – grifo nosso) “APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DE BUSCA E APREENSÃO – ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA – NOTIFICAÇÃO EXTRAJUDICIAL DEVOLVIDA PELO MOTIVO “NÃO PROCURADO” – PROTESTO INDEVIDO – AUSÊNCIA DE ESGOTAMENTO DOS MEIOS PARA LOCALIZAÇÃO DO DEVEDOR – MORA NÃO COMPROVADA – AUSÊNCIA DE PRESSUPOSTO PARA O DESENVOLVIMENTO VÁLIDO E REGULAR DO PROCESSO – SENTENÇA MANTIDA – RECURSO DESPROVIDO. “A notificação extrajudicial enviada no endereço indicado no contrato, porém devolvida pelo motivo "não procurado", não promove a constituição em mora do devedor fiduciário, assim como a intimação mediante protesto por edital só é admissível quando provado que foram esgotados todos os meios para a sua localização”. [...]” (N.U 1000040-53.2023.8.11.0041, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PRIVADO, ANTONIA SIQUEIRA GONCALVES, Terceira Câmara de Direito Privado, Julgado em 26/07/2023, Publicado no DJE 02/08/2023 – grifo nosso) Importante destacar que o argumento do Apelante de que a responsabilidade pela não entrega seria dos Correios e não poderia prejudicar o credor não se sustenta, na medida em que a escolha do meio de notificação é faculdade do credor, que assume os riscos inerentes ao método escolhido. Salienta-se que há outras formas de constituição em mora previstas na legislação, como o protesto do título, que poderiam ter sido utilizadas caso a notificação postal se mostrasse inviável. A par disso, conforme bem ponderado pelo Juízo a quo, é desarrazoado e desproporcional exigir que o destinatário, especialmente em situações onde o endereço é de difícil acesso ou em áreas não cobertas regularmente pelos serviços postais, tenha que diligenciar pessoalmente em unidades dos Correios para verificar a existência de correspondências em seu nome. A toda evidência, a obrigação de assegurar que a comunicação chegue ao destinatário não pode ser transferida para este. Por fim, cumpre ressaltar que a segurança jurídica invocada pelo Apelante com base no Tema n. 1.132 deve ser interpretada em conjunto com outros princípios constitucionais, notadamente o contraditório e a ampla defesa, sendo que a aplicação automática e irrestrita da tese repetitiva a situações não contempladas em seu escopo violaria estes princípios fundamentais do devido processo legal. Destarte, diante da ausência de comprovação válida da constituição em mora da Parte Apelada, pressuposto processual essencial para o desenvolvimento válido e regular da ação de busca e apreensão, impõe-se a manutenção da sentença que extinguiu o processo sem resolução do mérito, nos termos do art. 485, IV, do Código de Processo Civil. Diante do exposto, conheço e NEGO PROVIMENTO ao Recurso de Apelação interposto pelo BANCO BRADESCO FINANCIAMENTOS S.A., mantendo incólume a sentença recorrida, por estes e seus próprios fundamentos. Sem honorários recursais (art. 85, §11, do CPC), uma vez que condicionados à prévia fixação de honorários de sucumbência na instância de origem, o que não ocorreu na espécie. É como voto. Data da sessão: Cuiabá-MT, 01/07/2025
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