Processo nº 5037407-83.2022.4.04.7000
ID: 324030974
Tribunal: TRF4
Órgão: 11ª Vara Federal de Curitiba
Classe: PROCEDIMENTO COMUM CíVEL
Nº Processo: 5037407-83.2022.4.04.7000
Data de Disponibilização:
14/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
ALICE SCHULTZ DUMINHAKI
ALLANA DOS SANTOS FAVORETO
ANTONIO AMANDIO REGIS
ANTONIO EDUARDO HILGENBERG DA ROSA
CARLOS DANIEL VEIGA ADRIANO
CRISTHIANE RENI HILGENBERG
DANIEL FAVORETO
DANIEL RICARDO ADRIANO
DAVI GABRIEL SCHULTZ BARBOSA
DIRCE MARIA MAIA NEVES
EDMIR DA SILVA
EDSON DE AMORIM GOMES
ELLISON EMANUEL DA SILVA
ELOAH AMORIM DOS SANTOS
ELZA DE AMORIM GOMES
EMANUELLE SCHULTZ DUMINHAKI
FABIANA REGIS
FAIRUCY IZABELE DOS SANTOS
FELIPE FERREIRA DA SILVA
GERSON ULISSES DE OLIVEIRA
GUSTAVO HENRIQUE FERREIRA DA SILVA
HELLENA CRISTINA DA SILVA SCHULTZ
HELOISA DOS SANTOS FAVORETO
HEMILLY VITORIA VEIGA RICARDO
ISAAC SCHULTZ BARBOSA
ITAINA DA SILVA
JAIRO RUBENS BARBOSA
JHENIFER FERREIRA DE AMORIM GOMES
JHULIA VITORIA AMORIM DOS SANTOS
JOAO GABRIEL HILGENBERG DA ROSA
JOSEMIR LACERDA
JOSESLAINE GOIS DOS SANTOS FAVORETO
JOSIEL DA SILVA FREIRE FILHO
JOSIEL DA SILVA FREIRE JUNIOR
JUVITA RIBEIRO DA ROSA
KAUANY KULCHESKI
LETICIA VEIGA DA COSTA
LUANY MARTINS FREIRE
LUCAS PEREIRA DOS SANTOS
LUCAS REGIS
LUCELIA APARECIDA MARTINS FREIRE
LYAN EMANUEL FREIRE
MARILDA MEIRA CARDOSO
MATEUS HENRIQUE COSTA ADRIANO
MICHELE BUENO DE AMORIM
MIGUEL FERREIRA DE AMORIM GOMES
MIRIA AMORIM DOS SANTOS
NAGILA CRISTINA SCHULTZ
NEULI APARECIDA DE CRISTO
NEUSELI DE ALMEIDA
PAULO HENRIQUE SCHULTZ
PAULO ROBERTO BRUNO DA SILVA SCHULTZ
PEDRO DA SILVEIRA ALVES
PERCILIANA FERREIRA DO NASCIMENTO
RAUL FERREIRA GOMES
RENAN DA SILVA GOMES
ROSINA FERREIRA ADRIANO
SAMUEL RIBEIRO DA ROSA
SILVIO MARCELO BERTO
SOPHIA AMORIM BARBOSA
VALENTINA BUENO DE AMORIM POTGURSKI
VERA DA COSTA
VITORIA REGIS MAYER
Advogados:
MYLENA STIEGLITZ PIO DE ABREU
OAB/PR XXXXXX
Desbloquear
DAVID ALVES DE ARAUJO JUNIOR
OAB/PR XXXXXX
Desbloquear
PROCEDIMENTO COMUM Nº 5037407-83.2022.4.04.7000/PR
RÉU
: CRISTHIANE RENI HILGENBERG (Pais)
ADVOGADO(A)
: MYLENA STIEGLITZ PIO DE ABREU (OAB PR098361)
ADVOGADO(A)
: DAVID ALVES DE ARAUJO JUNIOR (OAB …
PROCEDIMENTO COMUM Nº 5037407-83.2022.4.04.7000/PR
RÉU
: CRISTHIANE RENI HILGENBERG (Pais)
ADVOGADO(A)
: MYLENA STIEGLITZ PIO DE ABREU (OAB PR098361)
ADVOGADO(A)
: DAVID ALVES DE ARAUJO JUNIOR (OAB PR044111)
RÉU
: PAULO HENRIQUE SCHULTZ (Pais)
ADVOGADO(A)
: MYLENA STIEGLITZ PIO DE ABREU (OAB PR098361)
ADVOGADO(A)
: DAVID ALVES DE ARAUJO JUNIOR (OAB PR044111)
RÉU
: RENAN DA SILVA GOMES
ADVOGADO(A)
: MYLENA STIEGLITZ PIO DE ABREU (OAB PR098361)
ADVOGADO(A)
: DAVID ALVES DE ARAUJO JUNIOR (OAB PR044111)
RÉU
: MARILDA MEIRA CARDOSO
ADVOGADO(A)
: MYLENA STIEGLITZ PIO DE ABREU (OAB PR098361)
ADVOGADO(A)
: DAVID ALVES DE ARAUJO JUNIOR (OAB PR044111)
RÉU
: RAUL FERREIRA GOMES
ADVOGADO(A)
: MYLENA STIEGLITZ PIO DE ABREU (OAB PR098361)
ADVOGADO(A)
: DAVID ALVES DE ARAUJO JUNIOR (OAB PR044111)
RÉU
: MIGUEL FERREIRA DE AMORIM GOMES (Absolutamente Incapaz (Art. 3º CC))
ADVOGADO(A)
: MYLENA STIEGLITZ PIO DE ABREU (OAB PR098361)
ADVOGADO(A)
: DAVID ALVES DE ARAUJO JUNIOR (OAB PR044111)
RÉU
: JHENIFER FERREIRA DE AMORIM GOMES (Absolutamente Incapaz (Art. 3º CC))
ADVOGADO(A)
: MYLENA STIEGLITZ PIO DE ABREU (OAB PR098361)
ADVOGADO(A)
: DAVID ALVES DE ARAUJO JUNIOR (OAB PR044111)
RÉU
: GUSTAVO HENRIQUE FERREIRA DA SILVA (Absolutamente Incapaz (Art. 3º CC))
ADVOGADO(A)
: MYLENA STIEGLITZ PIO DE ABREU (OAB PR098361)
ADVOGADO(A)
: DAVID ALVES DE ARAUJO JUNIOR (OAB PR044111)
RÉU
: PERCILIANA FERREIRA DO NASCIMENTO (Pais)
ADVOGADO(A)
: MYLENA STIEGLITZ PIO DE ABREU (OAB PR098361)
ADVOGADO(A)
: DAVID ALVES DE ARAUJO JUNIOR (OAB PR044111)
RÉU
: EDSON DE AMORIM GOMES
ADVOGADO(A)
: MYLENA STIEGLITZ PIO DE ABREU (OAB PR098361)
ADVOGADO(A)
: DAVID ALVES DE ARAUJO JUNIOR (OAB PR044111)
RÉU
: ROSINA FERREIRA ADRIANO
ADVOGADO(A)
: MYLENA STIEGLITZ PIO DE ABREU (OAB PR098361)
ADVOGADO(A)
: DAVID ALVES DE ARAUJO JUNIOR (OAB PR044111)
RÉU
: PEDRO DA SILVEIRA ALVES
ADVOGADO(A)
: MYLENA STIEGLITZ PIO DE ABREU (OAB PR098361)
ADVOGADO(A)
: DAVID ALVES DE ARAUJO JUNIOR (OAB PR044111)
RÉU
: HELLENA CRISTINA DA SILVA SCHULTZ (Absolutamente Incapaz (Art. 3º CC))
ADVOGADO(A)
: MYLENA STIEGLITZ PIO DE ABREU (OAB PR098361)
ADVOGADO(A)
: DAVID ALVES DE ARAUJO JUNIOR (OAB PR044111)
RÉU
: PAULO ROBERTO BRUNO DA SILVA SCHULTZ (Absolutamente Incapaz (Art. 3º CC))
ADVOGADO(A)
: MYLENA STIEGLITZ PIO DE ABREU (OAB PR098361)
ADVOGADO(A)
: DAVID ALVES DE ARAUJO JUNIOR (OAB PR044111)
RÉU
: ITAINA DA SILVA
ADVOGADO(A)
: MYLENA STIEGLITZ PIO DE ABREU (OAB PR098361)
ADVOGADO(A)
: DAVID ALVES DE ARAUJO JUNIOR (OAB PR044111)
RÉU
: NEUSELI DE ALMEIDA
ADVOGADO(A)
: MYLENA STIEGLITZ PIO DE ABREU (OAB PR098361)
ADVOGADO(A)
: DAVID ALVES DE ARAUJO JUNIOR (OAB PR044111)
RÉU
: KAUANY KULCHESKI (Relativamente Incapaz (Art. 4º CC))
ADVOGADO(A)
: MYLENA STIEGLITZ PIO DE ABREU (OAB PR098361)
ADVOGADO(A)
: DAVID ALVES DE ARAUJO JUNIOR (OAB PR044111)
RÉU
: JOAO GABRIEL HILGENBERG DA ROSA (Absolutamente Incapaz (Art. 3º CC))
ADVOGADO(A)
: MYLENA STIEGLITZ PIO DE ABREU (OAB PR098361)
ADVOGADO(A)
: DAVID ALVES DE ARAUJO JUNIOR (OAB PR044111)
RÉU
: VITORIA REGIS MAYER (Absolutamente Incapaz (Art. 3º CC))
ADVOGADO(A)
: MYLENA STIEGLITZ PIO DE ABREU (OAB PR098361)
ADVOGADO(A)
: DAVID ALVES DE ARAUJO JUNIOR (OAB PR044111)
RÉU
: VERA DA COSTA
ADVOGADO(A)
: MYLENA STIEGLITZ PIO DE ABREU (OAB PR098361)
ADVOGADO(A)
: DAVID ALVES DE ARAUJO JUNIOR (OAB PR044111)
RÉU
: GERSON ULISSES DE OLIVEIRA
ADVOGADO(A)
: MYLENA STIEGLITZ PIO DE ABREU (OAB PR098361)
ADVOGADO(A)
: DAVID ALVES DE ARAUJO JUNIOR (OAB PR044111)
RÉU
: DANIEL FAVORETO
ADVOGADO(A)
: MYLENA STIEGLITZ PIO DE ABREU (OAB PR098361)
ADVOGADO(A)
: DAVID ALVES DE ARAUJO JUNIOR (OAB PR044111)
RÉU
: FAIRUCY IZABELE DOS SANTOS
ADVOGADO(A)
: DAVID ALVES DE ARAUJO JUNIOR (OAB PR044111)
ADVOGADO(A)
: MYLENA STIEGLITZ PIO DE ABREU (OAB PR098361)
RÉU
: ELOAH AMORIM DOS SANTOS (Absolutamente Incapaz (Art. 3º CC))
ADVOGADO(A)
: MYLENA STIEGLITZ PIO DE ABREU (OAB PR098361)
ADVOGADO(A)
: DAVID ALVES DE ARAUJO JUNIOR (OAB PR044111)
RÉU
: MIRIA AMORIM DOS SANTOS (Absolutamente Incapaz (Art. 3º CC))
ADVOGADO(A)
: MYLENA STIEGLITZ PIO DE ABREU (OAB PR098361)
ADVOGADO(A)
: DAVID ALVES DE ARAUJO JUNIOR (OAB PR044111)
RÉU
: JHULIA VITORIA AMORIM DOS SANTOS (Absolutamente Incapaz (Art. 3º CC))
ADVOGADO(A)
: MYLENA STIEGLITZ PIO DE ABREU (OAB PR098361)
ADVOGADO(A)
: DAVID ALVES DE ARAUJO JUNIOR (OAB PR044111)
RÉU
: LYAN EMANUEL FREIRE (Absolutamente Incapaz (Art. 3º CC))
ADVOGADO(A)
: MYLENA STIEGLITZ PIO DE ABREU (OAB PR098361)
ADVOGADO(A)
: DAVID ALVES DE ARAUJO JUNIOR (OAB PR044111)
RÉU
: ELLISON EMANUEL DA SILVA (Absolutamente Incapaz (Art. 3º CC))
ADVOGADO(A)
: MYLENA STIEGLITZ PIO DE ABREU (OAB PR098361)
ADVOGADO(A)
: DAVID ALVES DE ARAUJO JUNIOR (OAB PR044111)
RÉU
: ISAAC SCHULTZ BARBOSA (Absolutamente Incapaz (Art. 3º CC))
ADVOGADO(A)
: MYLENA STIEGLITZ PIO DE ABREU (OAB PR098361)
ADVOGADO(A)
: DAVID ALVES DE ARAUJO JUNIOR (OAB PR044111)
RÉU
: FELIPE FERREIRA DA SILVA (Relativamente Incapaz (Art. 4º CC))
ADVOGADO(A)
: DAVID ALVES DE ARAUJO JUNIOR (OAB PR044111)
ADVOGADO(A)
: MYLENA STIEGLITZ PIO DE ABREU (OAB PR098361)
RÉU
: ANTONIO EDUARDO HILGENBERG DA ROSA (Absolutamente Incapaz (Art. 3º CC))
ADVOGADO(A)
: MYLENA STIEGLITZ PIO DE ABREU (OAB PR098361)
ADVOGADO(A)
: DAVID ALVES DE ARAUJO JUNIOR (OAB PR044111)
RÉU
: LUCAS REGIS
ADVOGADO(A)
: MYLENA STIEGLITZ PIO DE ABREU (OAB PR098361)
ADVOGADO(A)
: DAVID ALVES DE ARAUJO JUNIOR (OAB PR044111)
RÉU
: SAMUEL RIBEIRO DA ROSA
ADVOGADO(A)
: MYLENA STIEGLITZ PIO DE ABREU (OAB PR098361)
ADVOGADO(A)
: DAVID ALVES DE ARAUJO JUNIOR (OAB PR044111)
RÉU
: FABIANA REGIS
ADVOGADO(A)
: MYLENA STIEGLITZ PIO DE ABREU (OAB PR098361)
ADVOGADO(A)
: DAVID ALVES DE ARAUJO JUNIOR (OAB PR044111)
RÉU
: JUVITA RIBEIRO DA ROSA
ADVOGADO(A)
: MYLENA STIEGLITZ PIO DE ABREU (OAB PR098361)
ADVOGADO(A)
: DAVID ALVES DE ARAUJO JUNIOR (OAB PR044111)
RÉU
: JOSESLAINE GOIS DOS SANTOS FAVORETO (Pais)
ADVOGADO(A)
: MYLENA STIEGLITZ PIO DE ABREU (OAB PR098361)
ADVOGADO(A)
: DAVID ALVES DE ARAUJO JUNIOR (OAB PR044111)
RÉU
: ALLANA DOS SANTOS FAVORETO
ADVOGADO(A)
: MYLENA STIEGLITZ PIO DE ABREU (OAB PR098361)
ADVOGADO(A)
: DAVID ALVES DE ARAUJO JUNIOR (OAB PR044111)
RÉU
: HELOISA DOS SANTOS FAVORETO (Absolutamente Incapaz (Art. 3º CC))
ADVOGADO(A)
: MYLENA STIEGLITZ PIO DE ABREU (OAB PR098361)
ADVOGADO(A)
: DAVID ALVES DE ARAUJO JUNIOR (OAB PR044111)
RÉU
: DIRCE MARIA MAIA NEVES
ADVOGADO(A)
: MYLENA STIEGLITZ PIO DE ABREU (OAB PR098361)
ADVOGADO(A)
: DAVID ALVES DE ARAUJO JUNIOR (OAB PR044111)
RÉU
: JOSEMIR LACERDA
ADVOGADO(A)
: MYLENA STIEGLITZ PIO DE ABREU (OAB PR098361)
ADVOGADO(A)
: DAVID ALVES DE ARAUJO JUNIOR (OAB PR044111)
RÉU
: ELZA DE AMORIM GOMES
ADVOGADO(A)
: MYLENA STIEGLITZ PIO DE ABREU (OAB PR098361)
ADVOGADO(A)
: DAVID ALVES DE ARAUJO JUNIOR (OAB PR044111)
RÉU
: DANIEL RICARDO ADRIANO
ADVOGADO(A)
: MYLENA STIEGLITZ PIO DE ABREU (OAB PR098361)
ADVOGADO(A)
: DAVID ALVES DE ARAUJO JUNIOR (OAB PR044111)
RÉU
: LETICIA VEIGA DA COSTA (Pais)
ADVOGADO(A)
: MYLENA STIEGLITZ PIO DE ABREU (OAB PR098361)
ADVOGADO(A)
: DAVID ALVES DE ARAUJO JUNIOR (OAB PR044111)
RÉU
: CARLOS DANIEL VEIGA ADRIANO (Absolutamente Incapaz (Art. 3º CC))
ADVOGADO(A)
: MYLENA STIEGLITZ PIO DE ABREU (OAB PR098361)
ADVOGADO(A)
: DAVID ALVES DE ARAUJO JUNIOR (OAB PR044111)
RÉU
: HEMILLY VITORIA VEIGA RICARDO (Relativamente Incapaz (Art. 4º CC))
ADVOGADO(A)
: MYLENA STIEGLITZ PIO DE ABREU (OAB PR098361)
ADVOGADO(A)
: DAVID ALVES DE ARAUJO JUNIOR (OAB PR044111)
RÉU
: MATEUS HENRIQUE COSTA ADRIANO (Absolutamente Incapaz (Art. 3º CC))
ADVOGADO(A)
: MYLENA STIEGLITZ PIO DE ABREU (OAB PR098361)
ADVOGADO(A)
: DAVID ALVES DE ARAUJO JUNIOR (OAB PR044111)
RÉU
: LUCAS PEREIRA DOS SANTOS (Pais)
ADVOGADO(A)
: MYLENA STIEGLITZ PIO DE ABREU (OAB PR098361)
ADVOGADO(A)
: DAVID ALVES DE ARAUJO JUNIOR (OAB PR044111)
RÉU
: ANTONIO AMANDIO REGIS
ADVOGADO(A)
: MYLENA STIEGLITZ PIO DE ABREU (OAB PR098361)
ADVOGADO(A)
: DAVID ALVES DE ARAUJO JUNIOR (OAB PR044111)
RÉU
: JOSIEL DA SILVA FREIRE FILHO
ADVOGADO(A)
: MYLENA STIEGLITZ PIO DE ABREU (OAB PR098361)
ADVOGADO(A)
: DAVID ALVES DE ARAUJO JUNIOR (OAB PR044111)
RÉU
: LUCELIA APARECIDA MARTINS FREIRE (Pais)
ADVOGADO(A)
: MYLENA STIEGLITZ PIO DE ABREU (OAB PR098361)
ADVOGADO(A)
: DAVID ALVES DE ARAUJO JUNIOR (OAB PR044111)
RÉU
: LUANY MARTINS FREIRE
ADVOGADO(A)
: MYLENA STIEGLITZ PIO DE ABREU (OAB PR098361)
ADVOGADO(A)
: DAVID ALVES DE ARAUJO JUNIOR (OAB PR044111)
RÉU
: JOSIEL DA SILVA FREIRE JUNIOR (Absolutamente Incapaz (Art. 3º CC))
ADVOGADO(A)
: MYLENA STIEGLITZ PIO DE ABREU (OAB PR098361)
ADVOGADO(A)
: DAVID ALVES DE ARAUJO JUNIOR (OAB PR044111)
RÉU
: MICHELE BUENO DE AMORIM (Pais)
ADVOGADO(A)
: MYLENA STIEGLITZ PIO DE ABREU (OAB PR098361)
ADVOGADO(A)
: DAVID ALVES DE ARAUJO JUNIOR (OAB PR044111)
RÉU
: SOPHIA AMORIM BARBOSA (Absolutamente Incapaz (Art. 3º CC))
ADVOGADO(A)
: MYLENA STIEGLITZ PIO DE ABREU (OAB PR098361)
ADVOGADO(A)
: DAVID ALVES DE ARAUJO JUNIOR (OAB PR044111)
RÉU
: VALENTINA BUENO DE AMORIM POTGURSKI (Absolutamente Incapaz (Art. 3º CC))
ADVOGADO(A)
: MYLENA STIEGLITZ PIO DE ABREU (OAB PR098361)
ADVOGADO(A)
: DAVID ALVES DE ARAUJO JUNIOR (OAB PR044111)
RÉU
: JAIRO RUBENS BARBOSA
ADVOGADO(A)
: MYLENA STIEGLITZ PIO DE ABREU (OAB PR098361)
ADVOGADO(A)
: DAVID ALVES DE ARAUJO JUNIOR (OAB PR044111)
RÉU
: NAGILA CRISTINA SCHULTZ (Pais)
ADVOGADO(A)
: MYLENA STIEGLITZ PIO DE ABREU (OAB PR098361)
ADVOGADO(A)
: DAVID ALVES DE ARAUJO JUNIOR (OAB PR044111)
RÉU
: EMANUELLE SCHULTZ DUMINHAKI (Absolutamente Incapaz (Art. 3º CC))
ADVOGADO(A)
: MYLENA STIEGLITZ PIO DE ABREU (OAB PR098361)
ADVOGADO(A)
: DAVID ALVES DE ARAUJO JUNIOR (OAB PR044111)
RÉU
: ALICE SCHULTZ DUMINHAKI (Absolutamente Incapaz (Art. 3º CC))
ADVOGADO(A)
: MYLENA STIEGLITZ PIO DE ABREU (OAB PR098361)
ADVOGADO(A)
: DAVID ALVES DE ARAUJO JUNIOR (OAB PR044111)
RÉU
: DAVI GABRIEL SCHULTZ BARBOSA (Absolutamente Incapaz (Art. 3º CC))
ADVOGADO(A)
: MYLENA STIEGLITZ PIO DE ABREU (OAB PR098361)
ADVOGADO(A)
: DAVID ALVES DE ARAUJO JUNIOR (OAB PR044111)
RÉU
: EDMIR DA SILVA
ADVOGADO(A)
: MYLENA STIEGLITZ PIO DE ABREU (OAB PR098361)
ADVOGADO(A)
: DAVID ALVES DE ARAUJO JUNIOR (OAB PR044111)
RÉU
: NEULI APARECIDA DE CRISTO
ADVOGADO(A)
: MYLENA STIEGLITZ PIO DE ABREU (OAB PR098361)
ADVOGADO(A)
: DAVID ALVES DE ARAUJO JUNIOR (OAB PR044111)
RÉU
: SILVIO MARCELO BERTO
ADVOGADO(A)
: MYLENA STIEGLITZ PIO DE ABREU (OAB PR098361)
ADVOGADO(A)
: DAVID ALVES DE ARAUJO JUNIOR (OAB PR044111)
INTERESSADO
: COLONIA DE PESCADORES Z-5 DE PONTAL DO PARANA
ADVOGADO(A)
: MYLENA STIEGLITZ PIO DE ABREU
ADVOGADO(A)
: DAVID ALVES DE ARAUJO JUNIOR
DESPACHO/DECISÃO
I - RELATÓRIO
1.1. Processo de autos 5052252-28.2019.4.04.7000:
Em 26 de setembro/2019, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL deflagrou ação civil pública em face do MUNICÍPIO DE PONTAL DO PARANÁ, pretendendo a condenação do requerido ao cadastramento de famílias que se encontrariam residindo, de modo irregular, em zona costeira. O MPF postulou a condenação do demandado, ademais, a sinalizar a mencionada área e a promover a realocação - no prazo de um ano, a contar do cadastramento - das famílias de pescadores artesanais lá estabelecidas.
A Procuradoria da República postulou que, quanto às demais famílias ou quanto aos imóveis que estivessem desocupados, que o requerido seja condenado à demolição das edificações porventura erigidas na área em questão, no prazo de noventa dias, a contar da finalização do cadastramento, devendo efetivar a realocação de tais pessoas, mediante realização de vigilância contínua na área e elaboração de relatórios trimestrais, de modo a coibir novas ocupações irregulares, com cominação de multa em caso descumprimento. Ele deduziu pretensão, ademais, de condenação do Município à recuperação do meio ambiente natural no local dos fatos.
Para tanto, o MPF disse que, em 11 de maio/2005, nos autos de inquérito civil 1.25.007.000024/2005-97, teria tido início perante a Procuradoria da República no Município de Paranaguá uma apuração sobre suspeitas que teriam sido noticiadas em um abaixo-assinado, subscrito pelos moradores do Balneário Ipanema IV, quanto à existência de ocupação irregular na orla marítima, em área em que já teria havido retirada de famílias no ano de 1997. Segundo informações da Secretaria do Patrimônio da União - SPU, tais ocupações seriam indevidas e irregulares. O IBAMA teria constatado a presença de uma aglomeração desordenada de residências no local, sendo algumas pertencentes a pescadores e outras, ao que pareceria, seriam pertencentes a turistas ou estariam abandonadas ou sendo utilizadas como depósitos de materiais recicláveis.
Tais pessoas teriam sido notificadas pela SPU - Secretaria do Patrimônio da União, em dezembro/2005, para desocuparem os imóveis. De outro tanto, por meio do ofício nº 1312, de 18 de setembro/2007, a SPU teria informado que a remoção dos ocupantes irregulares dependeria da definição de nova área de assentamento, pelo Município de Pontal do Paraná. Diante da falta de disponibilidade de tal loteamento, a SPU teria oferecido como opção a realocação para uma propriedade da União, denominada de 'Moitinha', situada em frente à Av. Deputado Aníbal Khury, à beira-mar, e próxima da área indicada na inicial. Segundo o MPF, em 03 de dezembro/2013, em reunião realizada na sede da PRM-Paranaguá, com a presença do Secretário Municipal de Habitação e Assuntos Fundiários de Pontal do Paraná, teria sido informada a impossibilidade de se promover aludida realocação, visto que a área pertencente à União Federal teria sido estabelecida como zona de proteção ambiental, pelo decreto estadual nº 2722/1984. Em 22 de dezembro de 2014, a SPU teria informado a ausência de avanços nas tratativas junto à Prefeitura Municipal de Pontal do Paraná e COLIT, visando à realocação das famílias de pescadores.
Ainda nos termos da peça inicial, o Secretário Municipal de Habitação e Assuntos Fundiários teria prestado informações, por meio do ofício nº 70, de 11 de junho/2015, dando conta do interesse em realocar os pescadores da orla, em colaboração dos órgãos estaduais e federais. Contudo, ele teria destacado, então, que necessitaria de aprovação do plano diretor pelo COLIT e não estaria obtendo êxito em desenvolver planos habitacionais, pois as novas áreas necessitariam de licença ambiental para desmate. Por conta disso, ele não teria reputado oportuna a realocação para o local indicado pela SPU. O levantamento de informações sobre os ocupantes estaria sendo dificultado por esses, segundo relatos da Polícia Ambiental do Paraná e do Município, realizados em março e setembro/2016.
Segundo a Procuradoria da República, conquanto o COLIT houvesse aprovado o plano de zoneamento, uso e ocupação do solo para o Município de Pontal do Paraná, em 23 de janeiro/2017 (decreto estadual nº 9870), não teria havido qualquer notícia de medida adotada pelo Município para retomada do plano original de reassentamento. A SPU teria informado, por meio do ofício nº 33476, de 25 de abril/2019, que a ocupação não poderia ser considerada consolidada, por encontrar-se em praia - área de uso comum do povo. Em 21 de maio/2019, o MPF teria solicitado ao Município a apresentação de um plano de regularização fundiária das ocupações, mas não teria obtido resposta.
O autor declarou haver interesse federal na solução do conflito e, portanto, seria a Justiça Federal competente para o processamento da causa. Defendeu sua legitimidade para a deflagração da ação civil pública e discorreu sobre a legitimidade passiva do Município de Pontal do Paraná, diante da omissão administrativa e tolerância com as ocupações irregulares em zona costeira. Disse haver responsabilidade objetiva do ente municipal pelo dano ambiental provocado em área de especial proteção, diante de sua conduta omissiva, bem como que haveria exigência constitucional para que o Município buscasse concretizar as políticas de habitação popular, sendo necessária uma solução justa a fim de preservar os interesses envolvidos.
O MPF postulou a antecipação de tutela, como segue transcrito:
"Presentes, portanto, os requisitos ensejadores da tutela de urgência, requer o autor a concessão de medida liminar para que seja determinado:
a) ao réu Município de Pontal do Paraná que, no prazo de trinta dias, realize o cadastramento das famílias que moram na área ocupada irregularmente, e apresente ao Juízo duas listas distintas: uma para as famílias de pescadores artesanais; e outra para as famílias que não fazem parte daquela comunidade de pescadores;
b) ao réu Município de Pontal do Paraná que coloque, no prazo de trinta dias, sinalizações no local ocupado irregularmente, indicando tratar-se de área sub judice;
c) ao réu Município de Pontal do Paraná que, no prazo de um ano, contado da finalização do cadastramento (item “a”), realize a realocação das famílias de pescadores artesanais para uma zona especial de interesse social onde eles possam continuar vivendo do seu ofício;
d) ao réu Município de Pontal do Paraná que promova, no prazo de noventa dias, contados da finalização do cadastramento (item “a”), a demolição dos imóveis das famílias que não fazem parte daquela comunidade de pescadores, bem como dos imóveis que estejam vazios ou abandonados, retirando todo o material resultante da ação respectiva;
e) ao réu Município de Pontal do Paraná que promova, no prazo de noventa dias, contados da realocação das famílias de pescadores artesanais (item “c), a demolição dos seus imóveis, retirando todo o material resultante da ação respectiva;
f) ao réu Município de Pontal do Paraná que realize contínua vigilância da área em referência durante o curso da lide, emitindo, para conhecimento do Juízo, relatórios trimestrais, de modo a coibir novas ocupações irregulares e a modificação das existentes, e promovendo a demolição imediata de qualquer nova construção porventura detectada, inclusive a título de reforma ou ampliação das edificações irregularmente erguidas;
g) seja cominada pena de multa ao réu Município de Pontal do Paraná, em valor a ser estipulado por esse Juízo, para a hipótese de descumprimento das medidas aqui elencadas."
A Procuradoria da República detalhou seus demais pedidos, requerendo a condenação do Município demandado à recuperação ambiental do local, mediante elaboração e aprovação de PRAD junto ao órgão ambiental e atribuiu à causa o valor de R$ 100.000,00, juntado documentos.
A União Federal, o ICMBio, o IBAMA e o IAP foram intimados para manifestarem eventual interesse no processo, na forma do art. 5, da lei n. 7.347/1985, tendo a União postulado seu ingresso na demanda enquanto assistente simples do autor (ev. 8). O IAP requereu sua admissão como
amicus curiæ
(ev. 10). O IBAMA e o ICMBio disseram não terem interesse jurídico no conflito (eventos 12 e 28).
O MPF promoveu a juntada aos autos de relatório da Polícia Ambiental (ev. 122, doc2). Restou designada audiência de conciliação para o dia 15 de abril/2020. Por conta da pandemia COVID-19 a audiência foi redesignada para o dia 15 de julho/2020; contudo, diante da intimação do Município somente às vésperas do ato, e tendo esse alegado não dispor de meios para participar, o ato foi redesignado e restou realizado no dia 04 de novembro/2020.
Na audiência determinei a suspensão do processo pelo prazo de 30 dias, diante do interesse do Município demandado em apresentar proposta de solução consensual da questão social noticiada, informando a quantidade de famílias ocupantes do local e indicando quanto à eventual existência de censos demográficos municipais; eventuais áreas de domínio público suscetíveis de ser utilizadas para fins de realocação dos ocupantes da área e custos orçamentários necessários para tanto e fontes de custeio (movimento 168 dos mencionados autos de ação civil pública 5052252-28.2019.4.04.7000).
Diante do esgotamento, sem manifestação, do prazo assinalado para o Município, determinei a intimação do MPF se manifestar a respeito do prosseguimento da demanda, ao que se seguiu pedido de prosseguimento da causa, conforme evento 187 daquele eproc.
O Município de Pontal do Paraná foi intimado para apresentar contestação, na forma do art. 335, CPC, tendo juntado informações no movimento 196 e apresentado sua resposta no movimento 197. Ele sustentou que não haveria como solucionar os problemas ambientais e sociais, em questão, de forma isolada. O município não teria condições de suportar os custos envolvidos na medida perseguida pelo MPF, tratando-se a realocação pretendida de um investimento na ordem de quarenta milhões de reais, o que superaria a arrecadação do Município. Relatou haver 110 moradias no local, das quais 90 consolidadas há mais de 3 anos. Dentre as famílias que estariam exercendo a posse direta sobre a mencionada área, 44 seriam de pescadores e 8 de marisqueiros.
O Município de Pontal do Paraná disse não ser parte legitimada para a causa. Por se tratar de área de domínio da União Federal, caberia ao mencionado ente federativo a adoção das medidas para realocação das famílias. Em caráter subsidiário, o Município postulou a inclusão da União e do Estado do Paraná no polo passivo da demanda ou reconhecimento da incompetência da Justiça Federal. Quanto ao mais, disse não ter havido qualquer omissão de sua parte no que tocaria ao alegado dano ambiental, ao tempo em que discorreu sobre as dificuldades de fiscalização da sua orla e afirmou não existir dolo ou culpa no presente caso. Ele invocou, ainda, os princípios da reserva do possível e da proporcionalidade e razoabilidade - movimento 197.
Promovi o saneamento do processo na decisão de movimento 201, em que declarei a competência desta unidade jurisdicional para o processo. Ademais, assinalei que o MPF teria pertinência subjetiva para a causa, bem como do Município de Pontal do Paraná. Deferi, ademais, o ingresso da União na qualidade de assistente simples e do IAT enquanto
amicus curiæ
. Discorri sobre algumas premissas, com cognição não exaustiva, a fim de bem apreciar o pedido de tutela de urgência. Reputei que a narrativa dos fatos, promovidas pelo MPF seria verossímil e que caberia ao Município impedir a ocupação desordenada nas áreas indicadas na inicial.
O MPF manifestou-se contra a formação de litisconsórcio passivo necessário da União e o Estado do Paraná e pugnou pela continuidade da ação civil pública - evento 213. O Município de Pontal do Paraná alegou que a área encontrar-se-ia da seguinte forma naquele momento (novembro/21):
"I – Existem 111 edificações irregulares, sendo que apenas 52 são de famílias de pescadores, razão pela qual a responsabilidade pela realocação não abarca nem 50% dos ocupantes; II – Existem 15 edificações utilizadas por veranistas, ou seja, totalmente desprovidas de caráter de moradia, razão pela qual não haveria óbices jurídicos para sua demolição imediata."
Requereu a intimação do MPF para se manifestar quanto ao tema - evento 216. A Procuradoria da República requereu que a União Fedeeral fosse instada a se manifestar sobre o prosseguimenot reintegração de posse contra os ocupantes da área de Balneário Ipanema e sobre eventual deflagração de demandas de reintegração com base nas informações fornecidas nos eventos 196 e 216 (ev. 220).
No evento 226 dos autos, a União alegou que:
"Quanto aos feitos em questão, não é possível aferir com precisão o número de demandas em tramitação sobre a área em questão, já que o sistema eletrônico de controle de processos da AGU (Sapiens) e também o sistema eletrônico da Justiça Federal (E-proc) não possuem informações quanto aos contornos espaciais das áreas em litígio, limitadas as informações de triagem e busca ao nome das partes. Mesmo assim, após percuciente consulta ao banco de dados, foi possível identificar três feitos possessórios: 5001171-15.2018.4.04.7008, 5001174-67.2018.4.04.7008 e 5000717-75.2015.4.04.7008. Como dito, ressalva-se a possibilidade de outras demandas relacionadas ao balneário em questão."
Ademais, "
as unidades do contencioso da União quando demandadas pelos órgãos administrativos e patrimoniais da União - com informações e documentos suficientes -, incontinenti propõem as ações cabíveis, desconhecendo-se uma estratégia própria para o caso concreto."
Determinei que as partes fossem intimadas para, querendo, se manifestarem a respeito do saneamento da demanda - evento 231. O MPF requereu que fossem delimitadas as questões concernentes às narrativas sobre os fatos havidos, postulando a promoção de diligências probatórias documental, testemunhal e pericial (evento 242). O Município de Pontal do Paraná requereu a inquirição de testemunhas e a realização de diligência pericial, conforme evento 243.
A União argumentou ter deflagado 04 demandas buscando a reintegração de posse da área relacionada à praia Ipanema, na cidade de Pontal do Paraná: processoss de autos n. (a) 50373601220224047000 - área 1; (b) 50374043120224047000 - área 2; (c) 50374078320224047000 - área 3 e (c) 50374103820224047000 - área 4. Ao final, requereu a intimação das partes para que tomassem conhecimento da existência de tais demandas - evento 247.
Deferi a juntada de documentos complementares pelos contendores, no evento 248, tendo indeferido os pedidos de inquirição de testemunhas e de realização de diligência pericial. Não foram apresentados outros documentos na sequência. O MPF apresentou alegações finais no movimento 267, o Município de Pontal do Paraná no evento 270. Ambos repisaram os argumentos esgrimidos no curso da demanda.
Após conclusão do processo para julgamento, a Defensoria Pública da União solicitou, no evento 273, sua admissão na causa, na defesa dos vulneráveis (
custos vulnerabilis)
, o que restou deferido no evento 274, mediante oportunização para apresentação de alegações finais pela DPU, as quais foram apresentadas no movimento 289.
Os autos vieram conclusos para prolação de sentença.
1.2. Demandas conexas:
A UNIÃO FEDERAL deflagou demandas em face de PESSOAS NÃO IDENTIFICADAS, pretendendo a reintegração da posse da área objeto da ação civil pública antes tratada, situada na orla de Pontal do Paraná. Para tanto, a requerente sustentou ser proprietária da referida área - terreno de marinha -, localizada na Orla do Balneário Ipanema, no Município de Pontal do Paraná, na chamada Vila dos Pescadores. Segundo a demandante, os requeridos estariam promovendo a ocupação indevida de dunas e terrenos.
Ela relatou ter ingressado na ação civil pública de número 50522522820194047000, na condição de assistente simples do MPF. Disse ser inviável a identificação prévia dos ocupantes da área, ao tempo em que relacionou possíveis ocupantes.
Discorreu sobre a caracterização de terreno de marinha e praia, vegetação de restinga, composta por dunas cobertas de vegetação fixadora, cuidando-se de áreas de preservação permanente segundo o art. 3º, inc. XVI e XXV do Código Florestal. Além disso, as ocupações estariam avançando sobre a praia, que é bem de uso comum do povo, nos termos da Lei n. 7.661/98.
Ela argumentou fazer jus à reintegração da posse (art. 560 e 1.210, ambos do CC), mediante antecipação de tutela, nos termos do art. 300, do CPC. Conquanto aludida posse contasse com vários anos de duração, disso não decorreria a inibição da reintegração na posse. O Município de Pontal do Paraná teria interesse no processo, na medida em que responsável pela ocupação irregular, ao deixar de adotar medidas para inibir a sua expansão.
Requereu a intimação do Município para integrar o polo ativo das demandas no sentido de fornecer os meios necessários à desocupação. Atribuiu às causas o valor de R$ 10.000,00, juntando documentos. Ela aduziu ter dividido a área em quatro poligonais e deflagrado processo de reintegração para cada uma delas, totalizando quatro ações judiciais, conforme poligonais a seguir:
1.3. Ação n. 5037360-12.2022.4.04.7000:
A ação n. 50373601220224047000 versa sobre a poligonal n. 1, que, segundo a União, abrangeria as casas de números 01, 02, 03, 04, 05, 06, 07, 08, 09, 10, 11,12, 13, 14, 15 e 16 identificadas na figura 02:
A União disse não ter como identificar com segurança todos os ocupantes da área, e relacionou 16 possíveis requeridos, segundo relação geral de ocupantes pré-identificados pelo Município de Pontal do Paraná.
No evento 2 restou transladada decisão proferida em autos conexos, de n. 50374078320224047000.
Diante da concessão de liminar para manter a suspensão temporária de medidas de desocupação e despejo, nos termos da Lei 14.216/2021, no âmbito da arguição de descumprimento de preceito fundamental 828, restou prejudicada, em um primeiro momento, a análise do pedido de tutela provisória de urgência, conforme decisão de evento 4 dos autos em questão. O Município de Pontal do Paraná, o IBAMA, o ICMBio, o IAT e o Ministério Público Federal foram instados a se manifestar sobre seu interesse jurídico em atuar no feito.
O Ministério Público Federal disse que haveria de acompanhar o processo na qualidade de
custos legis
(evento 13). O IAT pediu para integrar a demanda como
amicus curiæ
(evento 14). O Município de Pontal do Paraná pediu sua habilitação como interessado (ev. 20). O ICMBio disse não ter interesse jurídico na demanda (ev. 19). O IBAMA, por sua vez, pediu prazo para manifestação, no evento 15.
Os autos foram redistribuídos a este Juízo Substituto, por dependência à ação civil pública n. 5052252-28.2019.4.04.7000 (ev. 21).
No movimento 24, promovi a prelibação da peça inicial, apreciando os pressupostos processuais e condições para válido exercício do direito de ação. Posterguei a apreciação do pedido de tutela para depois da efetivação da citação dos requeridos. Determinei a exclusão do IBAMA e do ICMBio da autuação, levando em conta pedidos formulados nos autos de n. 5037404-31.2022.4.04.7000 (ev. 14/15). Deferi a participação do IAT no feito, como
amicus curiae,
e do Município de Pontal do Paraná, na qualidade de interessado.
Expediu-se mandado de identificação e citação dos ocupantes. A DPU manifestou-se no processo na condição de representante dos demandados, invocando sua condição de
custos vulnerabilis,
destacando também o caráter multitudinário do conflito em questão (evento 44).
A requerida ROSELI DE SOUZA solicitou a nomeação de defensor dativo e a concessão de gratuidade de justiça no evento 46.
No evento 47, a Defensoria Pública da União sustentou ter sido
"contatada por moradores da Vila dos Pescadores, a fim de representá-los individualmente. No entanto, por alguns motivos isso não foi possível. A uma, pois a Defensoria Pública da União não possui órgão com atribuição para a tutela de direitos individuais oriundos de Pontal do Paraná/PR. A duas, em virtude da existência de interesses conflitantes entre os moradores, de forma que a defesa individual realizada pelo ofício com atribuição coletiva (Defensoria Regional de Direitos Humanos) se tornaria inviável e pouco proveitosa. Assim, com vistas a abranger os interesses dos moradores enquanto comunidade e evitar tumulto processual, optou-se pela atuação como parte interessada, isto é, em nome da própria instituição. Por essa razão, requer-se, desde já, a retificação da autuação desses autos, para que a DPU passe a integrar o feito como parte interessada."
Destacou que
"a comunidade nem sequer está organizada pela forma de movimento social ou associação, sendo certo que os moradores não possuem condições financeiras de arcar com advogados particulares, razão pela qual requer-se a nomeação de defensor dativo aos réus, a fim de que não sejam decretadas suas revelias."
Ela enfatizou que
"O histórico da ocupação territorial remonta à própria colonização do Estado do Paraná, tendo vivido ciclos a partir do uso do porto, do café e da ferrovia. No entanto, em todos os ciclos históricos de ocupação territorial vê-se o crescimento desordenado das cidades, desde sempre com expansão da área urbanizada sobre manguezais, restingas e margens de rios, onde os ambientes urbanos crescem ocupando áreas ecologicamente protegidas, além de terrenos de marinha. Nesse sentido, apesar do conhecido contexto de desordenação urbana pouco se tem visto em relação às ações mitigadoras para melhoria da qualidade de vida da população de baixa renda que ocupa irregularmente as áreas de manguezal, tão pouco tem havido esforços para recuperar e preservar o ambiente ocupado por essa população."
Destacou a necessidade de intimação dos ocupantes por edital, a necessidade de intimação das entidades federativas, discorreu sobre a regularização fundiária urbana, argumentando cuidar-se de área de uso consolidado.
Designou-se audiência em prol da tentativa de conciliação dos contendores, na forma do art. 334, CPC/15. O IBAMA e o ICMBio reiteraram os pedidos de exclusão da lide (ev. 74/76), o que restou promovido pela Secretaria do Juízo (ev. 81/82). A COLONIA DE PESCADORES Z-5 DE PONTAL DO PARANÁ/PR postulou sua habilitação no feito como terceira interessada - movimento 111 -, anexando instrumento de procuração.
A audiência foi então promovida, conforme movimento 114, sem obtenção de uma solução consensual. Foram determinadas diligências em prol da citação efetiva dos demandados e o Município de Pontal do Paraná foi instado a se manifestar sobre eventuais medidas adotadas para informar aos ocupantes e interessados do ajuizamento das demandas e para viabilizar a desocupação da área.
No evento 116 foram transladadas para os presentes autos relatórios sociais dos autos de n. 5052252-28.2019.4.04.7000/PR. Juntou-se mandado de citação - movimento 117 - , em que restou certificada a citação dos seguintes ocupantes:
ADRIANA DA COSTA
ADRIANO DE MORAES
JANAÍNA DA LUZ
JAQUELINE NUNES LIMA BITTENCOURT
JOSIEL ALVES TEIXEIRA
JUCELIA RODRIGES DA SILVA
MAYCON DA COSTA BITTENCOURT
NORMA DA COSTA BITTENCOURT
PEDRO LOURENÇO DA SILVA
PRISCYLA KEYKE DA SILVA
ROSELI DE SOUZA
SABRINA RODRIGUES KEYKE DA SILVA
Foram identificados como ocupantes, ainda:
Carlos Henrique Keike da Silva
Fernando Gonçalves Paiva
Josiane de Farias
Luciano Alves de Souza
Marlon da Costa Bittencourt
Michel da Costa Bittencourt
Misael Pedroso de Moraes
Nelson Bittencourt
Sandro Ricardo Ferreira de Castro
Os ocupantes das casas 1 e 3 não foram localizados, sendo informado ao sr. Oficial de Justiça que se chamariam, respectivamente, Daniel e Eliane, residiriam em Curitiba e que utilizariam os imóveis para veraneio.
Seguiu-se a contestação apresentada por Fernando Gonçalves Paiva e outros, no movimento 119, postulando a gratuidade de justiça e insurgindo-se em face do pedido de antecipação de tutela. Argumentou-se naquela peça que os requeridos seriam
"semianalfabetos e pessoas de origem humilde, não vislumbram outras oportunidades, senão a atividade pesqueira, vez que, além da pesca significar a atividade típica e tradicional da região, significa, também, a única opção de sobrevivência para eles."
No local, haveria
"diversas crianças, algumas delas com transtorno do espectro autista (TEA), idosos, deficientes, gestantes, adultos, dentre outras, visivelmente vulneráveis e miseráveis, não dispondo de outro abrigo para morar e que o Município de Pontal do Paraná/PR não dispões de condições de realocar, de forma imediata, essas famílias."
Argumentaram que os requisitos para a reintegração na posse não estariam atendidos.
"A ocupação pesqueira na região do Balneário Ipanema se deu há décadas, portanto, muito antes até de existir um plano de loteamento ou até mesmo de estabelecimento de uma avenida, que se deram na década de 70. Ora, não seria razoável pensar em uma “construção” que invadiu a orla, mas sim em ruas que se sobrepuseram a ocupações pré-existente. Excelência, algumas famílias de pescadores ocupam o lugar há mais de 60 (sessenta) anos, muito antes do processo de urbanização do Município de Pontal do Paraná/PR."
Discorreram sobre a responsabilização dos entes federativos, invocaram o direito à moradia digna e de usucapião.
Com conteúdo semelhante, foram anexadas contestações nos movimentos 120, 121, 122, 123, 124, 125. Seguiu-se manifestação do Município de Porto Pontal no evento 126. Depois, postulou-se a intimação da União,
"objetivando a resolução da demanda da forma menos gravosa aos ocupantes, requeremos a intimação da Secretaria de Patrimônio da União – SPU, para que se manifeste, apresentando, se for o caso, o imóvel a ser disponibilizado para a realocação dos pescadores, fato que potencialmente implicaria na resolução da parte mais sensível da demanda."
No evento 129 determinei a expedição de edital de citação dos potenciais interessados, não identificados, com oportuna constituição de curadoria por meio da DPU, salvo objeção desta. O MPF postulou renovação da intimação em momento subsequente à apresentação de réplica - evento 155.. A DPU disser não ser o caso de atuar como curadora especial e reiterou o pedido de nomeação de advogado dativo para a função - movimento 157.
Foram requisitadas informações à SPU, conforme requerido no evento 128. A União Federal apresentou réplica no movimento 161, postulando a dilação de prazo para manifestação da SPU. As informações requisitadas foram prestadas pela SPU no movimento 192, mediante informação da possibilidade de disponibilização de parcela de imóvel da União, para receber os ocupantes demandados nas ações reintegratórias em questão.
As partes foram instadas a especificarem meios de prova, tendo o MPF informado não possuir interesse em promover diligências demonstrativas (ev. 194). A DPU postulou a realização de inspeção judicial e de estudo social no local. Postulou, ainda, a suspensão do processo, diante das tratativas em curso de realocação das famílias - evento 195.
Adriana da Costa postulou a realização de diligência pericial, inquirição de testemunhas, tomada de depoimento pessoal dela e juntada de documentos (evento 196). No mesmo sentido, manifestaram-se os demais demandados e a COlônia de Pescadores Z-5 de Pontal do Paraná, nos eventos 195 a 213. Certificou-se o decurso de prazo para oferecimento de contestação pelos demandados Adriano de Moraes, Josiel Alves Pereira, Maykon da Costa Bitencurtt, Pedro Lourenco da Silva e Roseli de Souza (ev. 215).
Os autos encontram-se conclusos para despacho.
1.4. Demanda de autos 50374043120224047000:
A ação n. 50374043120224047000 versa sobre a poligonal n. 2, que, segundo a União, abrangeria as casas de números 17, 18, 19, 20, 21, 22, 23, 24, 25, 26, 27, 28, 29, 30, 31 e 32 identificadas na figura 02:
A União Federal enfatizou não haver meios para identificar com segurança todos os ocupantes da área. Ao mesmo tempo relacionou 16 possíveis moradores, segundo relação geral de ocupantes pré-identificados pelo Município de Pontal do Paraná.
Diante da concessão de medida liminar para manter a suspensão temporária de medidas de desocupação e despejo, nos termos da Lei 14.216/2021, no âmbito da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 828, restou prejudicada, em um primeiro momento, a análise do pedido de tutela provisória de urgência, conforme decisão de evento 3 dos autos em questão. O Município de Pontal do Paraná, o IBAMA, o ICMBio, o IAT e o Ministério Público Federal foram instados a se manifestar sobre seu interesse jurídico em atuar no feito.
O Ministério Público Federal disse que haveria de acompanhar o processo na qualidade de
custos legis
(evento 12). O IBAMA e o ICMBio disseram não ter interesse em atuar no feito (eventos 14 e 15). O IAT pediu para integrar a lide como
amicus curiæ
(evento 16). O Município de Pontal do Paraná pediu sua habilitação como interessado (ev. 21).
Os autos vieram redistribuídos a este Juízo Substituto, por dependência à ação civil pública n. 5052252-28.2019.4.04.7000 (ev. 23).
No movimento 27 dos autos referidos, promovi a prelibação da peça inicial, apreciando os pressupostos processuais e condições para válido exercício do direito de ação. Posterguei a apreciação do pedido de tutela para depois da efetivação da citação dos requeridos. Determinei a exclusão do IBAMA e do ICMBio da autuação, nos termos requeridos nos eventos 14 e 15. Deferi a participação do IAT como
amicus curiæ
e do Município de Pontal do Paraná, na qualidade de interessado. Determinei a expedição de mandado de identificação e citação dos ocupantes.
A DPU manifestou-se no processo na condição de representante dos demandados, invocando sua condição de
custos vulnerabilis,
destacando também o caráter multitudinário do conflito em questão - evento 43.
No movimento 47, a DPU sustentou ter sido
"contatada por moradores da Vila dos Pescadores, a fim de representá-los individualmente. No entanto, por alguns motivos isso não foi possível. A uma, pois a Defensoria Pública da União não possui órgão com atribuição para a tutela de direitos individuais oriundos de Pontal do Paraná/PR. A duas, em virtude da existência de interesses conflitantes entre os moradores, de forma que a defesa individual realizada pelo ofício com atribuição coletiva (Defensoria Regional de Direitos Humanos) se tornaria inviável e pouco proveitosa. Assim, com vistas a abranger os interesses dos moradores enquanto comunidade e evitar tumulto processual, optou-se pela atuação como parte interessada, isto é, em nome da própria instituição. Por essa razão, requer-se, desde já, a retificação da autuação desses autos, para que a DPU passe a integrar o feito como parte interessada."
Destacou que
"a comunidade nem sequer está organizada pela forma de movimento social ou associação, sendo certo que os moradores não possuem condições financeiras de arcar com advogados particulares, razão pela qual requer-se a nomeação de defensor dativo aos réus, a fim de que não sejam decretadas suas revelias."
Ela enfatizou que
"O histórico da ocupação territorial remonta à própria colonização do Estado do Paraná, tendo vivido ciclos a partir do uso do porto, do café e da ferrovia. No entanto, em todos os ciclos históricos de ocupação territorial vê-se o crescimento desordenado das cidades, desde sempre com expansão da área urbanizada sobre manguezais, restingas e margens de rios, onde os ambientes urbanos crescem ocupando áreas ecologicamente protegidas, além de terrenos de marinha. Nesse sentido, apesar do conhecido contexto de desordenação urbana pouco se tem visto em relação às ações mitigadoras para melhoria da qualidade de vida da população de baixa renda que ocupa irregularmente as áreas de manguezal, tão pouco tem havido esforços para recuperar e preservar o ambiente ocupado por essa população."
Destacou a necessidade de intimação dos ocupantes por edital, a necessidade de intimação das entidades federativas, discorreu sobre a regularização fundiária urbana, argumentando cuidar-se de área de uso consolidado.
No movimento 49, deferi a atuação da DPU no processo, na condição de
custos vulnerabilis
, bem como a intimação do Estado do Paraná e do Município de Pontal do Paraná para tomarem conhecimento do processo e, querendo, ingressarem na demanda como assistentes de quaisquer das partes.
Designou-se audiência em prol da conciliação dos contendores, na forma do art. 334, CPC/15. A Colonia de Pescadores Z-5 de Pontal do Paraná/PR postulou sua habilitação no processo como terceira interessada - evento 79 -, anexando instrumento de procuração. O Estado do Paraná postulou dilação de prazo até a data da audiência, para manifestar eventual interesse (evento 84).
A audiência foi conduzida, conforme evento 86, sem obtenção de uma solução consensual para o conflito. Na ocasião, o Município de Pontal do Paraná noticiou haver projeto em curso, no qual se buscaria a obtenção de empréstimo junto à Cohapar, para realocação de famílias em condições de vulnerabilidade social. Foi então determinado ao Município de Pontal do Paraná a apresentação de eventual projeto de financiamento, orientado a viabilizar a realocação das famílias presentes na faixa litorânea indicada na peça inicial desta demanda e dos feitos conexos.
Cumprido o mandado de citação e identificação, restou certificada no movimento 88, a citação dos seguintes ocupantes:
ALINE GOUVEIA TAVARES DA COSTA VERNER
ANTÔNIO CARLOS TAVARES DA COSTA
CLEVERSON DA COSTA DINA
DALVA DA COSTA
DIRCEU TAVARES DA COSTA
ELENICE DINA COSTA
GILMAR TAVARES DA COSTA
JACY DINA
JAMIL DINA
JAMIL TAVARES DINA COSTA
JOSIAS ALVES DA COSTA
JUCINÉIA TAVARES DA COSTA
MARIA BENEDITA ODOVANI
MARILIA COSTA DINA
RONALDO DA SILVA GOMES
SAMUEL CORREIA NEVES ALVES
Foram identificados como ocupantes os seguintes sujeitos:
Adalton dos Santos Restorf
Ane Cintia Cordeiro Carmo da Costa
Bruno Duarte de Aguiar
Evely Veloso da Silva
Flávio Luis Alfanio Verner
Keuri Laiana Oliveira Maceira Gomes
Marcelo Alves
Milene da Costa Dina
O ocupante da casa 23 não chegou a ser identificado, sendo informado ao sr. Oficial de Justiça que se trataria de pessoa residente em outra cidade, que utilizaria do imóvel para veraneio. A DPU reiterou suas manifestações anteriores (ev. 89). O Município de Pontal do Paraná prestou informações no evento 90, acerca de protocolo realizado perante a COHAPAR.
Seguiu-se a contestação apresentada por Jamil Tavares da Costa Josias Alves da Costa, no evento 92, postulando a gratuidade de justiça e insurgindo-se em face do pedido de antecipação de tutela. Argumentou-se naquela peça que os requeridos em sua maioria seriam
"semianalfabetos e pessoas de origem humilde, não vislumbram outras oportunidades, senão a atividade pesqueira, vez que, além da pesca significar a atividade típica e tradicional da região, significa, também, a única opção de sobrevivência para eles."
No local, haveria
"diversas crianças, algumas delas com transtorno do espectro autista (TEA), idosos, deficientes, gestantes, adultos, dentre outras, visivelmente vulneráveis e miseráveis, não dispondo de outro abrigo para morar e que o Município de Pontal do Paraná/PR não dispões de condições de realocar, de forma imediata, essas famílias."
Argumentaram que os requisitos para a reintegração na posse não estariam atendidos.
"A ocupação pesqueira na região do Balneário Ipanema se deu há décadas, portanto, muito antes até de existir um plano de loteamento ou até mesmo de estabelecimento de uma avenida, que se deram na década de 70. Ora, não seria razoável pensar em uma “construção” que invadiu a orla, mas sim em ruas que se sobrepuseram a ocupações pré-existente. Excelência, algumas famílias de pescadores ocupam o lugar há mais de 60 (sessenta) anos, muito antes do processo de urbanização do Município de Pontal do Paraná/PR."
Discorreram sobre a responsabilização dos entes federativos, invocaram o direito à moradia digna e de usucapião.
Com conteúdo semelhante, foram anexadas contestações nos movimentos 93 a 101. O Município de Pontal do Paraná noticiou ter realizado reunião com a SPU, em 08 de abril/2024, na qual teria sido aventada a possibilidade de disponibilização de imóvel da União para a realocação das famílias que atuam na atividade pesqueira. Dessa forma, postulou no evento 103, a intimação da SPU para se manifestar a respeito.
Certificou-se o decurso de prazo para oferecimento de contestação pelas demandadas Aline Gouveia Tavares da Costa Verner, Elenice Dina Costa e Jucineia Tavares DA Costa (ev. 104). Os autos encontram-se conclusos para despacho.
1.5. Demanda de autos 50374078320224047000:
A ação n. 50374078320224047000 versa sobre a poligonal n. 3, que, segundo a União, abrangeria as casas de números 33, 34, 35, 36, 37, 38, 39, 40, 41, 42, 43, 44, 45, 46, 47, 48, 49, 50, 51, 52, 53, 54, 55, 56, 57, 58, 59, 60, 61, 62, 63, 64, 65, 66, 67, 68, 69, 70, 71, 72, 73, 74, 75, 76, 77, 78, 79, 80, 81, 82, 83 e 84 identificadas na figura 02:
Conquanto tenha alegado não haver meios para identificar com segurança os ocupantes da área, ela relacionou 50 possíveis requeridos, segundo lista geral de ocupantes pré-identificados pelo Município de Pontal do Paraná.
No movimento 3, promovi a prelibação da peça inicial, apreciando os pressupostos processuais e condições para válido exercício do direito de ação. Posterguei a apreciação do pedido de tutela para depois da efetivação da citação dos requeridos. Expediu-se mandado de identificação e citação dos ocupantes.
O Ministério Público Federal disse que haveria de acompanhar o processo na qualidade de
custos legis
(evento 11). O Município de Pontal do Paraná pediu sua habilitação como interessado (ev. 13). A DPU manifestou-se no processo na condição de representante dos demandados, invocando sua condição de
custos vulnerabilis,
destacando também o caráter multitudinário do conflito em questão - evento 14.
Juntou-se mandado de citação - evento 17 - , em que restou certificada a citação dos seguintes ocupantes:
Adriana Brito de Jesus
Antônio Armandio Régis
Aparecida Romana dos Santos
Arminda Rafaela Carneiro Martins
Arnaldo Bueno de Gois
Celso de Souza Silva Jr.
Charlton Luiz Maia Neves
Cléa Mara Bueno Gois dos Santos
Clovis Correia Raimundo
Cristiane Reni Hilgenberg
Daniel Favoreto
Dina de Souza
Dirce Maria Maia Neves
Edmir da Silva
Edna Maria Lemes da Silva
Edson Chagas Domingues
Eliane dos Santos Basso
Elias da Silva Pires
Elisângela Martins Leal
Elza de Amorim Gomes
Fairucy Izabele dos Santos
Fernando dos Santos Basso
Francisco Ilário Chechaka
Itainá da Silva
Izabel da Silva
Joaquim Ramos da Silva
Josemir Lacerda
Kerolainy Carneiro da Silva
Leia de Castro Rodrigues
Letícia Veiga da Costa
Lucas Pereira dos Santos
Lucas Regis
Lucélia Aparecida Martins Freire
Margarete do Rocio Cunha
Maria Aparecida de Oliveira Vinicius
Maria Zilda Francisca
Marli de Fátima Ferreira Rocha
Michele Bueno de Amorim
Nagila Cristina Schultz
Barbosa
Neuli Aparecida de Cristo
Neuseli de Almeida
Paulo Henrique Schultz
Pedro da Silveira Alves
Perciliana Ferreira do Nascimento
Rafael Marques Chechaka
Raul Ferreira Gomes
Samuel Ribeiro da Rosa
Vera da Costa
Zenilda Aparecida Ferreira
Foram identificados como ocupantes, ainda:
Alessandra Xavier
Alessandro da Veiga
Anderson de Amorim Gomes
Catarina Francisca
Claudinei Ribeiro da Silva
Claudineia de Almeida
Cristiano Celestino Teixeira
Daniel Ricardo Amorim
Dominique Arabel dos Santos
Duvita Ribeiro da Rosa
Edson Amorim Gomes
Gerson Ulisses de Oliveira
Hildo Trix da Paz
Jairo Rubens Barbosa
José Martins dos Santos
Joseslaine Gois dos Santos
Josiel da Silva Freira Filho
Maria da Luz
Maria do Socorro Paz Macedo
Marilda Meira Cardoso
Michelle de Souza Nascimento
Renan da Silva Gomes
Robert Aparecido de Oliveira
Rodrigo Reis dos Santos
Rosemaria do Rocio Pinheiro
Rosina Ferreira Adriano
Samuel Ribeiro da Rosa
Silvio Marcelo Berto
Soeli Madruga Dutra
Viviane Bonfim
Os ocupantes das casas de números 35, 36, 37, 41, 43, 52, 63, 77 e 83 não chegaram a ser identificados, sendo informado ao sr. Oficial de Justiça que utilizariam dos imóveis para veraneio.
Seguiu-se a contestação apresentada por Antonio Armandio Régis e outros, movimento 18, postulando a gratuidade de justiça e insurgindo-se em face do pedido de antecipação de tutela. Argumentou-se naquela peça que os requeridos em sua maioria seriam
"semianalfabetos e pessoas de origem humilde, não vislumbram outras oportunidades, senão a atividade pesqueira, vez que, além da pesca significar a atividade típica e tradicional da região, significa, também, a única opção de sobrevivência para eles."
No local, haveria
"diversas crianças, algumas delas com transtorno do espectro autista (TEA), idosos, deficientes, gestantes, adultos, dentre outras, visivelmente vulneráveis e miseráveis, não dispondo de outro abrigo para morar e que o Município de Pontal do Paraná/PR não dispões de condições de realocar, de forma imediata, essas famílias."
Argumentaram que os requisitos para a reintegração na posse não estariam atendidos.
"A ocupação pesqueira na região do Balneário Ipanema se deu há décadas, portanto, muito antes até de existir um plano de loteamento ou até mesmo de estabelecimento de uma avenida, que se deram na década de 70. Ora, não seria razoável pensar em uma “construção” que invadiu a orla, mas sim em ruas que se sobrepuseram a ocupações pré-existente. Excelência, algumas famílias de pescadores ocupam o lugar há mais de 60 (sessenta) anos, muito antes do processo de urbanização do Município de Pontal do Paraná/PR."
Discorreram sobre a responsabilização dos entes federativos, invocaram o direito à moradia digna e de usucapião.
Com conteúdo semelhante, foram anexadas contestações nos movimentos 19 a 36. A União foi intimada para se manifestar acerca do prosseguimento do feito no evento 39, tendo postulado, no evento 42, a citação dos ocupantes ainda não identificados, por meio de edital.
NO evento 44, a DPU sustentou ter sido
"contatada por moradores da Vila dos Pescadores, a fim de representá-los individualmente. No entanto, por alguns motivos isso não foi possível. A uma, pois a Defensoria Pública da União não possui órgão com atribuição para a tutela de direitos individuais oriundos de Pontal do Paraná/PR. A duas, em virtude da existência de interesses conflitantes entre os moradores, de forma que a defesa individual realizada pelo ofício com atribuição coletiva (Defensoria Regional de Direitos Humanos) se tornaria inviável e pouco proveitosa. Assim, com vistas a abranger os interesses dos moradores enquanto comunidade e evitar tumulto processual, optou-se pela atuação como parte interessada, isto é, em nome da própria instituição. Por essa razão, requer-se, desde já, a retificação da autuação desses autos, para que a DPU passe a integrar o feito como parte interessada."
Destacou que
"a comunidade nem sequer está organizada pela forma de movimento social ou associação, sendo certo que os moradores não possuem condições financeiras de arcar com advogados particulares, razão pela qual requer-se a nomeação de defensor dativo aos réus, a fim de que não sejam decretadas suas revelias."
Ela enfatizou que
"O histórico da ocupação territorial remonta à própria colonização do Estado do Paraná, tendo vivido ciclos a partir do uso do porto, do café e da ferrovia. No entanto, em todos os ciclos históricos de ocupação territorial vê-se o crescimento desordenado das cidades, desde sempre com expansão da área urbanizada sobre manguezais, restingas e margens de rios, onde os ambientes urbanos crescem ocupando áreas ecologicamente protegidas, além de terrenos de marinha. Nesse sentido, apesar do conhecido contexto de desordenação urbana pouco se tem visto em relação às ações mitigadoras para melhoria da qualidade de vida da população de baixa renda que ocupa irregularmente as áreas de manguezal, tão pouco tem havido esforços para recuperar e preservar o ambiente ocupado por essa população."
Destacou a necessidade de intimação dos ocupantes por edital, a necessidade de intimação das entidades federativas, discorreu sobre a regularização fundiária urbana, argumentando cuidar-se de área de uso consolidado.
No evento 45 restaram transladadas para os presentes autos pedidos de nomeação de defensores dativos formulados pelos demandados,
Arminda Rafaela Carneiro Martins
,
Jeferson Lemos
,
Edson Chagas Domingues
,
Rosana Piasecki
,
Michele de Souza Nascimento
, Marli de Fátima Ferreira Rocha,
Margarete do Rocio Cunha
,
Luciane da Cruz
,
Izabel da Silva
, Ketllin Roberto da Costa,
Aparecida Romana dos Santos
,
Eliane dos Santos Basso
, Claudineia de Almeida, Clovis Correia Raimundo, Cléa Mara Bueno Gois dos Santos, Adriana Brito de Jesus,
Arnaldo Bueno de Gois
,
Alessandra Xavier
e Viviane Cristina L. de Bonfim.
A Colonia de Pescadores Z-5 de Pontal do Paraná/pr postulou sua habilitação no feito como terceira interessada - evento 46-, anexando instrumento de procuração.O Município de Pontal do Paraná noticiou ter realizado reunião com a SPU, em 08 de abril/2024, na qual teria sido aventada a possibilidad e de disponibilização de imóvel da União para a realocação das famílias que atuam na atividade pesqueira. Dessa forma, postulou no evento 47, a intimação da SPU para se manifestar a respeito.
Os autos encontram-se conclusos para despacho.
1.6. Demanda de autos 50374103820224047000:
A demanda de autos n. 50374103820224047000 versa sobre a poligonal n. 4, que, segundo a União, abrangeria as casas de números 85, 86, 87, 88, 89, 90, 91, 92, 93, 94, 95, 96, 97, 98, 99, 100, 101, 102, 103, 104, 105, 106, 107, 108, 109, 110 e 111 identificadas na figura 02:
Conquanto tenha alegado não haver meios para identificar com segurança os ocupantes da área, ela relacionou 26 possíveis requeridos, segundo relação geral de ocupantes pré-identificados pelo Município de Pontal do Paraná.
Diante da concessão de liminar para manter a suspensão temporária de medidas de desocupação e despejo, nos termos da Lei 14.216/2021, no âmbito da arguição de descumprimento de preceito fundamental 828, restou prejudicada, em um primeiro momento, a apreciação do pedido de tutela provisória de urgência, conforme decisão de evento 3 dos autos em questão. O Município de Pontal do Paraná, o IBAMA, o ICMBio, o IAT e o Ministério Público Federal foram instados a se manifestar sobre seu interesse jurídico em atuar no feito.
O Ministério Público Federal disse que haveria de acompanhar o processo na qualidade de
custos legis
(evento 12). O IAT pediu para integrar a lide como
amicus curiæ
(evento 13). O ICMBio disse não ter interesse jurídico na demanda (ev. 14). O IBAMA, por sua vez, pediu prazo para manifestação, no evento 15. O Município de Pontal do Paraná pediu sua habilitação como interessado (ev. 17).
Os autos vieram redistribuídos a este Juízo Substituto, por dependência à ação civil pública n. 5052252-28.2019.4.04.7000 (ev. 18).
No evento 211, promovi a prelibação da peça inicial, apreciando os pressupostos processuais e condições para válido exercício do direito de ação. Posterguei a apreciação do pedido de tutela para depois da efetivação da citação dos requeridos. Determinei a exclusão do IBAMA e do ICMBio da autuação, levando em conta pedidos formulados no ev. 14 do feito e também nos autos de n. 5037404-31.2022.4.04.7000 (ev. 14/15). Deferi a participação do IAT no feito, como
amicus curiæ,
e do Município de Pontal do Paraná, na qualidade de interessado.
O IBAMA opôs embargos declaratórios no movimento 35, sustentando que não teria requerido sua exclusão da lide, os quais restaram prejudicados em face de manifestação posterior efetuada pelo embargante, no movimento 37, em que requerida a sua exclusão da lide.
A DPU manifestou-se no processo na condição de representante dos demandados, invocando sua condição de
custos vulnerabilis,
destacando também o caráter multitudinário do conflito em questão (evento43). No evento 47 a DPU sustentou ter sido
"contatada por moradores da Vila dos Pescadores, a fim de representá-los individualmente. No entanto, por alguns motivos isso não foi possível. A uma, pois a Defensoria Pública da União não possui órgão com atribuição para a tutela de direitos individuais oriundos de Pontal do Paraná/PR. A duas, em virtude da existência de interesses conflitantes entre os moradores, de forma que a defesa individual realizada pelo ofício com atribuição coletiva (Defensoria Regional de Direitos Humanos) se tornaria inviável e pouco proveitosa. Assim, com vistas a abranger os interesses dos moradores enquanto comunidade e evitar tumulto processual, optou-se pela atuação como parte interessada, isto é, em nome da própria instituição. Por essa razão, requer-se, desde já, a retificação da autuação desses autos, para que a DPU passe a integrar o feito como parte interessada."
Destacou que
"a comunidade nem sequer está organizada pela forma de movimento social ou associação, sendo certo que os moradores não possuem condições financeiras de arcar com advogados particulares, razão pela qual requer-se a nomeação de defensor dativo aos réus, a fim de que não sejam decretadas suas revelias."
Ela enfatizou que
"O histórico da ocupação territorial remonta à própria colonização do Estado do Paraná, tendo vivido ciclos a partir do uso do porto, do café e da ferrovia. No entanto, em todos os ciclos históricos de ocupação territorial vê-se o crescimento desordenado das cidades, desde sempre com expansão da área urbanizada sobre manguezais, restingas e margens de rios, onde os ambientes urbanos crescem ocupando áreas ecologicamente protegidas, além de terrenos de marinha. Nesse sentido, apesar do conhecido contexto de desordenação urbana pouco se tem visto em relação às ações mitigadoras para melhoria da qualidade de vida da população de baixa renda que ocupa irregularmente as áreas de manguezal, tão pouco tem havido esforços para recuperar e preservar o ambiente ocupado por essa população."
Destacou a necessidade de intimação dos ocupantes por edital, a necessidade de intimação das entidades federativas, discorreu sobre a regularização fundiária urbana, argumentando cuidar-se de área de uso consolidado.
A Colonia DE Pescadores Z-5 de Pontal do Paraná/pr postulou sua habilitação no processo como terceira interessada - evento 49 -, anexando instrumento de procuração. No evento 50, o sr. José Luiz do Nascimento compareceu em juízo e solicitou a nomeação de advogado dativo. Juntou-se mandado de citação - evento 51-, em que restou certificada a citação dos seguintes ocupantes:
ANA MARIA DA VEIGA OLIVEIRA
ANDERSON DA COSTA QUERINO
CELMA BUENO DE MORAIS
CESAR ALBERTO F. DE BRITO
CLAUDIANE CARVALHO
CONCEIÇÃO APARECIDA DIAS
DIEGO DE CAMARGO CAPANEMA
EDUARDO OLIVEIRA ZANINI
ELY CABRAL DA SILVA
GENIVALDO ALÉCIO CHAFÃO
HEMANUELLE DOS SANTOS PIKCIUS
JHONY NELSON DE AMORIM
JOÃO CHAFÃO
JOÃO VITOR CONCEIÇÃO CHAFÃO
José Luiz do Nascimento
JOSIANE GONÇALVES CORDEIRO
LEONARDO GULHERME D ELIMA SCHULTZ
LUIZ DO NASCIMENTO
MICHEL NELSON DE AMORIM
ROSANGELA APARECIDA THOMAZ
SERGIO LAINS GOMES SELLA
SIMONE DA COSTA
SUELY DE JESUS SILVA
TANIA REGINA FERREIDA DE ALMEIDA
VERA LUCIA TEIXEIRA DOS SANTOS
Foram identificados como ocupantes:
Adão Soares de Almeida
Antônio José Lopes de Araújo
Camila Dias Raimundo de Amorim
Cosmo Antônio de Amorim
Daniele Edelina Quadros
Fabiano de Almeida Miranda
Fernanda da Silva Chafão
Joaquim Manoel Pikcius
Leonardo Kinseler
Liliane Cristina Numinhaque Amorim
Lucas Luiz Pontes Prestes
Pamela Taís Nunes
Paulo Cesar Querino
Valdecir Pedroso de Morais
Valter Fernandes da Silva
Os ocupantes das casas 95, 97 e 98 não foram localizados, sendo informado ao sr. Oficial de Justiça que os dois primeiros se chamariam Thiago e Antônio José Lopes de Araújo, respectivamente, e que utilizariam dos imóveis para veraneio. A ocupante da casa 98 não foi identificada, sendo tal imóvel também utilizado para veraneio somente, conforme informações colhidas dos moradores na ocasião. A casa de número 110 não foi encontrada naquela diligência, mas constatada a existência de galpões e pequenos abrigos para guardar instrumentos de pescas.
A DPU reiterou no movimento
52
, os termos já expostos nos eventos 43 e 47, no sentido de que atuará como "
custos vulnerabilis
", isto é, em nome próprio. Postulou pela nomeação de defensor dativo aos réus.
Seguiu-se a contestação apresentada por Cosme Antonio de Amorim e Suely de Jesus Silva de Amorim, no movimento 53, postulando a gratuidade de justiça e insurgindo-se em face do pedido de antecipação de tutela. Argumentou-se naquela peça que os pescadores que ocupam o local seriam, em sua maioria,
"semianalfabetos e pessoas de origem humilde, não vislumbram outras oportunidades, senão a atividade pesqueira, vez que, além da pesca significar a atividade típica e tradicional da região, significa, também, a única opção de sobrevivência para eles."
No local, haveria
"diversas crianças, algumas delas com transtorno do espectro autista (TEA), idosos, deficientes, gestantes, adultos, dentre outras, visivelmente vulneráveis e miseráveis, não dispondo de outro abrigo para morar e que o Município de Pontal do Paraná/PR não dispões de condições de realocar, de forma imediata, essas famílias."
Argumentaram que os requisitos para a reintegração na posse não estariam atendidos.
"A ocupação pesqueira na região do Balneário Ipanema se deu há décadas, portanto, muito antes até de existir um plano de loteamento ou até mesmo de estabelecimento de uma avenida, que se deram na década de 70. Ora, não seria razoável pensar em uma “construção” que invadiu a orla, mas sim em ruas que se sobrepuseram a ocupações pré-existente. Excelência, algumas famílias de pescadores ocupam o lugar há mais de 60 (sessenta) anos, muito antes do processo de urbanização do Município de Pontal do Paraná/PR."
Discorreram sobre a responsabilização dos entes federativos, invocaram o direito à moradia digna e de usucapião.
Com conteúdo semelhante, foram anexadas contestações nos movimentos 54 a 63. Seguiu-se manifestação do Município de Pontal do Paraná no evento 64, em que postulou-se a intimação da União,
"objetivando a resolução da demanda da forma menos gravosa aos ocupantes, requeremos a intimação da Secretaria de Patrimônio da União – SPU, para que se manifeste, apresentando, se for o caso, o imóvel a ser disponibilizado para a realocação dos pescadores, fato que potencialmente implicaria na resolução da parte mais sensível da demanda."
Certificou-se o decurso de prazo para oferecimento de contestação pelos semandados ANA MARIA DA VEIGA OLIVEIRA, CEZAR ALBERTO FRANCO FERREIRA DE BRITO, CONCEICAO APARECIDA DIAS, EDUARDO OLIVEIRA ZANINI, ELY CABRAL DA SILVA, GENIVALDO ALECIO CHAFAO, HEMANUELLE DOS SANTOS PIKCIUS, JOAO CHAFAO, JOAO VITOR CONCEICAO CHAFAO, JOSIANE GONCALVES CORDEIRO, LEONARDO GUILHERME DE LIMA SCHULTZ, SERGIO LUIS GOMES SELLA e Tania Regina Ferreira de Almeida (Ev. 66).
Os autos vieram conclusos para despacho.
II - FUNDAMENTAÇÃO
2.1. Pressupostos processuais e condições da ação:
Anoto que promovi a apreciação dos pressupostos processuais e das condições para válido exercício do direito de ação, conforme decisão de evento 27 deste eproc n. 50374103820224047000. Retomo o exame com a deliberação sobre as questõres remanescentes.
2.2. Competência da Justiça Federal:
As demandas acima relatadas se submetem à competência da Justiça Federal, conforme art. 109, I, CF/1988 e art. 10 da lei n. 5.010, de 1966, na medida em que deflagrada pela União Federal, conf. art. 129, CF e lei complementar 75/93.
Trata-se de exame da alçada da própria Justiça Federal, conforme conhecidas súmulas 150, 224 e 254, STJ, ou do Superior Tribunal de Justiça, quando suscitado conflito, na forma do art. 105, I, "d", da Constituição.
2.3. Competência desta Subseção Judicíaria:
Considerando que aludida área encontra-se no litoral do Paraná, poder-se-ia cogitar da competência da Subseção de Paranaguá para apreciação do tema aqui discutido, conforme art. 53, III, "d", CPC/15 e art. 109, §1º, CF/88:
"As causas em que a União for autora serão aforadas na seção judiciária onde tiver domicílio a outra parte."
Isso poderia subscitar a competência da Subseção de Paranaguá para a presente demanda. Note-se, contudo, que a presente 11ª VF da Subseção de Curitiba foi especializada na temática ambiental e nos direitos das nações nativas, por meio da Resolução 39, de 05 de abril de 2005 (Vara Ambiental de Curitiba), sendo renomeada por meio da Resolução 99, de 11 de junho de 2013, também do TRF4. A competência foi modificada por meio da Resolução 23, de 13 de abril de 2016, com regionalização promovida pela Resolução 63, de 25, de julho de 2018, e pela Resolução 43, de 26 de abril de 2019, TRF4.
Por força da referida resolução nº 23, de 13 de abril de 2016, do TRF4, a presente unidade passou a deter competência para apreciar questões pertinentes ao meio ambiente, natural ou urbano, conflitos minerários, desapropriação, terrenos de marinha, situados no litoral paranaense, dentre outros temas. Logo, RECONHEÇO a competência da presente unidade jurisdicional para esta causa.
Ademais, mesmo que assim não fosse, é fato que eventual incompetência territorial não poderia ser declarada de ofício, conforme conhecida súmula 33, ST e art. 65 CPC/15.
2.4. Competência do presente Juízo:
A demanda restou submetida ao presente Juízo Substituto da presente 11.vara federal da Subseção de Curitiba, mediante distribuição, considerando os Juízos desta unidade (Titular e Substituto), o que atendeu à garantia do Juízo Natural - art. 5, LIII, Constituição.
2.5. Conexão processual - considerações gerais:
O processualista Bruno S. Dantas enfatiza que
"
com o início de vigência do CPC/2015, será considerado prevento o juízo perante o qual houver ocorrido o registro ou a distribuição (conforme o caso) da primeira de uma série de demandas conexas, ainda que tal registro ou distribuição tenha ocorrido durante a vigência do CPC/1973
. Desde que a prevenção, ela própria, não se tenha consumado sob a égide do CPC/1973 (por um dos alternativos critérios previstos nos seus arts. 106 e 2019), incidirá de plano o disposto no art. 59 da codificação de 2015 definindo-se o juízo prevento para um conjunto de demandas conexas pela anterioridade dos registros ou das distribuições (conforme o caso) das mesmas. Os arts. 60 e 61 do CPC/2015, por sua vez, praticamente repetem os arts. 107 e 108 do CPC/1973, dispensando, por tal razão, maiores comentários a respeito nesta oportunidade."
(DANTAS, B. S.
in
WAMBIER, Teresa A. Alvim et al.
Breves comentários ao novo código de processo civil.
SP: RT, 2015, p. 229).
Convém ter em conta a lição de Araken de Assis, sobre o tema:
"(...)
O art. 55, caput, definiu a conexão como a identidade de pedido ou de causa inspirado no propósito de erradicar as tergiversações constatadas na vigência do CPC de 1939. A proposição legislativa, excepcional no direito estrangeiro, porque prepondera a tendência de encarregar o órgão judicial de indicar os casos do fenômeno, consonante controvérsia haurida do direito comum, e feita em sentido oposto à do CPC de 1939, em todo caso revela-se incompleta e insuficiente. Não abrange a totalidade das hipóteses de conexão
. O art. 55, § 3.º (“… mesmo sem conexão entre eles”) alude à conexão em sentido estrito do art. 55, caput. Ao nosso ver, os vínculos que geram o risco da prolação de “decisões conflitantes ou contraditórias”, a teor do art. 55, § 3.º, inserem-se na rubrica da conexão em sentido amplo. Não há outro sítio adequado para situar o liame entre os objetos litigiosos
O art. 113 do NCPC, arrolando os casos em que se admite a demanda conjunta, ou litisconsórcio, demonstra que existem outros laços, mais tênues e distantes, que autorizam o processo cumulativo. E a outro juízo não se chega ao avaliar o nexo exigido pelo art. 343 na reconvenção, como ocorria no direito anterior. Retira-se, daí, segura conclusão
. As duas hipóteses descritas no art. 55, caput – identidade de causa ou identidade de pedido – constituem “uma, entre as várias em que ocorre a conexão”. Por isso, antes do CPC de 1939, descreveu-se a conexão como “laço envolvente, que se insinua por entre as relações jurídicas, ora prendendo-as de um modo indissolúvel, por forma a exigir uma única decisão; ora criando entre elas pontos de contato mais ou menos íntimo, que aconselham a reunião em um só processo, ainda quando possam ser decididas separadamente, sem maior dano, a não ser a lentidão e o gravame de maiores despesas”.
Exemplos de causas conexas, segundo a literalidade do art. 55, caput: (a) A reivindica o imóvel x perante B, e, paralelamente, C também reivindica o imóvel x, do mesmo réu, hipótese em que a identidade recai sobre o pedido (objeto) mediato; (b) o locatário A propõe consignatória dos aluguéis perante o locador B, o qual, de seu turno, propõe ação de despejo, fundada no inadimplemento dos aluguéis, perante o inquilino.
Para os efeitos da modificação da competência, as hipóteses contempladas no art. 55, caput – identidade de causa de pedir ou identidade de pedido –, então, ainda consideram-se exemplificativas. Um laço menos intenso já serve para reunir os processos. O objetivo da regra reside em evitar decisões conflitantes, “por isso a indagação sobre o objeto ou a causa de pedir, que o artigo por primeiro quer que seja comum, deve ser entendida em termos, não se exigindo a perfeita identidade, senão que haja um liame que os faça passíveis de decisão unificada”. Em outra oportunidade, reiterou-se que “não é necessário que se cuide de causas idênticas (quanto aos fundamentos e ao objeto {rectius: pedido})”, bastando “que as ações sejam análogas, semelhantes”, insistiu no “escopo da junção das demandas para um único julgamento é a mera possibilidade da superveniência de julgamentos discrepantes
”.
Por conseguinte, a jurisprudência, atendendo às finalidades da modificação da competência, em que a derrogação das regras gerais se justifica pela economia de atividade e pela erradicação do risco de julgamentos conflitantes, rejeita a exigência de identidade absoluta de causa ou de pedido, aceitando simples analogia entre as ações
. Porém, preocupa-se com o risco de julgamentos contraditórios, evento apurado caso a caso, mas verificado em todas as hipóteses do art. 113, inclusive na afinidade de ponto comum de direito ou de fato (inc. III). Ora, parece difícil visualizar semelhante risco no cúmulo simples de pedidos, em que há total autonomia das pretensões deduzidas, no mesmo processo, contra o réu. Por isso, o intuito de erradicar pronunciamentos conflitantes não oferece a única e constante justificativa para o processo cumulativo e, muito menos, a prorrogação da competência. Ao menos na conexão subjetiva, no caso da cumulação simples de pedidos, impera o princípio da economia processual. E, de toda sorte, as finalidades visadas no processo cumulativo, e na reunião de causas inicialmente autônomas, mostram-se estranhas à verdadeira causa desses fenômenos, que residiria no vínculo entre partes, causa e pedido." (ASSIS, Araken.
Processo civil brasileiro.
Volume I. São Paulo: RT, 2015, tópico 302)
Deve-se aferir, ademais, a eventual aplicação do art. 55, §1º, parte final, CPC/15:
"Os processos de ações conexas serão reunidos para decisão conjunta,
salvo se um deles já houver sido sentenciado
."
Semelhante é o conteúdo da mencionada súmula 235, STJ:
"
A conexão não determina a reunião dos processos, se um deles já foi julgado
."
2.6. Eventual conexão - caso em exame:
Há, no caso, conexão deste processo com a ação civil pública n. 50522522820194047000, alvo do relatório acima. Aplica-se ao caso, em princípio, o art. 55, §1º, CPC e leitura
a contrario senso
da súmula 235, STJ. Isso enseja, em primeira análise, a competência do Juízo para a presente causa:
CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. ALEGAÇÃO DE CONEXÃO. IDENTIDADE DE PEDIDO ENTRE AS AÇÕES E SEMELHANÇA NA CAUSA DE PEDIR. NECESSIDADE DE REUNIÃO DOS PROCESSOS PARA JULGAMENTO CONJUNTO PERANTE O MESMO JUÍZO. ARTIGO 55, "CAPUT" E 55, § 2º, DO CPC/15. -
Reputam-se conexas 2 (duas) ou mais ações quando lhes for comum o pedido ou a causa de pedir - Reconhecendo a identidade no pedido entre as ações e semelhança na causa de pedir, imperioso a reunião dos processos para análise perante o mesmo Juízo
- Deverão também ser reunidos os processos para julgamento conjunto quando possam gerar risco de prolação de decisões conflitantes ou contraditórias caso decididos separadamente, mesmo sem conexão entre eles. (TJ-MG - CC: 10000170908776000 MG, Relator: Luiz Artur Hilário, Data de Julgamento: 03/06/0018, Data de Publicação: 14/06/2018)
Declaro haver, ademais, conexão entre esta demanda e os processos versando sobre a reintegração das demais áreas, mencionadas na peça inicial - 50374043120224047000 e 503741038 20224047000. Aludidos processos encontram-se submetidos ao presente juízo e deverão ser julgados em conjunto com o presente, de modo a evitar eventuais deliberações conflitantes, conforme art. 55, §1º, CPC.
2.7. Respeito à coisa julgada - considerações gerais:
Como sabido, a coisa julgada é assegurada constitucionalmente, na forma do art. 5, XXXVI, Lei Maior/88, enquanto projeção da garantia da segurança jurídica. Eventual sentença transitada em julgada em regra não pode ser alterada pelo Juízo e tampouco pela parte atingida, salvo eventual celebração de acordo com a parte reconhecida como credora na decisão (lógica, por exemplo, do art. 190, CPC).
"A sentença de mérito transitada em julgado só pode ser desconstituída mediante ajuizamento de específica ação autônoma de impugnação (ação rescisória) que
haja sido proposta na fluência do prazo decadencial previsto em lei
, pois, com o exaurimento de referido lapso temporal,
estar-se-á diante da coisa soberanamente julgada, insuscetível de ulterior modificação, ainda que o ato sentencial encontre fundamento em legislação que, em momento posterior, tenha sido declarada inconstitucional pelo STF, quer em sede de controle abstrato, quer no âmbito de fiscalização incidental de constitucionalidade
. A superveniência de decisão do STF, declaratória de inconstitucionalidade de diploma normativo utilizado como fundamento do título judicial questionado, ainda que impregnada de eficácia ex tunc - como sucede, ordinariamente, com os julgamentos proferidos em sede de fiscalização concentrada (RTJ 87/758 - RTJ 164/506-509 - RTJ 201/765) -, não se revela apta, só por si, a desconstituir a autoridade da coisa julgada, que traduz, em nosso sistema jurídico, limite insuperável à força retroativa resultante dos pronunciamentos que emanam, in abstracto, da Suprema Corte." (RE 592.912-AgR, rel. min. Celso de Mello, julgamento em 3-4-2012, Segunda Turma, DJE de 22-11-2012.)
Atente-se também para a lição de Humberto Theodoro Jr.:
"A coisa julgada é fenômeno próprio do processo de conhecimento, cuja sentença tende a fazer extinguir a incerteza provocada pela lide instalada entre as partes. Mas fazer cessar a incerteza jurídica não significa apenas fazer conhecer a solução cabível, mas impô-la, tornando-a obrigatória para todos os sujeitos do processo, inclusive o próprio juiz. Às vezes, o comando sentencial tem de ser executado por meio de realização coativa da prestação devida pelo vencido. Outras vezes, a declaração apenas é suficiente para eliminar o foco da desavença. Nem sempre, portanto, o processo civil está predisposto a providências executivas. Há acertamentos condenatórios, mas há também os não condenatórios, que se desenvolvem em torno de pretensões constitutivas ou apenas declaratórias.
Uma vez, porém, concluído o acertamento da controvérsia, seja por sentença de imposição de sanção, seja por sentença puramente declaratória, a coisa julgada se estabelece com a mesma função, ou seja, a certeza jurídica em torno da relação controvertida se implanta com plenitude, vinculando as partes e o juiz.
Essa situação jurídica cristalizada pela coisa julgada caracteriza-se por dois aspectos fundamentais: de um lado, vincula definitivamente as partes; de outro, impede, partes e juiz, de restabelecer a mesma controvérsia não só no processo encerrado, como em qualquer outro.
Admite-se, dessa maneira, uma
função negativa
e uma
função positiva
para a coisa julgada. Pela função negativa exaure ela a
ação exercida
, excluindo a possibilidade de sua
reproposição
. Pela função positiva, “impõe às partes obediência ao julgado como norma
indiscutível
de disciplina das relações extrajudiciais entre elas e obriga a autoridade judiciária a ajustar-se a ela, nos pronunciamento que a pressuponham e que a ela se devem coordenar
” (
apud
NEVES, Celso.
Coisa Julgada Civil.
São Paulo: RT, 1971, p. 383-383).
A coisa julgada, por sua força vinculativa e impeditiva, não permite que partes e juiz escapem da definitiva sujeição aos efeitos do acertamento consumado no processo de conhecimento. O resultado prático é caber a qualquer dos litigantes “a
exceptio rei iudicatae,
para excluir novo debate sobre a relação jurídica decidida” (
apud
NEVES, Celso. Op. Cit, p. 489), e ao juiz o poder de, até mesmo de ofício, extinguir o processo sem julgamento do mérito, sempre que encontrar configurada a ofensa à coisa julgada (ar. 267, V e § 3º).
Portanto, quando o art. 467 fala em
indiscutibilidade
e
imutabilidade
da sentença transitada em julgado refere-se a duas coisas distintas: a) pela
imutabilidade
, as partes estão proibidas de propor ação idêntica àquela em que se estabeleceu a coisa julgada; b) pela
indiscutibilidade
, o juiz é que em novo processo, no qual se tenha de tomar a situação jurídica definida anteriormente pela coisa julgada como razão de decidir, não poderá reexaminá-la ou rejulgá-la; terá de tomá-la simplesmente como
premissa
indiscutível. No primeiro caso atua a força
proibitiva
(ou negativa) da coisa julgada, e, no segundo, sua força
normativa
(ou positiva)
." (THEODORO JÚNIOR, Humberto.
Curso de Direito Processual Civil:
Teoria geral do direito processual civil e processo de conhecimento. Vol. I. Rio de Janeiro: Forense, 2014, p. 587-588).
Nesse mesmo sentido, leiam-se também os seguintes julgados: RE 444.816, rel. min. Marco Aurélio, julgamento em 29-5-2012, Primeira Turma, DJE de 27-8-2012; RE 594.350, rel. min. Celso de Mello, decisão monocrática, julgamento em 25-5-2010, DJE de 11-6-2010.
Segundo o conhecido art. 502, CPC/15,
"
Denomina-se coisa julgada material a autoridade que torna imutável e indiscutível a decisão de mérito não mais sujeita a recurso
.
" O art. 503, do mesmo código, preconiza que
"A decisão que julgar total ou parcialmente o mérito tem força de lei nos limites da questão principal expressamente decidida."
Merece ênfase, ademais, o art. 508, CPC:
"Transitada em julgado a decisão de mérito, considerar-se-ão deduzidas e repelidas todas as alegações e as defesas que a parte poderia opor tanto ao acolhimento quanto à rejeição do pedido."
Luiz Guilherme Marinoni e Daniel Mitidiero são precisos quando enfatizam que
"
A coisa julgada pressuposto do discurso jurídico - constitui uma regra sobre o discurso. Não admite, nesse sentido, ponderação. Representa evidente agressão ao Estado Constitucional e ao próprio discurso jurídico a tentativa de relativizar a coisa julgada
."
(MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel.
Código de processo cvil.
6. ed. rev. atual. São Paulo: RT, 2014, p. 449).
Desse modo, a sentença transitada em julgado não pode ser alterada ou desconsiderada pelo Juízo, conforme lógica do art. 508, CPC/15. Tal alteração apenas seria admissível em casos de negócio processual, avençado entre as partes, versando sobre pretensões disponíveis, conforme art. 190, CPC/15. Também seria cabível em hipótese de ação rescisória, interposta perante o Tribunal competente e com atenção ao prazo do art. 975, CPC/15; em caso de
querela nullitatis insanabilis
ou de declaração, pela Suprema Corte, da inconstitucionalidade de norma tomada como fundamento para prolação da sentença (art. 535, §4º, CPC).
2.8. Respeito à coisa julgada - caso em exame:
No caso em análise, não diviso sinais de violação à coisa julgada. Ao que consta, o tema aludido na inicial não chegou a ser apreciado em alguma outra sentença, de modo que não há afronto à garantia em causa.
2.9. Litispendência - considerações gerais:
De alguma forma, o tema do
ne bis in idem
tem origem no âmbito do direito sancionador, dado que ninguém pode ser sancionado duplamente por uma mesma infração administrativa ou penal
. Essa vedação decorre da própria cláusula do devido processo, tanto na vertente substantiva quanto procedimental. Daí que ninguém pode responder a simultâneos processos administrativos versando sobre a mesma suspeita/imputação, tampouco podendo responder a distintos processo penais com lastro na mesma arguição.
Esse é o conteúdo da cláusula do
double jeopardy,
assegurada pela 5ª e pela 14ª Emendas da Constituição dos EUA (aplicadas aos Estados-membros a partir do caso
Benton v. Maryland - 1969,
Suprema Corte). No âmbito da
Civil Law
isso se traduz na cláusula do
ne bis in idem,
assegurado expressamente pelo art. 8º do Pacto de San José da Costa Rica e em inúmeros outros tratados internacionais. No caso alemão, essa vedação está expressa no art. 103 da Lei Fundamental (
Doppelverwertungsverbot -
proibição de dupla valoração do mesmo fato:
"
Ninguém pode ser punido mais de uma vez pelo mesmo fato, com base no direito penal comum
",
em tradução livre).
Apesar de se tratar de garantia antiga - há quem alegue que o
ne bis in idem
teria origem sob o governo de Henrique II, na Inglaterra (por volta de 1100 D.C, conforme RUDSTEIN, David S.
Double
jeopardy:
a reference guide to the United States Constitution. Westport: Praeger, 2004, p. 4-8), há várias discussões a respeito do seu alcance. Anote-se, por exemplo, que García de Enterría sustentava que o
ne bis in idem
impediria a cumulação de sanções penais e administrativas diante de uma mesma imputação, por força da redação do art. 25 da Constituição da Espanha (veja-se AISA, Estrella Escuchuri.
Teoría del concurso de leyes y de delitos:
bases para una revisión crítica. Granada: Comares, 2004, p. 123). Mas, essa opinião não ganhou maiores adeptos.
O fato é que o
bis in idem
ocorre quando alguém é sancionado mais de uma vez pela mesma imputação. Daí que deve se tratar da mesma conduta e também da punição ao mesmo título, dado que é cabível - no território nacional - que alguém responda a uma sanção pela infração tributária e também responda por eventual crime previsto na lei 8.137/1990. Em outras palavras, um determinado comportamento pode configurar, a um só tempo, infração a cláusulas contratuais - dando ensejo à aplicação de cláusulas penais -; ilícito administrativo; ilícito tributário e ilícito penal, contanto que haja efetiva diferença entre os escopos sancionatórios de cada uma dessas imputações.
No caso, nesse primeiro e precário exame, não diviso sinais de litispendência, o que pressupõe - conforme
art. 337, §2, CPC/15
- identidade de partes, de pedido e de causa de pedir. No presente processo, a aludida exceção não foi suscitada pelas partes e não constato o cogitado
bis in idem
, no que tange ao exame de ofício.
Aludido requisito de identidade de partes nas demandas é esmaecido, e fato, quando em causa processos coletivos, na medida em que o(a) autor(a) pode então deduzir pretensão em nome de coletividades.
Quando em causa ações coletivas
, o que não é a hipótese em exame, é salutar ter em conta
"que a aferição da litispendência na tutela coletiva deve ser regida não pela análise de quem formalmente se apresenta como autor das diversas demandas, mas, sim, pela qualificação jurídica de tal legitimação. Vale dizer, indagando-se a que título estão as diferentes entidades autoras em juízo, deduzindo idênticas pretensões de tutela de direitos meta-individuais (mesmos pedidos e causas de pedir), quando, então, será possível afirmar serem idênticas as demandas coletivas.
Deste modo, em virtude da especialidade do modelo processual coletivo, e, notadamete da qualificação da legitimação ativa empregaada, revela-se equivocada a afirmação de inexistência de litispendência entre ações coletivas através das quais sejam deduzidas idênticas pretensões, pelo tão-só fato de terem sido propostas por entidades diferentes
."
(VENTURI, Elton.
Processo civil coletivo:
a tutela jurisdicional dos direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos no Brasil. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 331).
De toda sorte, não há preclusão
pro iudicato
para exame do tema adiante, notadamente em fase de saneamento, caso acorram aos autos elementos que demandem a revisão deste despacho.
"
Sob outra perspectiva, dentre as espécies de preclusão, em relação aos protagonistas do processo, há ainda a denominada preclusão pro iudicato, pela qual é vedado ao juiz decidir questão já julgada. Assim, a preclusão, normalmente, atinge a atividade das partes, mas, igualmente, pode também ocorrer em relação ao órgão jurisdicional, impondo-lhe o obstáculo de não mais poder decidir matéria de direito disponível, a qual, nos termos do caput do art. 505, foi objeto de precedente julgamento
.
Cumpre deixar claro que a vedação no sentido de desautorizar o juiz a rever anterior ato decisório concerne apenas questões de direito disponível, uma vez que, consoante o disposto no art. 485, § 3.º, do CPC, não alcança a matéria de ordem pública, que pode ser reexaminada, pelo próprio juiz da causa, até o momento de proferir sentença.
Fredie Didier Júnior, enfrentando está questão já sob as novas regras processuais, sustenta diferente opinião, trazendo inúmeros argumentos que convidam à reflexão. Embora entendendo que o art. 485, § 3.º, do CPC, autoriza a cognição em qualquer grau e tempo de jurisdição da matéria ali especificada, isso somente ocorrerá se não tiver sido precedentemente examinada: “convém precisar a correta interpretação que se deve dar ao enunciado do § 3.º do art. 485 do CPC. O que ali se permite é o conhecimento, a qualquer tempo, das questões relacionadas à admissibilidade do processo – não há preclusão para a verificação de tais questões, que podem ser conhecidas ex officio, até o trânsito em julgado da decisão final, mesmo pelos tribunais. Mas não há qualquer referência no texto legal à inexistência de preclusão em torno das questões já decididas.
Se fosse consistente esta linha de raciocínio, quando já decidida, por exemplo, em primeiro grau uma preliminar de natureza processual, não impugnada a decisão por meio do recurso cabível, o tribunal estaria impedido de reexaminá-la de ofício, porque coberta pela preclusão. Na verdade, o tribunal não só pode como deve enfrentar as questões de ordem pública, visto que não há se falar em preclusão pro iudicato sobre esta matéri
a.
Atualmente, vinga esse posicionamento em nossos tribunais, como, v.g., colhe-se em acórdão da 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, no Agravo Regimental no Recurso Especial 1.377.422-PR, relatado pelo Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva: “Nos termos da jurisprudência desta Corte as matérias de ordem pública decididas por ocasião do despacho saneador não precluem, podendo ser suscitadas na apelação, ainda que a parte não tenha interposto o recurso de agravo”. Em senso análogo, a 2.ª Turma, a seu turno, por ocasião do julgamento do Recurso Especial 1.483.180-PE, com voto condutor do Ministro Herman Benjamin, assentou, à unanimidade de votos, que: “Esta Corte Superior possui entendimento consolidado de que as matérias de ordem pública decididas por ocasião do despacho saneador não precluem, podendo ser suscitadas na apelação, ainda que a parte não tenha interposto o recurso de agravo.
Tive oportunidade de examinar esta problemática sob a égide do CPC re- vogado, valendo-me da lição de Galeno Lacerda. [4]Na verdade, há ensinamentos que se perpetuam. Como a redação do atual caput do art. 505 é praticamente a mesma da anterior (art. 471), invoco mais uma vez a dou- trina do insigne processualista gaúcho, ainda atual, ao refutar a posição de Liebman, no sentido da impossibilidade de ser reavivado, no curso do pro- cesso, o exame acerca de questões cujo deslinde já havia sido coberto pela preclusão.
Com efeito, após sistematizar as nulidades processuais e tentar solucionar os problemas que defluíam da atividade saneadora do juiz, Galeno Lacerda afirmava que: “a violação de normas imperativas, ao contrário do que ocorre com a anulabilidade, deve ser declarada de ofício pelo magistrado. Enquanto, porém, a ofensa à lei reclamada pelo interesse público provoca nulidade insanável, a infração de preceito imperativo ditado em consideração a interesse da parte impede o juiz a tentar o suprimento, antes de declarar a nulidade. Ora, o problema da preclusão de decisões no curso do processo é substancialmente diverso do problema da preclusão das decisões terminativas. Enquanto nestas o magistrado esgota a jurisdição, extinguindo a relação processual, naquelas ele conserva a função jurisdicional, continua preso à relação do processo. Em face desta premissa, a pergunta se impõe:
Pode o magistrado, que conserva a jurisdição, fugir ao mandamento de norma imperativa, que o obriga a agir de ofício, sob pre- texto de que a decisão interlocutória precluiu? Reconhecido o próprio erro, poderá a falta de impugnação da parte impedi-lo de retratar-se? Terá esta com sua anuência, tal poder de disposição sobre a atividade ulterior do juiz? A resposta, evidentemente, no caso, deve ser negativa
. Se o juiz conserva a jurisdição, para ele não preclui a faculdade de reexaminar a questão julgada, desde que ela escape à disposição da parte, por emanar de norma processual imperativa. Daí se conclui que a preclusão no curso do processo depende, em última análise da disponibilidade da parte em relação à matéria decidida. Se indisponível a questão, a ausência de recurso não impede o reexame pelo juiz. Se disponível, a falta de impugnação im- porta concordância tácita à decisão. Firma-se o efeito preclusivo não só para as partes, mas também para o juiz, no sentido de vedada se torna a retratação".
Desse modo, também sob a vigência do novo CPC, se no curso do processo, enquanto não esgotada a jurisdição, entender o juiz que se equivocara em decisão sobre as matérias arroladas nos incs. IV, V, VI e XI do art. 485, im- põem-lhe a função de dirigente do processo e o dever de velar pela duração razoável do processo (art. 139), reexaminá-la e resolvê-la novamente. É o que determina o art. 485, § 3.o, no sentido de autorizar ao juiz conhecer de ofício das supra aludidas matérias, até que, à evidência, não tenha exaurido a sua própria jurisdição
." (TUCCI, José.
Comentários ao Código de Processo Civil:
artigos 485 ao 538. São Paulo: RT. 2016, comentário ao art. 485).
Convém destacar esse último excerto:
"Desse modo, também sob a vigência do novo CPC, se no curso do processo, enquanto não esgotada a jurisdição, entender o juiz que se equivocara em decisão sobre as matérias arroladas nos incs. IV, V, VI e XI do art. 485, im- põem-lhe a função de dirigente do processo e o dever de velar pela duração razoável do processo (art. 139), reexaminá-la e resolvê-la novamente. É o que determina o art. 485, § 3.o, no sentido de autorizar ao juiz conhecer de ofício das supra aludidas matérias, até que, à evidência, não tenha exaurido a sua própria jurisdição."
2.10. Cogitada litispendência - caso em exame:
No caso em apreço, não vislumbro indicativos de que esta causa seja reiteração de alguma outra em curso, na forma do art. 337, §2, CPC, de modo que entendo não ahver sinais de
bis in idem.
Ressalvo eventual novo exame do tema, caso a tanto instado.
As demandas conexas apresentam causas de pedir semelhantes. Contudo, não versam sobre o mesmo objeto, dado que se cuida de pretensão à desocupação de imóveis distintos entre si.
2.11. Suspensão da demanda - considerações gerais:
Não diviso a presença dos requisitos que ensejariam eventual suspensão do processo, nesta etapa da causa, por conta de alguma questão prejudicial - art. 313, Código de Processo Civil/15: "
Suspende-se o processo: (...) V -
quando a sentença de mérito: a) depender do julgamento de outra causa ou da declaração de existência ou de inexistência de relação jurídica que constitua o objeto principal de outro processo pendente
; b) tiver de ser proferida somente após a verificação de determinado fato ou a produção de certa prova, requisitada a outro juízo. (...) § 4 O prazo de suspensão do processo nunca poderá exceder 1 (um) ano nas hipóteses do inciso V e 6 (seis) meses naquela prevista no inciso II. §5 O juiz determinará o prosseguimento do processo assim que esgotados os prazos previstos no §4."
A respeito dos aludidos preceitos, convém registrar aqui a análise detida promovida por Araken de Assis:
"Prejudicial externa civil – A hipótese mais frisante de suspensão do processo em razão de prejudicialidade externa homogênea é a prevista no art. 313, V, a, do NCPC.
Toda vez que o julgamento do mérito “depender do julgamento de outra causa ou da declaração de existência ou de inexistência de relação jurídica que constitua o objeto principal de outro processo pendente”, o juiz suspenderá o processo
. Derivações dessa regra avultam na possibilidade de o relator suspender os processos que dependam do julgamento da ação declaratória de constitucionalidade (art. 21 da Lei 9.868/1999) e da arguição de descumprimento de preceito fundamental (art. 5.º, § 3.º, da Lei 9.882/1999) – não, porém, a suspensão em decorrência do incidente de resolução das demandas repetitivas ou do julgamento do recurso extraordinário e do recurso especial repetitivos: a questão aí julgada é principal. O art. 313, V, a, trata da suspensão por causa prejudicial, que é a aptidão da prejudicial em tornar-se objeto litigioso em outro processo.
Fica evidente da redação da norma que a prejudicial é externa, porque há de consistir em “objeto principal de outro processo”. Não importa a circunstância de a questão prejudicial consistir no objeto originário do outro processo (v.g., A postula a invalidade do contrato firmado com B, mas B pleiteia o cumprimento da prestação devida por A) ou decorrer do alargamento desse objeto, por força de declaração incidente (v.g. B pleiteou de A, no primeiro processo, o principal da dívida, mas A reagiu pleiteando a declaração incidente da validade do contrato; no segundo processo, B pleiteia de A os juros da dívida). Importa a resolução da questão comum no outro processo, com autoridade de coisa julgada. E, nesse caso, o vínculo produzido na causa subordinante estender-se-á à causa subordinada ou, vencido o prazo máximo de suspensão – hipótese mais do que provável, vez que o interregno de um ano (art. 313, § 4.º) é muito curto, pressupondo-se elastério mais dilatado para o julgamento, por forçada ordem cronológica do art. 12, e o trânsito em julgado –, sobre a deliberação incidental na causa subordinada não recairá a coisa julgada (art. 503, § 1.º, III, in fine). Realmente, a questão comum não constitui o objeto principal da causa condicionada. Do contrário, configurar-se-ia um dos efeitos da litispendência, a proibição de renovação de causa idêntica. Cumprirá ao juiz julgá-la vencido o prazo hábil de espera, incidentalmente, apesar dos esforços de concatenação empreendidos pelo expediente da suspensão.
O exemplo ministrado, em que uma das partes pleiteia a decretação da invalidade do contrato e a outra reclama a prestação, releva que tampouco importa a diversidade da força da ação (declarativa, constitutiva, condenatória, executiva e mandamental) e a espécie de procedimento. A pretensão de A contra B para decretar a invalidade do contrato tem força constitutiva negativa, a de B contra A para realizar a prestação tem força condenatória. Nada obstante, o primeiro processo funciona como causa prejudicial relativamente à pretensão deduzida no segundo: decretada a invalidade do contrato naquele, fica predeterminado o desfecho deste (improcedência). Evidentemente, havendo a possibilidade de reunir os processos no mesmo juízo (retro, 305), para julgamento simultâneo, por força da conexão (retro, 303), inexiste a necessidade de suspender a causa condicionada, porque os processos conexos serão julgados simultaneamente (art. 55, § 1.º).
O objetivo da suspensão prevista no art. 313, V, a, consiste em evitar a emissão de provimentos conflitantes, logicamente incompatíveis, a respeito da questão prejudicial. Por esse motivo, causa prejudicial envolvendo partes distintas raramente constitui razão bastante para suspender outro processo, por mais relevante que seja a questão comum controvertida em ambos, ressalva feita às hipóteses de o julgamento da causa subordinante produzir efeitos erga omnes, como acontece na ação declaratória de constitucionalidade (art. 102, § 2.º, da CF/1988). Aliás, essa é uma característica – a falta de identidade de partes – da prejudicial de constitucionalidade, objeto do controle concentrado, todavia alheio à incidência do art. 313, V, a. Em outras palavras, o juiz da causa condicionada não suspenderá o processo em que se controverta norma objeto de controle concentrado de constitucionalidade
. Em tal hipótese, ou o STF concedeu liminar, suspendendo a vigência da norma, e o juiz não poderá aplicá-la; ou não concedeu, e o juiz haverá de aplicá-la no julgamento do mérito, ou não, exercendo o controle difuso. A superveniência do julgamento do STF, pronunciando a inconstitucionalidade, será recepcionado no julgamento do mérito ou, havendo ocorrido o trânsito em julgado, a sentença se tornará inexequível, nas condições do art. 525, § 1.º, III, c/c § 12.
No tocante ao estágio do processo subordinado, a suspensão poderá ocorrer no primeiro e no segundo graus; em particular, “o fato de já ter sido proferida sentença no processo prejudicado não afasta, portanto, a possibilidade de sua suspensão”. Conforme deflui da cláusula final do art. 313, V, a, que alude a “outro processo pendente”, tampouco o estágio do processo subordinante se mostra relevante à suspensão, bastando que subsistam os efeitos da litispendência. Encontrando-se a causa prejudicial no tribunal, por força de apelação, admite-se a suspensão, hipótese em que, presumivelmente, o desfecho ocorrerá dentro do prazo de suspensão
.
Era particularmente difícil a interpretação da regra particular do direito anterior, declarando haver suspensão do processo que “tiver por pressuposto o julgamento de questão de estado, requerido como declaração incidente” (art. 265, IV, c, do CPC de 1973). A esse propósito, havia dois termos de alternativa: ou se cuidava de prejudicial externa, caracterizada pelo fato se tratar de questão de estado (v.g., na ação de divórcio, a validade do casamento), hipótese em que incorreria a lei em indesejável redundância; ou se tratava de prejudicial interna, caso em que ocorreria colisão com o sistema da declaração incidente, e, pior, nenhuma justificativa plausível para suspender o processo, pois o juiz da causa resolverá conjuntamente a questão prejudicial, e, conforme o teor da resolução, passando ou não à análise da questão prejudicada. Essa situação constitui simples subespécie da regra geral do art. 313, V, a, do NCPC. É digno de nota a possibilidade de o juízo não exibir competência em razão da matéria para julgar questões de estado em caráter principalmente, hipótese em que a resolução incidental porventura tomada não se revestirá de auctoritas rei iudicate, nos termos do art. 503, § 1.º, III." (ASSIS, Araken de.
Processo civil brasileiro:
volume II. Tomo II. Parte geral. São Paulo: RT. 2015. p. 809 e ss.)
2.12. Eventual suspensão da demanda - caso em apreço:
No caso em apreço, a suspensão chegou a ser determinada nos termos da
lei 14.216/2021
, diploma normativo destinado a estabelecer
"medidas excepcionais em razão da Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional (Espin) decorrente da infecção humana pelo coronavírus SARS-CoV-2, para suspender o cumprimento de medida judicial, extrajudicial ou administrativa que resulte em desocupação ou remoção forçada coletiva em imóvel privado ou público, exclusivamente urbano, e a concessão de liminar em ação de despejo de que trata a Lei nº 8.245, de 18 de outubro de 1991, e para estimular a celebração de acordos nas relações locatícias."
Transcrevo o art. 2. da mencionada lei 14.216/2021:
Art. 2º
Ficam suspensos até 31 de dezembro de 2021 os efeitos de atos ou decisões judiciais, extrajudiciais ou administrativos, editados ou proferidos desde a vigência do estado de calamidade pública reconhecido pelo Decreto Legislativo nº 6, de 20 de março de 2020, até 1 (um) ano após o seu término, que imponham a desocupação ou a remoção forçada coletiva de imóvel privado ou público, exclusivamente urbano, que sirva de moradia ou que represente área produtiva pelo trabalho individual ou familiar
. § 1º Para fins do disposto neste artigo, aplica-se a suspensão nos seguintes casos, entre outros: I – execução de decisão liminar e de sentença em ações de natureza possessória e petitória, inclusive mandado pendente de cumprimento; II – despejo coletivo promovido pelo Poder Judiciário; III - desocupação ou remoção promovida pelo poder público; IV - medida extrajudicial; V – despejo administrativo em locação e arrendamento em assentamentos; VI – autotutela da posse. § 2º As medidas decorrentes de atos ou decisões proferidos em data anterior à vigência do estado de calamidade pública reconhecido pelo Decreto Legislativo nº 6, de 20 de março de 2020, não serão efetivadas até 1 (um) ano após o seu término. § 3º Durante o período mencionado no caput deste artigo, não serão adotadas medidas preparatórias ou negociações com o fim de efetivar eventual remoção, e a autoridade administrativa ou judicial deverá manter sobrestados os processos em curso. § 4º Superado o prazo de suspensão a que se refere o caput deste artigo, o Poder Judiciário deverá realizar audiência de mediação entre as partes, com a participação do Ministério Público e da Defensoria Pública, nos processos de despejo, de remoção forçada e de reintegração de posse coletivos que estejam em tramitação e realizar inspeção judicial nas áreas em litígio.
A suspensão do cumprimento de medidas de desocupação, no período da lamentável pandemia da COVID, foi determinada pela Suprema Corte, ao apreciar a
arguição de descumprimento de preceito fundamental 828
, em data de 01.12.2021. No momento, superado o período fixada pela APDF, não diviso a presença de causas ensejadoras da suspensão desta demanda, a exemplo de cogitada necessidade de se aguardar a evolução de algum outro processo. Caso sobrevenham elementos que o justifiquem, o tema poderá ser reapreciado adiante.
2.13. Submissão da demanda ao rito comum:
A União atribuiu à presente à demanda o
valor de R$ 10.000,00
, o que consdierado adiante. De todo modo, independementemente de aferir se aludido conteúdo econômico superaria 60 salários mínimos, definidos ao tempo da deflagração desta demanda - lei 14.358, de 1º de junho de 2022 -, é fato que esta causa não pode tramitar sob o rito dos Juizados, dado versar sobre alegados imóveis públicos, esbarrando na vedação do
art. 3, §1, III, lei 10.259/0
1.
Assim, declaro que a causa deve tramitar sob o rito comum.
2.14. Pertinência subjetiva das partes - considerações gerais:
É sabido que, em alguma medida, as questões alusivas à pertinência subjetiva tangenciam o próprio mérito da causa. Nosso sistema ainda se vincula à concepção eclética de Túlio Liebmann - quem distinguia entre pressupostos processuais, condições para o válido exercício do direito de ação e, por fim, as questões de mérito.
O problema é que, no mais das vezes, os temas próprios ao mérito (procedência/improcedência da pretensão) e os temas próprios às condições da ação (legitimidade/ilegitimidade, possibilidade do pedido) não podem ser distinguidos de uma forma absolutamente clara. Como se infere do seu 'Tratado das ações', Pontes de Miranda promovia uma distinção entre (a) ação em sentido material - como uma espécie de projeção do direito subjetivo - ainda vinculada à concepção imanentista do direito civil antigo e (b) ação em sentido processual.
Com base nessa diferenciação pontiana, é que o desembargador gaúcho Adroaldo Furtado Fabrício tem criticado a teoria eclética, ao enfatizar que as 'condições da ação' também tratam, no geral, do mérito da causa (saber se a parte é legítima é, de certa forma, um exame conexo ao mérito: saber se ela poderia ser demandada, se teria a obrigação de indenizar etc). Confira-se com Adroaldo Furtado Fabrício. Extinção do Processo e Mérito da Causa, in OLIVEIRA, Carlos Alberto Álvaro de (org).
Saneamento do processo:
Estudos em homenagem ao Prof. Galeno Lacerda. PA: Sérgio Fabris, 1990, p. 33.
De todo modo, em sentido pontualmente distinto, e por conta dos dispositivos do Código de Processo Civil em vigor, atente-se para a lição de Araken de Assis:
"A legitimidade não condiciona a ação, como quer a opinião há pouco exposta, haja vista um motivo trivial: a sua falta jamais impedirá a formação do processo. A pessoa que toma a iniciativa de provocar o órgão judiciário, seja quem for, cria a relação processual, embora fadada a perecer através de juízo de admissibilidade negativo – item que constitui pressuposto lógico e cronológico do exame do mérito.
Legitimidade é, descansando no direito material, problema distinto do juízo acerca do caráter fundado ou infundado da pretensão deduzida contra o réu. A demanda movida por alguém sem legitimidade é inadmissível, e, não, infundada. Sentença terminativa desse teor limita-se a repelir, a partir dos dados ministrados pelo direito material, sempre in status assertionis, a habilitação da parte para conduzir o processo, relativamente ao objeto litigioso alegado
. Aos esquemas abstratos, traçados na lei, gerando tal capacidade, chamam-se de situações legitimadoras. Portanto, a dissociação entre o sujeito da lide e o do processo evidencia a verdadeira natureza da legitimidade e a situa no lugar próprio no conjunto das questões submetidas à apreciação do órgão judicial. É um pressuposto processual preenchido mediante a simples enunciação do autor. Ninguém se atreverá a reputar respeitante ao mérito eventual juízo quanto à inexistência, em determinado caso concreto, do título legal para alguém pleitear em juízo direito alheio. Descontada a errônea concepção que ilegitimidade do autor obsta à formação do processo, o art. 485, VI, houve-se com acerto ao situar o problema fora do mérito."
(ASSIS, Araken de.
Processo civil brasileiro.
Volume II. Tomo I. Parte geral: institutos fundamentais. SP: RT. 2015. p. 178).
Em outras palavras, deve-se aferir a pertinência subjetiva dos contendores, tendo-se em conta a causa de pedir detalhada na peça inicial.
2.15. Legitimidade da União Federal - caso em exame:
A União Federal está legitimada para a deflagração desta causa, dado que deduziu pretensão em nome próprio e quanto a interesses próprios, não incorrendo da vedação do art. 18, CPC
. Ela sustentou que os imóveis em questão seriam do seu domínio, por se cuidarem de terrenos de marinha, na forma do art. 20, VII, Constituição Fedeeral/88.
Tanto por isso, a União guarda pertinência subjetiva para a demanda, diante do art. 17, CPC/15.
2.16. Demanda contra pessoas não identificadas:
Conquanto seja medida excepcional, em determinados casos se revela válido deflagrar processo em face de
ocupantes não identificados
, desde que sejam promovidos esforços para sua identificação no curso da causa
.
O que não se admite, de modo algum, é que alguém seja prejudicado em seus direitos sem que lhe seja dado conhecer a pretensão contra si lançada, em que lhe seja assegurado efetivo direito ao contraditório - art. 506, CPC
. Quanto menos, a identificação deve ser buscada, como os meios ofertados pela legislação.
Por mais que se compreenda a dificuldade, não raro, de se apontar previamente cada um dos pretensos ocupantes irregulares, não se pode admitir que o processo atinja a quem não tenha sido dado a oportunidade de ser ouvido. Exige-se, quando menos, a
citação por edital e eventual constituição de defensor/curador
, na forma do art. 72, II, CPC/15. A tanto converge, por sinal, o entendimento do STJ, conforme
REsp 1314615
, versando sobre o litisconsórcio multitudinário em demandas possessórias.
Nestes autos, a União indicou possíveis ocupantes da poligonal n. 3, casas de números 33, 34, 35, 36, 37, 38, 39, 40, 41, 42, 43, 44, 45, 46, 47, 48, 49, 50, 51, 52, 53, 54, 55, 56, 57, 58, 59, 60, 61, 62, 63, 64, 65, 66, 67, 68, 69, 70, 71, 72, 73, 74, 75, 76, 77, 78, 79, 80, 81, 82, 83 e 84. Tendo sido expedido mandado para citação e identificação, os ocupantes das casas de números 35, 36, 37, 41, 43, 52, 63, 77 e 83 não chegaram a ser identificados, sendo informado ao sr. Oficial de Justiça que utilizariam dos imóveis apenas para veraneio.
Os
ocupantes não identificados
deverão ser citados por edital, conforme art. 256, I, CPC/15. Prazo exposição de 30 dias úteis, conforme art 257. Ao final do prazo de exposição, terá início do prazo para resposta - art. 231, IV, CPC. Registro na sequência a questão alusiva à constituição de curador.
2.17. Eventual cessão da posse no curso da demanda:
Anoto, de toda forma, que eventual cessão da posse direta no curso da demanda não altera a legitimidade das partes, conforme dispõe o
art. 109, Código de Processo Civil/15, projeção do art. 42, Código de Processo Civil/73
, como detalharei adiante.
PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO POSSESSÓRIA. IDENTIFICAÇÃO COMPLETA DO PÓLO PASSIVO. IMPOSSIBILIDADE. USO DA FORÇA. MONOPÓLIO DO ESTADO. 1.
Havendo impossibilidade fática da completa identificação de todos os ocupantes da área e não havendo dúvida quanto à clandestinidade da ocupação, recente quando da interposição da possessória, tampouco quanto ao domínio dos imóveis, perfeitamente individuáveis, afasta-se o óbice da natureza processual imposto pelo magistrado, vez que atribui ônus ao esbulhado que não lhe compete na situação presente, pois o uso da força é monópolio do Estado. 2. Agravo provido
. (AG n.º 9604600400/PR, Relatora Des. Fed. MARGA INGE BARTH TESSLER, DJ 23/09/1998, p. 579)
REINTEGRAÇÃO DE POSSE. IMÓVEL INVADIDO POR TERCEIROS. IMPOSSIBILIDADE DE IDENTIFICAÇÃO DOS OCUPANTES. INDEFERIMENTO DA INICIAL. INADMISSIBILIDADE. -
Citação pessoal dos ocupantes requerida pela autora, os quais, identificados, passarão a figurar no pólo passivo da lide. Medida a ser adotada previamente no caso. - Há possibilidade de haver réus desconhecidos e incertos na causa, a serem citados por edital (art. 231, I, do CPC). Precedente: REsp n. 28.900-6/RS. Recurso especial conhecido e provido
. ( REsp 362365/SP, Rel. Ministro BARROS MONTEIRO, QUARTA TURMA, julgado em 03.02.2005, DJ 28.03.2005 p. 259)
2.18. L
itisconsórcio passivo
necessário
- considerações gerais:
Por outro lado, reitero que o litisconsórcio previsto inicialmente no art. 47, CPC/1973 e atualmente no art. 114, CPC/2015, decorre da lógica do
inauditus damnare potest,
imposto pelo art. 5º, LIV e LV, CF. A sentença apenas faz coisa julgada entre as partes, conforme art. 506, CPC/15, exceção feita à regra do art. 109. CPC/15.
Ora, justamente por força da necessidade de que as decisões judiciais sejam consistentes, é que o Código de Processo civil obriga o demandante, em determinados casos, a orientar a sua pretensão contra todas as pessoas intimamente vinculadas a determinado evento (causa de pedir). Busca-se, com isso, inibir soluções judiciais contraditórias, ao mesmo tempo em que também se otimiza a prestação jurisdicional e se assegura o postulado
nemo inauditus damnare potest.
Reporto-me à lição de Luís Marinoni e Sérgio Arenhart:
"Em princípio, a determinação da formação do litisconsórcio necessário vem estipulada no caput do art. 47, CPC, que afirma que há litisconsórcio necessário quando, por disposição de lei ou pela natureza da relação jurídica, o juiz tiver de decidir a lide de modo uniforme para todas as partes. Portanto, da leitura desse artigo tem-se que duas causas podem gerar o litisconsórcio necessário; a lei ou a natureza da relação jurídica.
E, somando-se a isso, para a caracterização da necessidade da formação do litisconsórcio, será necessário que essas causas exijam que o juiz julgue o litígio de maneira uniforme para todas as partes (rectius, litisconsortes). Note-se, porém, que a redação do dispositivo é bastante defeituosa, podendo levar à conclusão de que as figuras do litisconsórcio necessário e unitário identificam-se, ou melhor, que o litisconsórcio unitário deve ser necessário e que o litisconsórcio necessário deve ser unitário
.
Nem sempre, porém, assim será. Imagine-se a hipótese em que a lei obriga, por qualquer causa, a formação de determinado litisconsórcio, ainda que a questão não precise, necessariamente, ser resolvida de maneira idêntica para todos os litisconsortes. Pense-se na hipótese da ação popular, em que a lei determina que devam ser citados para a ação todos aqueles que direta ou indiretamente tenham contribuído, por ação ou omissão, para a edição do ato inquinado como ilegal (art. 6º da lei 4.717/1965 - lei de ação popular), bem como seus beneficiários diretos. Ninguém duvida que esse é um litisconsórcio simples, não exigindo solução idêntica perante todos os litisconsortes. Não obstante isso, a lei impõe a formação de litisconsórcio. Seria, por acaso, indevida essa exigência do litisconsórcio? Poderia alguém questionar a exigibilidade desse litisconsórcio? Não parece que a resposta possa ser positiva. Em verdade, a exigência da formação do litisconsórcio, no caso, em que a lei o exija, independe do caráter unitário ou não da figura. Impõe simplesmente porque a lei o quer.
Somente na outra hipótese, em que a formação do litisconsórcio decorre da natureza da relação jurídica, é que efetivamente tem algum interesse a questão da unitariedade ou não da figura
. Aqui, sim, é possível que, diante da necessidade de que a solução da causa seja idêntica para várias pessoas, imponha-se o litisconsórcio ainda que a lei não o determine. E, como já visto, a unitariedade do litisconsórcio decorre não apenas do fato de que a sentença deve decidir a questão de forma uniforme para todos os litisconsortes, mas, sobretudo, da ideia de que essa imposição decorra da unitariedade da relação jurídica material deduzida em juízo. Vale dizer: no litisconsórcio unitário, exige uma relação jurídica material (cuja afirmação é o objeto da demanda) que possui vários sujeitos em um dos pólos. Pense-se no caso de um imóvel que possua vários coproprietários. Ou no negócio jurídico celebrado por marido e mulher com terceiro. Ou ainda em um ato administrativo (por exemplo, uma portaria) complexo, que é emitido por mais de uma entidade. Nesses casos, a relação jurídica material realizada possui, em pelo menos um dos seus pólos, mais de um sujeito. E é precisamente essa pluralidade subjetiva em um dos pólos da relação jurídica material deduzida em juízo que determina, na forma do que prevê o art. 47, CPC (natureza da relação jurídica), o litisconsórcio necessário." (MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz.
Processo de conhecimento.
7. ed. São Paulo: RT, 2008, p. 173-174)
Atente-se também para a análise de Marcelo Abelha Rodrigues:
"A necessidade deste tipo de litisconsórcio, prevista no art. 47, CPC, decorre ou por força de lei, ou por natureza da relação jurídica. Será por força de lei no caso, por exemplo, do art. 6º da LAP, ou ainda no caso do art. 942, II, CPC.
Estaremos diante da segunda hipótese quando se cuidar de ação anulatória proposta contra todos os contratantes. Não se pode ser contra apenas um deles, pois a natureza da relação jurídica requer que possuam a mesma decisão. Outro exemplo, por força da lei, é o previsto no art. 10, §2º, CPC
."
(RODRIGUES, Marcelo Abelha.
Elementos de direito processual civil.
vol. 1. 2. ed. São Paulo: RT, 2000, p. 296)
O litisconsórcio pode ser necessário ou facultativo, no que toca à obrigatoriedade da sua formação. Também pode ser unitário ou simples, quanto à solução a ser dispensada às partes, tudo a depender do contexto processual. Como cediço, o litisconsórcio é facultativo quando determinadas pessoas aquiescem em litigar juntas contra um mesmo demandado; ou quando o autor endereça, a um só tempo, pretensões contra várias pessoas, desde sejam todas legítimas a figurar na causa (art. 17, CPC). A respeito do litisconsórcio necessário, convém atentar para a lição de Nelson Nery Júnior:
"
A obrigatoriedade da formação do litisconsórcio pode ser dada pela lei ou pela relação jurídica. São exemplos de litisconsórcio necessário por disposição de lei: a) CPC 246 §3º, que manda citar os confinantes nas ações de usucapião de imóvel; b) LAP 6º, que manda citar o funcionário que autorizou a prática do ato impugnado, bem como a pessoa jurídica de direito público ou privado a que ele pertence
; c) CPC, art. 76 §1º II, que manda citar ambos os cônjuges em ação na qual se discutam fatos que digam respeito a ambos os cônjuges ou atos praticados por eles (v.g., fiança - CC 1647 III) São exemplos de litisconsórcio necessário por força da relação jurídica: a) todos os partícipes de um contrato, para a ação anulatória do mesmo contrato, porque a sentença que decidir a lide não poderá anular o contrato para um dos contratantes e declará-lo válido para os demais que eventualmente não estivessem no processo como partes. Não sendo obrigatória a formação do litisconsórcio, este se caracteriza como facultativo, cujos casos mais comuns estão enumerados no CPC 113." (NERY JR., Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade.
Comentários ao código de processo civil.
1ª. ed. São Paulo: RT, 2015)
2.19. Garantia do
art. 506
, CPC/15:
Por conta da cláusula do devido processo, ninguém pode sofrer a expropriação de bens, sem que lhe seja assegurado efetivo contraditório. Atente-se para o art. 506, Código de Processo Civil/15:
"
A sentença faz coisa julgada às partes entre as quais é dada, não prejudicando terceiros
."
A respeito do tema, destaco a análise de Marinoni:
"A princípio, portanto, tomando-se a regra geral, tem-se que somente as partes ficam acobertadas pela coisa julgada . Autor e réu da ação ficam vinculados à decisão judicial, já que participaram do contraditório que resultou na prolação da decisão judicial. Naturalmente, se esses sujeitos tiveram condição de influenciar na prolação da decisão judicial, indubitavelmente devem se sujeitar à resposta jurisdicional oferecida. Também se submetem à coisa julgada o substituído processual (art. 18), o sucessor a título universal e o sucessor na coisa litigiosa (arts. 108 e 109), ressalvada, é claro, a boa-fé do terceiro adquirente. Nesses casos, a ligação jurídica com as partes autoriza a vinculação à coisa julgada. Para as partes e seus sucessores, assim, a decisão judicial, preclusa em função do esgotamento dos meios de impugnação, torna-se imutável.
E quanto aos terceiros?
Para responder adequadamente essa questão, é preciso perceber inicialmente que o novo Código não refere que os terceiros não poderão se beneficiar da coisa julgada. Também é preciso perceber que o novo Código não reproduziu a regra constante do art. 472, parágrafo único , do CPC anterior, segundo a qual “nas causas relativas ao estado de pessoa, se houverem sido citados no processo, em litisconsórcio necessário, todos os interessados, a sentença produz coisa julgada em relação a terceiros”.
Assim, inicialmente, o novo Código não veda que terceiros se beneficiem da coisa julgada – na esteira do que já sugeria a doutrina diante do direito anterior. Isso quer dizer que o art. 506 acolheu a possibilidade de formação da coisa julgada secundum tenorem rationis. A ausência de restrição ao aproveitamento da coisa julgada ao terceiro, inclusive, harmoniza-se com o disposto no art. 274 do CC , segundo o qual o terceiro, credor ou devedor solidário, desde que o resultado do processo tenha lhe sido favorável e não fundado em qualidade especial ligada tão somente ao autor ou réu da demanda, pode aproveitar a coisa julgada formada inter alios .
Em segundo lugar, a ausência de repetição da regra do parágrafo único do art. 472 do direito anterior deve-se à necessidade de correção do equívoco evidente que encerrava: com a citação, os terceiros perdem essa condição e adquirem a qualidade de parte. Daí que esse dispositivo, a rigor, nada excepcionava diante do direito anterior. A sua eliminação, portanto, decorre apenas da necessidade de aperfeiçoamento técnico do Código.
No mais, a fim de bem dimensionar a posição dos terceiros diante da coisa julgada em todos os outros casos, é necessário lembrar a distinção entre terceiros interessados e terceiros indiferentes. Terceiro interessado é aquele que tem interesse jurídico na causa, decorrente da existência de al- guma relação jurídica que mantém, conexa ou dependente, em face da re- lação jurídica deduzida em juízo. Tal sujeito, em função da existência desse interesse jurídico, tem legitimidade para participar do processo, querendo, intervindo na condição de assistente simples. Já os terceiros indiferentes são aqueles que não mantêm nenhuma relação jurídica interdependente com aquela submetida à apreciação judicial . Não têm interesse jurídico na solução do litígio e, por essa circunstância, não são admitidos a intervir no processo.
A sentença judicial pode produzir efeitos em relação a todos esses sujeitos, sejam partes, sejam terceiros interessados, sejam ainda terceiros indife- rentes. Esses efeitos, porém, serão sentidos e recepcionados de maneira distinta, conforme a condição do sujeito que os sofre. Aqueles sujeitos que têm algum interesse qualificado como jurídico em relação ao litígio e à so- lução que recebeu (qualificados como terceiros interessados) podem porque têm legitimidade para tanto – opor-se, de algum modo, à afetação de sua esfera jurídica por tais efeitos. Esses “terceiros”, portanto, somente se submetem aos efeitos da sentença se não quiserem ou não puderem va- ler-se dos meios idôneos para afastá-los
.
Resumindo: aqueles que não são partes no litígio, e assim não podem ser atingidos pela coisa julgada, mas nele têm interesse jurídico, apenas po- dem ser alcançados pelos efeitos reflexos da sentença e por essa razão são considerados terceiros interessados (ou terceiros juridicamente inte- ressados), os quais têm legitimidade para ingressar no processo na quali- dade de assistente simples da parte ou manifestar posterior oposição aos efeitos da sentença." (MARINONI, Luiz; ARENHART, Sérgio; MITIDIERO, Daniel.
Manual do Processo Civil.
São Paulo: RT. 2022. capítulo 10)
Como regra, eventual sentença de procedência apenas pode atingir diretamente quem figura como demandado no processo, tendo sido citado, lhe sendo assegurado impugnar a pretensão contra si formulada, conforme garantia do devido processo legal - art. 5, LIV e LV, Constituição/88.
2.20. Eventual litisconsórcio - caso em exame:
No caso em exame, em princípio, não há um contexto que imponha a formação de litisconsórcio
. Há necessidade, por certo, de que os ocupantes - pessoas maiores e capazes - sejam citados na demanda e possam ofertar resposta. Superado isso, não haverá necessidade de citação de outros sujeitos no curso da demanda, eis que eventual sentença transitada em julgado não os atingirá diretamente.
Menciono novmaente, de todo modo, a
exceção do art. 109, CPC
, que dispõe que os eventuais adquirentes da posse direta no curso da demanda restam atingidos pela sentença transitada em julgado, mesmo quando não tenham sido citados no curso do processo. Não parece haver lastro, portanto, para aplicação dos arts. 114, 115, 506, CPC.
2.21. Eventual
assistência
- considerações gerais:
Assinalo ainda que a assistência vem prevista no art. 119, CPC/15, com paralelo no art. 50, CPC/1973:
Art. 119 - CPC/15.
Pendendo causa entre 2 (duas) ou mais pessoas, o terceiro juridicamente interessado em que a sentença seja favorável a uma delas poderá intervir no processo para assisti-la
.
Parágrafo único. A assistência será admitida em qualquer procedimento e em todos os graus de jurisdição, recebendo o assistente o processo no estado em que se encontre.
Como anota Araken de Assis,
"O art. 119, caput, alude ao interesse na obtenção de “sentença favorável” ao assistido, referindo-se, por óbvio, ao pronunciamento que acolhe ou rejeita o pedido (art. 487, I). Entretanto, o conteúdo do provimento não importa. Uma boa vitória “tática”, em que o assistido logra a extinção do processo (v.g., o reconhecimento da coisa julgada, a teor do art. 485, V), preenche satisfatoriamente o requisito. O pressuposto de admissibilidade da assistência precisa ser encarado no sentido mais largo possível (infra, 778), entendendo-o como desfecho do processo, a fim de contemplar a óbvia possibilidade de o interveniente coadjuvar uma das partes na execução, emprestando o devido alcance a “qualquer procedimento” mencionado no art. 119, parágrafo único, fórmula menos analítica que a do art. 134, caput (“…no cumprimento de sentença e na execução fundada em título executivo extrajudicial”)."
(ASSIS, Araken de.
Processo Civil Brasileiro.
vol. II. São Paulo: RT. 2015. item 774).
Ademais,
"Funda-se a assistência na circunstância de o provimento de mérito, vinculando as partes originárias, surtir efeitos, reflexos ou direitos, em relação jurídica da qual é titular o interveniente. Tal relação tem um vínculo de conexão com o objeto do processo, em geral de dependência, e, assim, o provimento emitido entre as partes originárias produzirá vantagens ou desvantagens para o terceiro, conforme o respectivo teor. Por exceção, o titular do direito posto em causa poderá intervir no processo pendente, com a finalidade de assistir uma das partes. Esta forma de assistência se distingue do litisconsórcio ulterior, ou intervenção litisconsorcial voluntária, porque o interveniente não tem legitimidade originária para conduzir o processo."
(ASSIS, Araken de.
Obra citada.
item 774).
Note-se ainda que, para fins de assistência,
"
Os efeitos reflexos não se produzem, em todos os casos, com igual intensidade. Mas sempre alcançam o terceiro em graus variáveis
.
Expõem os terceiros a situações desvantajosa
s; por exemplo, anulada a escritura pública lavrada pelo tabelião, este pode ser responsabilizado pela parte prejudicada, obrigando-se a indenizá-la. É inegável, portanto, que o assistente ingressa no processo animado pela expectativa de obter uma vantagem pessoal no caso de pronunciamento a favor do assistido."
(ASSIS, Araken de.
Obra citada.
item 774).
Alguns exemplos correntes de assistência simples: (a) ingresso do fiador na demanda havida entre o credor e o devedor, controvertendo a validade do contrato; (b) ingresso do tabelião na demanda entre os figurantes da escritura pública por ele elaborada, uma das partes pleiteando-lhe a invalidade; (c) ingresso do segurador na demanda entre o segurado e outra pessoa, pleiteando indenização coberta pelo seguro. Há necessidade de uma relação jurídica com o assistido, não bastando mera torcida, mero apoio moral, tampouco bastando mero interesse econômico.
Já a
assistência qualificada
exige alguma relação jurídica entre o assistente e a contraparte do assistido.
"Na assistência qualificada, o terceiro ingressa para auxiliar uma das partes. Todavia, o interveniente não mantém relação jurídica com o assistido. O liame é com o adversário do assistido. O assistente qualificado “nada pede e em face dele nada se pede: não é autor nem réu e, consequentemente, não é litisconsorte. Por esse motivo, segundo o art. 124 os efeitos da sentença influem “na relação jurídica entre ele e o adversário do assistido”.
Tal influência não é reflexa, mas direta: o objeto litigioso firmado entre as partes originárias também envolve o assistente. Não se cuida de projetar-se, caso o terceiro não intervenha, a autoridade de coisa julgada – o vínculo atinge apenas as partes e seus sucessores –, mas os efeitos próprios, ou naturais, do provimento
. À semelhança da assistência simples, o efeito que atinge o interveniente, nesse caso, é efeito externo comum às duas espécies de assistência, previsto no art. 123 – ou não se trataria de assistência, mas de litisconsórcio."
(ASSIS, Araken de.
Obra citada.
item 775).
O importante é ter em conta que apenas o interesse jurídico vaticina o ingresso de alguém no processo na condição de assistente:
"Interesse jurídico:
Somente pode intervir como assistente o terceiro que tiver interesse jurídico em que uma das partes vença a ação. Há interesse jurídico do terceiro quando a relação jurídica da qual seja titular possa ser reflexamente atingida pela sentença que vier a ser proferida entre assistido e parte contrária. Não há necessidade de que o terceiro tenha, efetivamente, relação jurídica com o assistido, ainda que isso ocorra na maioria dos casos
. Por exemplo, há interesse jurídico do sublocatário em ação de despejo movida contrato o locatário. O interesse meramente econômico ou moral não enseja a assistência, se não vier qualificado como interesse também jurídico."
(NERY JR., Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade.
Código de processo civil e legislação extravagante.
9. ed. São Paulo: RT, 2006, p. 232.)
Não se pode confundir assistência com o litisconsórcio necessário. Ou seja, a assistência deve ser reconhecida, mesmo que a sentença não tenha o condão de atingir imediatamente o interesse jurídico do terceiro (mero efeito reflexo sobre tal interesse).
"
Na assistência simples (adesiva), embora exista uma relação jurídica entre o assistente simples e uma das partes, no processo, esta relação não é objeto do processo
. A solução do processo, contudo, pode repercutir na esfera jurídica do terceiro, razão pela qual se permite a este intervir no processo - mantendo-se, no entanto, como terceiro - com o intuito de obter decisão favorável ao assistido."
(WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; MEDINA, José Miguel Garcia.
Processo civil moderno
- I. Parte geral e processo de conhecimento. 3. ed. SP: RT, 2013. p. 99)
Também é relevante atentar para o fato de que, enquanto exercício da autonomia - direito formativo gerador -, a assistência não pode ser imposta. Ninguém pode ser obrigado a atuar como assistente de outrem:
"
A assistência se caracteriza pela voluntariedade, ninguém sendo obrigado a assumir essa posição processual
. Mas se a intervenção da União no processo fixou a competência da Justiça Federal para o julgamento da causa, onde ela está tramitando há dez anos, já não é possível que o superveniente desinteresse da União, aferido segundo critérios subjetivos do seu procurador, tenha o efeito de deslocar a demanda para a Justiça Estadual. Se a União já não tem interesse no processo, basta que nele não atue, faltando-lhe legitimidade para interferir no seu andamento."
(EDcl REsp 1998.0013149-3, STJ, 2ª Turma, Rel. Min. Ari Pargendler, DJ 21.09.1998).
No que toca à União Federal, o
art. 5º da lei 9.469/1997
autoriza a sua intervenção como assistente nas causas em que figurarem como autoras ou requeridas as autarquias, fundações públicas, sociedades de economia mista e empresas públicas federais. Também lhe é dado, ademais, atuar como assistente de qualquer das partes, quando se cuide de uma ação civil pública, na forma do
art. 5, §2º, da lei nº 7.247/1985
, aplicável analogicamente à ação popular.
2.22. Eventual assiência - caso em exame:
No caso em aprecição, não sobreveio pedido de atuação de alguma entidade como assistente da União Federal na presente demanda. Na medida em que a assistência não pode ser imposta - cuida-se de exercício de direito potestativo - no presente caso o instituto não se aplica.
A Colonia de Pescadores Z-5 de Pontal do Paraná/PR postulou seu ingresso na presente causa e nas demandas conexas na condição de assistente dos requeridos. ACOLHO, pois, o pedido de ingresso na causa, na condição de assistente simples, da Colônia de Pescadores Z-5 de Pontal do Paraná, eis que atendidos os requisitos do art. 119, CPC/15.
2.23. Eventual convocação de
amicus
curiæ:
Em princípio, cogita-se da relevância da atuação de
amici curiæ
no caso em exame, por conta da importância do tema suscitado pela requerente
. No que toca ao alcance do instituto do
amicus curi
æ
,
repiso as observações de Araken de Assim, abaixo transcritas:
"
O
amicus curiæ (literalmente, amigo da corte) é o terceiro que, interessado politicamente no desfecho do litígio (retro, 759.1.3), ingressa no processo pendente para trazer subsídios de fato e de direito em proveito da qualidade e perfeição da resolução judicial
.
O nome não retrata com a suficiente nitidez a função dessa figura. Ela se desenvolveu e ganhou corpo no âmbito no âmbito do judicial review norte-americano. Originalmente, o ingresso exibia flagrante viés partidário: o terceiro ingressava no processo para persuadir o juiz a julgar a favor de uma das partes
. É mais acurada, portanto, a designação amigo da causa (friend of the cause). O interesse no julgamento da causa em determinada linha constitui elemento indispensável para admitir-se o moderno friend, ressalvando-se que ele não pode ser patrimonial.
Os sistemas jurídicos filiados à Civil Law importaram essa figura à medida que perceberam que os provimentos judiciais podem alterar significativamente o ius positum e a ordem social. E o poder judicial, ao garantir os direitos fundamentais, assume posição contramajoritária, convindo estabelecer alguma forma de equilíbrio. É emblemático o caso do controle concentrado de constitucionalidade. Neste terreno fértil os amici brotam à semelhança dos cogumelos após chuvas abundantes. A declaração de inconstitucionalidade ou de constitucionalidade de uma regra pode afetar a vida de milhões de pessoas. Em tal contingência, impõe-se reestruturar o procedimento, tornando-o aberto à participação dos segmentos organizados da sociedade, e, do mesmo modo, qualificar o provimento judicial com a integração desses agentes sociais no debate judiciário. Não é diferente no processo coletivo.
E, por outro lado, os meios de recrutamento das pessoas que se encontram investidas no órgão judiciário (infra, 928) não bastam para legitimar suas decisões. É o debate amplo, geral e irrestrito das questões de direito e de fato, no âmbito renovado do contraditório, o fator legitimador da decisão do juiz, socialmente aceitável e passível de acatamento
.
A qualificação do provimento judicial constitui o denominador comum das diversas hipóteses típicas de amicus curiae (infra, 802). Em alguns casos, como na intervenção da CVM (infra, 803) e do CADE (infra, 826), comumente relacionadas ao poder de polícia dessas agências governamentais, o elemento da participação democrática no debate é mínimo, senão inexistente, todavia assume imenso relevo no controle concentrado e difuso de constitucionalidade. A abertura às manifestações de origens discrepantes, no processo objetivo, em que a tarefa do tribunal consiste em contrastar a norma com os parâmetros constitucionais, propicia maior legitimidade à resolução tomada. Do contrário, a objetivação do processo causaria a impressão de provimento de portas fechadas. Curiosamente, no judicial review norte-americano o fenômeno é inverso: como o writ of certiorari é instrumento do controle difuso, originário de processo entre partes determinadas, embora de repercussão, o ingresso do amicus curiae demonstra que o processo interessa a todos, não só àquelas partes. A democracia participativa e a contribuição para a justa decisão constituem, em graus variáveis, a base da intervenção.
O fundamento da intervenção do amicus curiae advém da conexidade entre os interesses individuais ou gerais, abstratos ou concretos, objeto da controvérsia em juízo, e os que integram os escopos institucionais do interveniente. Localiza-se na singularidade desse interesse, distinto do interesse jurídico tradicional, e, nada obstante também jurídico, e chamado de político no item próprio (infra, 801), que habita a identidade dessa figura interventiva
.
É a repercussão da causa o móvel da intervenção voluntária ou provocada desse terceiro. Por exemplo, a associação criada para defender a vida e a integridade física de animais legitima-se a intervir como amicus curiae tanto (a) na ação movida pelo condômino contra o síndico, pleiteando perdas e danos, em razão de evento em que o réu teria provocado a morte do animal de estimação da família, e que ganhou espaço na mídia, quanto (b) no controle concentrado de constitucionalidade, em que se controverta lei local que autoriza o sacrifício ritual de animais como tradicional prática religiosa
. O exemplo ilustra, convenientemente, a diversidade da natureza das causas que habilitam a intervenção do amicus curiae.
A finalidade da intervenção do amicus curiae permite distinguir essa figura de quaisquer outros participantes do processo. Não se confunde com o assistente, porque o interesse que o habilita a intervir, apesar de jurídico, não provém de relação jurídica conexa com o objeto do processo, e, portanto, o pronunciamento judicial não atingirá, reflexamente, relação jurídica própria. Não ocupa a função de perito, em geral particular que presta auxílio ao juiz em matérias alheias ao saber jurídico, porque inexiste vínculo com o órgão judiciário, em que pese a origem da designação, mas com o seu próprio interesse sectário. E, enquanto o Ministério Público, como custo legis, nas hipóteses do art. 178, atua em posição de equidistância das partes, dando razão a uma delas conforme estime a sua posição conforme, ou não, ao direito objetivo, o amicus curiae intervém partidariamente, buscando o predomínio, a priori, do interesse da parte com a qual se identifica no campo político, institucional e ideológico. A associação de proteção aos animais, retornando ao exemplo ministrado, intervém para defender o condômino lesado pelo ato do síndico, porque este é o interesse afinado com os seus objetivos institucionais.
É ingênua a atitude de exigir do amicus curiae a condição de interveniente neutro ou desinteressado. Embora esclareça o órgão judiciário, ministrando dados que auxiliarão a adequada solução do litígio, e não fique vinculado, para desempenhar essa função, às teses da parte, o interveniente toma partido, a priori, em favor de um dos interesses envolvidos. A própria fragmentação dos interesses sociais, que dividem grupos e aglutinam pessoas em posições divergentes, localizada na organização dos grupos de pressão (retro, 759.1.3), dá azo a flagrante partidarismo
.
Em nenhum outro sítio esse fenômeno se revela com maior intensidade do que no controle concentrado de constitucionalidade. Nessa seara nobre e restrita, com efeito, há inúmeros exemplos da intervenção de grupos com interesses opostos – por exemplo, de um lado associações de defesa de animais, e, de outro, de organizações representativas das religiões de origem africana, que praticam o sacrifício ritual de animais –, travando, indiretamente, ressentido debate em processo supostamente “objetivo”. Seja como for, “o reconhecimento do caráter parcial do amicus curiae é fundamental para a compreensão do instituto, em sua feição hodierna, bem como das consequências de sua intervenção”, sendo que o partidarismo não torna ilegítima a respectiva atuação. Exemplo de partidarismo repontou no controle da constitucionalidade da Lei 10.826/2003 (Estatuto do Desarmamento), ingressando como amicus curiae, e contribuindo para o debate, de um lado, diversas entidades ligadas à prática do tiro, e, de outro, entidades promovedoras da defesa dos direitos humanos, que defenderam pontos de vista opostos.
O valor dos argumentos trazidos pelos amici no controle concentrado de constitucionalidade, e, a fortiori, nas demais hipóteses em que ocorra semelhante intervenção, ficou suficientemente demonstrado na reviravolta do entendimento do STF no tocante à constitucionalidade das normas estatuais à exploração de mineral (amianto) potencialmente danoso à saúde. Em tal caso, os argumentos brandidos pelos amici convenceram a maioria a rever o entendimento anterior."
(ASSIS, Araken de.
Processo civil brasileiro:
volume II. Tomo I. Parte geral: institutos fundamentais. Sâo Paulo: RT. 2015. p. 662)
Leia-se o art. 138, CPC:
"O juiz ou o relator, considerando a relevância da matéria, a especificidade do tema objeto da demanda ou a repercussão social da controvérsia, poderá, por decisão irrecorrível, de ofício ou a requerimento das partes ou de quem pretenda manifestar-se, solicitar ou admitir a participação de pessoa natural ou jurídica, órgão ou entidade especializada, com representatividade adequada, no prazo de 15 (quinze) dias de sua intimação. §1º A intervenção de que trata o caput não implica alteração de competência nem autoriza a interposição de recursos, ressalvadas a oposição de embargos de declaração e a hipótese do §3º §2º.
Caberá ao juiz ou ao relator, na decisão que solicitar ou admitir a intervenção, definir os poderes do amicus curiæ
. §3º O amicus curiæ pode recorrer da decisão que julgar o incidente de resolução de demandas repetitivas."
Por outro lado, na forma do art. 138, §2º, CPC/15, em princípio, devem ser assegurados a eventuais
amicus
a
legitimidade
para as
seguintes atividades processuais
: (a) apresentação de pareceres, estudos técnicos, memoriais e manifestações nos autos, nos prazos assinalados pelo Juízo; (b) oposição embargos declaratórios, nos prazos e formas dos arts. 1.022 e 1.023, CPC; (c) recurso contra a decisão que julgar eventual incidente de resolução de demandas repetitivas, conforme art. 138, §3, CPC/15; (d) fazerem-se representar e participar de audiências de conciliação ou de instrução e julgamento, porventura aprazadas pelo Juízo.
Ressalvadas as hipóteses já aludidas acima - oposição de embargos, e recurso contra decisões em sede de incidente de resolução de demandas repetitivas -, o
amicus curiæ
não detém poderes para recorrer das decisões no processo
(art. 138, § 1º, do CPC/2015). Tais entidades (CEDEA e IEP) estão submetidas, ademais, aos deveres de probidade processual, na forma dos arts. 79 a 81, CPC/15. Serão estipulados prazos comuns para manifestação de tais
amici
, a fim de se viabilizar a célere tramitação da causa, na forma ditada pelo art. 5, LXXVIII, CF.
Ao contrário do que ocorre com o assistente - que intervém por ter interesse em que uma das partes obtenha sentença favorável -, o
amicus
atua no processo em defesa de uma dada
tese
jurídica
, devendo agir como quem busca auxiliar o Poder Judiciário a prolatar a solução mais justa, aplicável ao caso. Em regra, o assistente é titular da própria relação jurídica deduzida no processo ou de uma relação jurídica que lhe é vinculada.
O
amicus curiæ
não é sujeito de qualquer dessas relações jurídicas, atuando no processo na defesa de interesses institucionais
.
AGRAVO DE INSTRUMENTO. PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA, AMICUS CURIAE.
O juiz ou o relator, considerando a relevância da matéria, a especificidade do tema objeto da demanda ou a repercussão social da controvérsia, poderá admitir a participação de pessoa natural ou jurídica, órgão ou entidade especializada, com representatividade adequada, como amicus curiae
. (TRF-4 - AG: 50370095820204040000 5037009-58.2020.4.04.0000, Relator: ROGERIO FAVRETO, Data de Julgamento: 06/10/2020, TERCEIRA TURMA)
Como já decidiu o TRF4,
"
O amicus curiæ atua no processo como um colaborador da justiça, cuja intervenção se justifica em razão da existência de questões que ultrapassam os interesses meramente das partes
"
(TRF-4 - AC: 50173555020194047201 SC 5017355-50.2019.4.04.7201, Relator: ALEXANDRE R. DA SILVA ÁVILA, 16/11/2021, SEGUNDA TURMA)
2.24. Pedido de ingresso como
amicus curiæ:
No caso em exame, ao menos por ora, não diviso necessidade da mencionada
convocação judicial
de
amici curiæ,
sem prejuízo de nova análise adiante. Ressalvo eventual novo exame do tema, caso a tanto instado.
2.25.
Possibilidade
jurídica do pedido:
A respeito da impossibilidade jurídica, convém atentar para a lição de Marcelo Abelha Rodrigues:
"Presente no nosso ordenamento jurídico explicitamente no art. 295, III, e implicitamente quando este adotou o conceito abstrato de ação, a possibilidade jurídica do pedido diz respeito à previsão
in abstracto
daquilo que se pede, dentro do ordenamento jurídico.
A possibilidade jurídica do pedido é instituto processual, e significa que ninguém pode ajuizar uma ação sem que peça uma providência que esteja, em tese (abstratamente) prevista no ordenamento jurídico material (no direito alemão é usado o termo viabilidade, donde se abstrai o mesmo significado). Veja o exemplo: 'A' pede o despejo de 'B' por falta de pagamento
.
Basta ao juiz a análise superficial e ver se tal situação é prevista (despejo por falta de pagamento) no nosso ordenamento jurídico, sem adentrar contudo em considerações fático-jurídicas do problema. Veja que ele não vai dizer, naquele momento, se 'B' vai ser despejado, mas apenas se existe no nosso ordenamento jurídico a hipótese invocada.
Por isso mesmo é que esta condição é prejudicial das demais, ou seja, deve ser a primeira a ser analisada, à luz da logicidade e do princípio da economia processual.
Dizer que um pedido é juridicamente possível significa que o ordenamento não o proíbe expressamente
. Destarte, o vocábulo 'pedido', que faz parte da referida condição da ação, está disposto na sua acepção mais ampla, ou seja, não somente em seu sentido estrito de mérito, mas também conjugado com a causa de pedir.
Afinal, é lapidar a conceituação de Arruda Alvim: 'Verificação se o pedido é, abstrata ou idealmente, contemplado pelo ordenamento, senão vedado pelo mesmo.' Também é essencial a colocação feita por Nery, quando lembra que o termo 'pedido' (que integra a expressão 'possibilidade jurídica do...'), tem de ser entendido na sua acepção mais lata, ou seja, conjugado com a causa de pedir. Assim, embora o pedido de cobrança, estritamente considerado, seja admissível pela lei brasileira, não o será se tiver como causa petendi dívida de jogo (art. 1.477, caput, Código Civil)." (RODRIGUES, Marcelo Abelha.
Elementos de direito processual civil.
vol. 1. 2. ed. São Paulo: RT, 2000, p. 183-184)
Na espécie, a pretensão do requerente não esbarra na mencionada condição para válido exercício do direito de ação
. Não há norma juridicamente válida que o impeça de deduzir em juízo a pretensão em juízo, de modo que aludida categoria foi atendida.
2.26. Interesse processual - considerações gerais:
Por conta do monopólio estatal do uso válido da violência - expressão de Max Weber -, exceção feita aos casos de legítima defesa, estado de necessidade, desforço
incontinenti
etc., as partes não podem resolver seus conflitos mediante o emprego da força (art. 345, Código Penal/40). Assim, sempre que as controvérsias não sejam solucionadas com base no consenso, na prevalência do melhor argumento, os sujeitos devem deduzir suas pretensões perante o Estado, na espera de que haja aplicação isenta, racional e célere da lei (
law enforcement
).
Nos termos impostos pela Constituição, o Poder Judiciário está obrigado a apreciar a alegação de que haja lesão ou ameaça de lesão a direito (art. 5º, XXXV, CF), mecanismo indispensável para o efetivo império da razão pública, ao invés da prevalência dos poderes hegemônicos de ocasião. A prestação jurisdicional não se destina, todavia, a emitir meros pareceres ou cartas de intenções.
O ingresso em juízo deve estar fundado, tanto por isso, em uma situação de efetiva necessidade, de modo que o pedido - caso venha a ser acolhido - se traduza em uma utilidade para o(a) demandante. O meio processual eleito deve ser adequado para tanto. Daí que os processualistas tratem do interesse processual em uma
troika:
a necessidade, a utilidade e a adequação. Por fim, o interesse processual deve persistir no curso da demanda, nos termos do art. 17 e art. 85, §10, CPC/15.
Ora,
"
Mediante a força declaratória, a aspiração do autor consiste na extirpação da incerteza
. Deseja tornar indiscutível, no presente e no futuro, graças à autoridade da coisa julgada, a existência ou a inexistência de relação jurídica, a autenticidade ou a falsidade de documento. É o que dispõe, fortemente inspirado no direito germânico e reproduzindo a regra anterior, o art. 19 do NCPC. Também comporta declaração a exegese de cláusula contratual (Súmula do STJ, n.º 181), ou seja, o modo de ser de uma relação jurídica. Na ação declarativa, ignora-se outra eficácia relevante que a de coisa julgada material. Neste sentido, a pretensão à declaração representa fonte autônoma de um bem valiosíssimo na vida social: a certeza. O autor que só pleiteia declaração ao juiz, e obtém êxito, dar-se-á por satisfeito, e cabalmente, desde o curso em julgado da sentença.
Então apropria-se do que pedira ao órgão judicial – certeza –, carecendo a regra jurídica emitida de qualquer atividade complementar em juízo. Focalizando o ponto com preciosa exatidão, diz-se que a sentença declaratória é instrumento autossuficiente de tutela jurisdicional, pois assegura, de maneira plena e completa, a efetividade da situação jurídica substancial deduzida em juízo
."
(ASSIS, Araken de.
Processo
civil brasileiro:
volume I. Parte geral: fundamentos e distribuição de conflitos. São Paulo: RT. 2015. p. 675).
Ainda segundo Araken de Assis,
"
O provimento declaratório tem nítido caráter prescritivo. A parte adquire o direito incontestável de comportar-se em consonância ao comando sentencial, e, principalmente, não é dado àqueles que se vincularam à declaração impedi-la
. A finalidade da ação declaratória da inteligência e do alcance de cláusula contratual é a de prescrever aos parceiros do negócio, sucessivamente, determinada pauta de conduta, independentemente de execução alguma, de que não se cogita e de que não se pode cogitar."
(ASSIS, Araken de.
Obra citada.
p. 676).
Dado que o Poder Judiciário não é consultor jurídico das partes, impõe-se que haja uma situação de incerteza jurídica a justificar o ingresso com a demanda:
"
Impende recordar que a certeza implicará a vinculação futura das partes. O provimento exibirá caráter prescritivo para o futuro
. O ato judicial legitima a prática (ou a abstenção) de atos jurídicos “ao abrigo e em conformidade com o conteúdo da sentença. Em geral, a antevisão desse problema provoca o nascimento do interesse. Por assim dizer, o provimento declarativo tem os pés no passado, mas olhar no futuro. É preciso aceitar com reservas, portanto, o julgado da 4.ª Turma do STJ, que assentou: Não é detentor de interesse processual justificador da pretensão declarativa quem não está exposto à possibilidade de dano imediato e concreto. Ora, imediato é o interesse, pois o dano, em sentido amplíssimo, pode ser futuro. Por exemplo, não cabe declarar a inteligência da cláusula contratual em tese; o autor necessitará expor a dificuldade na interpretação da cláusula, os reflexos que este ou aquele entendimento provocará no programa contratual."
(ASSIS, Araken de.
Obra citada.
p. 661).
2.27. Interesse processual - caso em exame:
Em princípio, a requerente possui interesse na deflagração dessa demanda, eis que a questão não parece suscetível de ser solucionada na esfera extrajudicial, diante do seu relato
. O exaurimento da contenda no âmbito extrajudicial não se faz necessário para o ingresso em Juízo - art. 5, XXXV, CF/88. No caso não se aplica o entendimento de
tema 350
, Supremo Tribunal, que versa sobre o interesse processual em demandas previdenciárias. Ademais, a demandante é a União Federal.
Caso sua pretensão venha a ser julgada procedente, em sentença transitada em julgado, a medida lhe será útil, importando o exercício da posse direta, pela União, sobre os imóveis aludidos na peça inicial. O meio processual eleito revela-se adequado, como anotei acima. Logo, o trinômio necessidade, utilidade, adequação foi atendido na espécie.
2.28. Aptidão da peça inicial:
A petição inicial revela-se apta, eis que o demandante detalhou a sua causa de pedir - narrando os fatos pertinentes e esgrimindo argumentos jurídicos -, ao tempo em que promoveu pedido terminado, na forma do art. 324, CPC. Anexou documentos na forma do art. 322, CPC/15.
Assim, a peça viabilizará o contraditório por parte dos demandados. Não se faz necessário o recolhimento de custas, no rito dos Juizados, em 1. instância. Registro ainda que o pedido da parte autora deve ser compreendido com respeito à boa-fé objetiva, atentando para a integridade da peça inicial -
art. 322, §2, CPC/15
.
2.29. Apresentação de documentos:
A parte autora apresentou documentos na fase propícia para tanto, conforme
artigos 320 e 434, Código de Processo Civil
, sendo que eventual apresentação dos documentos pelo requerido há de ser promovida com a contestação, conforme art. 434, CPC/15.
Demais documentos poderão ser apresentados em outras etapas da demanda, atendidas as regras do art. 435, CPC.
2.30. Valor atribuído à demanda - considerações gerais:
Como sabido, a toda causa deve ser atribuído algum valor econômico, por força do art. 291, CPC/2015 - projeção do art. 258, CPC/73 -, pois se cuida da base de cálculo da taxa judiciária. Referido valor pode influenciar, em muitos casos, a determinação da competência das unidades judiciais ou o procedimento aplicável, também surtindo reflexos sobre a definição de encargos sucumbenciais.
Trata-se, tanto por isso, de requisito para que a petição inicial seja válida - art. 319, CPC. Como explicita Araken de Assis,
"às vezes, na oportunidade da respectiva fixação (infra, 1.290), o conteúdo econômico real e imediato da pretensão mostra-se inestimável, ou seja, não pode ser quantificado precisamente. Tal circunstância não constitui motivo bastante para eliminar o ônus atribuído ao autor nos arts. 319, V, e 292, caput. É apenas causa de estimação voluntária do autor, pois o art. 291 dispõe expressamente que a toda causa será atribuído valor certo. Nada obstante, a indicação aproximar-se-á, tanto quanto possível, do conteúdo econômico mediato da pretensão. Não há incompatibilidade daquelas regras com a do art. 85, § 8.º. aludindo a causas de valor inestimável. Entende-se por tal as causas desprovidas de conteúdo econômico imediato, como é o caso da ação declaratória, e, por esse motivo, sujeitas à estimação do autor."
(ASSIS, Araken.
Processo civil brasileiro.
Volume II - Tomo I: SP: RT. 2015. p. 1695)
Convém atentar, tanto por isso, para o art. 292, CPC/15:
"O valor da causa constará da petição inicial ou da reconvenção e será: I - na ação de cobrança de dívida, a soma monetariamente corrigida do principal, dos juros de mora vencidos e de outras penalidades, se houver, até a data de propositura da ação; II - na ação que tiver por objeto a existência, a validade, o cumprimento, a modificação, a resolução, a resilição ou a rescisão de ato jurídico, o valor do ato ou o de sua parte controvertida; III - na ação de alimentos, a soma de 12 (doze) prestações mensais pedidas pelo autor; IV - na ação de divisão, de demarcação e de reivindicação, o valor de avaliação da área ou do bem objeto do pedido; V - na ação indenizatória, inclusive a fundada em dano moral, o valor pretendido; VI - na ação em que há cumulação de pedidos, a quantia correspondente à soma dos valores de todos eles; VII - na ação em que os pedidos são alternativos, o de maior valor; VIII - na ação em que houver pedido subsidiário, o valor do pedido principal. § 1º Quando se pedirem prestações vencidas e vincendas, considerar-se-á o valor de umas e outras. § 2º O valor das prestações vincendas será igual a uma prestação anual, se a obrigação for por tempo indeterminado ou por tempo superior a 1 (um) ano, e, se por tempo inferior, será igual à soma das prestações. § 3º O juiz corrigirá, de ofício e por arbitramento, o valor da causa quando verificar que não corresponde ao conteúdo patrimonial em discussão ou ao proveito econômico perseguido pelo autor, caso em que se procederá ao recolhimento das custas correspondentes."
Atente-se novamente para a análise de Araken de Assis:
"
É exemplificativa a enumeração dos acessórios. Os juros compensatórios, por exemplo, dificilmente se quadram na figura de penalidade. A correção monetária integra o valor originário do crédito e, nesse aspecto, sua menção no art. 292, corrige o direito anterior
. Ressalva feita aos juros moratórios e à correção monetária, verbas implicitamente incluídas no pedido respeitante ao principal (art. 322, § 1.º), e, nada obstante, integrantes do valor da causa, quaisquer outras verbas devem ser objeto de pedido. É o caso, expressis verbis, da cláusula penal moratória ou compensatória e dos juros compensatórios. Omisso que seja o pedido, a respeito da cláusula penal (v.g., o autor quer evitar a controvérsia em torno da interpretação do contrato), tampouco conta-se o respectivo valor. Por óbvio, deixando o autor de pedir os juros moratórios, explicitamente, dificilmente realizará seu cômputo no valor da causa, ensejando a intervenção do órgão judiciário. E os juros vencidos posteriormente ao ajuizamento, automaticamente incluídos na condenação (art. 323), não entram na estimativa da causa.
O custo financeiro do processo (despesas processuais e honorários advocatícios), suportado pelo réu no caso de êxito do autor, não precisa ser computado para apurar o valor da causa. Tais verbas têm caráter eventual e decorrem da lei.
Em face do caráter imperativo do art. 292, I, mostra-se irrelevante a estimativa lançada pelo autor na petição inicial em desacordo com a regra. Prevalecerá o valorda importância reclamada no pedido.
O art. 292, I, aplica-se, por analogia, à pretensão a executar fundada em título judicial ou extrajudicial (infra, 1.292.2.2). O valor da causa é o total do crédito: o principal corrigido, os juros e os demais consectários legais ou contratuais, conforme, aliás, dispõe o art. 6.º, § 4.º, da Lei 6.830/1980. Esse valor constará na planilha aludida no art. 798, I, b, e parágrafo único
.
Também se poderia cogitar do enquadramento da pretensão a executar no art. 292, II, por que pretensão visando ao cumprimento do negócio jurídico, eventualmente consubstanciado em documento dotado de força executiva. O resultado final é idêntico, mas o art. 292, I, avantaja-se ao inciso precedente em ponto decisivo, ao impor um critério simples, direto e analítico ao valor da causa." (ARAKEN, Assis.
Obra citada.
p. 1698 e ss.)
Ora, não se pode perder de vista que o valor atribuído à causa deve corresponder, tanto quanto possível, ao conteúdo econômico da pretensão deduzida na peça inicial, como bem equaciona o art. 292, §3º, CPC/15:
"O juiz corrigirá, de ofício e por arbitramento, o valor da causa quando verificar que não corresponde ao conteúdo patrimonial em discussão ou
ao proveito econômico perseguido pelo autor
, caso em que se procederá ao recolhimento das custas correspondentes."
2.31.
Valor da causa
- preço do imóvel:
Em princípio, em casos como o presente, o valor da causa - enquanto conteúdo econômico da pretensão do autor - deve corresponder à importância de mercado do imóvel em questão, na medida em que esse é a expressão financeira do que ele busca em Juízo.
Não raro, há algumas dificuldades no que toca à atribuição de conteúdo econômico para determinados objetos, na exata medida em que as coisas não possuem valores ínsitos ou ontológicos
. A precificação depende, por óbvio, de uma conhecida distinção entre
valor de uso e valor de troca
. Por vezes, algo pode ser muito apreciado pelo proprietário, mas sem correspondente apelo econômico junto ao mercado. Alguém pode guardar um conjunto de fotos ou estátuas, atribuindo-lhes expressivo valor por lhe recordar momentos da infância ou entes queridos; mas, dificilmente conseguiria comercializá-las no mercado pelo montante almejado. Por outro lado, o preço depende sempre de inúmeras variáveis, com destaque para a conhecida lei da oferta e da procura. Quanto maior a demanda e maior a escassez, maior o preço. Havendo excesso de oferta, ao contrário, o preço é reduzido.
Daí que a atribuição de conteúdo econômico para bens depende sempre do exame do contexto de mercado, diante da interação entre compradores e vendedores - depende, enfim, das
expectativas sociais envolvidas
. No âmbito das demandas judiciais ou das licitações, ademais, há questões burocráticas que acabam por condicionar a precificação, seja por força de uma limitação do mercado, seja por conta das peculiaridades com que as negociações se dão (arrematação, adjudicação, leilão).
Atente-se para a lição de Kiyoshi Harada, relacionada a bens imóveis - mas que, com as pertinentes adequações, pode servir como parâmetro também para a indenização dos prejuízos decorrentes da subtração de bens móveis:
"Vários são os métodos de avaliação. Na avaliação de terrenos loteados, normalmente, o método empregado é o comparativo, levando-se em conta os três fatores básicos: a área, a profundidade e a testada. .Basicamente, consiste na pesquisa de valores de preços com menos de dois anos em relação à data de avaliação, referentes a imóveis da mesma região geoeconômica, da idêntica zona e uso e ocupação de solo e do mesmo setor fiscal. Preço proveniente de oferta deverá sofrer redução de 10% para atender à natural elasticidade do mercado, ao passo que os preços a prazo devem ser transformados em preços à vista, mediante descontos com o auxílio da tabela Price. A somatória dos diferentes preços levantados e sua divisão pelo número de elementos pesquisados resultarão em um valor médio. Descartam-se os elementos que se situarem 30% abaixo ou acima dessa média. Extrair-se-á nova média com os elementos remanescentes, resultando na chamada média aritmética saneada, ou seja, o valor unitário médio que servirá de paradigma para a avaliação.
Na avaliação de glebas loteáveis, quando o emprego direto do método comparativo fica inviabilizado, por ausência de paradigmas, a avaliação é feita através do chamado método involutivo. Consiste na projeção de um loteamento imaginário com a divisão da área em quadras e em lotes-padrão, com exclusão das áreas destinadas a espaços livres, institucionais e áreas verdes. Levam-se em conta inúmeros fatores como despesas do loteamento, abarcando a implantação de infraestrutura, propaganda e corretagem, bem como o tempo de duração para o esgotamento das vendas, a valorização dos lotes no decorrer de vendas etc
. Enfim, é um método cuja avaliação é baseada em projeções que podem ocorrer ou não concretamente. Ultimamente, esse método vem ganhando elasticidade, comportando a avaliação em separado da chamada 'faixa frontal do loteamento', situada de frente para as vias públicas existentes, que seria diretamente desmembrável, destacando-se do miolo do loteamento imaginário."
(HARADA, Kiyoshi.
Desapropriação.
10. ed. São Paulo: Atlas. p. 135-136).
Quando se cuide de pedido de indenização, por exemplo, deve-se atentar para o valor de mercado dos bens perdidos ou destruídos, conforme art. 1.431 do Código Civil:
CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. SENTENÇA ISENTA DE ERRORES IN PROCEDENDO. FURTO DE JOIAS ACAUTELADAS À RÉ, POR FORÇA DE CONTRATO DE PENHOR. RESPONSABILIDADE INDENIZATÓRIA. VALOR REAL DAS JOIAS. LAUDO PERICIAL. APELAÇÃO DESPROVIDA. 1. Não é nula a sentença que julga a demanda a salvo de errores in procedendo. 2. Responde a Caixa Econômica Federal - CEF pelos danos causados a cliente cujas joias, dadas como garantia em contrato de empréstimo e penhor, foram furtadas ao tempo em que estavam em poder da mutuante. 3.
Firmou-se a jurisprudência no sentido de que a indenização, em casos que tais, deve ser feita de acordo com o valor real das joias e não pelo quantum ajustado contratualmente
. 4. Na impossibilidade de realizar-se avaliação direta das joias, revela-se razoável e seguro o critério de estimativa do perito, que, apresentando-se como cliente interessado em celebrar contrato de penhor de joias, aferiu a desproporção entre a avaliação feita pela Caixa Econômica Federal - CEF e o valor real dos bens. 5. Apelação desprovida. (TRF-3 - Ap: 00220953820004036100 SP, Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL NELTON DOS SANTOS, Data de Julgamento: 10/11/2009, SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: e-DJF3 Judicial 1 DATA:19/07/2012)
CIVIL. PENHOR. joias . ASSALTO À AGÊNCIA BANCÁRIA. PERDA DO BEM. RESOLUÇÃO DO CONTRATO. RESSARCIMENTO DO PROPRIETÁRIO DO BEM. PAGAMENTO DO CREDOR. COMPENSAÇÃO. POSSIBILIDADE. EXCEÇÃO DE CONTRATO NÃO CUMPRIDO. ART. 1.092 DO CÓDIGO CIVIL/1916 E ART. 476, DO CÓDIGO CIVIL/2002. - O perecimento por completo da coisa empenhada não induz à extinção da obrigação principal, pois o penhor é apenas acessório desta, perdurando, por conseguinte, a obrigação do devedor, embora com caráter pessoal e não mais real. - Segundo o disposto no inciso IV do art. 774, do Código Civil/1916, o credor pignoratício é obrigado, como depositário, a ressarcir ao dono a perda ou deterioração, de que for culpado. - Havendo furto ou roubo do bem empenhado, o contrato de penhor fica resolvido, devolvendo-se ao devedor o valor do bem empenhado, cabendo ao credor pignoratício o recebimento do valor do mútuo, com a possibilidade de compensação entre ambos, de acordo com o art. 775, do Código Civil/1916. -
Na hipótese de roubo ou furto de joias que se encontravam depositadas em agência bancária, por força de contrato de penhor, o credor pignoratício, vale dizer, o banco, deve pagar ao proprietário das joias subtraídas a quantia equivalente ao valor de mercado das mesmas, descontando-se os valores dos mútuos referentes ao contrato de penhor
. Trata-se de aplicação, por via reflexa, do art. 1.092 do Código Civil/1916 (art. 476, do Código Civil atual). Recurso especial não conhecido. (STJ - SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA Classe: RESP - RECURSO ESPECIAL - 730925 Processo: 200500366722 UF: RJ Órgão Julgador: TERCEIRA TURMA REL. NANCY ANDRIGHI DJ DATA:15/05/2006 PÁGINA:207).
2.32. Valor da causa - situação em exame:
No presente caso, em princípio, a atribuição de valor à demanda se revela adequado. Não há como apurar o preço dos imóveis em questão. Por outro lado, não se cuida de uma demanda petitória, em cujo âmbito estivesse em causa o domínio dos terrenos. Trata-se de uma demanda que versa sobre a posse direta dos imóveis em questão, razão pela qual acolho a valorização econômica da demanda promovida pela União Federal.
Ressalvo que, por óbvio, a União não está obrigada a recolher custas processuais, previstas nos arts. 82, CPC e 14 da lei n. 9.296/1996. Isso implicaria o recolhimento de custas para si mesma. Por outro lado, a definição do valor da causa não chega a definir, de modo inexorável, a definição de eventuais honorários sucumbenciais, diante do que prevê o art. 85, §8, CPC/15.
2.33.
Natureza dúplice das demandas possessórias.
No mais das vezes, as demandas gravitam em torno da pretensão deduzida pela parte requerente e das objeções e impugnações promovidas pela parte requerida. Em regra,
caso a pretensão seja julgada improcedente
, disso não se segue a condenação do requerente a prestar uma serviço ou pagar valores ao demandado, exceção feita ao pagamento de honorários devidos ao(à) seu(sua) advogado(a) e reembolso de despesas processuais e custas (arts. 82 e 85, CPC).
Para que o Juízo possa condenar o requerente a adimplir alguma obrigação a favor do demandada, ele haveria de deflagrar uma reconvenção, na forma do
art. 343, CPC/15 - projeção do art. 315, CPC/73
. Quando se cuida, porém, de demanda dúplice, isso não se faz necessário. A exemplo do que ocorre com a prestação de contas, conforme
art. 550, Código de Processo Civil
, na medida em que a parte autora pode ser condenada a pagar valores ao demandado, tudo a depender do resultado dos cálculos apresentados.
Quanto em causa, portanto, uma demanda dúplice,
"todos que participam da relação de direito material podem acionar e serem acionados. Porque dúplice a ação, o procedimento não comporta reconvenção." "
(MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel.
Obra citada,
p. 853).
Araken de Assis enfatiza o seguinte:
"O réu não tem interesse processual em reconvir no iudicium duplex. É o caso típico da pretensão à declaração positiva ou negativa (v.g., a da inexistência da dívida proveniente do contrato X). Parece evidente que, almejando o réu algo distinto da declaração da existência da dívida originada pelo contrato X, toca-lhe reconvir. Por exemplo, pleiteando o reconhecimento do montante da dívida. Mas, se o autor pretende a declaração da inexistência da dívida proveniente do contrato X e a pretensão é rejeitada, fica reconhecida a existência e, por isso, o réu não tem interesse em reconvir para obter efeito jurídico que o juízo de improcedência outorga-lhe naturalmente."
(ASSIS, Araken de.
Processo Civil Brasileiro.
vol. 3. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015).
Além do mais,
"pedido contraposto e ações dúplices não são sinônimos e nem institutos processuais equivalentes , não obstante a abordagem em sentido contrário feita pela doutrina e pelos tribunais a respeito do tema. Ações dúplices são aquelas nas quais, "na mesma ação, assumem ambas as partes, concomitantemente, as condições de autor e réu, independentemente de o réu ter feito pedido nesse sentido". E o pedido contraposto, em que pese a dispensar as formalidades da reconvenção, ainda assim não elimina o fato de ser, primordialmente, um "pedido", e, como tal, precisa ser formulado pelo réu para só então poder ser apreciado pelo magistrado, haja vista a inércia jurisdicional. Em que pese algumas hipóteses de pedido contraposto estarem inseridas no bojo de procedimentos de ações dúplices, este fato não é suficiente para confundir referidos institutos.
" (RODRIGUES, Rafael Ribeiro.
Interpretação do pedido.
São Paulo: Malheiros, 2021. p. 128).
Ora, no âmbito das causas possessórias, segundo art. 556, CPC/15,
"
É lícito ao réu, na contestação, alegando que foi o ofendido em sua posse, demandar a proteção possessória e a indenização pelos prejuízos resultantes da turbação ou do esbulho cometido pelo autor
."
Dispositivo semelhante constou no art. 922, CPC/73.
Assim, a
reintegração cuida-se de demanda dúplice
, na medida em que - preenchidos os requisitos de lei - é viável a prolação de sentença condenatória em desfavor da parte autora, mesmo quanto a temas distintos do arbitramento de honorários sucumbenciais. A título de exemplo, o Juízo pode condenar, conforme o caso, a parte autora a indenizar o requerido quanto a eventuais benfeitorias necessárias. Aludido pleito deve guardar pertinência com a pretensão deduzida no processo, exigindo também a apresentação de elementos probatórios do quanto esteja sendo alegado.
Atente-se para os julgados abaixo transcritos:
ADMINISTRATIVO. REINTEGRAÇÃO DE POSSE. DOMÍNIO PÚBLICO. ALEGAÇÃO DE VIOLAÇÃO DOS ARTS. 71 DO DECRETO LEI N. 9.760/1946 E 1.219 DO CÓDIGO CIVIL. CONSTRUÇÃO DE CASA PELOS RÉUS. OCUPAÇÃO INDEVIDA COMPROVADA. INDENIZAÇÃO DESCABIDA. I -
Na origem, trata-se de ação ajuizada pela União contra particulares, objetivando a reintegração de posse de terreno de sua propriedade, jurisdicionado ao Exército Brasileiro, em decorrência da ocupação irregular, pelos réus, de parcela do referido terreno com a construção de casa
. II - Ação julgada parcialmente procedente, determinando a respectiva reintegração, mas garantindo aos réus o direito à indenização por benfeitorias necessárias. Decisão mantida, em grau recursal, pelo Tribunal a quo. III - Os arts. 71 e 90, do Decreto-Lei n. 9.760/1946 dispõem, de forma clara, sobre a impossibilidade, in casu, de serem indenizadas as referidas benfeitorias, independentemente de boa-fé. Precedente análogo: REsp n. 1.755.340/RJ, relator Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe de 5/10/2020. VI - Agravo interno provido, reformando a decisão atacada, para dar provimento ao recurso especial da União e afastar a indenização deferida.(STJ - AgInt no REsp: 1611418 RJ 2014/0032709-7, Data de Julgamento: 20/09/2022, T2 - SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJe 26/09/2022)
Em princípio, deve-se apurar se a posse impugnada foi exercida de boa ou má-fé, por conta da diferença de tratamento dispensada pela legislação, conforme
arts. 1.216 e ss., Código Civil/2002
. Destaco o art. 1.219, CC:
"O possuidor de boa-fé tem direito à indenização das benfeitorias necessárias e úteis, bem como, quanto às voluptuárias, se não lhe forem pagas, a levantá-las, quando o puder sem detrimento da coisa, e poderá exercer o direito de retenção pelo valor das benfeitorias necessárias e úteis."
Menciono, com cognição precária, o seguinte julgado:
AGRAVO INTERNO NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL - REINTEGRAÇÃO DE POSSE - POSSUIDOR DE MÁ-FÉ - DECISÃO MONOCRÁTICA QUE TORNOU SEM EFEITO DELIBERAÇÃO ANTERIOR E DEU PARCIAL PROVIMENTO AO RECLAMO PARA O RESSARCIMENTO DAS BENFEITORIAS NECESSÁRIAS. INSURGÊNCIA RECURSAL DO DEMANDANTE. 1.
Conforme o entendimento consolidado neste Tribunal, ao possuidor de má-fé serão ressarcidas apenas as benfeitorias necessárias
. Incidência da Súmula 83 do STJ. 2. Caracterizam-se como protelatórios os embargos de declaração opostos sem a indicação de omissão, contradição, obscuridade ou erro material, com nítido propósito de rediscutir o mérito da controvérsia. Incidência da multa do art. 1.026, § 2º, do NCPC mantida. 3. Agravo interno desprovido. (STJ - AgInt nos EDcl nos EDcl no AgInt no AREsp: 540151 SP 2014/0145423-7, Relator: Ministro MARCO BUZZI, Data de Julgamento: 27/05/2019, T4 - QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJe 30/05/2019
2.34. Natureza não dúplice da reivindicatória:
Na medida, porém, que a reinvindicatória é uma demanda versando sobre domínio - ou seja, processo petitório -, os Tribunais têm sustentado que
ela não teria natureza dúplice
. Importa dizer: eventual pretensão condenatória deduzida pelos requeridos em face dos requerentes exigiria a a
apresentação tempestiva de reconvenção
, conforme arts. 315, Código de Processo Civil/73 e art. 343, Código de Processo Civil/15.
RECURSO ESPECIAL. CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. OMISSÃO. AUSÊNCIA. AÇÃO DE IMISSÃO NA POSSE. NATUREZA PETITÓRIA. CARÁTER DÚPLICE. AUSÊNCIA. SUBMISSÃO AO PROCEDIMENTO COMUM. PEDIDO CONTRAPOSTO. NÃO CABIMENTO. PEDIDO DE RETENÇÃO POR BENFEITORIAS. FORMULAÇÃO NA CONTESTAÇÃO. NECESSIDADE. 1- Recurso especial interposto em 18/4/2022 e concluso ao gabinete em 23/2/2023.2- O propósito recursal consiste em dizer se, no âmbito de ação de imissão na posse, é possível a formulação de pedido de retenção por benfeitorias na contestação como pedido contraposto.3- Na hipótese dos autos, deve ser afastada a alegação de negativa de prestação jurisdicional, pois a matéria impugnada foi enfrentada de forma objetiva e fundamentada no julgamento do recurso, naquilo que o Tribunal a quo entendeu pertinente à solução da controvérsia.4- A ação de imissão na posse é a ação que visa assegurar ao titular de direito real, normalmente o de propriedade, o ingresso em posse que nunca teve. Em síntese, é a ação do proprietário não possuidor contra o possuidor não proprietário.5-
A ação de imissão na posse não ostenta natureza dúplice, pois, pela natureza do direito material debatido, a improcedência do pedido autoral, por si só, não tem o condão de atribuir ao réu o bem da vida discutido
.6- A ação de imissão na posse não conta com previsão expressa seja no CPC/1973, seja no CPC/2015, motivo pelo qual passou a estar submetida ao procedimento comum.7-
O pedido contraposto é o instituto processual que faculta ao réu formular pedido em face do autor no âmbito da defesa sem as formalidades típicas da reconvenção, somente sendo admitido "nas hipóteses expressamente previstas em lei. Afinal, o legislador, quando pretendeu excepcionar a regra, que consiste na utilização da reconvenção pelo réu quando pretender deduzir pretensão contra o autor, o fez de forma expressa
"( REsp n. 2.006.088/PR, relatora Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 4/10/2022, DJe de 6/10/2022).8- O pedido contraposto somente é admitido nas hipóteses excepcionais expressamente previstas em lei, motivo pelo qual, inexistindo previsão legal autorizadora, conclui-se que não é possível a formulação dessa espécie de pedido em ação de imissão na posse.9-
Não há que se falar em possibilidade de substituição da reconvenção pelo pedido contraposto, pois, além deste exigir expressa autorização legal ( REsp n. 2.006.088/PR), o princípio da instrumentalidade das formas permite apenas a substituição excepcional do procedimento menos formal (pedido contraposto) pelo mais formal (reconvenção), mas não o contrário.10- Muito embora a ação de imissão na posse não admita pedido contraposto, na específica hipótese de pedido de retenção por benfeitorias há peculiaridades a serem consideradas, notadamente porque, desde o CPC/1973, a jurisprudência desta Corte, com apoio na doutrina, firmou-se no sentido de que o pedido de retenção deve ser formulado em contestação, entendimento que passou a contar com previsão expressa no art. 538, § 1º e § 2º do CPC/2015
.11- O direito de retenção é direito com função de garantia que assiste ao possuidor de boa-fé que realizou benfeitorias no bem, podendo ser utilizado para manter a posse do imóvel até que sejam indenizadas as benfeitorias necessárias e úteis.12- Se o réu, em ação de imissão na posse, veicula o direito de retenção em contestação, não há óbice à sua apreciação pelo juiz, ainda que formulado como pedido contraposto, máxime tendo em vista os princípios da instrumentalidade das formas, da razoável duração do processo e da primazia do julgamento de mérito.13- Na hipótese dos autos, não merece reforma o acórdão recorrido, pois, muito embora não seja cabível, em regra, pedido contraposto em ação de imissão na posse, o réu alegou a existência de direito de retenção na própria contestação, ainda que com o nome de pedido contraposto, inexistindo, portanto, impedimento à sua apreciação pelo juiz.14- Recurso especial não provido. (STJ - REsp: 2055270 MG 2023/0024516-3, Relator: Ministra NANCY ANDRIGHI, Data de Julgamento: 25/04/2023, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 27/04/2023)
APELAÇÃO CÍVEL N. 0199122-16.2012.8.09.0044 COMARCA DE FORMOSA APELANTE : LUIZ FABIO DE JESUS SANTOS E OUTRO APELADO : CARLOS EDUARDO LIMA RELATOR : RODRIGO DE SILVEIRA - JUIZ SUBSTITUTO EM 2º GRAU EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL AÇÃO REIVINDICATÓRIA REQUISITOS PRESENTES PROCEDÊNCIA PLEITO DE INDENIZAÇÃO DE BENFEITORIAS EM CONTESTAÇÃO - BENEFICIÁRIO DA ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA ? NÃO ISENÇÃO DO ÔNUS DA SUCUMBÊNCIA. 1- Se o réu/apelante não tem título de domínio, nem qualquer outro que justifique juridicamente sua detenção, sua posse é injusta e autoriza a procedência da reivindicatória intentada por quem se apresenta como dono, amparado pelo Registro Imobiliário. 2-
A ação reivindicatória não possui natureza dúplice, motivo pelo qual a pretensão da parte ré/apelante em ver indenizadas as benfeitorias realizadas no imóvel em questão deveria ter sido manejada em reconvenção, sobretudo porque apresentada a contestação ha vigência do CPC/1973
. 3- Os efeitos da concessão da assistência judiciária não incluem a isenção da responsabilidade do beneficiário pelas despesas processuais e pelos honorários decorrentes da sua sucumbência, apenas restando a sua exigibilidade suspensa por cinco anos, contados do trânsito em julgado, e condicionada à demonstração pelo credor de que deixou de existir a situação de insuficiência de recursos, nos termos do art. 98, §§ 2.º e 3.º, do CPC. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. (TJ-GO - AC: 01991221620128090044 FORMOSA, Relator: Des(a). RODRIGO DE SILVEIRA, Assessoria para Assunto de Recursos Constitucionais, Data de Publicação: (S/R) DJ)
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO REIVINDICATÓRIA. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA. APELO DA RÉ. PLEITO DE INDENIZAÇÃO PELAS BENFEITORIAS REALIZADAS NO IMÓVEL. PEDIDO LANÇADO EM CONTESTAÇÃO. DEMANDA DE CUNHO PETITÓRIO, DESPROVIDA DE CARÁTER DÚPLICE. RESSARCIMENTO DAS BENFEITORIAS QUE DEVERIA SER POSTULADO EM SEDE DE RECONVENÇÃO. INVIABILIDADE DE ANÁLISE DO PLEITO. INADEQUAÇÃO DO MEIO PROCESSUAL ELEITO. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.
O caráter dúplice é atributo exclusivo das ações possessórias, conforme expressamente previsto no art. 922 do Código de Processo Civil revogado (atual art. 556 do novo CPC)
. Nessa senda, em se tratando a ação reivindicatória de demanda de cunho petitório, o pleito de ressarcimento das benfeitorias realizadas no imóvel deve ser realizado em reconvenção, sendo inviável sua análise quando manejado em contestação, peça processual que se limita ao exercício da defesa pela réu. (TJSC, Apelação Cível n. 0002788-33.2013.8.24.0019, Rel. Des. Subst. Luiz Felipe Schuch, acórdão de 16/08/2017)
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO REIVINDICATÓRIA DE PROPRIEDADE. INDENIZAÇÃO PELA FRUIÇÃO DO IMÓVEL. P E D I D O N Ã O C O N H E C I D O . I N O V A Ç Ã O R E C U R S A L . RESSARCIMENTO A BENFEITORIAS. PRETENSÃO EM SEDE DE CONTESTAÇÃO. AUSÊNCIA DE CARÁTER DÚPLICE DAS REIVINDICATÓRIAS. NECESSIDADE DE RECONVENÇÃO OU AÇÃO PRÓPRIA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS MAJORADOS. SENTENÇA PARCIALMENTE REFORMADA. 1. (...) 4.
Não possuindo a ação reivindicatória caráter dúplice, eventual pedido de indenização por benfeitorias realizadas no imóvel deve ser formulado em reconvenção ou em ação própria, e não em sede de contestação ou petição simples, como ocorreu na hipótese
. (...) APELO PARCIALMENTE CONHECIDO, E NESTA PARTE PROVIDO, MANTENDO A SENTENÇA NOS DEMAIS TERMOS INCÓLUME. (TJ- GO - AC: 01885425520148090011, APARECIDA DE GOIÂNIA, Relator: Des (a). ANDERSON MÁXIMO DE HOLANDA, Data de Julgamento: 22/02/2021, 3a Câmara Cível, Data de Publicação: DJ de 22/02/2021)
APELAÇÃO. FASE DE CUMPRIMENTO DE SENTENÇA PROFERIDA EM AÇÃO REIVINDICATÓRIA, QUE NÃO TEM NATUREZA DÚPLICE. AUSÊNCIA DE RECONVENÇÃO. SENTENÇA DESPROVIDA DO CONTEÚDO INJUNCIONAL PRETENDIDO PELOS AUTORES. RECURSO NÃO PROVIDO.
Fase de cumprimento de sentença de ação reivindicatória. Demanda julgada improcedente. Pretensão ao cancelamento de cláusula de retrovenda junto à matrícula do imóvel litigioso. Inexistência de caráter dúplice e ausência de reconvenção. Sentença desprovida do conteúdo injuncional pretendido pelos apelantes. Recurso não provido
. (TJ-SP - Apelação Cível: 0000447-48.2022.8.26.0153 Cravinhos, Relator: J.B. Paula Lima, Data de Julgamento: 28/02/2023, 10ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 28/02/2023)
Quando se cuida, pois, de
demanda petitória
- aquela em que a parte alega fazer jus ao domínio do bem indicado na petição inicial - os Tribunais têm enfatizado não ser caso de atribuição de natureza dúplice, de modo que eventual condenação da parte autora a prestar serviços ou pagar valores à parte requerida - para além do debate sobre honorários sucumbenciais - dependeria de reconvenção.
"Assim, por não ostentar natureza possessória, não possui natureza dúplice, sendo certo que a improcedência do pedido inaugural, por si só, não tem o condão de atribuir ao réu o bem da vida discutido, ou seja, o réu não tem reconhecido a seu favor seja a propriedade, seja a posse.
Nessa perspectiva, o ajuizamento da ação de imissão pressupõe a existência de propriedade daquele que busca ser imitido na coisa, a qual pode ser comprovada mediante o título registrado perante o Cartório de Registro de Imóveis ou mesmo quando demonstrada a existência de título aquisitivo sem ser levado a registro
."
(STJ - AREsp: 2550549, Relator: Ministra NANCY ANDRIGHI, Data de Publicação: 23/05/2024)
No caso, a pretensão do autor é de natureza
possessória
.
2.35. Intimação mediante
consulta periódica
aos autos:
Por outro lado, desde que haja procurador(a) constituído nos autos, cabe-lhe acessar periodicamente o eproc, na forma do art. 5 da lei n. 11.419/2006, sob pena de que tal intimação seja tida como efetivada, por decurso de prazo.
Art. 5º As intimações serão feitas por meio eletrônico em portal próprio aos que se cadastrarem na forma do art. 2º desta Lei, dispensando-se a publicação no órgão oficial, inclusive eletrônico. § 1º Considerar-se-á realizada a intimação no dia em que o intimando efetivar a consulta eletrônica ao teor da intimação, certificando-se nos autos a sua realização. § 2º Na hipótese do § 1º deste artigo, nos casos em que a consulta se dê em dia não útil, a intimação será considerada como realizada no primeiro dia útil seguinte. § 3º
A consulta referida nos §§ 1º e 2º deste artigo deverá ser feita em até 10 (dez) dias corridos contados da data do envio da intimação, sob pena de considerar-se a intimação automaticamente realizada na data do término desse prazo
. § 4º Em caráter informativo, poderá ser efetivada remessa de correspondência eletrônica, comunicando o envio da intimação e a abertura automática do prazo processual nos termos do § 3º deste artigo, aos que manifestarem interesse por esse serviço. § 5º Nos casos urgentes em que a intimação feita na forma deste artigo possa causar prejuízo a quaisquer das partes ou nos casos em que for evidenciada qualquer tentativa de burla ao sistema, o ato processual deverá ser realizado por outro meio que atinja a sua finalidade, conforme determinado pelo juiz. § 6º As intimações feitas na forma deste artigo, inclusive da Fazenda Pública, serão consideradas pessoais para todos os efeitos legais.
Atente-se para os seguintes acórdãos:
AGRAVO INTERNO IN REVISÃO CRIMINAL. LEGITIMIDADE ATIVA. ADVOGADO. INSTRUMENTO DE PROCURAÇÃO. AUSÊNCIA. INTIMAÇÃO ELETRÔNICA. E-PROC. LEI Nº 11.419/16. JUNTADA. INTEMPESTIVIDADE. JUÍZO PERFUNCTÓRIO. INEXISTÊNCIA DE CONDIÇÕES EXIGIDAS. INADMISSIBILIDADE DA VIA REVISIONAL. 1. Embora a Revisão Criminal também possa ser requerida por advogado legalmente habilitado, nos termos do art. 553 do CPPM, este deve apresentar o instrumento de procuração assinada pelo condenado. 2.
A partir da implementação do processo eletrônico, a intimação para o cumprimento de atos dar-se-á por meio de publicação de eventos no sistema informatizado, cabendo ao advogado, nos termos da Lei nº 11.419/16, o acesso periódico para inteirar-se da movimentação do feito. Para tanto, a citada lei confere um prazo de graça, o qual, vencido, materializa a intimação e, por conseguinte, consigna a abertura de contagem do prazo para a prática de ato processual subsequente, sobretudo o eventual recurso
. 3. Da análise perfunctória da Inicial verifica-se a inexistência dos requisitos necessários e exigidos no art. 551 do CPPM para a admissão da via revisional. 4. Agravo Interno rejeitado. Decisão unânime. (STM - AGT: 70001154520197000000, Relator: MARCO ANTÔNIO DE FARIAS, Data de Julgamento: 25/04/2019, Data de Publicação: 13/05/2019)
AGRAVO INTERNO. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÍVIDA CUMULADA COM REPARAÇÃO DE DANOS. PROTESTO. CANCELAMENTO. DANO MORAL. SÚMULA 385/STJ. RECURSO ESPECIAL. INTEMPESTIVIDADE. 1.
Conforme o § 3º do artigo 5º da Lei n. 11.419/2006, "a consulta referida nos §§ 1º e 2º deste artigo deverá ser feita em até 10 (dez) dias corridos contados", portanto, conforme consignado no Tribunal de origem, intempestivo o recurso
. 2. Agravo interno a que se nega provimento. (STJ - AgInt no AREsp: 2025050 MG 2021/0362748-6, Data de Julgamento: 12/09/2022, T4 - QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJe 19/09/2022)
Ademais,
"Segundo a norma, portanto, caberá aos atores processuais cadastrados a realização de consultas periódicas de acompanhamento, em até
10 (dez) dias
, aos portais de acesso às ações eletrônicas como é o caso do Sistema Eproc, sob pena de se considerar perfectibilizada a intimação."
(TRF-4 - AC: 50019035420204047107, Relator: RODRIGO BECKER PINTO, 23/09/2022, SEGUNDA TURMA)
No caso em exame, portanto, reputo que as intimações havidas no curso do processo se deram de modo escorreito. No que toca ao período em que o processo esteve documentado em autos físicos, a intimação se deu pela imprensa, nos termos do CPC/73. No período subsequente à digitalização, a intimação se deu mediante consulta aos autos ou mediante esgotamento do prazo para tanto previsto. De resto, não houve impugnação das partes no que toca ao tema e não diviso vícios quanto ao exame cabível de ofício.
2.36. Gratuidade de Justiça - considerações gerais:
No que toca à gratuidade de Justiça, anoto que a Constituição da República dispôs, no seu art. 5º LXXIV, que
"
o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos
."
Essa mesma lógica eclode do art. 24, XIII e do art. 134, Constituição Federal/1988.
Ademais, a Constituição recepcionou a antiga lei 1060/1950, responsável por detalhar as hipóteses do que se convencionou chamar de justiça gratuita.
Registro que o CPC/15 manteve a vigência da norma veiculada no art. 13 da lei 1060/1950 (art. 1072, III,
a contrario senso
), ao tempo em que admitiu o deferimento parcial da gratuidade:
Araken de Assis assim analisa a questão:
"- Isenção total - Em princípio, ao litigante interessa forrar-se integralmente do custo financeiro do processo. A isenção total tem por objeto, portanto, o art. 98, §1º, I a IX, ficando suspensa a exigibilidade do dever de reembolsar as despesas suportadas pelo adversário, no todo ou em parte - a perícia requerida por ambas a partes tem seu custo repartido, a teor do art. 95, caput, e, portanto, competiria ao beneficiário reembolsar em parte o vencedor - o pagamento de honorários ao advogado do vencedor, pelo prazo de cinco anos, a teor do art. 98, §3º.
- Isenção parcial - Mantido pelo art. 1.072, III, NCPC, o art. 13 da lei 1060/1950 subentende a concessão parcial do benefício de gratuidade. Essa possibilidade encontra-se prevista de modo mais nítido no art. 98, §5º, segundo o qual o juiz concederá gratuidade em relação a algum ou a todos os atos processuais. Pode acontecer de o litigante, conduzindo-se segundo os ditames da boa-fé (art. 5º) alegar não dispor de recursos para adiantar, v.g., os honorários do perito, sem dúvida despesa de vulto. Em tal hipótese, o órgão judiciário concederá isenção parcial, provocando a incidência, nesse caso, do art. 95, §2º.
- Isenção remissória - O art. 98, §5º, in fine, autoriza o juiz a reduzir percentualmente as despesas processuais que incumbe à parte adiantar no curso do processo. O benefício não alivia a parte da antecipação quanto a um ato específico. Limita o benefício à parte da despesa; por exemplo, fixada a indenização da testemunha em 100, o beneficiário paga 50, ficando a parte remanescente postergada para o fim do processo. Saindo-se vencedor o beneficiário, a contraparte cumprirá o art. 492, quanto à parte isentada, e reembolsará o beneficiário da outra metade.
-
Isenção diferida - A isenção parcial do art. 13 da lei 1060/1950 inspirou duas modalidades de diferimento: (a) o pagamento ao final, embora vencido o beneficiário; (b) o pagamento parcelado da despesa, objeto de previsão no art. 98, §6º. Por exemplo a parte não dispõe da totalidade dos honorários do perito arbitrado pelo juiz e, nessa contingência, requer o pagamento em três ou mais parcelas mensais consecutivas. O pagamento ao fim do processo é mais radical. A parte aposta no sucesso, transferindo, secundum eventuam litis, todas as despesas ao adversário. E, não logrando êxito, ficará isenta pelo prazo legal
(art. 98, §3º)." (ASSIS, Araken de.
Processo civil brasileiro.
Volume II. Tomo I. Parte geral. Institutos fundamentais. São Paulo: RT, 2015, p. 535-536)
Quanto aos requisitos para a concessão, reporto-me à análise de Rafael Alexandria de Oliveira:
"Faz jus ao benefício da gratuidade de justiça aquela pessoa com insuficiência de recursos para pagar as custas, despesas processuais e honorários advocatícios (art. 98). Não se exige miserabilidade, nem estado de necessidade, nem tampouco se fala em renda familiar ou faturamento máximos. É possível que uma pessoa natural, mesmo com boa renda mensal, seja merecedora do benefício, e que também o seja aquele sujeito que é proprietário de bens imóveis, mas não dispõe de liquidez. A gratuidade judiciária é um dos mecanismos de viabilização do acesso à justiça; não se pode exigir que, para ter acesso à justiça, o sujeito tenha que comprometer significativamente a sua renda, ou tenha que se desfazer de seus bens, liquidando-os para angariar recursos e custear o processo."
(OLIVEIRA, Rafael Alexandria in WAMBIER, Teresa Alvim.
Breves comentários ao novo CPC.
São Paulo: RT, 2015, p. 359)
Convém atentar, ademais, para a precisa avaliação de Araken de Assis:
"À concessão do benefício, nos termos postos no art. 98, caput, fundamentalmente interessa não permitir a situação econômica da parte atender às despesas do processo. É irrelevante a renda da pessoa, porque as causas podem ser vultuosas e sem recursos para o interessado. Igualmente, nenhum é o relevo da existência de patrimônio. E, de fato, se mesmo tendo um bem imóvel, os rendimentos da parte não lhe são suficientes para arcar com custas e honorários sem prejuízo do sustenta, tal propriedade não é empecilho à concessão da gratuidade. Parece pouco razoável exigir que alguém se desfaça de seus bens para atender ás despesas do processo. Nada assegura, a fortiori, o retorno à situação patrimonial anterior, em virtude do desfecho vitorioso do processo. (...) Funda-se o benefício da gratuidade numa equação econômica: a noção da necessidade decorre da inexistência de recursos financeiros, apuradas entre a receita e a despesa, capazes de atender o custo da demanda. Considera-se a situação atual da pessoa, mostrando-se irrelevante a sua antiga fortuna, dissipada ou perdida nos azares da vida."
(ASSIS, Araken de.
Processo civil brasileiro.
Volume II. Tomo I. Parte geral. Institutos fundamentais. São Paulo: RT, 2015, p. 549)
Note-se também que o TRF4 tem entendido que a gratuidade de Justiça há de ser deferida a quem receba
remuneração mensal
líquida
inferior ao
teto de benefícios do RGPS
, definido em
R$ 7.786,02
, conforme Portaria Interministerial MPS/MF nº 2, de 11.01.2024:
EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. PROCESSUAL CIVIL. HIPÓTESES DE CABIMENTO. COMPLEMENTAÇÃO. NECESSIDADE. BENEFÍCIO DA JUSTIÇA GRATUITA. RENDIMENTOS SUPERIORES AO TETO DOS BENEFÍCIOS DO RGPS. REQUISITOS NÃO PREENCHIDOS. REVOGAÇÃO MANTIDA. RESULTADO DO JULGAMENTO INALTERADO. 1. São cabíveis embargos de declaração contra qualquer decisão judicial para esclarecer obscuridade ou eliminar contradição; suprir omissão ou corrigir erro material, consoante dispõe o artigo 1.022 do Código de Processo Civil. 2.
A Terceira Turma adota como critério de concessão/manutenção do benefício da gratuidade judiciária o fato de a parte auferir renda inferior ao teto dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social - RGPS, pois mostra-se razoável presumir a hipossuficiência nessas hipóteses. 3. Para o deferimento da mencionada benesse, devem ser apurados os rendimentos líquidos da parte interessada e considerados, para tal fim, apenas, os descontos obrigatórios/legais (tais como Importo de Renda, Contribuição Previdenciária e pensão) e, excepcionalmente, gastos com saúde (apurada a gravidade da doença no caso concreto e os gastos respectivos, ainda que não descontados em folha de pagamento)
. 4. Caso em que acolhidos, em parte, os embargos de declaração, para complementar o decisum no ponto referente à revogação do benefício da justiça gratuita, sem alteração de resultado. (TRF-4 - AC: 50021421220124047116 RS 5002142-12.2012.4.04.7116, Relator: VÂNIA HACK DE ALMEIDA, Data de Julgamento: 28/01/2020, TERCEIRA TURMA)
D'outro tanto, o CPC/15 manteve a lógica do art. 12 da lei 1060/1950, de modo que a concessão do benefício não implica efetiva exoneração da obrigação de recolher despesas e pagar honorários sucumbenciais (incabíveis, porém, no rito do mandado de segurança), observado o prazo suspensivo previsto, agora, no art. 98, §2º, CPC/15 (05 anos).
O detalhe está no fato de que, como registrei acima, nos termos do art. 98, §5º, CPC/15,
"
A gratuidade poderá ser concedida em relação a algum ou a todos os atos processuais, ou consistir na redução percentual de despesas processuais que o beneficiário tiver de adiantar no curso do procedimento
."
Anote-se que a Constituição preconiza que o postulante demonstre a incapacidade para o pagamento (art. 5º, LXXIV, CF). Aliás, como bem expressa Araken de Assis,
"A dispensa de o postulante da gratuidade, cuidando-se de pessoa natural, produzir prova documental do seu estado de necessidade provocou efeito colateral de graves reflexos. Fica o respectivo adversário em situação claramente desvantajosa. É muito difícil, a mais das vezes, e na imensa maioria dos litígios civis, a parte contrária reunir prova hábil da equação entre receita e despesa que gera a figura do necessitado. Enfraqueceu-se, em suma, o controle judiciário desse dado. A concessão do benefício é automática, e, na prática, simultaneamente irreversível, por força da inutilidade dos esforços em provar o contrário."
(ASSIS, Araken de.
Processo civil brasileiro.
Volume II. Tomo I. Parte geral. Institutos fundamentais. São Paulo: RT, 2015, p. 559).
2.37.
Gratuidade
- caso em exame:
Os requeridos
Arminda Rafaela Carneiro Martins
,
Jeferson Lemos
,
Edson Chagas Domingues
,
Rosana Piasecki
,
Michele de Souza Nascimento
, Marli de Fátima Ferreira Rocha,
Margarete do Rocio Cunha
,
Luciane da Cruz
,
Izabel da Silva
, Ketllin Roberto da Costa,
Aparecida Romana dos Santos
,
Eliane dos Santos Basso
,
Claudinea de Almeida
, Clovis Correia Raimundo, Cléa Mara Bueno Gois dos Santos, Adriana Brito de Jesus,
Arnaldo Bueno de Gois
,
Alessandra Xavier
e
Viviane Cristina Ladeia de Bomfim
compareceram em juízo no prazo de defesa e declararam sua hipossuficiência financeira, postulando a concessão de assistência judiciária gratuita e nomeação de defensor dativo, conforme movimento 45.
Em princípio, os requeridos parecem atender ao art. 99, §2, CPC. Não há indicativos de que eles aufiram rendimentos líquidos superiores ao teto do RGPS.
Por conta do exposto, lhe foi deferida a gratuidade de justiça, conquanto a medida surta reduzidos efeitos no rito dos juizados especiais, em 1ª instância, conforme arts. 54 e 55 da lei n. 9.099/1995
.
2.38. Designador de defensor(a) dativo(a):
Em princípio, dever-se-ia assegurar a atuação da DPU na condição de curadora especial dos requeridos citados por edital, na forma do art. 72, parágrafo único, Código de Processo Civil, facultando-lhe apresentação de contestação no prazo de 30 dias úteis, conforme art. 186, CPC, podendo promover impugnação por negativa geral - art. 341, CPC/15.
No caso, porém, ela informou ter sido procurada pelos demandados, para defesa de seus interesses, e asseverou não possuir órgão com atribuição para a tutela de direitos individuais oriundos de Pontal do Paraná. De outro tanto, haveria interesses conflitantes entre os moradores, o que inviabilizaria a defesa de forma individual pelo órgão.
Diante da impossibilidade de atuação da DPU na defesa dos interesses individuais no presente caso, deve-se promover a nomeação de advogado(a) dativo(a) para defesa dos interesses dos requeridos que, tendo sido citados por edital, não tenham contestado. A designação há de ser promovida conforme lista de advogados(as) dativos(as), registradas perante a Direção do Foro, registrando que a remuneração deverá ser promovida nos termos da resolução CJF 305/2014 de 7 de outubro de 2014, dentre outras aplicáveis.
2.39. Ocupantes identificados e não citados:
De outro tanto, foram identificados 30 ocupantes na certidão de evento 17.1. que não chegaram a ser citados, tampouco apresentaram resposta à pretensão, à exceção de
ALESSANDRA XAVIER
,
CLAUDINEA DE ALMEIDA
,
MICHELE DE SOUZA NASCIMENTO
e
VIVIANE CRISTINA LADEIA DE BOMFIM
, que compareceram espontaneamente no feito e postularam a concessão de gratuidade de justiça e a nomeação de defensor dativo para defesa de seus interesses (ev. 45), passando a compor o polo passivo.
Tais moradores deverão ser citados e incluídos no polo passivo da demanda, oportunizando-se a eles a apresentação de resposta ao feito.
2.40. Eventual decretação da revelia:
Diante dos requerimentos de nomeação de advogado(a) dativo aos demandados que não constituíram advogado e pela impossibilidade de assunção da defesa individual desses pela DPU, conforme justificado nos autos, deixo de declarar a revelia dos requeridos que, citados, não tenham apresentado resposta. Ademais, em princípio, restaria aplicável a regra do art. 345, II, CPC/15.
2.41. Considerações gerais sobre a antecipação de tutela:
Como sabido, a cláusula do devido processo envolve alguma aporia. Por um lado, o processo há de ser adequado: deve assegurar defesa, contraditório, ampla produção probatória. E isso consome tempo. Todavia, o processo também deve ser eficiente, ele deve assegurar ao titular de um direito uma situação jurídica idêntica àquela que ele teria caso o devedor houvesse satisfeito sua obrigação na época e forma devidas.
A demora pode contribuir para um debate mais qualificado entre as partes; todavia, também leva ao grande risco de ineficácia da prestação jurisdicional, caso o demandante tenha realmente razão em seus argumentos.
Daí a relevância do prudente emprego da tutela de urgência, prevista no art. 300 e ss. do CPC/15. Desde que a narrativa do demandante seja verossímil, seus argumentos sejam fundados e a intervenção imediata do Poder Judiciário seja necessária - i.e., desde que haja
fumus boni iuris
e
periculum in mora -
a antecipação da tutela deverá ser deferida.
Sem dúvida, porém, que o tema exige cautela, eis que tampouco soa compatível com o devido processo a conversão da antecipação em um expediente rotineiro, o que violentaria a cláusula do art. 5º, LIV e LV, CF. Ademais, o provimento de urgência não pode ser deferido quando ensejar prejuízos irreversíveis ao demandado (art. 300, §3º, CPC).
Daí o relevo da lição de Araken de Assis, como segue:
"A tutela de urgência e a tutela de evidência gravitam em torno de dois princípios fundamentais: (a) o princípio da necessidade; e (b) o princípio da menor ingerência.
- Princípio da necessidade - Segundo o art. 301, in fine, a par do arresto, sequestro, arrolamento de bens, e protesto contra a alienação de bens, o órgão judiciário poderá determinar qualquer outra medida idônea para asseguração do direito. Essa abertura aplica-se às medidas de urgência satisfativas (art. 303, caput): a composição do conflito entre os direitos fundamentais somente se mostrará legítima quando houver conflito real, hipótese em quase patenteia a necessidade de o juiz alterar o esquema ordinário de equilíbrio das partes perante o fator temporal do processo. A necessidade de o juiz conceder medida de urgência apura-se através da comparação dos interesses contrastantes dos litigantes. Dessa necessidade resulta a medida adequada à asseguração ou à satisfação antecipada em benefício do interesse mais provável de acolhimento em detrimento do interesse menos provável.
-
Princípio do menor gravame - O princípio do menor gravame ou da adequação é intrínseco à necessidade. É preciso que a medida de urgência seja congruente e proporcional aos seus fins, respectivamente a asseguração ou a realização antecipada do suposto direito do autor
. Por esse motivo, a medida de urgência cautelar prefere à medida de urgência satisfativa, sempre que adequada para evitar o perigo de dano iminente e irreparável, e, na órbita das medidas de urgência satisfativas, o órgão judiciário se cingirá ao estritamente necessário para a mesma finalidade." (ASSIS, Araken de.
Processo civil brasileiro.
volume II. Tomo II. Parge Geral: institutos fundamentais. São Paulo: RT, 2015, p. 370-371).
Quando se cuide-se, ademais, de pedido em desfavor da Fazenda Pública, a lei 8.437/1992 veda a antecipação de tutela que implique compensação de créditos tributários ou previdenciários
(art. 1º, §5º). A lei do mandado de segurança veda a concessão de liminares com o fim de se promover a entrega de mercadorias, a reclassificação de servidores públicos e o aumento ou extensão de vantagens de qualquer natureza (art. 7º, §2º, lei 12.016).
O STF já se manifestou sobre a constitucionalidade de algumas dessas limitações (lei 9.494/1997), conforme se infere da conhecida ADC 04-6/DF, rel. Min. Sydnei Sanches (DJU de 21.05.1999), com os temperamentos reconhecidos no informativo 248, STF. No âmbito do Direito Administrativo militar, há restrições ao emprego do
writ
, por exemplo, diante do que preconiza o art. 51, §3º, lei n. 6.880/1980, ao exigir o exaurimento da via administrativa.
Por outro lado, como sabido, o juízo não pode antecipar a eficácia meramente declaratória de uma cogitada sentença de procedência. Afinal de contas, a contingência é inerente aos provimentos liminares; de modo que a certeza apenas advém do trânsito em julgado (aliás, em muitos casos, sequer depois disso, dadas as recentes discussões sobre a relativização da
res iudicata
).
"É impossível a antecipação da eficácia meramente declaratória, ou mesmo conferir antecipadamente ao autor o bem certeza jurídica, o qual somente é capaz de lhe ser atribuído pela sentença declaratória. A cognição inerente ao juízo antecipatório é por sua natureza complemente inidônea para atribuir ao autor a declaração - ou a certeza jurídica por ele objetivada." (MARINONI, Luiz G.
A antecipação da
tutela
.
7. ed. SP: Malheiros. p. 55).
2.42. Respeito ao contraditório:
No caso, assegurou-se o exercício do contraditório, no curso deste perocesso, aos demandados, conforme art. 5, LIV e LV, CF e art. 7, parte final, CPC, o que atendeu à garantia do devido processo legal.
2.43.
Prazos prescricionais - considerações gerais:
Segundo Nelson Nery Jr.,
"O prazo previsto expressamente em lei para o exercício das pretensões que se ajuízam mediante ação constitutiva, positiva ou negativa, é de decadência, pois a pretensão constitutiva se caracteriza como direito potestativo. As pretensões que se exercem mediante ação declaratória são perpétuas (imprescritíveis). Isto significa que podem ser ajuizadas mesmo se já estiver prescrita a pretensão condenatória do direito cuja existência ou inexistência se quer ver declarada."
(NERY JÚNIOR, Nelson.
Novo Código Civil anotado.
SP: RT, 2002).
Daí que a prescrição é oponível, em regra, às pretensões condenatórias. Anoto, de outro tanto, que o
art.
189, Código Civil/2002, preconiza que
"Violado o direito, nasce para o titular a pretensão, a qual se extingue, pela prescrição, nos prazos a que aludem os arts. 205 e 206."
Há certa incorreção na legislação, dado que há pretensão mesmo quando não haja direito.
O ponto é que o cômputo da prescrição deve ser promovido com atenção à teoria da
actio nata
. Ou seja,
"o início do prazo prescricional se verifica com o
nascimento da pretensão
, que decorre da exigibilidade do direito subjetivo, momento a partir do qual a ação poderia ter sido proposta - enquanto não nascer a ação conferida para a tutela de um direito, não é dado falar em prescrição: actioni nondum natae non prescritibur."
(CAHALI, Yussef Said.
Prescrição
e decadência.
São Paulo: RT, 2008, p. 35).
Yussef Cahali menciona a lição de Câmara Leal, para quem
"A ação nasce, portanto, no
momento em que se torna necessária para a defesa do direito violado
-
é desse desse momento, em que o titular pode se utilizar da ação, que começa a correr o prazo de prescrição
. Portanto, o prazo é contado da data em que a ação poderia ser proposta. O
dies a quo
da prescrição surge em simultaneidade com o direito de ação."
(CAHALI, Yussef Said.
Obra citada.
RT, 2008, p. 36).
Vê-se, portanto, que a prescrição deve ser computada a partir do momento em que o cogitado titular de uma situação jurídica toma conhecimento da agressão ao seu interesse.
"(...) O cômputo do prazo prescricional quinquenal, objetivando o ingresso de ação de indenização contra conduta do Estado, previsto no artigo 1.º do Decreto 20.910/32,
começa quando o titular do direito lesionado conhece o dano e suas sequelas, segundo reza o princípio actio nata
. Precedentes: AgRg no REsp: 1369886/PE Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, DJ de 20.05.2013; AC 0013010-49.2005.4.01.3500/GO, Rel. Desembargador Federal Jirair Aram Meguerian, Sexta Turma, DJ de 16.05.2013." (AC 0011884-90.2007.4.01.3500 / GO, Rel. Desembargador Federal Kassio Nunes Marques, Sexta Turma, e-DJF1 p.137 de 15/10/2014).
"(...) Ademais, mesmo que se considerasse o prazo de 3 anos, como quer a requerida, não haveria prescrição.
Pelo princípio da actio nata, que é adotado pelo ordenamento jurídico pátrio, a pretensão somente nasce com a violação do direito
(art. 189 do Código Civil). E a pretensão da autora somente surgiu no momento em que tomou conhecimento da irregularidade cuja prática atribui à ré e que teria causado o dano cujo ressarcimento é postulado. Antes disso, não há como se exigir do lesado o exercício da sua pretensão, até porque a existência de dano é requisito da responsabilidade e, portanto, pressuposto da ação que visa à sua reparação." (AC 00053846420074047108, CARLOS EDUARDO THOMPSON FLORES LENZ, TRF4 - TERCEIRA TURMA, D.E. 26/05/2010.)
Com efeito, dado que o instituto tem por fundamento que o Direito não tutela quem permanece inerente na defesa dos seus interesses (
dormientibus non sucurrit jus
), a prescrição apenas pode ser oposta a quem podia efetivamente agir. E isso pressupõe, por certo, que o atingido tenha conhecimento da cogitada agressão aos seus intentos, na forma do art. 189, Código Civil:
"
O início da eficácia dos atos administrativos se assinala pela publicação, ou pelo termo que indicarem; mas os atos administrativos que afetem pessoa certa e determinada assumem eficácia ao serem por ela conhecidos por via de regular comunicação
."
(NASSAR, Elody.
Prescrição
na Administração Pública.
2. ed. SP: Saraiva, 2009, p. 148-149)
Não é correto supor que apenas haja pretensão quando haja efetivo direito (teoria imanentista). Do contrário, não se explicaria a situação dos processos que redundem em sentença de improcedência. O importante é que haja violação a interesses - ainda quando tais interesses não se revelem juridicamente tutelados. Diante da agressão a interesses, surge a pretensão, enquanto aspiração endereçada a outrem. Caso tal pretensão encontre suporte normativo, preenchidos demais requisitos, deverá ser acolhida juridicamente. Do contrário, a pretensão será reputada improcedente.
Com o conhecimento, pelo sujeito, da violação ao seu interesse, dá-se o início do cômputo da prescrição
.
Ainda a respeito da definição do termo inicial, atente-se para a lição de Humberto Theodoro Júnior:
"Todo prazo tem um termo inicial (a quo) e tem um termo final (ad quem), ou seja, há sempre um momento para iniciar e outro para encerrar a contagem do tempo de duração.
No caso da prescrição, o termo a quo é aquele em que nasce a pretensão e o termo final é aquele em que se completa o lapso temporal assinalado pela lei para o exercício da ação destinada a fazer atuar em juízo a pretensão. Há um prazo geral e vários prazos especiais, segundo o critério da lei, o que faz com que o termo final seja mais próximo ou mais longínquo para as diferentes pretensões.
Uma vez que, para haver prescrição, a inércia do titlar do direito afrontado e requisito necessário, somente se pode iniciar a contagem do prazo extintivo a partir do momento em que sua atividade contra a situação injurídica se tornou possível
(e, não obstante, deixou de ser exercida).
Prescritividade e exigibilidade são ideias que se intervinculam. Apenas as prestações exigíveis (i.e., vencidas), não sendo satisfeitas, sujeitam-se aos efeitos da prescrição. Se a obrigação ainda não se venceu, não está o credor autorizado a exercer o direito que lhe cabe contra o devedor. Não se pode perder por inércia um direito que, posto existente, ainda não se pode exigir. Donde 'o início da prescrição só pode ter lugar quando o direito está em condições de o seu titular poder exercitá-lo.'
Por isso, não corre prescrição nas obrigações a prazo ou sujeitas à condição suspensiva, senão depois de ocorrido o vencimento ou verificada a condição (art. 199, I e II). Termo e condição suspensiva, nessa ordem de ideias, são causas que impedem a prescrição, porque, no primeiro caso, o direito subjetivo nem sequer surgiu, e, no segundo, já existe mas tem o seu exercício suspenso.
Sendo a via judicial o caminho que a ordem jurídica oferece ao ttular da pretensão insatisfeita para compelir o obrigado a realizar a prestação devida, é intuitivo que se deverá contar a prescrição a partir de quando a respectiva ação se mostrou exercitáve. Nesse sentido, somente se pode cogitar de prescrição em face da chamada actio nata (actioni nondum natae non praescribitur). Vale dizer: o prazo prescricional corre a partir do momento em que o credor pode lançar mão da pretensão, se necessário, por uma ação em juízo
.(...)
No caso de obrigação derivada de ato ilícito, desde a ocorrência deste está fluindo a ação para impor a obrigação genérica de indenizar. Sem se saber, porém, o montante do prejuízo, não se pode desde logo exigir-lhe a indenização. Enquanto estiver fluindo a ação condenatória genérica, não corre o prazo para liquidar e exigir a reparação. Mas, se o credor não propõe logo a ação genérica, desde então estarão em risco as pretensões também da liquidação e do respectivo valor líquido. É que a inércia do titular da pretensão terá prejudiciado todas asações que poderia manejar
." (THEODORO JÚNIOR, Humberto.
Comentários ao novo código civil.
Volume III. Tomo II. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 174-177).
Delimitada a questão quanto ao termo inicial do cômputo da prescrição, outro tema diz respeito ao seu
prazo
. Ora, como sabido, no âmbito das obrigações pessoais, as pretensões condenatórias formuladas em face da
Fazenda Pública
prescrevem no prazo de 05 (cinco) anos, conforme art. 1º do decreto 20.910/1932 c/ decreto-lei 4.597/1942.
Convém atentar, de toda sorte, para a lição de Pontes de Miranda:
"
A prescrição quinquenal
somente concerne às ações condenatórias pessoais; não às ações declarativas, constitutivas negativas (e.g., declaração de inconstitucionalidade ou nulidade de lei, ou do ato do Poder Público), mandamentais e executivas que não sejam de dívidas pessoais, ou a de execução de julgado. As ações pessoais (...) são as oriundas de dívidas de direito das obrigações, em que a Fazenda Pública teria de pagar."
(MIRANDA, Francisco Cavalcanti Pontes de
apud
NASSAR, Elody.
Prescrição
na Administração Pública.
2. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 271).
Trata-se de norma de conteúdo especial quando confrontada com o art. 206, §3º, V, Código Civil/2002:
ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. PRESCRIÇÃO. PRAZO QUINQUENAL. DECRETO 20.910/32. REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA RESP 1.251.993/PR. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1.
A Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do REsp. 1.251.993/PR, submetido ao rito do art. 543-C do CPC, assentou que o prazo de prescrição quinquenal, previsto no Decreto nº 20.910/32, aplica-se às ações indenizatórias ajuizadas contra a Fazenda Pública, em detrimento do prazo trienal contido do Código Civil de 2002
. a4. 2. Agravo regimental a que se nega provimento. ..EMEN: (AGARESP 201302893979, MARGA TESSLER (JUÍZA FEDERAL CONVOCADA DO TRF 4ª REGIÃO), STJ - PRIMEIRA TURMA, DJE DATA:12/03/2015 ..DTPB:.)
O
prazo de 05 anos
também prevalece sobre aquele preconizado no art. 206, §2º, do Código Civil/2002:
"Prescreve: §2 Em dois anos, a pretensão para haver prestações alimentares, a partir da data em que se vencerem."
Reporto-me ao seguinte julgado, emanado do STJ:
PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE COBRANÇA PROPOSTA POR SERVIDORES PÚBLICOS.. VERBA DENOMINADA 'ETAPA ALIMENTAÇÃO'. PRESCRIÇÃO CONTRA A FAZENDA PÚBLICA. PRAZO DE CINCO ANOS. ART. 1º DO DECRETO. 20.910/1932. INAPLICABILIDADE DOS ARTS. 206, § 3º, DO CÓDIGO CIVIL E 10 DO DECRETO 20.910/32. 1.
O entendimento do STJ é no sentido de que a prescrição quinquenal prevista no art. 1º. do Decreto 20.910/1932 deve ser aplicada a todo e qualquer direito ou ação contra a Fazenda Pública, seja ela federal, estadual ou municipal, independentemente da natureza da relação jurídica estabelecida entre a Administração Pública e o particular. 2. Não incide, portanto, a prescrição bienal do art. 206, § 2º, do CC de 2002, uma vez que o conceito jurídico de prestação alimentar nele previsto não se confunde com o de verbas remuneratórias de natureza alimentar. O Código Civil de 2002 faz referência às prestações alimentares de natureza civil e privada, incompatíveis com as percebidas em relação de Direito Público. Inexiste, no caso, norma específica mais benéfica a ensejar a incidência do art. 10 do Decreto 20.910/32
. 3. Agravo Regimental não provido. ..EMEN: (AGARESP 201200734389, HERMAN BENJAMIN, STJ - SEGUNDA TURMA, DJE DATA:27/08/2012 ..DTPB:.)
O Min. Herman Benjamin enfatizou, naquela ocasião, que
"se mostra inaplicável, no caso dos autos, a prescrição bienal do art. 206, §2º, Código Civil, uma vez que o conceito jurídico de prestações alimentares nele previsto não se confunde com o de verbas remuneratórias de natureza alimentar. O Código Civil de 2002 faz referência às prestações alimentares de natureza civil e privada, incompatíveis com as percebidas em relação de direito público. Não há, no caso, norma específica mais benéfica a ensejar a incidência do art. 10 do Decreto 20.910/1932."
(STJ, Agravo no REsp n. 164.513/MS).
Por outro lado, como sabido, o cômputo da prescrição contra a Fazenda Pública é interrompido, na forma do
art. 202, Código Civil
. Depois disso, deve ser contada pela metade, mas respeitando-se o conteúdo da
súmula 383, STF
. Ao longo da demanda - exceção feita aos casos em que se admite a prescrição intercorrente -, o cômputo da prescrição resta obstado, enquanto o processo estiver em curso.
2.44. Prazos - prescrição da pretensão possessória:
Abstraindo outros debates a respeito dos prazos prescricionais aplicáveis ao caso, registro que - atentando para a narrativa promovida na peça inicial -, deve-se aplicar o prazo de 05 (cinco) anos, contados da data em que o demandante tenha tomado conhecimento da alegada agressão aos seus interesses. Incide no caso o art. 5, do decreto 20.910/32, na medida em que ambos os requeridos são entes estatais, submetidos ao regime de direito público.
No que toca à demanda contra particulares, os Tribunais já decidiram como transcrevo abaixo:
APELAÇÃO. REINTEGRAÇÃO DE POSSE. SENTENÇA DE RECONHECIMENTO DE PRESCRIÇÃO. CONTROVÉRSIA. Insurgência da parte autora, sob os seguintes argumentos: (a) inocorrência de prescrição; (b) direito à reintegração de posse, diante do esbulho possessório comprovado; (c) condenação da ré ao pagamento do ônus sucumbencial, por ter dado causa à ao ajuizamento da ação. PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO POSSESSÓRIA.
Reconhecida. Sob qualquer ponto de vista, ocorreu a prescrição da pretensão possessória da parte autora, principalmente levando-se em conta o prazo de 20 anos previsto no art. 177, do CC/16, vigente à época dos fatos. Mas também, levando-se em conta o prazo decenal previsto na art. 205, do CC/15, a partir da regra de transição prevista no art. 2.028 do CC/02. Inexistência de causas interruptivas ou suspensivas da prescrição.
Inaplicabilidade da suspensão do processo, prevista no inc. I, do art. 313, do CPC/15. Sentença mantida. Inversão do ônus sucumbencial rejeitada. RECURSO DESPROVIDO. (TJ-SP - Apelação Cível: 10134565820218260068 Itapevi, Relator: Luís H. B. Franzé, Data de Julgamento: 25/11/2024, 17ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 25/11/2024)
2.45. Eventual
prescrição
de fundo de direito:
A prescrição de fundo de direito se dá, no mais das vezes, quando em causa
pretensões endereçadas à Administração Pública
, nos casos em que tenha havido indeferimento extrajudicial do pleito dos demandantes.
Vale a pena atentar, uma vez mais, para a lição de Elody Nassar, quanto trata da prescrição do fundo de direito:
"A denominada prescrição do fundo de direito tem suporte legal no disposto no art. 1. do Decreto n. 20.910/1932, que dispõe sobre a prescrição das ações contra a Fazenda Pública (...).
Para efeito da compreensão da expressão 'fundo de direito' deve ser observado o marco inicial, ou seja, o momento a partir do qual inicia-seo prazo prescricional
.
Esse marco inicial é contado a partir da consolidação de uma situação jurídica fundamental que estabelece um ponto ceto e delimitad para a eventual impugnação de um ato lesivo de direito
. Essa situação jurídica fundamental, no dizer da mais renomada doutrina, importa em ato único do qual derivam os subsequentes e que, portanto, se torna definitivo se não impugnado em tempo hábil, juntamente com todos os seus efeitos. Destaca-se aqui a existência da teoria estatutária da função pública, distinguindo a prescrição que atinge o fundo de direito (art. 1 do Decreto 20910) da prescrição das prestações sucessivas ou vincendas (art. 3º do mesmo diploma legal). Dessa teoria decorre a exesege de que, enquanto existente o vínculo entre servidor e Poder Público, são imprescritíveis os direitos dele decorrentse, sendo atingidos pela prescrição, tão-somente, alguns de seus efeitos."
(NASSAR, E.
Obra cit.
p. 273).
Segundo consolidado entendimento do STF,
"Quando existe um ato ou fato que ofenda de modo geral, permanente, definitivo, o direito do autor, como a demissão, a preterição no acesso, o cancelamento de pensão, a tomada de coisas sem as formalidades legais, o lapso prescricional corre da data do ato ou do fato. Quando, porém, a prestação periódica não for paga (vencimentos, juros de apólices, pensões, aluguéis de imóveis etc.), por negligência do credor, por falta de verba orçamentária, ou ainda em consequência de dificuldade burocrática, o prazo é contado da data em que cada prestação for exigível"
(STF, 1ª Turma, 28.08.1969, RT 416/426, citado por CAHALI, Yousse Said.
Prescrição
e decadência.
3. tiragem. São Paulo: RT. 2008. p. 303).
Em período mais recente, o Min. Cézar Peluso sustentou que
"São discerníveis, no plano teórico dos direitos subjetivos funcionais a que correspondem obrigações adminsitrativas, de um lado, a própria relação jurídica estatutária e todas as determinações que, segundo as modalidades legais, é ela capaz de assumir em termos de situações jurídicas do servidor, como as decorrents de promoção, acesso, reenquadramento, reclassificação, decurso de tempo, desempenho de funções ou serviços especiais, aposentadoria etc. (a), e, de outro, as consequências pecuniárias (b). Perante ambas (a e b), é possível cogitar de direitos à prestação obrigacional, cuja violação desencadeie pretensão sujeita a lapso prescritivo, no sentido de que, realizado o suporte fático, pode o funcionário exigir prestação administrativa, que tenha por objeto o próprio vínculo estatutário, ou uma das muitas situações configuráveis no lado dinâmico do mesmo vínculo, ou ainda só os seus efeitos pecuniários."
(PELUSO, Cézar
apud
CAHALI.
Obra citada.
p. 304).
Youssef Cahali sustenta, na sequência, que
"consideradas do ângulo de suas repercussões de caráter financeiro (b), a relação estatutária e suas situações jurídicas (a) são fonte objetiva do direito do servidor de receber as prestações correlatas. Desse ponto de vista, os diretos incidentes sobre a relação jurídico-funcional e cada uma das situações jurídico-subjetivas em que ela se desdobra podem, sem grande impropriedade técnica, chaar-se direitos originantes, e os direitos irradiados às respectivas consequências econômicas, direitos originados.
É aos primeiros que a jurisprudênica costuma referir-se sobre a expressão 'fundo de direito', a qual se reconhece 'usada para significar o direito de ser o funcionáro (situação jurídica fndamental) ou os direitos que se admitem com relação a essa situação jurídica fundamental, como reclassificações, reenquadramentos, direito a adicionais por tempo de serviço, direito à gratificação por prestação de serviçod e natureza especial
. Os conceitos assm enunciados definem as hipóteses de prescrição do fundo de direito (art. 1º), envolvendo os direitos originantes, e de prescrição das prestações vencidas (art. 3º), que diz respeito aos direitos originados."
(CAHALI, Youssef Said.
Obra citada.
p. 304-305).
Isso significa que, em princípio, sempre que determinado pleito é indeferido pela Administração Pública, o interessado possui o prazo de até 05 (cinco) anos para deflagrar a pertinente demanda judicial, salvo eventuais hipóteses de interrupção do cômputo do prazo, observada, em qualquer caso, o entendimento consagrado com a súmula 383, STF, já transcrita acima.
Nos termos do art. 190, Código Civil/2002,
"A exceção prescreve no mesmo prazo em que a pretensão."
No caso em análise, aludida prescrição não se aplica, até por conta da natureza da demanda, deflagrada pela União.
2.46.
Diferença entre suspensão
e
interrupção da prescrição:
Quanto à distinção entre suspensão e interrupção da prescrição, reporto-me à lição de Elody Nassar:
"Chama-se suspensão a circunstância especial, em vista da qual a lei paralisa a fluência do prazo prescricional. As causas suspensivas da prescrição são as que, temporariamente, paralisam o seu curso; superado o fato suspensivo, a prescrição continua a correr, computado o tempo decorrido antes dele.
Denomina-se interrupção a ocorrência de um fato hábil a destruir o efeito do tempo já decorrido, com a anulação da prescrição já iniciada. As causas interruptivas da prescrição são as que inutilizam a prescrição iniciada, de modo que o seu prazo recomeça a correr da data do fato que a interrompeu ou do último ato do processo que a interromper (Código Civil, art. 202, parágrafo único)." (NASSAR, Elody.
Obra citada.
p. 156-157)
Dado que o instituto tem por fundamento que o Direito não tutela quem permanece inerente na defesa dos seus interesses (
Dormientibus non sucurrit jus
), a prescrição apenas pode ser oposta a quem podia efetivamente agir.
E isso pressupõe, por certo, que o atingido tenha conhecimento da agressão às suas pretensões, na forma do art. 189, Código Civil
.
Em regra, no curso do processo administrativo o cômputo da prescrição resta suspenso, por força do art. 4º do decreto 20.910/32:
"Não corre a prescrição durante a demora que, no estudo, ao reconhecimento ou no pagamento da dívida, considerada líquida, tiverem as repartições ou funcionários encarregados de estudar e apurá-la."
O cömputo da prescrição também resta suspenso nas hipóteses do art. 200, Código Civil/2002:
"
Quando a ação se originar de fato que deva ser apurado no juízo criminal, não correrá a prescrição antes da respectiva sentença definitiva.
"
2.47. Suspensão do cômputo da prescrição:
Deve-se ter em conta, porém, o alcance do art. 200, Código Civil/2002, quando preconiza:
"
Quando a ação se originar de fato que deva ser apurado no juízo criminal, não correrá a prescrição antes da respectiva sentença definitiva
."
Ao comentar aludido dispositivo, Maria Helena Diniz sustenta:
"A apuração de questão prejudicial a ser verificada no juízo criminal, se a ação dela se originar, é causa impeditiva do curso da prescrição, que só começará a correr após a sentença definitiva."
(DINIZ, Maria Helena.
Código Civil comentado.
São Paulo: Saraiva. comentário ao art. 200 do código).
Atente-se para a lógica do seguinte julgado:
APELAÇÃO. ACIDENTE DE TRÂNSITO. INDENIZAÇÃO.DANOS MORAIS E MATERIAIS. PRESCRIÇÃO.INOCORRÊNCIA. EXISTÊNCIA DE INQUÉRITO POLICIAL RELACIONADO AOS FATOS À ÉPOCA DA PROPOSITURA DA AÇÃO. SUSPENSÃO DO FLUXO PRESCRIBENTE NO CURSO DO PROCEDIMENTO INVESTIGATÓRIO. ARQUIVAMENTO.MARCO INCIAL DA RECONTAGEM. APLICAÇÃO DO ARTIGO 200 DO CÓDIGO CIVIL. SENTENÇA ANULADA. RECURSO PROVIDO. 1.
Consoante o escólio da Corte Superior: "A existência de processo criminal, no qual se apura a responsabilidade pela ocorrência do acidente de trânsito, é causa impeditiva da prescrição, nos termos do art. 200 do Código Civil:"quando a ação se originar de fato que deva ser apurado no juízo criminal, não correrá a prescrição antes da respectiva sentença definitiva". Precedentes
". (STJ - AgRg no REsp 1477763/RS. Relator: Ministro Raul Araújo. Quarta Turma. Julgado em 01/03/2016. DJ de 10/03/2016). 2. Recurso provido. (TJPR - 10ª C.Cível - AC - 1623404-9 - Santo Antônio do Sudoeste - Rel.: Desembargador Domingos Ribeiro da Fonseca - Unânime - J. 29.06.2017) (TJ-PR - APL: 16234049 PR 1623404-9 (Acórdão), Relator: Desembargador Domingos Ribeiro da Fonseca, Data de Julgamento: 29/06/2017, 10ª Câmara Cível, Data de Publicação: DJ: 2087 09/08/2017)
Além disso, o cômputo do prazo prescricional fica suspenso nas demais hipóteses detalhadas nos
arts. 197 a 201, Código Civil/2002
, com destaque para os casos em que haja pendência de condição suspensiva para o cumprimento da obrigação demandada.
2.48. Alcance do art. 3º da lei n. 14.010/2020:
Deve-se ter em conta, em muitos casos, o alcance do
art. 3º da lei n. 14.010/2020
, que tratou da suspensão do cômputo da prescrição, quanto ao período compreendido entre a publicação daquela lei - data de 10 de junho de 2020 - e a data de 20 de outubro de 2020, como segue:
Art. 3º
Os prazos prescricionais consideram-se impedidos ou suspensos, conforme o caso, a partir da entrada em vigor desta Lei até 30 de outubro de 2020
.
§ 1º Este artigo não se aplica enquanto perdurarem as hipóteses específicas de impedimento, suspensão e interrupção dos prazos prescricionais previstas no ordenamento jurídico nacional.
§ 2º Este artigo aplica-se à decadência, conforme ressalva prevista no art. 207 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil).
Convém não perder de vista, contudo, que aludida norma apenas se aplica no âmbito das relações de direito privado, por força do art. 1º da lei n. 14.010:
"
Esta Lei institui normas de caráter transitório e emergencial para a regulação de relações jurídicas de Direito Privado em virtude da pandemia do coronavírus
(Covid-19)."
Por conta disso, não se aplica à relação de direito público, subjacente à pretensão ao recebimento do seguro-desemprego, tema de Direito Administrativo.
Como já decidiu o TRF-3, "
a lei n. 14.010/2020, cuja previsão de suspensão de prazo prescricional é invocada pela parte autora, não se aplica ao caso dos autos vez que citada Lei “dispõe sobre o Regime Jurídico Emergencial e Transitório das relações jurídicas de Direito Privado (RJET) no período da pendamia do coronavírus (Covid-19)."
(TRF-3 - RecInoCiv: 00003802420214036319 SP, Relator: Juiz Federal DAVID ROCHA LIMA DE MAGALHAES E SILVA, Data de Julgamento: 03/02/2022, 3ª Turma Recursal da Seção Judiciária de São Paulo, DJEN DATA: 10/02/2022)
Ademais,
"
A partir da analise da Lei 14.010/2020, é cristalino quanto a suspender a prescrição nas relações de direito privado com pessoas jurídicas de direito privado. Portanto, tendo em vista que a pretensão do seguro desemprego é exercida contra a União, pessoa jurídica de direito público, não se aplica a disposição da lei
."
(TRF-4 - RECURSO CÍVEL: 50611777620204047000 PR 5061177-76.2020.4.04.7000, Relator: GERSON LUIZ ROCHA, Data de Julgamento: 24/02/2022, PRIMEIRA TURMA RECURSAL DO PR)
2.49. Cogitada prescrição - situação em exame:
No caso em análise, portanto, repiso que a pretensão deduziada no movimento 1 não foi atingida pela prescrição, considerando o período da aventada turbação da posse, segundo narrativa da peça inicial. Não decorreram, desde então, mais de 05 anos - decreto 20.910/32. A referida pretensão se renova de tmepos em tempos, enquanto a alegada ocupação persistir, considerando ainda a
vedação de usucapião de bens públicos - art. 183, Constituição e art. 102, Código Civil
, não se ultimou a prescrição no caso.
2.50. Eventual caducidade:
Em regra, os prazos decadenciais são oponíveis às pretensões constitutivas ou desconstitutivas. Atingem os chamados
direitos potestativos
- ou seja, direitos formativos geradores, na dicção de Francisco Pontes de Miranda, a exemplo do divórcio, rescisão unilateral de contratos de locação etc.
Sustenta-se que a
"decadência, ou caducidade, na definição de Câmara Leal, é a extinção ou perecimento do direito pelo decurso do prazo fixado ao seu exercício, sem que seu titular o tivesse feito.
O principal efeito da decadência, seguindo o raciocínio de Câmara Leal, é o de extinguir o direito
. Desta circunstância decorre o fato de que a decadência do direito faz desaparecer a ação que deveria assegurá-lo: a) quando direito e ação não se identificam, a ação não chega sequer a nascer; b) a decadência perece com o direito, quando ambos nascem simultaneamente."
(NERY, Rosa; NERY JR, Nelson.
Instituições de Direito Civil. vol. 1
São Paulo: RT. 2019. item 79).
No presente caso,
não está em debate a invocação de direito potestativo
, de modo que a situação jurídica, reclamada pela parte autora, não está submetida a prazos decadenciais.
2.51. Controle judicial dos atos administrativos:
Registro alguns tópicos concernentes ao controle jurisdicional da atividade administrativa
, tendo em conta a alegação dos demandados no tocante à pretensa invalidade do deferimento da enfiteuse administrativa em questão. Para esse fim, portanto, convém tecer algumas considerações sobre as condicionantes da atuação da Administração Pública.
Ora, vivemos o tempo da
superação do modelo de Estado meramente legislativo em prol de um efetivo Estado Constitucional
, conforme conhecida expressão de Peter Häberle. Durante muitos anos, a teoria do Estado gravitou em torno do estudo das competências e da estrutura dos órgãos da Administração Pública. Atualmente, contudo, o eixo tem sido deslocado em direção à busca de efetividade dos direitos fundamentais. E isso é incompatível com a ideia de
legibus solutus
, própria ao Estado oitocentista.
Como explica Gustavo Binembojm,
"A palavra discricionariedade tem sua origem no antigo Estado europeu dos séculos XVI a XVIII, quando expressava a soberania decisória do monarca absoluto (
voluntas regis suprema lex
). Naquela época, do chamado Estado de polícia, em que o governo confundia-se integralmente com a Administração Pública, a sinonímia entre discricionariedade e arbitrariedade era total. Com efeito, se a vontade do soberano era a lei suprema, não fazia sentido cogitar de qualquer limite externo a ela. Por atavismo histórico, ainda nos dias de hoje encontra-se o adjetivo 'discricionário' empregado como sinônimo de arbitrário ou caprichoso, ou para significar uma decisão de cunho puramente subjetivo ou político, liberta de parâmetros jurídicos de controle."
(BINENBOJM, Gustavo.
Uma teoria do direito administrativo:
direitos fundamentais, democracia e constitucionalização. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p. 195-196).
Posteriormente, essa noção de discricionariedade - até então compreendida como sinônimo de arbítrio - evoluiu em prol do reconhecimento da existência de distintas opções deliberativas, observados os limites estipulados pela própria lei. Em muitos casos, a lei imporia a finalidade, mas não estipularia os meios a serem escolhidos pelos administradores para a sua obtenção, de modo que distintos meios poderiam ser eleitos, desde que adequados aos fins visados.
Por fim, sob o Estado Constitucional, reconhece-se que o administrador público não pode decidir de qualquer forma, ao seu alvedrio.
"Em consequência, como assinala Maria Sylvia Zanella Di Pietro, a discricionariedade deixa de ser compreendida como um campo externo ao direito - verdadeiro atavismo monárquico - passando a ser vista como um poder jurídico. É dizer: um espaço decisório peculiar à Administração, não de escolhas puramente subjetivas, mas definida pela prioridade das autoridades administrativas na fundamentação e legitimação dos atos e políticas públicas adotados, dentro de parâmetros jurídicos estabelecidos pela Constituição, pelas leis ou por atos normativos editados pelas próprias entidades da Administração."
(BINENBOJM, Gustavo.
Obra citada.
p. 199-200).
Desse modo, há muito tempo é sabido que o Poder Judiciário pode promover o controle de atos administrativos discricionários, quando menos para aferir eventual desvio de finalidade. O grande debate diz respeito, isso sim, à intensidade e aos critérios envolvidos no aludido controle judicial. Bandeira de Mello explica que
"Em despeito da discrição presumida na regra de direito, se o
administrador houver praticado ato discrepante do único cabível
, ou se tiver algum fim seguramente impróprio ante o confronto com a finalidade da norma, o Judiciário deverá prestar a adequada revisão jurisdicional, porquanto, em rigor, a Administração terá desbordado da esfera discricionária."
(BANDEIRA DE MELLO, Celso A.
Discricionariedade e controle jurisdicional.
São Paulo: Malheiros, 2001, p. 36).
Concordo, pois, com Binenbojm quando enfatiza que
"A emergência da noção de juridicidade administrativa, com a vinculação direta da Administração à Constituição, não mais permite falar, tecnicamente, numa autêntica dicotomia entre atos vinculados e atos discricionários, mas, isto sim, em diferentes graus de vinculação dos atos administrativos à juridicidade.
A discricionariedade não é, destarte, nem uma liberdade decisória externa ao direito, nem um campo imune ao controle jurisdicional
. Ao maior ou menor grau de vinculação do administrador à juridicidade corresponderá, via de regra, maior ou menor grau de controlabilidade judicial dos seus atos."
(BINENBOJM, Gustavo.
Obra citada.
p. 208). Semelhante é a análise promovida por Eduardo Jordão, ao tratar do controle judicial com deferência para soluções administrativas (JORDÃO, Eduardo.
Controle judicial de uma administração pública complexa:
a experência estrangeira na adptação da intensidade do controle. São Paulo: Malheiros. 2016. p. 285 e ss.).
Frente ao reconhecimento de efetividade aos princípios constitucionais da boa gestão pública (art. 37, CF), não há como imaginar que o Poder Executivo possa deliberar de qualquer modo, sem justificar suas escolhas e sem ter que prestar contas.
"O mérito - núcleo do ato -, antes intocável, passa a sofrer a incidência direta dos princípios constitucionais. Deste modo, ao invés de uma dicotomia tradicional (ato vinculado v. ato discricionário), já superada, passa-se a uma classificação em graus de vinculação à juridicidade, em uma escala decrescente de densidade normativa vinculativa."
(BINENBOJM, Gustavo.
Obra cit.
p. 209).
Convém atentar para a precisa síntese de Binenbojm:
"É interessante registrar que a aplicação da teoria do desvio de poder para o controle da finalidade dos atos administrativos discricionários não importa controle do mérito propriamente dito, mas como que um estreitamento do seu âmbito. Ou seja: não se trata de controlar o núcleo da apreciação ou da escolha, mas de diminuir mo espaço em que o administrador faz escolhas de acordo com a própria conveniência e oportunidade.
O mesmo pode ser afirmado com relação às outras formas, ditas, de controle do mérito do ato administrativo, como o controle da proporcionalidade, da moralidade e da eficiência. Neste sentido, por exemplo, não se controla o mérito do ato administrativo em descompasso com a proporcionalidade, mas apenas se reconhece que o conteúdo desproporcional do ato simplesmente não é mérito
.
Em outras palavras, não há conveniência e oportunidade possível fora dos limites estabelecidos pela proporcionalidade." (BINENBOJM, Gustavo.
Uma teoria do direito administrativo:
direitos fundamentais, democracia e constitucionalização. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p. 210)
No mais das vezes, as questões alusivas à eficiência de determinadas soluções administrativas escapam do controle judicial, sob pena de se instituir um governo de juízes, inviabilizando-se a própria administração pública e comprometendo o sistema de pesos e contrapesos. Todavia, deve-se repitar o detalhe: os juízos de mera conveniência e de mera oportunidade escapam, em regra, do controle jurisdicional, salvo quando se tratar de escolhas manifestamente desastrosas, desproporcionais, que comprometam a própria moralidade pública ou mesmo uma noção mínima de eficiência.
Colho a lição de Hans Wolff, Otto Bachof e Rolf Stober:
"
Enquanto a Administração está orientada para a multiplicidade e tem responsabilidade metajurídica, a jurisprudência é de tipo monodisciplinar-jurídico
(...). Por isso, o controlo jurisdicional circunscreve-se apenas ao controlo jurídico. Este controlo não se confunde com a vigilância completa (
Rundum-Beaufsichtigung
) da Administração. Por isso, o controle jurisdicional termina onde deixam de existir padrões jurídicos de controlo (...). Aqui a autonomia da Administração manifesta-se de forma particularmente clara. Em primeiro plano, está a auto-responsabilidade, que terá de ser respeitada pela jurisprudência, bem como a oportunidade, mas não a legalidade da actuação (...). A ideia nuclear é a de que o controlo jurisdicional não conduz a uma subalternização da Administração e os tribunais não devem substituir as apreciações (valorações) da Administração pelas suas próprias valorações.
Nesse contexto, devemos distinguir duas questões fundamentais. Por um lado, suscita-se a questão de saber se num Estado de direito que pratica a divisão de poderes haverá decisões 'livres do direito' para a Administração, no sentido de determinadas medidas estarem totalmente excluídas do controlo jurisdicional (os chamados actos de autoridade sem justiça). Esta questão suscitou-se quanto aos actos de governo e quanto aos actos de graça, mas que deve ser recusada na vigência da lei fundamental (...). Diferente é a questão de saber até que ponto o legislador exclui do controlo jurisdicional decisões administrativas por questões de celeridade e de eficiência administrativas, através da criação de normas de sanação e de preclusão (Heilungs- und Präklusionsvorschriften) (...)
Por outro lado, trata-se do problema de saber se e em que medida a Administração goza, quanto às decisões a tomar, de margens de conformação que apenas limitem a intensidade do controlo jurisdicional (a chamada densidade do controlo)
. Sejam aqui lembradas apenas as margens de discricionariedade, cujo exercício está subordinado a determinados limites jurídicos." (WOLFF, Hans J.; BACHOF, Otto; STOBER, Rolf.
Direito administrativo. volume I.
Tradução do alemão por António F. de Souza. Calouste Gulbenkian, 2006, p. 247-248)
Em muitos casos, todavia, deve-se ter em conta a
teoria dos motivos determinantes
, bem explicitada por Hely Lopes Meireles:
"A teoria dos motivos determinantes funda-se na consideração de que os atos administrativos, quando tiverem sua prática motivada, ficam vinculados aos motivos expostos, para todos os efeitos jurídicos. Tais motivos é que determinam e justificam a realização do ato, e, por isso mesmo, deve haver perfeita correspondência entre eles e a realidade. Mesmo os atos discricionários, se forem motivados, ficam vinculados a esses motivos como causa determinante de seu cometimento e sujeitam-se ao confronto da existência e legitimidade dos motivos indicados. Havendo desconformidade entre os motivos determinantes e a realidade, o ato é inválido."
(MEIRELLES, Hely Lopes.
Direito Administrativo Brasileiro.
14ª Edição, Editora RT, p. 175)
É fato que, na contemporaneidade, alguns autores têm criticado referida teoria, como bem ilustra a seguinte lição de Marçal Justen Filho:
"A teoria dos motivos determinantes estabelece que o agente administrativo se vincula à motivação adotada, de modo que se presume que o motivo indicado foi o único a justificar a decisão adotada. Essa teoria deve ser reputada como ultrapassada, não se prestando mais ao controle de validade dos atos administrativos. Foi desenvolvida nos primórdios do direito administrativo, quando ainda não se delineara de modo perfeito a distinção entre autonomia de vontade privada e vontade funcionalizada própria do direito administrativo. Mais ainda, era um instrumento de controle construído em vista de certa concepção de discricionariedade.
A afirmação pelo agente de que atuou fundado em determinados motivos não produz efeitos vinculantes para fins de controle. Pode evidenciar-se a existência de motivos ocultos ou disfarçados. Mas não há impedimento a que a Administração Pública evidencie, posteriormente, que o ato se fundou em outros motivos, que justificavam adequadamente a decisão adotada. A equivocada indicação do motivo é uma falha, mas o grave reside na ausência de atuação orientada a satisfazer as necessidades coletivas, com a observância de um procedimento democrático
." (JUSTEN FILHO, Marçal.
Curso de direito administrativo.
São Paulo: Saraiva, 2005, p. 264)
Em que pese a densidade da crítica de Marçal Justen Filho, essa teoria ainda exerce salutar função democrática, ao viabilizar, por vias oblíquas, o dever de fundamentação do ato administrativo. Compartilho, pois, da lição de José dos Santos Carvalho Filho quando argumenta:
"A teoria dos motivos determinantes baseia-se no princípio de que o motivo do ato administrativo deve sempre guardar compatibilidade com a situação de fato que gerou a manifestação da vontade. E não se afigura estranho que se chegue a essa conclusão: se o motivo se conceitua como a própria situação de fato que impele a vontade do administrador, a inexistência dessa situação provoca a invalidação do ato."
(CARVALHO F, José dos Santos.
Manual de direito administrativo.
24. ed. RJ: Lumen Juris, 2011, p. 109). Afinal de contas, conquanto o Poder Judiciário não possa invadir a esfera decisória que é própria do Poder Executivo - o que não se discute -, também é fato que se deve
"fortalecer o postulado da inafastabilidade de toda e qualquer fiscalização judicial. A progressiva redução e eliminação dos círculos de imunidade do poder há de gerar, como expressivo efeito consequencial, a interdição do seu exercício abusivo."
(FAGUNDES, Seabra.
O controle dos atos administrativos pelo Poder Judiciário.
Atualizado por Gustavo Binenbojm. 7. ed. Rio de Jandiro: Forense, 2005, p. 191).
Conjugando-se todos esses elementos, vê-se que o Direito Administrativo contemporâneo não mais acolhe a premissa de que o mérito dos atos administrativos seriam sempre insuscetíveis de controle judicial. Isso não ocorre em um Estado Constitucional, dado que administrar é exercer função (é atuar em nome próprio, mas no interesse alheio). Também é possível o controle de decisões fundadas em fontes normativas que veiculam conceitos porosos, imprecisos, indeterminados (a respeito desse tema, leia-se CARRIÓ, Genaro R.
Notas sobre Derecho y lenguaje.
6. ed. Buenos Aires: Abeledo Perrot, 2011). Isso significa que, diante da efetividade dos princípios constitucionais, o administrador público não pode decidir ao seu líbito, já que - mesmo em tais casos - há zonas de certeza positiva e negativas, suscetíveis de aferição judicial.
Atente-se para os seguintes julgados:
(...) 1.
De acordo com a doutrina mais autorizada, os conceitos jurídicos indeterminados, como, no caso, procedimento irrepreensível e idoneidade moral inatacável, sujeitam-se a controle judicial de sua configuração concreta. 2. Não é omissão de aplicação do disposto no art. 37, I, da Constituição e no art. 8o., I, do Dec.-Lei n. 2.320/87 a afirmação de que os fatos alegados - acontecidos há mais de dez anos e em razão dos quais, processado, o apelado restou absolvido - não justificam exclusão do Curso de Agente de Polícia Federal
. (EDAC 964030319994010000, DESEMBARGADOR FEDERAL JOAO BATISTA MOREIRA, TRF1 - QUINTA TURMA, DJ DATA:14/11/2002 PAGINA:207.)
AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. ADMINISTRATIVO. CONTRATAÇÃO TEMPORÁRIA DE PROFESSORES. EXISTÊNCIA DE CANDIDADOS APROVADOS EM CONCURSO PÚBLICO DE PROVIMENTO EFETIVO. ILEGALIDADE. LEI ESTADUAL 6.915/2007. EXAME DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO. SÚMULA 279 DESTA CORTE. ANÁLISE DE LEGISLAÇÃO LOCAL. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 280 DO STF. PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES. AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO. POSSIBILIDADE DE CONTROLE JUDICIAL DOS ATOS ADMINISTRATIVOS DISCRICIONÁRIOS ABUSIVOS E ILEGAIS. AGRAVO IMPROVIDO. I - Inviável o recurso extraordinário quando sua apreciação demanda o reexame do conjunto fático-probatório constante dos autos, bem como da legislação infraconstitucional local aplicável à espécie. Incidência das Súmulas 279 e 280 do STF. Precedentes. II -
Esta Corte possui entendimento no sentido de que o exame pelo Poder Judiciário do ato administrativo tido por ilegal ou abusivo não viola o princípio da separação dos poderes
. Precedentes. III - Agravo regimental improvido. (RE-AgR 654170, RICARDO LEWANDOWSKI, STF.)
RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA. SERVIDOR PÚBLICO. PROCESSO ADMINISTRATIVO. DEMISSÃO. PODER DISCIPLINAR. LIMITES DE ATUAÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO. PRINCÍPIO DA AMPLA DEFESA. ATO DE IMPROBIDADE. 1. Servidor do DNER demitido por ato de improbidade administrativa e por se valer do cargo para obter proveito pessoal de outrem, em detrimento da dignidade da função pública, com base no art. 11, caput, e inciso I, da Lei n. 8.429/92 e art. 117, IX, da Lei n. 8.112/90. 2.
A autoridade administrativa está autorizada a praticar atos discricionários apenas quando norma jurídica válida expressamente a ela atribuir essa livre atuação. Os atos administrativos que envolvem a aplicação de "conceitos indeterminados" estão sujeitos ao exame e controle do Poder Judiciário. O controle jurisdicional pode e deve incidir sobre os elementos do ato, à luz dos princípios que regem a atuação da Administração.
3. Processo disciplinar, no qual se discutiu a ocorrência de desídia --- art. 117, inciso XV da Lei n. 8.112/90. Aplicação da penalidade, com fundamento em preceito diverso do indicado pela comissão de inquérito. A capitulação do ilícito administrativo não pode ser aberta a ponto de impossibilitar o direito de defesa. De outra parte, o motivo apresentado afigurou-se inválido em face das provas coligidas aos autos. 4. Ato de improbidade: a aplicação das penalidades previstas na Lei n. 8.429/92 não incumbe à Administração, eis que privativa do Poder Judiciário. Verificada a prática de atos de improbidade no âmbito administrativo, caberia representação ao Ministério Público para ajuizamento da competente ação, não a aplicação da pena de demissão. Recurso ordinário provido. (RMS 24699, EROS GRAU, STF.)
Por conseguinte, é plenamente cabível o controle judicial dos atos administrativos, mesmo quando discricionários. Deve-se atuar com circunspeção, todavia, a fim de que o Poder Judiciário não se substitua ao Poder Executivo, no juízo de conveniência e oportunidade de determinadas políticas públicas, salvo quando manifestamente ineficientes, inadequadas ou abusivas.
2.52. Controle da proporcionalidade:
Ademais, como notório, a atuação das entidades estatais deve respeitar ao postulado da proporcionalidade, questão verbalizada expressamente pelo art. 18 da Constituição de Portugal de 1976 - o que menciono a título de exempo - e que remanesce implícita, na Lei Maior brasileira (art. 5º, LIV - enquanto projeção material da cláusula do devido processo).
Art. 18 - Constituição de Portugal. 1. Os preceitos constitucionais respeitantes aos direitos, liberdades e garantias são directamente aplicáveis e vinculam as entidades públicas e privadas. 2.
A lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos
. 3. As leis restritivas de direitos, liberdades e garantias têm de revestir carácter geral e abstracto e não podem ter efeito retroactivo nem diminuir a extensão e o alcance do conteúdo essencial dos preceitos constitucionais.
Reporto-me, tanto por isso, à lição de Bernal Pulido:
"1. Segundo o
subprincípio da idoneidade
, toda intervenção nos direitos fundamentais deve ser adequada para contribuir para a obtenção de um fim constitucionalmente legítimo. 2. Conforme o
subprincípio de necessidade
, toda medida de intervenção nos direitos fundamentais deve se a mais benigna com o direito no qual se interveio, dentre todas aquelas que revistam da mesma idoneidade para contribuir para alcançar o fim proposto. 3. No fim, conforme o
princípio da proporcionalidade em sentido estrito
, a importância dos objetivos perseguidos por toda intervenção nos direitos fundamentais deve guardar uma adequada relação com o significado do direito intervindo. Em outros termos, as vantagens que se obtém mediante a intervenção no direito devem compensar os sacrifícios que esta implica para seus titulares e para a sociedade em geral."
(PULIDO, Carlos Bernal.
El principio de proporcionalidad y los derechos fundamentales:
el principio de proporcionalidad como criterio para determinar el contenido de los derechos fundamentales vinculantes para el legislador. 3. ed. Madri: Centro de Estudios Políticos y Constitucionales, 2007. p. 42)
Ou seja, as opções estatais não podem ser promovidas com excesso, eis que deve se conter ao mínimo indispensável para a salvaguarda dos interesses públicos que o justificam. Deve-se atentar para o conhecido postulado
odiosa sunt restringenda
(
Übermamaßverbot
).
A respeito do tema, menciono também a obra de Suzana de Toledo Barros.
O princípio da proporcionalidade e o controle de constitucionalidade das Leis restritivas de direitos fundamentais.
Brasília jurídica, 2. ed., p. 69-82. Transcrevo, ademais, a análise de Canotilho e Vital Moreira sobre o tema:
"O terceiro pressuposto material para a restrição legítima de direitos, liberdades e garantias consiste naquilo que genericamente se designa por princípio da proporcionalidade.
Foi a LC 01/82 que deu expressa guarida constitucional a tal princípio (art. 18-2, 2ª parte), embora já antes, não obstante a ausência de texto expresso, ele fosse considerado um princípio material inerente ao regime dos direitos, liberdades e garantias.
O princípio da proporcionalidade (também chamado de princípio da proibição de excesso) desdobra-se em três subprincípios
: (a) princípio da adequação (também designado como princípio da idoneidade), isto é, as medidas restritivas legalmente previstas devem revelar-se como meio adequado para a prossecução dos fins visados pela lei (salvaguarda de outros direitos ou bens constitucionalmente protegidos); (b) princípio da exigibilidade (também chamado de princípio de necessidade, ou da indispensabilidade), u seja, as medidas restritivas previstas na Lei devem revelar-se necessárias (tornaram-se exigíveis), porque os fins visados pela Lei não podiam ser obtidos por outros meios menos onerosos para os direitos, liberdades e garantias; (c) princípio da proporcionalidade em sentido estrito, que significa que os meios legais restritivos e os fins obtidos devem situar-se numa justa medida, impedindo-se a adopção de medidas legais restritivas desproporcionadas, excessivas, em relação aos fins obtidos.
Em qualquer caso, há um limite absoluto para a restrição de direitos, liberdades e garantias, que consiste no respeito ao conteúdo essencial dos respectivos preceitos."(CANOTILHO, J.J. Gomes; MOREIRA, Vital.
Constituição da República Portuguesa Anotada.
Volume 1: arts. 1º a 107. 1ª ed. brasileira. 4ª edição portuguesa. ST: RT, Coimbra: Coimbra Editora, p. 394-395)
Importa dizer: a restrição a direitos fundamentais deve ser graduada pelo critério da indispensabilidade; ela somente pode ser imposta quando - e no limite em que - se revelar indispensável. Do contrário, o chamado
núcleo essencial dos direitos fundamentais
(
Wesengehalt
) restaria atingido, como reconhecem expressamente o art. 18 da Constituição de Portugal/1976 e implicitamente a nossa Lei Maior.
2.53. Devido processo legal:
A garantia do devido processo legal - assegurada pelo art. 5, LIV e LV, da Constituição/1988 - preconiza que
ninguém pode ser privado de algum bem ou direito sem que lhe seja facultada a defesa efetiva
. Essa garantia compreende duas perspectivas, tanto a material quanto a procedimental, como explicita Romeu Felipe Bacellar Filho: "
A teoria do devido processo legal, construída na jurisprudência da Suprema Corte dos Estados Unidos, compreende duas perspectivas:
substantive
e
procedural due process.
A primeira é projeção do princípio no campo do direito material, enquanto a segunda funciona como garantia na esfera processual. O espectro da proteção é o trinômio vida, liberdade, propriedade."
(BACELLAR FILHO, Romeu Felipe.
Processo administrativo disciplinar.
São Paulo: Max Limonad. p. 223).
Desse modo,
"Quanto ao
procedural du process,
os dois interesses centrais podem ser identificados no caso Marschall versus Jerrico, inc. 446 US 238 (1980): o governo não deve privar uma pessoa de um interesse importante a menos que a correta compreensão dos fatos e a lei permita; mesmo se o governo puder legalmente privar alguém de um interesse importante, o indivíduo tem o direito de ser ouvido perante uma Corte neutra antes da privação. Enquanto a primeira regra prende-se à realidade da Justiça
('actuality of justice'),
a segunda envolve a aparência de justiça
('appearance of justice')" (BACELLAR FILHO.
Obra citado.
p. 224).
Semelhante é a opinião de Joaquim Canotilho, quando argumenta
"
Processo devido em direito significa a obrigatoriedade da observância de um tipo de processo legalmente previsto antes de alguém ser privado da vida, da liberdade e da propriedade. Nestes termos, o processo devido é o processo previsto na lei para a aplicação de penas privativas da vida, da liberdade e da propriedade. Dito por outras palavras: due process equivalente ao processo justo definido por lei para se dizer o direito no momento jurisdicional de aplicação de sanções criminais particularmente graves
(...) o
due process of law
pressupõe que o processo legalmente previsto para a aplicação de penas seja ele próprio um processo devido, obedecendo aos trâmites procedimentais formalmente estabelecidos na Constituição ou plasmados em regras regimentais das assembléias legislativas."
(CANOTILHO, José Joaquim Gomes.
Direito constitucional e teoria da Constituição.
7. ed. Almedina. p. 493)
Tanto por isso, o Estado deve assegurar ao administrado o exercício efetivo da ampla defesa e do contraditório. Deve comunicar-lhe, ademais, as decisões administrativas ou judiciais, de modo a documentar a sua efetiva ciência. É o que se infere, por sinal, do Decreto 70.235 (art. 10, V c/ art. 23), e também lei 9784/1999
(arts. 26-28).
Menciono o seguinte julgado:
AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. AUTARQUIA ESTADUAL. SERVIDORA CELETISTA ADMITIDA ANTES DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 SEM CONCURSO. RESCISÃO CONTRATUAL. DEVIDO PROCESSO ADMINISTRATIVO. PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIA E DA AMPLA DEFESA. AGRAVO IMPROVIDO. I —
Consoante a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal se firmou no sentido de que a demissão de servidor público, mesmo que contratado sob o regime da CLT, deve observar o devido processo administrativo, em que se garantam o contraditório e a ampla defesa
. II — Agravo regimental ao qual se nega provimento. (STF - RE: 1473904 SP, Relator: Min. CRISTIANO ZANIN, Data de Julgamento: 22/04/2024, Primeira Turma, Data de Publicação: PROCESSO ELETRÔNICO DJe-s/n DIVULG 23-04-2024 PUBLIC 24-04-2024)
2.54. Respeito à boa-fé objetiva:
Deve-se ter em conta, ademais, o postulado da boa-fé objetiva, enquanto preceito que deve regular a relação entre os sujeitos, entre estes e o Poder Público, mesmo entre distintas unidades da Administração Pública.
Com efeito, "
ao impor sobre todos um dever de não se comportar de forma lesiva aos interesses e expectativas legítimas despertadas no outro, a tutela da confiança revela-se, em um plano axiológico-normativo, não apenas como principal integrante do conteúdo da boa-fé objetiva,
mas também como forte expressão da solidariedade social, e importante instrumento de reação ao voluntarismo e ao liberalismo ainda amalgamados no direito privado como um todo
."
(SCHREIBER, Anderson.
A proibição de comportamento contraditório:
tutela da confiança e
venire contra factum proprium.
Rio de Janeiro: Renovar, 2007. p. 91).
Ademais,
"
Os princípios da segurança jurídica e da boa-fé objetiva, bem como a vedação ao comportamento contraditório (venire contra factum proprium), impedem que a parte, após praticar ato em determinado sentido, venha a adotar comportamento posterior e contraditório
."
(AGRESP 200802418505, ARNALDO ESTEVES LIMA, STJ - QUINTA TURMA, DJE DATA:29/03/2010).
Acrescento que
"
O Poder Público não é um poder irresponsável e arbitrário, ele se vincula e se limita pelos seus próprios atos
. Não se pode reservar o privilégio, que se resume na mais cínica das prerrogativas que se arrogava o poder absoluto, de surpreender a boa-fé dos que confiam na sua palavra ou nas suas promessas, violando aquela ou anulando essas, depois de haver conseguido, por causa de uma ou de outras, as prestações cuja execução havia sido feita na boa-fé, fundamental não só ao seu comércio jurídico, como à convivência moral, de que a ninguém é dado retirar a palavra empenhada ou desfazer a promessa mediante a qual obteve vantagem de outrem ou lhe causou ou infligiu sacrifício."
(CAMPOS, Francisco.
Direito administrativo.
vol. I. Livraria Freitas Bastos, 1958, p. 70-71)
O respeito à boa-fé objetiva corresponde a "
uma norma de conduta que impõe aos participantes de uma relação obrigacional um agir pautado pela lealdade, pela consideração dos interesses da contraparte. Indica, outrossim, um critério de interpretação dos negócios jurídicos e uma norma balizamento ao exercício de direitos subjetivos e poderes formativos."
(MARTINS-COSTA, Judith.
Comentários ao novo Código Civil.
RJ: Forense, 2005, p. 42).
Com as devidas adequações, essas regras também são oponíveis ao Estado. Nâo se pode reconhecer à Administração Pública a prerrogativa de surpreender os sujeitos, cobrando valores sem que lhes tenha comunicado anteriormente a causa dessa obrigaçã, ou modificando de inopino cláusulas contratuais.
"
Este Tribunal já decidiu que a frustração de expectativas legítimas criadas pelo poder público configura verdadeira afronta ao princípio da boa-fé objetiva, em seu postulado da proibição ao `venire contra factum proprium, que também deve ser respeitada pela Administração Pública
. Através da referida cláusula, vedam-se os comportamentos contraditórios que aviltam direitos e deveres previamente fixados entre as partes e quebram a relação de confiança que deveria prevalecer"
(TRF-1 - REOMS: 10056493420184013200, Relator: Desembargador Federal João Batista Moreira, Data de Julgamento: 06/07/2020, Sexta Turma, Data de Publicação: 07/07/2020).
A legislação processual civil trata do respeito à boa-fé objetiva no curso da demanda, conforme seus
arts. 7, 322, §2 e 489, §3, CPC/15
.
2.55. Autoexecutoridade administrativa:
O Estado de Direito impõe um plexo de garantias no que toca ao processo administrativo sancionador e outras medidas de restrição a direitos
. De partida, quem acusa deve provar; não se podendo transportar, sem mais, a pretensa inversão do ônus da prova (presunção de legitimidade) para o âmbito do processo administrativo:
"A presunção de veracidade inverte o ônus da prova; é errado afirmar que a presunção de legitimidade produz esse feito, uma vez que, quando se trata de confronto entre o ato e a lei, não há matéria de fato a ser produzida; nesse caso, o efeito é apenas o anterior, ou seja, o juiz só apreciará a nulidade se arguida pela parte."
(PIETRO, Maria S.
Direito administrativo.
18. ed. SP: Atlas, 2005, p. 192).
Com efeito, em regra, os atestados, certidões e afirmações de servidores do povo possuem, em seu favor, a
presunção de autenticidade
do que é declarado. Do contrário, a atividade administrativa se tornaria praticamente inviável, devendo-se juntar, a cada certidão, um vídeo, uma fotografia acompanhada de duas testemunhas etc. Deve-se atentar, porém, para as importantes ressalvas promovidas por Lúcia Vale Figueiredo, no que toca à transposição desses vetores para o âmbito do processo sancionador:
"Se os atos administrativos desde logo são
imperativos
e podem ser exigíveis (i.e., tornam-se obrigatórios e executáveis), há de militar em seu favor a presunção iuris tantum de legalidade. Todavia, como bem assinala Celso Antônio, a presunção se inverte quando os atos forem contestados em juízo ou, diríamos nós, também fora dele, quando contestados administrativamente.
Caberá à Administração provar a estrita conformidade do ato à lei, porque ela (Administração) é quem detém a comprovação de todos os atos e fatos que culminaram com a emanação do provimento administrativo contestado. Determinada, p.ex., a demolição de imóvel por ameaça à incolumidade pública, se houver contestação em juízo, deverá a administração provar (por meio de estudos técnicos ou pareceres, de profissionais competentes) que o imóvel ameaçava ruir e que desse fato resultava a periclitação da incolumidade pública.
De outra parte, se a regra de que a prova é de quem alega não fosse invertida, teríamos, muitas vezes, a determinação feita ao administrado de prova impossível, por exemplo, da inocorrência da situação de fato
.
A prerrogativa de tal importância - presunção de legalidade - deve necessariamente corresponder, se houver confronto, a inversão do onus probandi. Isso, é claro, em princípio
.
Trazemos agora a contexto a aplicação de sanções. Muita vez torna-se difícil - ou quase impossível - provar que o sancionado não incorreu nos pressupostos da sanção (a prova seria negativa). Caberá, destarte, à Administração provar cabalmente os fatos que a teriam conduzido à sanção, até mesmo porque, em face da atuação sancionatória, vige, em sua plenitude, o inciso LIV, art. 5º do texto constitucional.
Na verdade, quando os atos emanados forem decorrentes de infrações administrativas ou disciplinares não há como não se exigir da Administração a prova contundente da existência dos pressupostos fáticos para o ato emanado. Para isso, a motivação do ato é de capital importância
." (FIGUEIREDO, Lúcia Valle.
Curso de direito administrativo.
5. ed. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 171-172)
Reporto-me também à seguinte admoestação de Justen Filho:
"A autoexecutoriedade indica a possibilidade de a Administração Pública obter a satisfação de um direito ou de dirimir um litígio de que participa sem a intervenção imediata do Poder Judiciário, produzindo atos materiais necessários a obter o bem da vida buscado. A auto-executoriedade pode conduzir obviamente ao impedimento da prática de certos atos pelos particulares. (...)
Não há vedação radical ao uso da força pela Administração Pública, na medida em que tal seja a solução adequada para a realização do Direito. Mas o uso da força deverá refletir um devido processo legal, sendo acompanhado da observância de todas as formalidades comprobatórias necessárias e das garantias inerentes ao processo. Mais ainda, não se admite o uso da força mediante mera invocação de fórmulas genéricas determinadas, tais como interesse público, bem comum, segurança, etc
. Deve-se identificar, de modo concreto, o bem jurídico tutelado e expor o motivo pelo qual se reputa que a força deva ser utilizada. É evidente que existem situações concretas emergenciais em que o cumprimento destas formalidades é impossível."
(JUSTEN FILHO, Marçal.
Curso de direito administrativo.
São Paulo: Saraiva, p. 207).
Enfim, desde que realmente se trate de uma imposição abusiva, excessiva, o Poder Judiciário deve reconhecer a sua invalidade, com o fim de assegurar os direitos indevidamente atingidos.
2.56. Considerações sobre os terrenos de marinha:
Ora, os terrenos de marinha foram concebidos, ainda no tempo do Brasil Colônia, como mecanismo de proteção do litoral brasileiro (a respeito, leia-se PASSOS, Tatiana.
Terras de marinha.
Leme: Mundo Jurídico, 2013, p. 20-21). Em que pese instituídos pela Coroa Portuguesa, tal instituto não era conhecido em Portugal:
"É pacífico o conceito de praia, desde a sua origem história, como pacíficas são a sua destinação ao uso comum, e a sua caracterização de bem público. Tal tranquilidade, poré, não se irá encontrar, se quisermos buscar o conceito de terreno dem arinha, nas fontes tradicionais do direito europeu. Não existe esse conceito nem mesmo sua figuração, por mais tênue que seja, nas fontes romanas, visigóticas ou germânicas, e nunca fez ele presença nas ordenações portuguesas."
(SANTOS, Rosita de Souza
apud
PASSOS, Tatiana.
Obra citada.
p. 20).
Aponta-se, não raro, a
Ordem Régia de 21 de outubro de 1710
como sendo um dos primeiros atos oficiais a tratarem da marinha, em solo brasileiro, conquanto antes já houvesse o conceito de 'lizeiras', conceito que abrangia as terras marginais de uso comum de todos. De toda sorte, ao que releva, tais terrenos encontram-se delimitados atualmente pelo art. 2º do decreto-lei 9.760/1946, recepcionados pela Constituição de 1988 (art. 20, VII).
Art. 2º
São terrenos de marinha, em uma profundidade de 33 (trinta e três) metros, medidos horizontalmente, para a parte da terra, da posição da linha do preamar-médio de 1831
:
a) os situados no continente, na costa marítima e nas margens dos rios e lagoas, até onde se faça sentir a influência das marés;
b) os que contornam as ilhas situadas em zona onde se faça sentir a influência das marés.
Parágrafo único. Para os efeitos deste artigo a influência das marés é caracterizada pela oscilação periódica de 5 (cinco) centímetros pelo menos, do nível das águas, que ocorra em qualquer época do ano.
Justamente por conta dessa conceituação normativa é que remanesceu certa polêmica junto aos tribunais, no que toca à definição dessa linha do preamar-médio de 1831
. Inicialmente, a Secretaria de Patrimônio da União delimitou referido traçado por meio da Instrução SPU n. 01, de 30 de março de 1981. Atualmente, encontra-se em vigor a
Instrução Normativa SPU n. 02, de 12 de março de 2001
, versando sobre o aludido tema, conforme atribuições definidas nos arts. 9º e 10 do referido Decreto-lei 9.760/1946.
Art. 9º - DL 9.760/46. É da competência do Serviço do Patrimônio da União (S.P.U.) a determinação da posição das linhas do preamar médio do ano de 1831 e da média das enchentes ordinárias.
Art. 10. A determinação será feita à vista de documentos e plantas de autenticidade irrecusável, relativos àquele ano, ou, quando não obtidos, a época que do mesmo se aproxime.
Transcrevo o art. 2º da referida IN 02/2001, SPU:
Art. 2º
Os terrenos de marinha são identificados a partir da Linha de Preamar Média de 1831
-LPM (Lei de 15 de novembro de 1831), nos termos do Decreto-lei nº 9.760, de 5 de setembro de 1946, determinada pela interseção do plano horizontal que contém os pontos definidos pela cota básica, representativa do nível médio das preamares do ano de 1831, computada a medida correspondente à dinâmica das ondas, com o terreno, considerando-se, caso tenha ocorrido qualquer alteração, a sua configuração primitiva.
§ 1º A Linha de Preamar Média de 1831 - LPM será determinada pela SPU a partir de plantas e documentos de autenticidade irrecusável, relativos ao ano de 1831, ou, quando não obtidos, à época que do mesmo mais se aproxime, e de observações de marés.
§ 2º Na determinação da cota básica relativa à preamar média de 1831, deverão ser consideradas a média aritmética das máximas marés mensais (marés de sizígia) daquele ano, ou do que mais dele se aproximar, utilizando-se os dados da estação maregráfica mais próxima constante das tábuas de marés, publicadas pela Diretoria de Hidrografia e Navegação do Comando da Marinha (DHN).
§ 3º Nos terrenos de marinha situados nas margens dos rios e lagoas, quando o ponto que materializa o limite da influência estiver em nível superior ao da cota básica efetiva, o posicionamento da LPM será orientado pela linha que define o leito menor, a margem do rio ou da lagoa.
§ 4º A influência das marés é caracterizada pela oscilação periódica de cinco centímetros pelo menos do nível das águas, que ocorra em qualquer época do ano.
A demarcação de tais terrenos é regulada, de outro tanto, pela lei 9.636/1998, cujo art. 1º segue abaixo, com a redação veiculada pela lei 11.481/2007:
"É o Poder Executivo autorizado, por intermédio da Secretaria do Patrimônio da União do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, a executar ações de identificação,
demarcação, cadastramento, registro e fiscalização
dos bens imóveis da União, bem como a regularização das ocupações nesses imóveis, inclusive de assentamentos informais de baixa renda, podendo, para tanto, firmar convênios com os Estados, Distrito Federal e Municípios em cujos territórios se localizem e, observados os procedimentos licitatórios previstos em lei, celebrar contratos com a iniciativa privada."
Sempre que referida demarcação acabe por atingir direitos individuais ou coletivos, ela deve ser promovida com prévio e irrestrito respeito à cláusula do
devido processo
(art. 5º, LIV e LV, Constituição/88 e lei 9.784/1999). Importa dizer: com efetiva notificação dos interessados para acompanharem, querendo, a atuação administrativa.
PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL. DIREITO ADMINISTRATIVO TAXA DE OCUPAÇÃO DE IMÓVEL LOCALIZADO EM TERRENO DE MARINHA. VÍCIO NO PROCEDIMENTO DEMARCATÓRIO 1. Não se discute a exigência de taxa de ocupação de imóvel localizado no interior de ilha costeira sede de município, mas sim em terreno de marinha conforme informação da Secretaria de Patrimônio da União. A Emenda Constitucional n. 46/2005 excluiu do patrimônio da União as ilhas costeiras sede de município, mas não alterou o domínio desse ente político sobre os "terrenos de marinha e seus acrescidos" 2."
Ofende as garantias do contraditório e da ampla defesa o convite aos interessados, por meio de edital, para subsidiar a Administração na demarcação da posição das linhas do preamar médio do ano de 1831, uma vez que o cumprimento do devido processo legal pressupõe a intimação pessoal
" (ADIN 4.264-PE - STF, Plenário. 3. Agravo regimental da União/ré desprovido. (AGRAC , DESEMBARGADOR FEDERAL NOVÉLY VILANOVA, TRF1 - OITAVA TURMA, e-DJF1 DATA:12/09/2014 PAGINA:1577.)
PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. BEM PÚBLICO. TERRENO DE MARINHA. DEMARCAÇÃO. AFERIÇÃO DE PRESCRIÇÃO E DA LEGALIDADE DO CADASTRAMENTO DO IMÓVEL COMO "TERRENO DE MARINHA" PELA SPU. REEXAME DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO DOS AUTOS. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 7/STJ. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO. 1. A orientação jurisprudencial do Superior Tribunal de Justiça já decidiu que: i) "os registros de propriedade particular de imóveis situados em terrenos de marinha não são oponíveis à União" (Súmula 496/STJ); ii)
o procedimento demarcatório dos terrenos de marinha deve ser realizado à luz dos princípios da ampla defesa e do contraditório
; iii) as notificações para cobrança da taxa de ocupação representam o início do prazo prescricional, pois não corre prazo prescricional contra o particular que não foi intimado do procedimento administrativo demarcatório. 2. No caso dos autos, o Tribunal de origem asseverou a inexistência de procedimento regular de demarcação do terreno de marinha. 3. Portanto, a acolhida das teses recursais, no tocante: i) à ocorrência de prescrição; ii) à correta demarcação do imóvel como "terreno de marinha" pela SPU, depende de prévio exame probatório dos autos, o que não é possível em sede de recurso especial por força do óbice da Súmula 7/STJ. 4. Agravo regimental não provido. (STJ - AgRg no AREsp: 495937 ES 2014/0066199-4, Relator: Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, Data de Julgamento: 10/06/2014, T2 - SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJe 17/06/2014)
Convém ter em conta que a taxa de ocupação é justamente um
preço público
devido pelo exercício da posse sobre aludidos imóveis (terrenos de marinha), conforme art. 7º da lei 9.636/1998.
Não se trata, tanto por isso, de crédito tributário, tal como definido no art. 3º do Código Tributário Nacional:
"
Tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada
."
Aplica-se, em tal caso, o art. 39, §2º, lei 4.320/1964, quando conceitua a dívida ativa 'não tributária.'
D'outro tanto, é fato que eventual registro imobiliário de efetivos terrenos de marinha não é oponível à União Federal, eis que insuscetíveis de superarem o domínio consagrado pela Constituição, consoante lógica das súmulas 340, STF e 497, STJ:
Súmula 340 - STF.
Desde a vigência do Código Civil, os bens dominicais, como os demais bens públicos, não podem ser adquiridos por usucapião
.
Súmula 496 - STJ.
Os registros de propriedade particular de imóveis situados em terrenos de marinha não são oponíveis à União
.
Atente-se também para o seguinte julgado:
"
A União é a proprietária dos terrenos de marinha e acrescidos por expressa disposição constitucional, que não pode ser ressalvada pela existência de eventual matrícula existente no Registro de Imóveis
."
(AC 200771000039213, MARIA LÚCIA LUZ LEIRIA, TRF4 - TERCEIRA TURMA, D.E. 16/12/2009.)
2.57. Eventual enfiteuse civil e administrativa:
A enfiteuse, também conhecida como aforamento ou emprazamento, cuida-se do negócio jurídico pelo qual o proprietário
(senhorio) transfere ao adquirente (enfiteuta), em caráter perpétuo, o domínio útil, a posse direta, o uso, o gozo e o direito de disposição sobre bem imóvel, mediante o pagamento de renda anual (foro). Trata-se de um direito real, transmissível a sucessores, pela teoria da
Saisine
(art. 1.784, Código Civil/2002). A enfiteuse civil é a constituída sobre bens particulares e públicos - nesse caso, imóveis municipais -, regulada nos arts. 678 a 694 do Código Civil de 1916 (dispositivos suscetíveis de serem aplicáveis em algumas situações, por força do art. 2.038, Código Civil de 2002). A partir da vigência do CC/2002, restou proibida a constituição de novas enfiteuses civis, tampouco sendo viável registrar enfifeuses anteriores ao Código (art. 2.038, Código Civil/2002).
Já a enfiteuse administrativa (ou enfiteuse especial) é a constituída sobre imóveis públicos dominiais, mas comumente sobre bens imóveis da União Federal, como os terrenos de marinha e acrescidos, nos termos de lei especial (§ 2o do art. 2.038, CC, 2002). A enfiteuse em imóveis da União é regulada no Decreto-Lei no 9.760, de 5 de setembro de 1946, e na Lei no 9.636/1998.
O aforamento de imóveis da União, quando permitido, deve ser promovido mediante contrato, conforme art. 14, lei 9.636/1998 e art. 109, DL n 9.760/1946 - avençado entre a Secretaria do Patrimônio da União (SPU) e o particular, mediante licitação ou concorrência, observando-se direito de preferência dos ocupantes (art. 15, Lei no 9.636/1998)
. Consiste na transmissão do domínio útil do imóvel em favor do enfiteuta. O contrato deve ser lavrado em livro próprio da SPU, detalhando as condições estabelecidas e as características do terreno aforado (
art. 109, DL 9.760/1946
) – que deverão corresponder às características constantes da matrícula do imóvel (art. 176, §1º , I, II, no 3, “b”, da Lei no 6.015/1973). Nos termos do art. 2. da Lei n. 7.433/1985; do art. 3. do seu Regulamento (Decreto no 93.240/1986) e dos arts. 222 e 223 da Lei n. 6.015/1973, tratando-se de imóvel urbano devidamente matriculado, basta constar do contrato a identificação do terreno, a forma de aquisição e o número da matrícula respectiva, sendo dispensável a completa descrição do imóvel. O art. 15, §1, da Lei no 9.636/1998 também prevê a hipótese de venda do domínio pleno das
benfeitorias existentes nos terrenos dados em aforamento
, independentemente de quem as tenha realizado.
Caso as benfeitorias não estejam averbadas na matrícula do imóvel, será necessário averbá-las para viabilizar o registro do título
. Apesar de nessa hipótese o título ser de transmissão do domínio útil do terreno e de venda do domínio pleno de benfeitorias – direitos dominiais divisíveis –, deve-se praticar um único ato de registro, uma vez que o negócio será do bem jurídico como um todo, indivisível.
O tema coloca em causa o Decreto-Lei n. 9.760, de 5 de setembro de 1946; a lei n. 5.972, de 11 de dezembro de 1973; Decreto no 2.398, de 21 de dezembro de 1987; o art. 49, §3º, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias e a lei n. 9.636, de 15 de maio de 1998.
É fato o que a enfiteuse não consta expressamente como direito real no Código Civil (art. 1.225)
. Mas, ela consiste no
domínio útil
, na posse direta, no uso, no gozo e no direito de disposição de bem imóvel, ficando evidente que se trata de direito real de propriedade, embora limitado. A natureza jurídica da enfiteuse como direito real imóvel de propriedade tem sido reconhecida pelos tribunais, visto que pode ser dada em garantia hipotecária (art. 1.473, III, CC) ou em alienação fiduciária (art. 22, § 1o , I, Lei n. 9.514/1997). A própria incidência do ITBI na constituição ou na transferência do contrato de enfiteuse evidencia a natureza jurídica do domínio útil como direito real de propriedade, nos termos do art. 156, II, da Constituição Federal. Assim, para a constituição ou a transmissão do domínio útil oriundo do contrato de enfiteuse, é necessário que o título seja registrado no competente Registro de Imóveis (art. 1.227, CC). Contudo, nenhum contrato de aforamento de terreno de marinha (ou de qualquer outro bem público) há de ser registrado por simples comunicação da SPU ao Registro de Imóveis da existência do aforamento. É preciso que seja lavrado o contrato enfitêutico e que exista matrícula específica para o imóvel dado em enfiteuse
Cuidando-se de terrenos de marinha, há regras específicas, sendo necessário o prévio desmembramento da área aforada, com abertura de matrícula para o terreno
. Por ocasião do registro do contrato de enfiteuse (aforamento), deve-se averbar também o número de inscrição do imóvel no cadastro da Prefeitura Municipal, que será criado para fins de cálculo do ITBI, devido na aquisição do domínio útil, por força do contrato de enfiteuse (art. 110, DL no 9.760/1946) e, também, doravante, para cobrança do IPTU.
O contrato de enfiteuse será lavrado pela Secretaria do Patrimônio da União - SPU em livro próprio, com força de escritura pública, conforme permissão veiculada no
art. 108, CC/2002
e legislação específica, não estando sujeito à regra da escritura pública.
Ademais, a enfiteuse em terreno de marinha pode ser transferida por contrato de compra e venda, permuta, doação ou dação em pagamento - além de poder ser hipotecada ou alienada fiduciariamente - mediante escritura pública, devendo os Cartórios de Notas e de Registro de Imóveis, sob pena de responsabilidade dos titulares, nos termos do
Decreto-Lei n. 2.398/1987
, observar duas exigências básicas. A primeira diz respeito à apresentação de Certidão da Secretaria do Patrimônio da União (SPU), denominada CAT (Certidão Autorizativa de Transferência), que declare: a) ter o interessado recolhido o laudêmio devido, nas transferências onerosas entre vivos; b) estar o transmitente em dia com as demais obrigações junto ao Patrimônio da União; e c) estar autorizada a transferência do imóvel, em virtude de não se encontrar em área de interesse do serviço público. A CAT deverá ser transcrita na escritura pública.
A segunda (constante do art. 3o -A, do Decreto no 3.398/1987, incluído pela Lei no 11.481/2007) refere-se à necessidade de o Cartório de Notas, após a lavratura da escritura de transferência, e do registro pelo Registro de Imóveis, ou, ainda, do Registro de Títulos e Documentos, após o registro do respectivo título, informar as operações que envolvam terrenos da União
.
Após dez anos do contrato de aforamento, salvo acordo em sentido contrário, o enfiteuta (enfiteuse civil) tem o direito subjetivo à remissão do foro, pagando ao senhorio o valor correspondente a dez pensões anuais mais um laudêmio de 2,5% sobre o valor atualizado da propriedade plena (art. 693, CC de 1916, com art. 2.038 do CC de 2002), consolidando a propriedade plena.
No que toca à enfiteuse administrativa, a extinção de aforamentos de bens públicos da União está prevista no art. 103 do DL no 9.760/1946, com redação dada pela Lei no 11.481/2007, constituindo uma das hipóteses de extinção
“a remissão do foro, nas zonas onde não mais subsistam os motivos determinantes da aplicação do regime enfitêutico."
Assim, os aforamentos em terreno de marinha podem ser remidos, com observância das regras dos arts. 122 a 124 do DL no 9.760/1946. Contudo, conforme mostram os arts. 103, III, e 122, caput e Parágrafo Único do 17 DL no 9.760/1946,
na enfiteuse administrativa não há direito subjetivo do enfiteuta à remissão, estando esta no âmbito exclusivo da discricionariedade do ente público, que decidirá sobre a existência ou não de interesse em manter o regime de enfiteuse sobre os bens aforados
. Assim, em sendo possível a remissão do aforamento administrativo, esta somente ocorrerá em conformidade com os interesses da administração pública.
Note-se que o tema da remissão, nesse âmbito, coloca em causa a indisponibilidade do interesse público primário; o escopo subjacente ao instituto dos terrenos de marinha (proteção da segurança costeira); eventual necessidade de licitação para alienação de imóveis (art. 76, lei n. 14.133/2021).
Atente-se para o seguinte texto:
"De acordo com a definição de Orlando Gomes, “a enfiteuse é o direito real limitado que confere a alguém, perpetuamente, os poderes inerentes ao domínio, com a obrigação de pagar ao dono da coisa uma renda anual”.
Apesar de substanciais diferenças, a enfiteuse é o instituto que mais se assemelha à superfície, sendo que muitos doutrinadores afirmam que o direito de superfície veio substituir a enfiteuse no Código Civil.
A enfiteuse é um direito real que tende a desaparecer. Isso porque, apesar de reconhecer as já existentes, o ordenamento proíbe a constituição de novas enfiteuses, conforme se estabelece no art. 2.038 das disposições finais e transitórias do Código Civil. Desse modo, as enfiteuses e subenfiteuses já existentes subordinar-se-ão às disposições do Código de 1916
.
A principal diferença entre superfície e enfiteuse é que a enfiteuse é perpétua e a superfície, embora possa ser concedida por prazo determinado ou indeterminado, é temporária. Outra marcante distinção é o fato de que na enfiteuse há a cobrança de foro anual ou cânon ao senhorio. Já na superfície não há prestação pecuniária, a não ser que esteja expressa em contrato.
Em caso de transferência da enfiteuse, o enfiteuta deve pagar ao senhorio, a título de laudêmio, o valor correspondente a 2,5% da transação. Todavia, no direito de superfície, essa cobrança é expressamente proibida pelo Código Civil.
O enfiteuta pode tornar-se proprietário pleno, mediante o pagamento do resgate, ou seja, o valor correspondente a dez foros e um laudêmio. No direito de superfície não há essa prerrogativa de resgate, e a extinção normalmente ocorre em razão do decurso do prazo estabelecido
.
Outro aspecto refere-se ao inadimplemento das obrigações. No direito de superfície, basta o descumprimento das regras contratuais, como a destinação diversa do estipulado, para que seja possível a resolução unilateral. Já na enfiteuse, é necessário que ocorra o comisso, ou seja, o atraso de três parcelas anuais e consecutivas para que o senhorio possa requerer a extinção.
Por fim, outra diferença é que no direito de superfície deverá haver previsão sobre a destinação do imóvel, ou seja, o superficiário deve somente plantar ou construir no solo alheio de acordo com o que foi estipulado, sob pena de extinção por desvio de finalidade. Já o enfiteuta tem maior liberdade para explorar o solo da maneira que lhe aprouver. Portanto, percebe-se que, apesar da superfície ser um instituto semelhante à enfiteuse, com ela não se confunde
." (BERALDO, Anna.
Enfiteuse
in ALVIM, José; CAMBLER, Everaldo. Estatuto da Cidade. SP: RT. 2014. item 7.1).
No que diz respeito à extinção da enfiteuse, destaco:
"A enfiteuse pode extinguir-se das seguintes formas: a) a natural deterioração do prédio aforado; b) pelo comisso (que ocorre pelo não pagamento do foro por três anos consecutivos); c) pelo falecimento do enfiteuta, sem herdeiros, salvo o direito dos credores; d) formas gerais de extinção como perecimento do objeto, desapropriação, usucapião e renúncia do enfiteuta, consolidação (quando enfiteuta exerce direito de opção no caso de venda da propriedade), confusão e, por fim, o resgate. O direito de resgate consiste na possibilidade de o enfiteuta, após dez anos da constituição do aforamento, resgatar a enfiteuse mediante pagamento de um laudêmio correspondente a 2,5% sobre o valor atual da propriedade e de dez pensões anuais.
O resgate tem por finalidade a consolidação do domínio nas mãos do enfiteuta, que obtém, dessa forma, a propriedade plena sobre o imóvel. Ainda com relação ao resgate, apesar de haver certa divergência doutrinária, prevalece que, para que tenha ingresso no registro de imóveis, é necessário que seja feita a lavratura de escritura pública, tendo em vista que há transmissão do domínio direto ao enfiteuta
."
(NERY, Rosa; JUNIOR, Nelson.
Instituições de Direito Civil:
Direitos Patrimoniais, Reais e Registrários. SP: RT. 2022,, tópico 21).
Menciono ainda o seguinte julgado do STJ:
"(...) Em sua fundamentação, o d. juízo sentenciante entendeu, considerando que a transmissão do domínio útil do imóvel aos recorridos ocorreu no ano de 2013, pela impossibilidade da cobrança realizada pela Municipalidade, tendo em vista o disposto no artigo 2.038, § 1º, inciso I do CC. Data maxima venia, a conclusão alcançada se revela equivocada.
Isto porque, ao contrário da premissa utilizada no r. acórdão, o Código Civil, diploma regulador das relações privadas, não pode interferir e nem revogar o trato normativo inerente às enfiteuses de bens imóveis dominiais públicos, que continuam a ser reguladas, no cenário da União, pelo Decreto 9.760/46 e, dentre os demais entes federativos, pela regra de simetria pelas suas respectivas legislações internas e individuais locais. Portanto, repita-se, a enfiteuse administrativa não se regula pelo Código Civil! Não se pode conceber que as modificações trazidas pelo Código Civil de 2002 à disciplina jurídica do instituto semelhante, de direito privado, possam afetar ou modificar a enfiteuse administrativa, a qual deve permanecer regida por suas legislações locais e especiais
. As regras inovadas no diploma não disfarçam no interesse de extinguir a modalidade de bipartição do domínio quando em consideração o imóvel e as partes privadas.
Não assim, contudo, quando se trata do emprazamento administrativo, a propósito, expressamente excepcionado no § 2º da própria disposição, art. 2.038. Para fins de esclarecimento, no âmbito deste Município do Rio de Janeiro, o título jurídico que regula a enfiteuse deriva das Leis Complementares nº 01, de 13 de setembro de 1990, e 06, de 28 de janeiro de 1991, ambas regulamentadas pelo RGCAF - Regulamento Geral do Código de Administração Financeira e Contabilidade Pública do Município do Rio de Janeiro
. Com efeito, é sim ainda válida a instituição, manutenção, desenvolvimento e regramento, inclusive imposição de receitas fiscais não tributárias, quando em voga o aforamento público. A legislação municipal aplicada à enfiteuse administrativa estabelece a incidência do laudêmio, sim por sobre o valor total de cada negócio translativo, reservando-se, ainda, em caso de inconsistência na informação pelo particular alienante, o poder de arbitramento pela autoridade fiscal, com base na mesma disciplina de fixação da base de cálculo do ITBI. De todo e qualquer modo, no direito real brasileiro, muito se sabe, vigora em primazia o regime da acessão. A construção levantada é considerada acessório e se integra ao solo, passando a constituir um só imóvel, inexistindo razão jurídica para distinguir um e outro. Assim, o Ente público, titular foreiro do domínio direto sobre o terreno, se transmuda igualmente em titular do domínio direto sobre a edificação, quando é esta levantada no imóvel foreiro. Dessa forma, a distinção feita no § 1º, inciso I, do artigo 2.038, tinha razão específica de ser, já se examinou, e não alcança a enfiteuse administrativa. Como se pode observar do Regulamento Geral do Código de Administração Financeira e Contabilidade Pública do Município do Rio de Janeiro, a base de cálculo do laudêmio incidente em cada transmissão, quando não exerce o Município a sua opção preferencial pelo resgate, como seja, o valor total do negócio, compreenda-se, envolvendo o terreno, acessões e benfeitorias: [...] (fls. 317-319). Ademais, o acolhimento do pedido de repetição do valor do laudêmio recolhido se revela impossível, por expressa previsão legal: [...] (fl. 319). Ainda para aqueles que não se filiam a esta bem marcada divisão, entendendo que o Código Civil regula sim as enfiteuses municipais, derrogando as normas de direito positivo locais, a solução jurídica aplicável para o presente caso seria a mesma, no espaço patrimonial do Município do Rio de Janeiro, pois, aqui, todos os aforamentos foram instituídos há muito tempo, antes da vigência do Código de 2002. Aforamentos antigos, é certo, também nesse diploma se regulam pelo Código Civil revogado Lei nº 3.071, de 1º de janeiro de 1916, por força do que excepciona o próprio caput do artigo 2.038 em vigor fixando então aquela regra, para fins de estipulação da base de cálculo para a incidência do laudêmio em transmissões, o valor do "preço de alienação". É conferir: [...] (fls. 320). Portanto, qualquer que seja a regra de direito selecionada para o exaurimento da cognição, a conclusão que se alcança é rigorosamente a mesma, qual seja, a incidência do laudêmio sobre uma única base de cálculo caracterizada pelo "preço da alienação", logicamente nele compreendido a fração do lote, as acessões e benfeitorias realizadas. Como se sabe, a jurisprudência diverge no que tange à aplicabilidade do § 1º, inciso I, do artigo 2.038 à enfiteuse administrativa. Assim, é importante ressaltar que a enfiteuse administrativa permanece em vigor por força do art. 49, parágrafo 3º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT) (fls. 320). Devido ao exposto, houve flagrante violação ao § 2º do art. 2.038 do Código Civil de 2002, bem como ao Decreto-lei 9.760/46 (fl. 321). É, no essencial, o relatório. Decido. Na espécie, com relação ao Decreto-lei n. 9.760/1946, incide o óbice da Súmula n. 284/STF uma vez que há indicação genérica de violação de lei federal sem particularizar quais dispositivos teriam sido contrariados, o que atrai, por conseguinte, o referido enunciado: "É inadmissível o recurso extraordinário, quando a deficiência na sua fundamentação não permitir a exata compreensão da controvérsia". Nesse sentido: "De outro lado, verifica-se que, embora a parte recorrente tenha indicado violação à MP 2.180-35/01 e à Lei n. 4.414/64, não apontou, com precisão, qual regramento legal teria sido efetivamente violado pelo acórdão recorrido. Assim, nos termos da jurisprudência pacífica deste Tribunal, a indicação de violação genérica a lei federal, sem particularização precisa dos dispositivos violados, implica deficiência de fundamentação do recurso especial, atraindo, por analogia, a incidência da Súmula 284/STF". ( AgInt no REsp n. 1.468.671/RS, relator Ministro Sérgio Kukina, Primeira Turma, DJe de 30/3/2020.) Confiram-se ainda os seguintes precedentes: AREsp n. 1.641.118/RS, relator Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe de 25/6/2020; AgInt no AREsp n. 744.582/SC, relator Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, DJe de 1/6/2020; AgInt no AREsp n. 1.305.693/DF, relator Ministro Raul Araújo, Quarta Turma, DJe de 31/3/2020; AgInt no REsp n. 1.475.626/RS, relator Ministro Moura Ribeiro, Terceira Turma, DJe de 4/12/2017; AgRg no AREsp n. 546.951/MT, relator Ministro Felix Fischer, Quinta Turma, DJe de 22/9/2015; e REsp n. 1.304.871/SP, relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, DJe de 1º/7/2015. Ademais, quanto ao art. 2.038, § 2º, do Código Civil, incide o óbice da Súmula n. 284/STF em razão da ausência de comando normativo do dispositivo apontado como violado para sustentar a tese recursal, o que atrai, por conseguinte, o referido enunciado: "É inadmissível o recurso extraordinário, quando a deficiência na sua fundamentação não permitir a exata compreensão da controvérsia". Segundo a jurisprudência do STJ, o óbice de ausência de comando normativo do artigo de lei federal apontado como violado ou como objeto de divergência jurisprudencial incide nas seguintes situações: quando não tem correlação com a controvérsia recursal, por versar sobre tema diverso; e quando sua indicação não é apta, por si só, para sustentar a tese recursal, seja porque o dispositivo legal tem caráter genérico, seja porque, embora consigne em seu texto comando específico, exigiria a combinação com outros dispositivo legais. Ressalte-se, por oportuno, que a indicação genérica do artigo de lei que teria sido contrariado induz à compreensão de que a violação alegada é somente de seu caput, pois a ofensa aos seus desdobramentos também deve ser indicada expressamente. Nesse sentido, vale citar os seguintes julgados: PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. IPTU. IMUNIDADE. FUNDAMENTAÇÃO DEFICIENTE. EXECUÇÃO FISCAL. RFFSA E UNIÃO. TRANSFERÊNCIA PATRIMONIAL. CURSO DA DEMANDA. SUCESSORA. REDIRECIONAMENTO. POSSIBILIDADE. SUBSTITUIÇÃO DA CDA. DESNECESSIDADE. 1. Os apontados arts. 130 e 131 do CTN não têm comando normativo para amparar a tese de imunidade do IPTU em favor da RFFSA, visto que tais dispositivos legais cuidam de tema diverso, referente à responsabilidade tributária por sucessão, sendo certo que a deficiência da irresignação recursal nesse ponto enseja a aplicação da Súmula 284 do STF. [...] ( AgInt no REsp n. 1.764.763/PR, relator Ministro Gurgel de Faria, Primeira Turma, DJe de 27/11/2020.) AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. BANCÁRIO. CÉDULA DE CRÉDITO BANCÁRIO. JUROS REMUNERATÓRIOS. CERTIFICADO DE DEPÓSITO INTERBANCÁRIO (CDI). PREQUESTIONAMENTO. AUSÊNCIA. FUNÇÃO DESEMPENHADA PELO CÉRTIFICADO DE DEPÓSITO INTERBANCÁRIO (CDI). REEXAME. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULAS 5 E 7 DO STJ. VIOLAÇÃO À SÚMULA. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 284/STF. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL PREJUDICADO. [...] 4.
No que tange à aduzida ofensa ao art. 12, § 1º, VI, da Lei n. 10.931/04, o presente recurso não merece prosperar, porquanto o referido dispositivo não confere sustentação aos argumentos engendrados. Incidência da Súmula 284/STF. 5. O mesmo óbice representado pelo enunciado da Súmula 284/STF incide no que diz respeito à alegada ofensa aos arts. 421 e 425 do Código Civil, que veiculam comandos normativos demasiadamente genéricos e que não infirmam as conclusões do Tribunal de origem
. [...] 7. Agravo interno não provido. (AgInt no AREsp n. 1.674.879/SP, relator Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, DJe de 12/03/2021.) Confiram-se ainda os seguintes julgados: REsp n. 1.798.903/RJ, relator para o acórdão Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Terceira Seção, DJe de 30/10/2019; AgInt no REsp n. 1.844.441/RN, relatora Ministra Regina Helena Costa, Primeira Turma, DJe de 14/8/2020; AgInt no AREsp n. 1.524.220/SP, relator Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe de 18/5/2020; AgRg no AREsp n. 1.280.513/RJ, relator Ministro Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, DJe de 27/5/2019; AgRg no REsp n. 1.754.394/MT, relator Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, DJe de 17/9/2018; AgInt no REsp n. 1.503.675/SP, relator Ministro Antonio Carlos Ferreira, Quarta Turma, DJe de 27/3/2018; AgInt no REsp n. 1.846.655/PR, Terceira Turma, relator Ministro Moura Ribeiro, Terceira Turma, DJe de 23/4/2020; AgInt nos EDcl no REsp n. 1.709.059/RJ, relatora Ministra Assusete Magalhães, Segunda Turma, DJe de 18/12/2020; e AgInt no REsp n. 1.790.501/SP, relatora Ministra Assusete Magalhães, Segunda Turma, DJe de 19/03/2021. Além disso, não é cabível o recurso especial porque interposto contra acórdão com fundamento em legislação local, ainda que se alegue violação ou interpretação divergente de dispositivos de lei federal. Aplicável, por analogia, o óbice previsto na Súmula n. 280 do STF: "Por ofensa a direito local não cabe recurso extraordinário". Nesse sentido: "A tutela jurisdicional prestada pela Corte de origem com fundamento em legislação local impede o exame do apelo extremo, mediante aplicação da Súmula 280/STF". ( REsp 1.759.345/PI, relator Ministro Og Fernandes, Segunda Turma, DJe de 17/10/2019.) Confiram-se ainda os seguintes precedentes: AgInt no REsp 1.657.693/RJ, relator Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Turma, DJe de 18/8/2020; AgInt no REsp 1.616.439/SC, relatora Ministra Assusete Magalhães, Segunda Turma, DJe de 1º/6/2020; AgRg no REsp 1.822.671/MT, relator Ministro Jorge Mussi, Quinta Turma, DJe de 7/4/2020. Ante o exposto, com base no art. 21-E, V, do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça, conheço do agravo para não conhecer do recurso especial. Nos termos do art. 85, § 11, do Código de Processo Civil, majoro os honorários de advogado em desfavor da parte recorrente em 15% sobre o valor já arbitrado nas instâncias de origem, observados, se aplicáveis, os limites percentuais previstos nos §§ 2º e 3º do referido dispositivo legal, bem como eventual concessão de justiça gratuita. Publique-se. Intimem-se. Brasília (DF), 17 de dezembro de 2022. MINISTRA MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA Presidente. (STJ - AREsp: 2235464 RJ 2022/0338474-5, Relator: Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, Data de Publicação: DJ 21/12/2022)
REMESSA NECESSÁRIA. MANDADO DE SEGURANÇA. DIREITO FINANCEIRO. ENFITEUSE ADMINISTRATIVA. LAUDÊMIO. LEGISLAÇÃO ESPECIAL. INAPLICABILIDADE DA REGRA GERAL DO CÓDIGO CIVIL. RECEITA PATRIMONIAL DA UNIÃO. FATO GERADOR. CESSÃO DE DIREITOS. TEMA 1142/STJ. BASE DE CÁLCULO. TEMPUS REGIT ACTUM. BENFEITORIAS. INCIDÊNCIA. - Tratando-se de base de cálculo de laudêmio em razão de enfiteuse administrativa pertinente a imóvel da União Federal (regida por legislação específica), é inaplicável a regra geral do art. 2.038, § 1º do Código Civil de 2002, destinada à enfiteuse civil. Embora sem natureza jurídica tributária mas de receita patrimonial da União, o laudêmio deve ser apurado conforme a legislação vigente no momento da ocorrência de seu fato gerador, em respeito à segurança jurídica e à legalidade, que abrigam o primado tempus regit actum - A exigência de laudêmio não é sanção e sequer possui natureza tributária, e assim não é juridicamente correto cogitar a aplicação retroativa de preceito favorável ao infrator ou contribuinte, e o cálculo dessa imposição deve ser feito sobre o valor atualizado do bem - Assim, até 30/08/2015 (inclusive), o laudêmio deve ser apurado considerando as benfeitorias (redação originária do art. 3º do DL nº 2.398/1987, Decreto 95.760/1988, Instrução Normativa SPU 01/2007 e demais aplicáveis), sendo dever do poder público exigir eventuais diferenças sempre que o título aquisitivo comprovar que o valor da transação ou de mercado (na data da negociação) era maior do que o montante sobre o qual incidiu o laudêmio efetivamente pago - A inexistência de registro imobiliário da transação (contratos de gaveta) não impede a caracterização do fato gerador do laudêmio (Tema 1142/STJ), razão pela qual deve ser revista a decisão judicial segundo a qual a incidência só ocorre no momento do registro do imóvel em cartório. Uma vez que cessão de direitos ocorreu bem antes da vigência da Lei nº 13.240/2015 (mais precisamente em 2008), deverá ser observado o disposto no art. 3º do Decreto-Lei nº 2.398/1987, que incluía as benfeitorias na base de cálculo do laudêmio - No presente julgado não é possível apreciar, de ofício, e sem o devido contraditório e ampla defesa, a aplicação da inexigibilidade segundo o Tema 1142/STJ. - Remessa necessária provida. (TRF-3 - RemNecCiv: 50287527020214036100 SP, Relator: JOSE CARLOS FRANCISCO, Data de Julgamento: 27/07/2023, 2ª Turma, Data de Publicação: Intimação via sistema DATA: 01/08/2023)
2.58. Dispositivos do decreto-lei 9.760/1946:
Convém ter em conta alguns dispositivos do decreto-lei nº 9.760, de 5 de setembro de 1946. O art. 99 do DL preconiza que
"A utilização do terreno da União sob regime de aforamento
dependerá de prévia autorização do Presidente da República, salvo se já permitida em expressa disposição legal
. Parágrafo único. Em se tratando de terreno beneficiado com construção constituída de unidades autônomas, ou, comprovadamente, para tal fim destinado, o aforamento poderá ter por objeto as partes ideais correspondentes às mesmas unidades."
Ademais, na forma do
art. 100 do referido diploma normativo
,
"A aplicação do regime de aforamento a terras da União, quando autorizada na forma dêste Decreto-lei, compete ao S. P. U., sujeita, porém, a prévia audiência a) dos Ministérios da Guerra, por intermédio dos Comandos das Regiões Militares; da Marinha, por intermédio das Capitanias dos Portos; da Aeronáutica, por intermédio dos Comandos das Zonas Aéreas, quando se tratar de terrenos situados dentro da faixa de fronteiras, da faixa de 100 (cem) metros ao longo da costa marítima ou de uma circunferência de 1.320 (mil trezentos e vinte) metros de raio em tôrno das fortificações e estabelecimentos militares; b) o Ministério da Agricultura, por intermédio dos seus órgãos locais interessados, quando se tratar de terras suscetíveis de aproveitamento agrícola ou pastoril; c) do Ministério da Viação e Obras Públicas, por intermédio de seus órgãos próprios locais, quando se tratar de terrenos situados nas proximidades de obras portuárias, ferroviárias, rodoviárias, de saneamento ou de irrigação; d) das Prefeituras Municipais, quando se tratar de terreno situado em zona que esteja sendo urbanizada."
Além disso,
"A consulta versará sôbre zona determinada, devidamente caracterizada. §2º Os órgãos consultados deverão se pronunciar dentro de 30 (trinta) dias do recebimento da consulta, prazo que poderá ser prorrogado por outros 30 (trinta) dias, quando solicitado, importando o silêncio em assentimento à aplicação do regime enfitêutico na zona caracterizada na consulta. §3º As impugnações, que se poderão restringir a parte da zona sôbre que haja versado a consulta, deverão ser devidamente fundamentadas. §4º O aforamento, à vista de ponderações dos órgãos consultados, poderá subordinar-se a condições especiais. §5º Considerada improcedente a impugnação, a autoridade submeterá o recurso à autoridade superior, nos termos estabelecidos em regulamento. (Redação dada pela Lei nº 13.874, de 2019) § 6 Nos casos de aplicação do regime de aforamento gratuito com vistas na regularização fundiária de interesse social, ficam dispensadas as audiências previstas neste artigo, ressalvados os bens imóveis sob administração do Ministério da Defesa e dos Comandos do Exército, da Marinha e da Aeronáutica. (Incluído pela Lei nº 11.481, de 2007). §7
Quando se tratar de imóvel situado em áreas urbanas consolidadas e fora da faixa de segurança de que trata o §3 do art. 49 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, serão dispensadas as audiências previstas neste artigo e o procedimento será estabelecido em norma da Secretaria do Patrimônio da União
. (Incluído pela Lei nº 13.240, de 2015)."
Acrescente-se que, segundo o art. 101 do decreto-lei 9.760/1946,
"Os terrenos aforados pela União ficam sujeitos ao foro de 0,6% (seis décimos por cento) do valor do respectivo domínio pleno, que será anualmente atualizado."
(Redação dada pela Lei nº 7.450, de 1985). Examine-se também o Decreto nº 1.360, de 1994. Por outro lado, segundo a legislação, a ausência injustificada de pagamento do foro durante três anos consecutivos, ou quatro anos intercalados, importará a
caducidade do aforamento
.
A prioridade na constituição da enfiteuse está prevista no art. 105 do decreto-lei:
"Tem preferência ao aforamento: 1º –
os que tiverem título de propriedade devidamente transcrito no Registo de Imóveis
; 2º –
os que estejam na posse dos terrenos, com fundamento em título outorgado pelos Estados ou Municípios
; 3º – os que, necessariamente, utilizam os terrenos para acesso às suas propriedades; 4º – os ocupantes inscritos até o ano de 1940, e que estejam quites com o pagamento das devidas taxas, quanto aos terrenos de marinha e seus acréscidos; 5º - (Revogado pela Lei nº 9.636, de 1998) 6º –
os concessionários de terrenos de marinha, quanto aos seus acréscidos
, desde que êstes não possam constituir unidades autônomas; 7º – os que no terreno possuam benfeitoriais, anteriores ao ano de 1940, de valor apreciável em relação ao daquele;
Estipulou-se no art. 105 ainda que
"§1
As divergências sobre propriedade, servidão ou posse devem ser decididas pelo Poder Judiciário
. (Incluído pela Lei nº 13.139, de 2015) § 2o A decisão da Secretaria do Patrimônio da União quanto ao pedido formulado com fundamento no direito de preferência previsto neste artigo constitui ato vinculado e somente poderá ser desfavorável, de forma fundamentada, caso haja algum impedimento, entre aqueles já previstos em lei, informado em consulta formulada entre aquelas previstas na legislação em vigor, ou nas hipóteses previstas no inciso II do art. 9o da Lei no 9.636, de 15 de maio de 1998. (Lei nº 13.139, de 2015)"
Nos termos do art. 106, os pedidos de aforamento devem ser endereçados ao Chefe do órgáo local da Secretaria do Patrimônio da União, acompanhados dos documentos comprobatórios dos direitos alegados pelo interessado e de planta ou croquis que identifique o terreno.
O art. 104 trata da notificação dos potenciais interessados no aforamento.
"
Decidida a aplicação do regime enfitêutico a terrenos compreendidos em determinada zona, a SPU notificará os interessados com preferência ao aforamento nos termos dos arts. 105 e 215, para que o requeiram dentro do prazo de cento e oitenta dias, sob pena de perda dos direitos que porventura lhes assistam
. (Redação dada pela Lei nº 9.636, de 1998). Parágrafo único. A notificação será feita por edital afixado na repartição arrecadadora da Fazenda Nacional com jurisdição na localidade do imóvel, e publicado no Diário Oficial da União, mediante aviso publicado três vezes, durante o período de convocação, nos dois jornais de maior veiculação local e, sempre que houver interessados conhecidos,
por carta registrada
."
O art. 108 preconiza que o Superintendente da SPU no Estado-membro deve apreciar a documentação e calcular o foro, na forma do art. 101 do decreto-lei 9.760/1946, deferindo então o aforamento em nome da União. O foreiro
deve comprovar, até a data da contratação, a sua regularidade fiscal perante a Fazenda Nacional
. O Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão ficou encarregado de estabelecer diretrizes e procedimentos simplificados para a concessão do aforamento.
Concedido o aforamento, há de ser lavrado em livro próprio da Superintendência do Patrimônio da União o contrato enfitêutico de que constarão as condições estabelecidas e as características do terreno aforado. (lei 13.139, de 2015). Por outro lado,
"
Expirado o prazo de que trata o art. 104 e não havendo interesse do serviço público na manutenção do imóvel no domínio pleno da União, a SPU promoverá a venda do domínio útil dos terrenos sem posse, ou daqueles que se encontrem na posse de quem não tenha atendido à notificação a que se refere o mesmo artigo ou de quem, tendo requerido, não tenha preenchido as condições necessárias para obter a concessão do aforamento
."
(Redação dada pela Lei nº 9.636, de 1998)
O aforamento é extinto, nos termos do art. 103 do decreto-lei 9.760, com redação veiculada pela legislação que menciono na sequência:
"O
aforamento extinguir-se-á
: (Redação dada pela Lei nº 11.481, de 2007) I -
por inadimplemento de cláusula contratual
; (Incluído pela Lei nº 11.481, de 2007) II -
por acordo entre as partes
; (Incluído pela Lei nº 11.481, de 2007) III -
pela remissão do foro, nas zonas onde não mais subsistam os motivos determinantes da aplicação do regime enfitêutico
; (Incluído pela Lei nº 11.481, de 2007) IV -
pelo abandono do imóvel, caracterizado pela ocupação, por mais de 5 (cinco) anos, sem contestação, de assentamentos informais de baixa renda, retornando o domínio útil à União
; ou (Incluído pela Lei nº 11.481, de 2007) V -
por interesse público, mediante prévia indenização
. (Incluído pela Lei nº 11.481, de 2007) § 1o Consistindo o inadimplemento de cláusula contratual no não-pagamento do foro durante três anos consecutivos, ou quatro anos intercalados, é facultado ao foreiro, sem prejuízo do disposto no art. 120,
revigorar o aforamento mediante as condições que lhe forem impostas
. (Redação dada pela Lei nº 9.636, de 1998) § 2o
Na consolidação pela União do domínio pleno de terreno que haja concedido em aforamento, deduzir-se-á do valor do mesmo domínio a importância equivalente a 17% (dezessete por cento), correspondente ao valor do domínio direto
. (Redação dada pela Lei nº 9.636, de 1998)."
No que toca à prioridade para celebração do contrato de aforamento, os Tribunais têm decidido como segue:
PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. TERRENO DA UNIÃO. AFORAMENTO. PREFERÊNCIA AO DIREITO DE AFORAMENTO. EXPECTATIVA DE DIREITO. 1.
O direito de preferência ao aforamento encontra previsão do Decreto-Lei nº 9.760/46, dependendo da instauração de processo administrativo, o que importa necessariamente no reconhecimento pela Administração da presença de todos os pressupostos exigidos pela legislação para a sua concessão
. 2. A enfiteuse de imóveis da União está sujeita a uma disciplina rigorosa - arts. 99 a 124, do Decreto-Lei nº 9.760, de 05.09.1946, e da Lei nº 9.636, de 15.05.1998, dependendo da observância de várias exigências. 3. Ao contrário do alegado pelo apelante, há mera expectativa de direito à preferência ao aforamento, uma vez que depende de concessão pelo Ente Público, não constituindo direito subjetivo, por ser o aforamento de bens públicos um ato administrativo discricionário, sujeito à análise de conveniência e oportunidade por parte da Administração. Precedente. 4. Apelação desprovida, com majoração honorária. (TRF-3 - ApCiv: 50036397320194036104 SP, Relator: Desembargador Federal LUIZ PAULO COTRIM GUIMARAES, Data de Julgamento: 21/10/2021, 2ª Turma, Data de Publicação: DJEN DATA: 27/10/2021)
Em atenção ao postulado da segurança jurídica e ao postulado
tempus regit actum,
a validade do aforamento deve ser examinada tomando-se em conta a legislação vigente ao tempo da sua celebração
. Logo, deve haver especial cuidado em não se invocar textos normativos publicados depois da constituição do aforamento, sob pena de violação ao ato jurídico perfeito (art. 5, XXXVI e art. 6 do decreto-lei 4.657/1942).
O
art. 118
do decreto-lei trata dos
casos de caducidade
:
"Caduco o aforamento na forma do parágrafo único do art. 101, o órgão local da SPU notificará o foreiro, por edital, ou quando possível por carta registrada, marcando-lhe o prazo de noventa dias para apresentar qualquer reclamação ou solicitar a revigoração do aforamento. (Redação dada pela Lei nº 9.636, de 1998). Parágrafo único. Em caso de apresentação de reclamação, o prazo para o pedido de revigoração será contado da data da notificação ao foreiro da decisão final proferida."
Em determinados casos, promovida a purgação da mora, com pagamento dos foros em atraso, o aforamento pode ser revigorado, conforme preconiza o art. 119, decreto-lei 9.760.
Destaco que, nos termos do art. 11 do decreto-lei 9.760/46,
"Os ocupantes com preferência ao aforamento gratuito, nos termos dos arts. 105 e 215 do Decreto-Lei nº 9.760, de 1946,
devem formalizar o requerimento de exercício do direito dentro do prazo de 180 (cento e oitenta) dias contados da notificação, sob pena de perda dos direitos que porventura lhes assistam
."
Menciono ainda os arts. 33 e 34 da Instrução Normativa SPU n. 3, de 9.11.2016,
"
P
ara o ocupante com direito de preferência que voluntariamente solicitar a aquisição do domínio útil, serão aplicadas as orientações desta IN, devendo para este fim enviar requerimento eletrônico de utilização /regularização, que pode ser formalizado através do Portal de Serviços da SPU
(e - SPU) , e - spu.planejamento.gov.br." "Uma vez requerido o aforamento sob a forma voluntária, a SPU/UF providenciará a elaboração da avaliação e elaborará o cálculo do valor de referência – CVR, nos casos de direito de preferência ao aforamento gratuito, ou a avaliação de precisão, nas hipóteses de direito de preferência ao aforamento oneroso, realizada, especificamente para esse fim, pela SPU ou, sempre que necessário, pela Caixa Econômica Federal, com validade de 12 (doze ) meses a contar da data de sua publicação."
Além do mais, nos termos do seu
art. 120
, a revigoração do aforamento pode ser negada se a União necessitar do terreno para serviço público, ou, quanto às terras de que trata o art. 65 do decreto-lei, quando não estiverem as mesmas sendo utilizadas apropriadamente, obrigando-se, nesses casos, à indenização das benfeitorias porventura existentes.
Os Tribunais já decidiram como segue:
"(...)
A Carta Magna atual, mesmo que tenha recepcionado a legislação sobre os terrenos de marinha e ilhas oceânicas e costeira, não o fez naquilo que conspira contra o devido processo legal, entendendo-se como compreendido nos seus termos o direito de propriedade. Ademais, o artigo 10 do Decreto-Lei nº 9.760/46, ao dispor sobre a determinação das linhas de preamar médio do ano de 1831 e da média da enchentes ordinárias, dispôs com clareza, que deveria ser feita "a vista de documentos e plantas de autenticidade irrecusável, relativos àquele ano, ou, quando não obtidos, à época que mesmo se aproxime. Isso não correu, visto que, não há nos autos prova contundente desse procedimento. Deveria, pois, a demandada fazê-la anexar, porquanto o procedimento administrativo é ato de sua competência.
As regras do Decreto-Lei nº 9.760/46 devem ser
interpretadas à luz da Carta Política vigente
, não se podendo olvidar das garantias constitucionais conferidas ao processo administrativo. Quando da fixação da LPM na região discutida, os respectivos trabalhos de execução deveriam garantir o contraditório e a ampla defesa aos então ocupantes dos terrenos, o que se verifica nos autos é que tal fato nunca chegou a acontecer, não comprovando a ré, em momento algum, que houve a devida notificação pessoal dos ocupantes dos terrenos. O art. 11 do Decreto-lei n.º 9.760/46 prevê que "para a realização do trabalho, o S. P. U. convidará os interessados, certos e incertos, pessoalmente ou por edital, para que no prazo de 60 (sessenta) dias ofereçam a estudo, se assim lhes convier, plantas, documentos e outros esclarecimentos concernentes aos terrenos compreendidos no trecho demarcando." Entendo que a falta de intimação dos proprietários do imóvel em questão, dado o seu caráter impessoal, viola os princípios da ampla defesa e do contraditório. A demarcação da linha preamar para identificação dos terrenos de marinha tem como consequência a alteração da titularidade e a instituição de cobrança da taxa de ocupação, sendo, portanto, imprescindível que haja participação das partes interessadas da forma mais precisa possível. É assente o entendimento jurisprudencial a respeito da nulidade do procedimento demarcatório da LPM de 1831, ante a ausência de intimação dos proprietários com título de propriedade registrado em Cartório, uma vez que "a interpretação do artigo 11, do Decreto-Lei nº 9.760/46 não pode se distanciar dos postulados constitucionais da ampla defesa e do contraditório, corolários do princípio mais amplo do due process of law, também consagrados no âmbito administrativo." Sendo que, repita-se, identificados os interessados no procedimento de demarcação dos terrenos de marinha, cabia à Administração Pública intimá-los pessoalmente a fim de oportunizar-lhes a defesa de seu título, o que eiva de nulidade o ato administrativo pertinente (STJ- REsp nº 724741, Relator Ministro Luiz Fux - DJ 15/02/2007)."
(TRF5, autos
08020101020134058000_20150, voto do desembargador José Maria Lucena).
2.59.
Permissão
de uso - considerações gerais:
Como explicita Hely Lopes Meirelles, a
"permissão de uso é o ato negocial, unilateral, discricionário e precário através do qual a Administração faculta ao particular a utilização individual de determinado bem público.
Como ato negocial, pode ser com ou sem condições, gratuito ou remunerado, por tempo certo ou indeterminado, conforme estabelecido no termo próprio, mas sempre modificável e revogável unilateralmente pela Administração, quando o interesse público o exigir, dados sua natureza precária e o poder discricionário do permitente para consentir e retirar o uso especial do bem público
. A revogação faz-se, em geral, sem indenização, salvo se em contrário se dispuser, pois a regra é a revogabilidade sem ônus para a Administração. O ato da revogação deve ser idêntico ao do deferimento da permissão e atender às condições nele previstas.”
(MEIRELLES, Hely Lopes.
Direito administrativo brasileiro.
32. ed. SP: Malheiros. p. 525-526).
Menciono, além disso, que
“a permissão, em sentido amplo, designa o ato administrativo unilateral, discricionário e precário, gratuito ou oneroso, pelo qual a Administração Pública faculta ao particular a execução de serviço público ou a utilização privativa de bem público.
O seu objeto é a execução de serviço público ou a utilização privativa de bem público por particular. Daí a sua dupla acepção: permissão de serviço público e permissão de uso.” E continua a ilustre doutrinadora, afirmando que “a Lei nº 8.987 referiu-se à permissão em apenas dois dispositivos
: no art. 2 , inciso IV, e no artigo 40, pelos quais se verifica que a permissão é definida como contrato de adesão, precário e revogável unilateralmente pelo poder concedente (melhor seria que, ao invés de falar em revogação, que se refere a atos unilaterais, o legislador tivesse falado em rescisão, esta sim referente a contratos; o emprego errôneo do vocábulo bem revela as incertezas quanto à natureza da permissão)."
(PIETRO, Maria Sylvia Zanella di.
Curso de direito administrativo.
18. ed. SP: Malheiros. p. 713)
Atente-se ainda para o seguinte:
"
A permissão de uso consiste em ato unilateral e discricionário, pelo qual a Administração Pública atribui a um particular a faculdade de usar continuadamente um bem público, de modo privativo ou diferenciado
. Grande parte das considerações realizadas a propósito da autorização se aplica à permissão de uso. A distinção entre a autorização e a permissão de uso reside em que aquela se destina a uso episódico e eventual, enquanto a permissão se destina ao uso continuado do bem público.
- A distinção entre autorização e permissão
Não se afigura cabível eleger o interesse do sujeito privado como critério para distinção entre autorização de uso e permissão de uso. É problemático afirmar que a autorização é aplicável nos casos em que o bem público se destina a satisfazer o interesse do autorizado e que a permissão é instrumento de produção do interesse coletivo
. Em todos os casos, o particular busca realizar um interesse predominantemente não estatal, ainda que a atuação por ele pretendida deva ser compatível com o bem comum.O ponto nodal da diferença reside na natureza transitória ou não da utilização pretendida pelo particular.35 Quanto menos transitória for a utilização pretendida, tanto maior deverá ser o grau de compatibilidade entre a fruição privativa e as necessidades coletivas.Assim, pode-se admitir que uma instituição pleiteie autorização para realizar festividade que impeça o tráfego em uma via pública durante algumas horas. Mas é pouco concebível admitir permissão para instalar um restaurante numa rua e impedir o tráfego na via pública durante meses.
- A questão da licitação
A obrigatoriedade de prévia licitação depende das peculiaridades da relação jurídica. A concessão de uso não se constitui em um contrato
. Trata-se de ato administrativo unilateral. Logo, não se subordina à regra constitucional do art. 37, inc. XXI, da CF/88.Mas isso não exclui a incidência dos princípios da República e da isonomia. A decisão administrativa, embora unilateral, deve refletir um tratamento igualitário entre todos os possíveis interessados e assegurar à Administração Pública as melhores condições possíveis quanto ao uso privativo do bem público por um particular determinado.
Logo, podem existir situações que exijam um procedimento seletivo prévio, modelado segundo uma licitação
.
Em muitas hipóteses, não caberá qualquer procedimento seletivo em vista da ausência de utilização excludente de outros possíveis interessados
. Em outros casos, essa utilização não apresentará natureza contínua. Em tais hipóteses, será válido à Administração editar um ato unilateral em vista do interessado e nas condições reputadas como as mais vantajosas (tomando em vista as circunstâncias).No entanto, há situações em que o uso privativo do bem público far-se-á por períodos longos, envolvendo a possibilidade de proveito econômico para o beneficiário privado. Em alguns casos, a remuneração exigida será uniforme e inalterável, o que excluirá disputas sobre a vantajosidade da escolha.
Mas ainda nesses casos poderá cogitar-se de tratamento isonômico aos diversos interessados. Quando assim se passar, será exigível um procedimento seletivo que assegure a impessoalidade na escolha do particular em favor do qual será outorgada a permissão de uso
." (JUSTEN FILHO, Marçal.
Curso de direito administrativo.
São Paulo: RT. 2018, capítulo XVI).
Aliás, ainda segundo Justen Filho,
"
A denominação formal adotada no caso concreto é irrelevante. Em muitos casos, existe referência a “permissão”. Em outros casos, a própria Lei consagra terminologia distinta, mas estão presentes os requisitos de uma permissão
. Pode-se reconduzir à figura da permissão de uso a inscrição de ocupação referida nos arts. 7.º a 10 da Lei 9.636/1998 (com a redação dada pela Lei 11.481/2007 e pela Lei 13.139/2015). O diploma estabelece: “A inscrição de ocupação, a cargo da Secretaria do Patrimônio da União, é ato administrativo precário, resolúvel a qualquer tempo, que pressupõe o efetivo aproveitamento do terreno pelo ocupante, nos termos do regulamento, outorgada pela administração depois de analisada a conveniência e oportunidade, e gera obrigação de pagamento anual da taxa de ocupação” (art. 7.º). O regime jurídico da ocupação é o mesmo da permissão de uso. Previa-se que somente poderia beneficiar àqueles que detivessem área imóvel federal antes de 27.04.2006 (redação dada pela Lei 11.481/2007). Mas o prazo foi alterado para 10.06.2014, em virtude da redação dada pela Lei 13.139/2015 para o inc. I do art. 9.º da Lei 9.636/1998. Destaque-se que não existe direito ao registro da ocupação, o qual deverá ser denegado quando for incompatível com a realização de valores tutelados pela ordem jurídica, o que se passará, dentre outras hipóteses, quando “comprometer a integridade das áreas de uso comum do povo, de segurança nacional, de preservação ambiental” (art. 9.º, II, Lei 9.636/1998, cuja redação também foi alterada pela Lei 11.481/2007 para incluir as hipóteses de ações de regularização fundiária de interesse social).Outra hipótese que também se configura como uma modalidade de permissão de uso é o contrato de cessão onerosa previsto no art. 17 da Lei 9.636/1998 para imóveis dominicais da União. Aplica-se essa solução quando o ocupante registrado até 05.10.1988 tiver deixado de exercitar o direito de preferência para obtenção do aforamento (situação a ser examinada adiante). Quando assim se passar, será outorgada cessão onerosa por prazo indeterminado, a qual poderá ser revogada a qualquer tempo e sem assegurar direito de indenização, se existir conveniência da retomada da área pela Administração.O art. 18, § 2.º, da Lei 9.636/1998 previu a possibilidade de cessão de espaço aéreo sobre bens públicos, espaço físico de águas públicas, áreas de álveo de correntes de água e outras hipóteses semelhantes. A disciplina legal reconduz o caso a uma permissão de uso, mesmo que denominada cessão.Em todos esses casos, faculta-se a um particular a fruição de modo contínuo de um bem público, o que descaracteriza a autorização – instituto que se aplica nos casos de uso transitório." (JUSTEN FILHO, Marçal.
Obra citada.
capítulo XVI).
Registro também a obra DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella.
Uso privativo de bem público por particular.
São Paulo: Atlas: 2014. As permissões são gravadas pela nota da
PRECARIEDADE
, como bem explica Alexandre Santos de Aragão ao tratar da permissão de serviços:
"A permissão de serviço público é referida nos arts. 21, XI e XII, e art. 175, CF, que a trata como espécie de delegação de serviços públicos. Na lei n. 8.987/1995, a permissão de serviço público mereceu apenas dois dispositivos - os arts. 2º, IV , e 40 -, aplicando-se, no mais, a disciplina da concessão. As peculiaridades que esses dispositivos da lei n. 8.987 fixam para as permissões de serviços públicos em comparação com as concessões são as seguintes: (a) o permissionário pode ser pessoa física; (b) não há referência expressa à necessidade de possuir prazo determinado; (c) não demandam necesariamente a modalidade licitatória da concorrênica, devendo o procedimento cabível ser determinado nos termos da escala de valores do art. 23 da lei n. 8666/1993; (d) são qualificados como contratos de adesão; (e)
são precários e revogáveis unilateralmente
; (f) não há previsão de permissão de obras públicas."
(ARAGÃO, Alexandre Santos de.
Direito dos serviços públicos.
2. ed. Rio de Janeiro: Forense. 2008. p. 719).
Atente-se também para os acórdãos abaixo transcritos:
DIREITO ADMINISTRATIVO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO CAUTELAR. SERVIÇO PÚBLICO DE MOVIMENTAÇÃO E ARMAZENAGEM DE MERCADORIAS EM PORTOS SECOS ALFANDEGADOS. ART. 1º DA LEI N. 9.074/1995, ALTERADO PELO ART. 26 DA LEI N. 10.684/2003. CONTRATOS DE PERMISSÃO. PRORROGAÇÃO DE PRAZO DE VIGÊNCIA. IMPOSSIBILIDADE. VIOLAÇÃO AO ART. 175/CF E À LC 95/1998. 1. A precariedade e a revogabilidade unilateral caracterizam-se como elementos identificadores da permissão de serviço público. 2.
Conferidas às agravantes permissões de serviço público, e não concessões, não se aplicando a elas o art. 42, § 2º, da Lei n. 8.987/1995, sendo desnecessária a conclusão de novas licitações para encerrar suas atividades. 3. Os contratos de permissão extinguiram-se com o advento de seu termo final de vigência, ocorrido em 22/05/2003, não se aplicando a eles legislação posterior. 4. O artigo 26 da Lei 10.684, de 30 de maio de 2003, trata de matéria estranha ao objeto da lei, o que indica violação ao artigo 7º, II, da Lei Complementar n. 95/1998, o qual determina que "a lei não conterá matéria estranha a seu objeto ou a este não vinculada por afinidade, pertinência ou conexão". 5. Em juízo de liminar em ação cautelar, não é razoável tolher a Administração Pública, que afirma e reafirma a necessidade da licitação, preservando-se então uma situação querida pelo Poder Público e prestigiada pela Constituição Federal, que no seu artigo 175 impõe que a prestação de serviços públicos, diretamente ou sob o regime de concessão ou permissão, seja "sempre através de licitação
". 6. Agravo improvido. Agravo regimental prejudicado.
(AI 00033599420044030000, DESEMBARGADOR FEDERAL MÁRCIO MORAES, TRF3 - TERCEIRA TURMA, DJU DATA:05/10/2005 ..FONTE_REPUBLICACAO:.)
AGRAVO DE INSTRUMENTO. REINTEGRAÇÃO DE POSSE. BEM PÚBLICO FEDERAL. PEDIDO DE DENUNCIAÇÃO À LIDE. INDEFERIMENTO. PERMISSÃO DE USO PELA CODESP. RECURSO DESPROVIDO. 1. Inaplicável ao caso concreto o disposto no art. 125 do Novo Código de Processo Civil, visto que não se vislumbra a possibilidade de direito de regresso que possa justificar a denunciação à lide.
A permissão de uso, de caráter precário, pode ser revogada a qualquer tempo pela Administração Pública e segundo o seu interesse, sem que haja qualquer tipo de ressarcimento pelas benfeitorias realizadas pela permissionária
. Precedente desta C. Turma. 2. Assim, como bem assinalado na decisão agravada ao concluir que: "(...) não cabe denunciação à lide, com base no artigo 125, I, do CPC, em sede de ação possessória, pois na espécie não se discute o direito de propriedade sobre o bem imóvel litigioso. Igualmente, o requerimento de denunciação à lide com esteio no inciso II do artigo referido, consoante foi formulado pela ré, não pode prosperar, porque não há lei que obrigue a CODESP a indenizar à parte o prejuízo que, eventualmente, esta vier a suportar no processo; nem a ré coligiu ao feito contrato que determine obrigação do jaez, independentemente de outras considerações de mérito sobre o Termo de Permissão de Uso mencionado na resposta." 3. Agravo de instrumento desprovido. (TRF-3 - AI: 50105045720204030000 SP, Relator: Desembargador Federal LUIZ PAULO COTRIM GUIMARAES, Data de Julgamento: 25/03/2021, 2ª Turma, Data de Publicação: Intimação via sistema DATA: 05/04/2021)
"PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. REINTEGRAÇÃO DE POSSE. BEM PÚBLICO FEDERAL. PRELIMINARES DE CERCEAMENTO DO DIREITO DE DEFESA. AUSÊNCIA DE CITAÇÃO DOS DENUNCIADOS À LIDE, INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA, ILEGITIMIDADE ATIVA E PASSIVA AD CAUSAM REJEITADAS. TERMO DE PERMISSÃO DE USO. UNILATERALIDADE E PRECARIEDADE. NOTIFICAÇÃO PARA DESOCUPAÇÃO DO IMÓVEL. DESCUMPRIMENTO PELO REALIZADAS.PARTICULAR. IRREGULARIDADE DA OCUPAÇÃO. DEVER DE INDENIZAR A UNIÃO. ART. 10 DA LEI 9.636/98. IMPOSSIBILIDADE DE INDENIZAÇÃO DAS BENFEITORIAS 1. Tendo os fatos relevantes sido suficientemente comprovados pelo arcabouço documental carreado aos autos, sendo desnecessária a realização de prova oral para o deslinde do feito, o julgamento antecipado da lide, nos termos do art. 330, I, do CPC, não configura cerceamento do direito de defesa. 2. Não se aplica, ao caso concreto, as hipóteses previstas no art. 70 do CPC, por não se verificar a possibilidade de direito de regresso, capaz de justificar a denunciação à lide.
O Termo de Permissão de Uso, de caráter unilateral e precário, prevê, expressamente, a possibilidade de retomada do imóvel pela Administração a qualquer tempo, sem que haja qualquer tipo de ressarcimento pelas benfeitorias realizadas pela permissionária. Preliminar de nulidade da sentença rejeitada
. 3. A regra inserta no art. 71 do Decreto-lei nº 9.760/46 não exige que haja demonstração da posse anterior pelo ente da federação, para que haja a desocupação do bem pelo particular. Nos termos da Súmula 487 do STF,"Será deferida a posse a quem evidentemente tiver o domínio, se com base neste for disputada". Prefacial de inadequação da via eleita afastada. 4. Compete à União a utilização da ação de reintegração de posse, com vistas à desocupação do imóvel de sua propriedade pelo particular, a despeito de ter trespassado o seu domínio útil, sob o regime de aforamento, ao município de Santos. A ação possessória deve ser promovida contra quem se encontra ocupando o imóvel em questão. Preliminares de ilegitimidade ativa e passiva ad causam rejeitadas. 5. A posse pode ser provada como extensão do direito de propriedade, não se mostrando indispensável que o proprietário exteriorize, contínua e ostensivamente, o poder de fato sobre o imóvel, tanto mais quando se percebe que a posse exercitada por pessoa física, em regra, é distinta daquela desenvolvida por pessoas jurídicas, como ocorre na espécie. 6. A apelante passou a ocupar o imóvel por força do Termo de Permissão de Uso, de caráter unilateral e precário, firmado pela Companhia Docas do Estado de São Paulo - CODESP em 23 de fevereiro de 2000, cujo item oitavo previa como obrigação da permissionária" devolver o terreno totalmente livre de quaisquer materiais ou equipamentos, no momento do encerramento ou quando solicitado, num prazo máximo de 10 (dez) dias úteis, contados a partir da devida notificação da PERMITENTE (...) ". 7. A CODESP, nos idos de 2001, informou à ATMAS que a área teria sido cedida, sob o regime de aforamento, pela União ao município de Santos, conforme Portaria nº 108/2001, do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão. Em 15 de agosto de 2005, a apelante foi devidamente notificada para desocupação e restituição do imóvel no prazo de 90 (noventa) dias, entretanto quedou-se inerte, tornando irregular a sua ocupação. 8. O bem ocupado integra o patrimônio da União e como tal goza de indisponibilidade em face da supremacia do interesse público sobre o particular. A sua ocupação irregular, portanto, não caracteriza a posse, mas tão-somente detenção. O não atendimento à determinação administrativa de desocupação do imóvel gera o dever de indenizar a União, nos termos do art. 10 da Lei nº 9.636/98. 9. O termo inicial da indenização coincide com o término do prazo (90 dias) conferido à apelante, na via administrativa, para desocupação do bem, após a notificação ocorrida em 16 de agosto de 2005, correspondendo a 14 de novembro daquele ano. O montante deverá ser apurado na liquidação do julgado, nos moldes fixados no art. 10 da Lei nº 9.636/98,"correspondente a 10% (dez por cento) do valor atualizado do domínio pleno do terreno, por ano ou fração de ano em que a União tenha ficado privada da posse ou ocupação do imóvel", atualizado monetariamente até o efetivo pagamento, nos termos da Resolução nº 561/2007 do CJF, acrescido de juro de mora de 1% (um por cento) ao mês, a partir da citação. 10. Não merece acolhimento o pedido de indenização pelas benfeitorias acrescidas no imóvel, por força do art. 71 do DL nº 9.760/46 e do próprio Termo de Permissão de Uso. 11. A questão relativa à incidência da multa diária pelo descumprimento da decisão de desocupação do imóvel foi objeto da liminar, que, inclusive, restou mantida por esta Corte, no julgamento do AI nº 2009.03.00.044159-5/SP, tendo sido tragada pelo instituto da preclusão. 12. Apelação desprovida. (g.n.) (TRF 3ª Região, Segunda Turma, AC nº 2009.61.04.008678-5/SP, Rel. Des. Fed. Peixoto Junior, D.E. 14/03/2014)
ADMINISTRATIVO. TRENSURB. PERMISSÃO DE USO. CARÁTER PRECÁRIO. DIREITO À RETENÇÃO. INEXISTÊNCIA. NÃO RESTITUIÇÃO DO ESPAÇO NO PRAZO OU QUANDO SOLICITADO. ESBULHO CARACTERIZADO. AÇÕES DO PODER PÚBLICO PARA POR FIM À OCUPAÇÃO IRREGULAR. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. MAJORAÇÃO. I.
Face ao caráter precário da permissão de uso de bem da Administração Pública, a mesma pode ser revogada a qualquer tempo por interesse do administrador, pois o interesse público prepondera sobre o direito individual dos administrados.
II. Havendo retenção ilícita do bem após o termo da permissão de uso, presume-se a má-fe do ocupante de imóvel público sem assentimento da União, após notificação para desocupação da área. III. O Poder Público, na condição de proprietário do bem, pode fazer cessar a utilização indevida de energia elétrica e água que é suportada pelos cofres públicos, assim como impedir o acesso do detentor de má-fé ao local, pondo fim à ocupação irregular. IV. Não comprovado o uso de ação violenta ou de força contra a ré, que extrapolasse o exercício do direito do proprietário sobre o bem, evidenciando a prática de ações adequadas e razoáveis à situação apresentada, razão pela qual se mostra descabida a pretendida indenização por danos materiais e morais. V. Majorados os honorários advocatícios. (TRF-4 - AC: 50058227020194047112 RS, Relator: ROGERIO FAVRETO, Data de Julgamento: 14/02/2023, TERCEIRA TURMA)
ADMINISTRATIVO. INSCRIÇÃO NO CADIN. PERMISSÃO DE USO. PREÇO PÚBLICO. 1.
A permissão de uso é ato negocial, unilateral, discricionário e precário, através do qual a Administração faculta a utilização individual de determinado bem público. Como ato negocial, pode ser gratuito ou remunerado, qualificando-se o valor devido como preço público
. 2. A jurisprudência do STJ indica que, em se tratando de preço público, se afigura incabível a inscrição do devedor no CADIN. (TRF4, AC 5001336-31.2017.4.04.7106, TERCEIRA TURMA, Relatora MARGA INGE BARTH TESSLER, juntado aos autos em 05/09/2018)
Acrescento que o cancelamento da permissão de uso, antes do prazo estipulado, deve ser promovido no âmbito de um adequado processo administrativo, assegurando-se contraditório ao permissionário
. Quando se trata, conduto, de encerramento da permissão de uso, conforme prazos estipulados ao seu início ou prorrogação, aplica-se o postulado
"dies interpellat pro homine",
de modo que o permissionário incorre em mora a partir do esgotamento do período de permissão, sem necessidade de notificação para esse fim. Afinal de contas,
"
Ao outorgar permissão qualificada ou condicionada de uso, a Administração tem que ter em vista que a fixação de prazo reduz a precariedade do ato, constituindo, em conseqüência, uma autolimitação ao seu poder de revogá-lo
"
(DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella.
Direito Administrativo.
21 ed. São Paulo: Atlas. 2008, p. 657)
Ora, debate semelhante foi estabelecido quanto à validade do
art. 26 da lei n. 10.684/2003
- veiculado inicialmente na
medida provisória n. 107, de 10 de fevereiro de 2003
-, responsável pela alteração da legislação tributária, com aparente agressão ao art. 7º, II, LC 95/1998. Ao que releva, aludido dispositivo tratou da prorrogação automática de permissões e concessões de uso de recintos alfandegários (STF, ADIN 3497).
2.60. Ainda quanto à enfiteuse administrativa:
Note-se que a Constituição Federal tratou da enfiteuse no art. 49 dos Atos das Disposições Constitucionais Provisórias - ADCTC:
"A lei disporá sobre o instituto da enfiteuse em imóveis urbanos, sendo facultada aos foreiros, no caso de sua extinção, a remição dos aforamentos mediante aquisição do domínio direto, na conformidade do que dispuserem os respectivos contratos. §1º Quando não existir cláusula contratual, serão adotados os critérios e bases hoje vigentes na legislação especial dos imóveis da União. §2º Os direitos dos atuais ocupantes inscritos ficam assegurados pela aplicação de outra modalidade de contrato. §3º
A enfiteuse continuará sendo aplicada aos terrenos de marinha e seus acrescidos, situados na faixa de segurança, a partir da orla marítima
. §4º Remido o foro, o antigo titular do domínio direto deverá, no prazo de noventa dias, sob pena de responsabilidade, confiar à guarda do registro de imóveis competente toda a documentação a ele relativa."
Por outro lado, os direitos decorrentes da enfiteuse SUPERAM a mera permissão de uso, na medida em que a União não pode simplesmente retomar o imóvel, sem o preenchimento dos requisitos legais para tanto exigidos, dada a natureza contratual do instituto (
art. 103 , V , do DL 9.760 /1946
).
2.61. Considerações sobre o laudêmio:
Acrescento que o laudêmio está previsto no decreto-lei nº 2.398, de 21 de dezembro de 1987, cujo art. 3º dispôs:
Art. 3
o
A transferência onerosa, entre vivos, do domínio útil e da inscrição de ocupação de terreno da União ou de cessão de direito a eles relativos dependerá do prévio recolhimento do laudêmio pelo vendedor, em quantia correspondente a 5% (cinco por cento) do valor atualizado do domínio pleno do terreno, excluídas as benfeitorias
. (Redação dada pela Lei nº 13.465, de 2017)
§ 1°
As transferências parciais de aforamento ficarão sujeitas a novo foro para a parte desmembrada
.
§ 2
o
Os Cartórios de Notas e Registro de Imóveis, sob pena de responsabilidade dos seus respectivos titulares, não lavrarão nem registrarão escrituras relativas a bens imóveis de propriedade da União, ou que contenham, ainda que parcialmente, área de seu domínio
: (Redação dada pela Lei nº 9.636, de 1998)
I - sem certidão da Secretaria do Patrimônio da União - SPU que declare: (Incluído pela Lei nº 9.636, de 1998)
a)
ter o interessado recolhido o laudêmio devido, nas transferências onerosas entre vivos; (Redação dada pela Lei nº 9.636, de 1998)
b) estar o transmitente em dia, perante o Patrimônio da União, com as obrigações relativas ao imóvel objeto da transferência; e (Redação dada pela Lei nº 13.139, de 2015)
c)
estar autorizada a transferência do imóvel, em virtude de não se encontrar em área de interesse do serviço público; (Redação dada pela Lei nº 9.636, de 1998)
II - sem a observância das normas estabelecidas em regulamento.
§ 3
o
A SPU procederá ao cálculo do valor do laudêmio, mediante solicitação do interessado.
§ 4
o
Concluída a transmissão, o adquirente deverá requerer ao órgão local da SPU, no prazo máximo de sessenta dias, que providencie a transferência dos registros cadastrais para o seu nome, observando-se, no caso de imóvel aforado, o disposto no art. 116 do Decreto-Lei n
o
9.760, de 1946
.
§ 5
o
A não observância do prazo estipulado no § 4
o
deste artigo sujeitará o adquirente à multa de 0,50% (cinquenta centésimos por cento), por mês ou fração, sobre o valor do terreno, excluídas as benfeitorias
.
§ 6
o
É vedado o loteamento ou o desmembramento de áreas objeto de ocupação sem preferência ao aforamento, nos termos dos arts. 105 e 215 do Decreto-Lei n
o
9.760, de 1946, exceto quando:
a
)
realizado pela própria União, em razão do interesse público;
b
)
solicitado pelo próprio ocupante, comprovada a existência de benfeitoria suficiente para caracterizar, nos termos da legislação vigente, o aproveitamento efetivo e independente da parcela a ser desmembrada. (Incluído pela Lei nº 9.636, de 1998)
§ 7
o
Para fatos geradores anteriores a 22 de dezembro de 2016, a cobrança da multa de que trata o § 5
o
deste artigo será efetuada de forma proporcional, regulamentada em ato específico da Secretaria do Patrimônio da União (SPU).
Assim,
o laudêmio é um preço público decorrente de vínculos enfitêuticos a ser pago pelo possuidor direto de imóvel da União, por conta da transferência onerosa da aludida posse
.
Registre-se que o
"Crédito de Foro e Laudêmio. O foro e o laudêmio concernem à enfiteuse.
A enfiteuse pode ser privada ou pública. A enfiteuse estava prevista no CC de 1916. Não a repetiu o CC de 2002, tendo conservado, contudo, as já existentes (art. 2.038, CC
). As enfiteuses de direito público permanecem regidas pelo direito público. O foro é o fruto do domínio que o enfiteuta tem de pagar periodicamente ao senhorio. Laudêmio é a prestação que deve o enfiteuta pela alienação do direito de enfiteuse nas hipóteses em que o senhorio poderia preferir ao adquirente. Os contratos em que previstos esses créditos gozam de força executiva independentemente de preencherem os requisitos do art. 784, II ou III, CPC."
(MARINONI, Luiz; ARENHART, Sérgio; MITIDIERO, Daniel.
Código de Processo Civil Comentado
. São Paulo (SP):Editora Revista dos Tribunais. 2022. seção I).
Destaco ainda:
"O direito moderno revelou-se hostil ao pagamento da pensão perpétua por parte de quem explora a terra, estabelecendo uma legislação na qual se permite, com maior ou menor facilidade, o resgate das enfiteuses, a fim de extingui-las, dominando o direito a tendência no sentido da extinção da enfiteuse. O Anteprojeto de Código Civil de Orlando Gomes “tratou de proibir a constituição de novos aforamentos” e de “limitar os existentes, não permitindo a cobrança do laudêmio”, iniciando-se, assim, “ferrenha guerra contra o instituto” . O Código Civil de 2002 não regulamentou o instituto da enfiteuse, eliminando-o, pois, da enumeração taxativa (art. 1.225), numerus clausus , dos direitos reais, cuidando, entretanto, em seu lugar, da superfície, nos arts. 1.369 a 1.377. O Código Civil de 2002 previu, no art. 2.038, que “fica proibida a constituição de enfiteuses e subenfiteuses, subordinando-se as existentes, até sua extinção, às disposições do Código Civil anterior”. Por isso, cabe, ainda, tratar do regramento da enfiteuse, nos termos do Código de 1916."
(WALD, Arnoldo; IGLECIAS, Patrícia; PAESANI, Liliana.
Direito das Coisas.
SP:RT. 2023. Capítulo 20).
Os arts. 51 e 52 da Instrução Normativa nº 1 do Secretário do Patrimônio da União, de 09/03/2018 preconizaram:
"A cessão de direitos de imóveis da Secretaria do Patrimônio da União não configura, por si só, transferência de titularidade, não sendo exigida a CAT, somente o recolhimento de laudêmio, que é calculado pelo sistema da Secretaria do Patrimônio da União após o registro dos dados. Quando houver cessão de diretos sobre o domínio do imóvel, o laudêmio decorrente da transação poderá ser recolhido previamente ao registro do título definitivo."
Note-se, ademais, que
"A Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento dos EREsp 1.104.363/PE, Rel. Min. TEORI ALBINO ZAVASCKI, DJe 2/9/10, firmou entendimento no sentido de que a transferência de domínio útil de imóvel para integralização de capital social de empresa é ato oneroso, de modo que é devida a cobrança de laudêmio, nos termos do art. 3º do Decreto-Lei 2.398/87”
(REsp 1.165.276/PE , Rel. Ministro Arnaldo Esteves Lima, Primeira Seção, julgado em 12/12/2012, DJe 14/02/2013)."
Não se cuida, ademais, de crédito tributário, tal como definido no art. 3º do Código Tributário Nacional:
"
Tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada
."
Cuida-se de uma espécie
sui generis
de preço público, eis que
"A taxa de ocupação prevista nos ART-127 a ART-133 do DEL-9760/46, é remuneração pelo uso da coisa, no caso, terreno de marinha, sendo fruto do poder negocial da União Federal com o particular."
(TRF4. AC 9504435076/RS, 2.T, Rel. Des. Jardim de Camargo, DJ 28.01.1998, pág. 354).
Já o laudêmio constitui-se em uma remuneração decorrente da fruição do bem público, com sua afetação individual, ao invés de servir ao interesse direto de toda a população
. Trata-se de algo semelhante com a Compensação Financeira pela Exploração Mineral – CFEM, prevista no art. 20, § 1º, CF/88.
Aplica-se, em tal caso, o art. 39, §2º, lei 4.320/1964, quando conceitua a
dívida ativa 'não tributária'
, o que assegura que aludido crédito seja alvo de execução fiscal. Atente-se ainda para o seguinte:
ADMINISTRATIVO.TERRENO DE MARINHA. LAUDÊMIO. PRESCRIÇÃO. 1. O laudêmio é devido quando da transferência do terreno de marinha, na forma prevista no artigo 3º do Decreto 2.398/1987. 2. No que se refere à prescrição do direito de cobrança, inexistindo regra própria até o advento da Lei nº 9.363/98, aplicável, pelo princípio da simetria, o disposto no art. 1º do Decreto nº 20.910/32. 3. Segurança concedida. (TRF4, AC5009850-94.2013.404.7208, Quarta Turma, Relator p/ Acórdão Luís Alberto D'azevedo Aurvalle, juntado aos autos em 23/06/2015).
ADMINISTRATIVO. TERRENO DE MARINHA. LEGITIMIDADE ATIVA. TRANSFERÊNCIA ONEROSA. COBRANÇA DE LAUDÊMIO. POSSIBILIDADE. MULTA PELO ATRASO NA TRANSFERÊNCIA. INVERSÃO DA SUCUMBÊNCIA. [...] 2.
Dependerá do prévio recolhimento do laudêmio, em quantia correspondente a 5% (cinco por cento) do valor atualizado do domínio pleno e das benfeitorias, a transferência onerosa, entre vivos, não apenas de direitos inerentes ao domínio útil de imóvel da União, mas também de direitos sobre benfeitorias nele construídas (incluindo no conceito aocupação), bem assim a cessão de direito a eles relativos. 3. Sendo devido o laudêmio, também a multa aplicada pelo não recolhimento tempestivo é devida, nos termos dos §§ 4º e 5º do art. 3º do Decreto-lei 2.398/87. [...]. 5. Apelação provida
. (TRF4ª R., AC - APELAÇÃO CIVEL, Processo: 5000447-09.2010.404.7208, UF: SC, TERCEIRA TURMA, Relator FERNANDO QUADROS DA SILVA, D.E.: 11/04/2013).
2.62. Regime jurídico das praias:
A praia é bem de uso comum do povo, conforme art. 99, I, Código Civil/2002
. Por conta disso, não há como algumas pessoas ocuparem o litoral, impedindo os demais de usufruírem dos seus benefícios. Daí o relevo de se acompanhar eventuais obras públicas ou privadas que possam dificultar aludido uso pela população.
AMBIENTAL. CONSTRUÇÃO IRREGULAR. ÁREA DE PRAIA. BEM DE USO COMUM DO POVO. ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. OCUPAÇÃO PELO PARTICULAR. IMPOSSIBILIDADE. DEMOLIÇÃO. RECUPERAÇÃO DA ÁREA DEGRADADA. NECESSIDADE. APELO IMPROVIDO. 1. Apelação em face de sentença que julgou procedente o pedido formulado em sede de ação civil pública no sentido de determinar a demolição de fração do imóvel construído em área de preservação permanente, impedindo ou dificultando o livre acesso à praia e condenando os réus a promover a reparação do possível dano ambiental e paisagístico decorrente da construção do empreendimento. 2.
As praias constituem bens de uso comum do povo submetendo-se ao regime jurídico próprio dessa categoria de bens públicos, nos quais são assegurados o franco acesso à população, que dele pode usar livremente, desde que sem prejuízo do exercício de igual direito por terceiros e respeitadas as normas ambientais, consoante art. 10 da Lei 7.661. 3. A manutenção de ocupação irregular, em área de uso comum do povo, dificultaria ou impediria o livre trânsito de pessoas pela localidade, além de agredir o direito de a população usufruir plenamente da praia. 4. No caso dos autos, verificou-se que parte do imóvel situa-se visivelmente em área definida como praia, apresentando estrutura fixa que conferem caráter de propriedade privada a bem de uso comum do povo, limitando o acesso da população e gerando prejuízos de natureza paisagística
. 5. Ausência dos atributos hábeis à configuração do dano ambiental causado à área de praia em decorrência da construção, vez que não há nos autos elementos que demonstrem à suposta degradação ao meio ambiente, tais como desequilíbrio no ecossistema, supressão de cobertura vegetal ou alterações na fauna. 6. Apelo parcialmente provido. (TRF-5 - APELAÇÃO CIVEL: 0007614-39.2014.4.05.8100, Relator: RUBENS DE MENDONÇA CANUTO, Data de Julgamento: 27/06/2017, 4ª TURMA, Data de Publicação: 03/07/2017)
2.63. Proteção de praias e manguezais:
Note-se ainda que a lei 4.771/1965 estabeleceu como de preservação permanente as florestas e demais formas de vegetação situadas ao longo de rios e cursos d'água, conforme seu art. 2. Essa delimitação delimitação foi mantida pela lei 12.651/2012, em seu art. 4º. A resolução CONAMA nº 303/2002, repetiu os parâmetros fixados em lei, quanto às áreas lindeiras a cursos d'água e estabeleceu como APP a vegetação situada em manguezal, em toda a extensão.
Art. 2º Para os efeitos desta Resolução, são adotadas as seguintes definições: (...) IX - manguezal: ecossistema litorâneo que ocorre em terrenos baixos, sujeitos à ação das marés, formado por vasas lodosas recentes ou arenosas, às quais se associa, predominantemente, a vegetação natural conhecida como mangue, com influência flúvio-marinha, típica de solos limosos de regiões estuarinas e com dispersão descontínua ao longo da costa brasileira, entre os estados do Amapá e Santa Catarina; (...)
Art. 3º Constitui Área de Preservação Permanente a área situada:
I - em faixa marginal, medida a partir do nível mais alto, em projeção horizontal, com largura mínima, de:
a) trinta metros, para o curso d`água com menos de dez metros de largura;
b) cinqüenta metros, para o curso d`água com dez a cinqüenta metros de largura;
c) cem metros, para o curso d`água com cinqüenta a duzentos metros de largura;
d) duzentos metros, para o curso d`água com duzentos a seiscentos metros de largura;
e) quinhentos metros, para o curso d`água com mais de seiscentos metros de largura; (...) X - em manguezal, em toda a sua extensão;
Os manguezais surgem a partir do estuário, ambiente em que o mar adentra o continente, encontrando a água de rios, lençol freátivo ou escoamento superficial, tendo sua salinidade diluída
. Em baixas latitudes ocorre a dominância dos ecossistemas manguezais, caracterizados pela vegetação halofítica facultativa a eles associada, conhecida de forma generalista por mangue. Este tipo de vegetação desenvolve-se na zona entre marés do estuário, de solo instável, salino e lamacento, rico em matéria orgânica, sujeito à inundação periódica, ao qual se associam outros componentes da flora e da fauna. (FERNANDES, R. T. V.
Recuperação de
manguezais
.
Rio de Janeiro: Interciência, 2012, p. 6.).
No Brasil, os manguezais distribuem-se em estuários, lagunas e baías, cobrindo uma área de cerca de 25.000m² ao longo de mais de 7.408km de linha costeira, com pouca ou nenhuma expressão na região do Rio Grande do Sul. É composto por Angiospermas e plantas halófitas - ou seja, plantas terrestres que se adaptam à região úmida, presente no mangue, com alta salinidade e baixo teor de oxigênio. São plantas que se reproduzem por viviparidade - sementes presas na árvore matriz, até se tornarem propágulos, acumulando nutrientes e podendo germinar ao longo de meses. Há presença de plantas Spartina, Hibiscus, Acrostichum, dentre outras.
Na regiào do mangue, há presença de distintas espécies de animais, com origem nos ambientes terrestre, marinho e dulcícola. Animais de distintos níveis tróficos que buscam nos manguezais alimentos, refúgio, desenvolvimento e reprodução. Muitas dessas espécies promovem movimentos de migração diária, ingressando e saindo da região de mangue. Os manguezais impõem restrições ao desenvolvimento dos organismos: alterações frequentes no nível da água, alta salinidade, reduzida concentração de oxigênio dissolvido, alta turgidez do ambiente, demandado adaptações morfológicas e fisiológicas dos animais.
O mangue já foi imaginado como uma espécie de lixo, uma área de depósito de resíduos. Para essa concepção, a destruição do mangue seria um passo rumo ao “desenvolvimento". Sabe-se, contudo, que o mangue presta importantes serviços ambientais, servindo como interface entre o ambiente marinho e terrestre, filtrando efluxos do terreno em direção ao mar. Mais recentemente, os mangues têm sofrido com a construção de empreendimentos privados, a exemplo de resorts, clubes, portos, rodovias. Não se cuida de um ecossistema de fácil reprodução artificial, por conta das variáveis envolvidas.
A destruição dos mangues causa diminuição da taxa de reciclagem dos nutrientes. Isso importa redução da produção da serrapilheira: camada de folhas secas, galhos, restos de frutas, animais mortos - decomposição de matéria orgânica, a ser absorvido pelas plantas na sequência. Enseja também o aumento da exposição do solo ao Sol, contribuindo para a redução do potencial nutritivo. A isso se soma o aumento da erosão costeira; assoreamento do corpo aquático; redução da variabilidade das espécies.
A lei 4.771/65 estipulou que as florestas e demais formas de vegetação situadas ao longo dos rios e cursos d’água estariam submetidas ao regime de preservação permanente. A resolução CONAMA 303/2002 reiterou os parâmetros legais, mencionando as áreas de manguezal. A tanto converge ao art. 4 da lei n. 12.651/2012 - Código Florestal. O artigo 8º, §2º do Código Florestal/12 possibilita que os manguezais já degradados (grande parte dos que ainda existem) sejam utilizados para outras finalidades. A previsão também atinge as restingas que fixam os mangues nessas condições.
"A intervenção ou a supressão de vegetação nativa em Área de Preservação Permanente de que tratam os incisos VI e VII do caput do art. 4º poderá ser autorizada, excepcionalmente, em locais onde a função ecológica do manguezal esteja comprometida, para execução de obras habitacionais e de urbanização, inseridas em projetos de regularização fundiária de interesse social, em áreas urbanas consolidadas ocupadas por população de baixa renda.”
- (Vide ADC Nº 42) (Vide ADIN Nº 4.903)
O artigo 3º, IX, “d”, da Lei 12.651/12, consagrou como sendo de interesse social, para fins de intervenção em APP.
"(...) a regularização fundiária de assentamentos humanos ocupados predominantemente por população de baixa renda em áreas urbanas consolidadas, observadas as condições estabelecidas na Lei 11.977, de 7 de julho de 2009. Permite-se, inclusive, que ocorra em APP compostas por manguezais, cuja função ecológica esteja comprometida."
Assim,
"
Os manguezais são considerados APPS em toda sua extensão. São conceituados como ecossistema litorâneo que ocorre em terrenos baixos, sujeitos à ação das marés, formado por vasas lodosas recentes ou arenosas, às quais se associa, predominantemente, a vegetação natural conhecida como mangue, com influência fluviomarinha, típica de solos liminosos de regiões estuarinas e com dispersão contínua ao longo da Costa Brasileira, entre os Estados do Amapá e de Santa Catarina
(art. 3, XIII, lei n. 12.561/2012). É de ser acrescentada a opinião da ciência, que aponta os manguezais como berçário da vida nas zonas litorâneas: (...) além de sua contribuição para a produtividade pesqueira, trazem diversos outros benefícios ao homem, por exemplo proteção da costa contra erosão, retenção de sedimentos e estabilização das margens, absorção de nutrientes. A APP referente aos manguezais é passível de exploração dos seus produtos, sendo notório que muitas pessoas sobrevivem da coleta de caranguejos encontrados nesses ecossistemas, sem que haja dano ambiental. Para a supressão da vegetação nativa existente no manguezal é preciso comprovação prévia, através de estudo de impacto ambiental - EIA, de que sua função ecológica esteja comprometida (art. 8º, §2º, lei n. 12.561/2012)."
(MACHADO, Paulo Affonso Leme.
Direito ambiental brasileiro.
21. ed. São Paulo: Malheiros. 2003. p. 878).
Atente-se também para o art. 5º, I, Resolução CONAMA 10/1993. Já a Resolução CONAMA 261/1999, preconizou que
“as áreas de transição entre a restinga e o manguezal, bem como entre este e a floresta ombrófila densa, serão consideradas como manguezal, para fins de licenciamento de atividades localizadas no Domínio Mata Atlântica."
A Resolução n. 303/2002, CONAMA, considerou a área do mangue como APP.
Aludidos conceitos foram acolhidos pelo Código Florestal em vigor - lei . 12.651, de 25 de maio de 2012 -, art. 4º, VII c/ art. 3º, XIII. Atente-se ainda para o seu art. 7º, §2º:
"A intervenção ou a supressão de vegetação nativa em Área de Preservação Permanente de que tratam os incisos VI e VII do caput do art. 4 poderá ser autorizada, excepcionalmente, em locais onde a função ecológica do manguezal esteja comprometida, para execução de obras habitacionais e de urbanização, inseridas em projetos de regularização fundiária de interesse social, em áreas urbanas consolidadas ocupadas por população de baixa renda."
Já no que toca à zona costeira, a lei impões, no seu art. 11-A, §1º, II, a salvaguarda da absoluta integridade dos manguezais arbustivos e dos processos ecológicos essenciais que lhe são associados, bem como sua produtividade biológica e condição de berçário de recursos de pesca.
A tanto converge, ademais, a Resolução CONAMA 369/2006. Trata-se, pois, de área especialmente tutelada, impondo-se extremo zelo na sua ocupação e utilização, como bem destacado pelo insigne Min. Herman Benjamin, ao apreciar o
REsp n. 650.728/SC
, de cujo voto extraio o seguinte:
"(...) Não obstante sua relevante posição de ecossistema-transição entre o ambiente marinho, fluvial e terrestre, os manguezais lato sensu (= manguezais stricto sensu e marismas) foram, por equívoco, menosprezados, popular e juridicamente. Em decorrência disso, por séculos prevaleceu entre nós a concepção cultural distorcida que neles enxergava o modelo consumado do feio, do fétido e do insalubre, uma modalidade de patinho-feio dos ecossistemas ou antítese do Jardim do Éden. Daí serem considerados terra improdutiva e de ninguém, associados à procriação de mosquitos transmissores de doenças graves, como a malária e a febre amarela. Um ambiente socialmente desprezível, tanto que – como terrenos baldios – ocupado pela população mais humilde, na forma de palafitas, sinônimo de pobreza, sujeira e párias da sociedade (zonas de prostituição e atividades ilícitas).
Acabar com os manguezais, sobretudo os urbanos em época de epidemias, era favor prestado pelos particulares e dever do Estado, percepção incorporada simultaneamente no sentimento do povo e em leis sanitárias editadas nos vários níveis de governo. Sob o domínio desse estado de espírito, o adversário do manguezal virava benfeitor-modernizador, era incentivado pela Administração e contava com a leniência do Judiciário. Se estava a serviço da urbanização civilizadora, do saneamento purificador do corpo e do espírito, e da restauração da paisagem, ninguém haveria de obstaculizar a ação de quem era socialmente abraçado como exemplo do empreendedor de causas nobres.
Resultado da evolução do conhecimento científico e de mudanças na postura ética do ser humano frente à Natureza, atualmente se reconhecem nos manguezais várias funções: a) ecológicas, como berçário do mar, peça central nos processos reprodutivos de um grande número de espécies, filtro biológico que retém nutrientes, sedimentos e até poluentes, zona de amortecimento contra tempestades e barreira contra a erosão da costa; b) econômicas (fonte de alimento e de atividades tradicionais, como a pesca artesanal); e c) sociais (ambiente vital para populações tradicionais, cuja sobrevivência depende da exploração dos crustáceos, moluscos e peixes lá existentes). A legislação brasileira atual reflete a transformação científica, ética, política e jurídica que reposicionou os manguezais, levando-os da condição de risco sanitário e de condição indesejável ao patamar de ecossistema criticamente ameaçado . Objetivando resguardar suas funções ecológicas, econômicas e sociais, o legislador atribuiu-lhes natureza jurídica de Área de Preservação Permanente.
Nesses termos, é dever de todos, proprietários ou não, zelar pela preservação dos manguezais, necessidade cada vez maior, sobretudo em época de mudanças climáticas e aumento do nível do mar. Destruí-los para uso econômico direto, sob o permanente incentivo do lucro fácil e de benefícios de curto-prazo, drená-los ou aterrá-los para especulação imobiliária ou exploração do solo, ou transformá-los em depósito de lixo caracterizam ofensa grave ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e ao bem-estar da coletividade, comportamento que deve ser pronta e energicamente coibido e sancionado pela Administração e pelo Judiciário." (RESP 200302217860, HERMAN BENJAMIN, STJ - SEGUNDA TURMA, DJE DATA:02/12/2009 RSTJ VOL.:00238 PG:00183 ..DTPB:.)
Em sentido semelhante, reporto-me ao seguinte julgado:
AMBIENTAL E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. LIMINAR QUE DETERMINOU A PARALISAÇÃO DE OBRAS. ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE (APP). MANGUEZAL. MATA ATLÂNTICA. AUSÊNCIA DE AUTORIZAÇÃO/ANUÊNCIA DO IBAMA. PRECEDENTES STJ E TRF4. AUSÊNCIA DA AUTORIZAÇÃO DA UNIÃO. PERICULUM IN MORA E FUMUS BONI IURIS. PRINCÍPIO DA PRECAUÇÃO. AGRAVO IMPROVIDO. -
O local em que se pretende a construção das residências constitui Área de Preservação Permanente, na forma do art. 3º, IX e X da Resolução nº 303/02 do CONAMA. - Os manguezais e a vegetação de restinga, conforme declara o art. 2º da Lei 11.428/06, bem como o art. 3º do Decreto nº 750/93, são parte do Bioma da Mata Atlântica, o qual, segundo o art. 225, § 4º, da CRFB/88, constitui patrimônio nacional. - Em se tratando de Mata Atlântica, há a necessidade das devidas autorizações, também, por parte do IBAMA. Precedentes STJ e TRF4
(RESP 200602751571, DENISE ARRUDA, STJ - PRIMEIRA TURMA, DJE DATA:29/10/2008 e 21230 SC 2002.04.01.021230-6, Relator: AMIR JOSÉ FINOCCHIARO SARTI, Data de Julgamento: 17/07/2002, TURMA ESPECIAL, Data de Publicação: DJ 06/11/2002 PÁGINA: 725). Não obstante, o art. 1º do Decreto 750/93, vigente à época, fixa a competência do IBAMA para proceder às devidas permissões. -
Há necessidade, também, de autorização por parte da União (Ministério da Fazenda), na forma do art. 6º do Decreto-Lei 2.398/87. Fatos esses, configuram a presença de fumus boni iuris, ante a insuficiência de autorizações dos proprietários dos imóveis em construção
. - O periculum in mora torna-se evidente ao se observar a irreversibilidade dos danos que a continuidade das obras pode causar ao meio-ambiente da região. - Ademais, a paralisação em referência harmoniza-se com o princípio da precaução, já consagrado em nosso ordenamento jurídico, inclusive com status de regra de direito internacional, ao ser incluído na Declaração do Rio como resultado da Rio/92, como determina o seu Princípio 15, nestas letras "- Com a finalidade de proteger o meio ambiente, os Estados devem aplicar amplamente o critério da precaução, conforme suas capacidades. Quando houver perigo de dano grave ou irreversível, a falta de uma certeza absoluta não deverá ser utilizada para postergar-se a adoção de medidas eficazes para prevenir a degradação ambiental"
(AGRAVO 00349191120044010000, JUIZ FEDERAL GRIGÓRIO CARLOS DOS SANTOS, TRF1 - 4ª TURMA SUPLEMENTAR, e-DJF1 DATA:08/02/2012 PAGINA:268.)
Deve-se ressaltar, ainda, que o plano de gerenciamento costeiro, instituído pela lei 7.661/1988, exige a realização de estudo de impacto ambiental relacionado ao parcelamento e remembramento do solo, instalação, construção e funcionamento de atividades na zona costeira.
2.64. Direito fundamental à moradia digna:
A Constituição brasileira reconheceu a todos o direito fundamental à moradia digna, conforme arts. 6º, art. 7º, IV, dentre outros. Cuida-se de um direito prestacional fundamental, como salienta Ingo Wolfgang Sarlet na obra
"O direito fundamental à moradia na Constituição: algumas anotações a respeito de seu contexto, conteúdo e possível eficácia
.
Revista Brasileira de Direito Público.
Belo Horizonte. Editora Fórum, 2003."
O reconhecimento da existência de tal direito obriga a Comunidade e o Estado a empreenderem esforços de modo a assegurar a todos os indivíduos residentes em território nacional condições mínimas de moradia digna
.
“Se partirmos do critério do reconhecimento expresso pela ordem jurídica positiva de um direito fundamental à moradia, deixando, portanto, de lado manifestações no plano da legislação infraconstitucional e até mesmo outros direitos fundamentais conexos, especialmente a função social da propriedade, já consagrada pelas primeiras Constituições do Estado social de Direito ou dos Estados socialistas (já bastaria lembrar aqui as Constituições do México e da Alemanha [Constituição de Weimar], respectivamente, de 1917 e 1919), verifica-se ter sido na Declaração Universal dos Direitos Humanos da ONU (1948), onde, pela primeira vez, restou consignado o reconhecimento, pela ordem internacional, dos assim denominados direitos econômicos, sociais e culturais, dentre os quais o direito à moradia. Com efeito, de acordo com o artigo XXV da Declaração:
‘Todos têm direito ao repouso e ao lazer, bem como a um padrão de vida capaz de assegurar a si e a sua família saúde e bem estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos, e serviços sociais indispensáveis, o direito à segurança em caso de desemprego, doença, invalidez, viuvez, velhice, ou outros casos de perda dos meios de subsistência em circunstâncias fora de seu controle.'
A partir do citado dispositivo, já no âmbito do direito internacional convencional, o direito à moradia passou a ser objeto de reconhecimento expresso em diversos tratados e documentos internacionais, destacando-se, seja pela sua precedência cronológica, seja pela sua relevância, o Pacto Internacional dos Direitos Sociais, Econômicos e Culturais, de 1966, também ratificado e incorporado ao direito interno brasileiro, onde, no artigo 11, consta que ‘Os Estados signatários do presente pacto reconhecem o direito de toda pessoa a um nível de vida adequado para si próprio e para sua família, inclusive alimentação, vestimenta e moradia adequadas, assim como a uma contínua melhoria de suas condições de vida’.
Para além de outros tratados internacionais, de cunho universal (isto é, não regional), onde houve menção expressa a um direito à moradia, verifica-se que no plano das convenções de caráter regional, houve maior timidez ou cautela, já que nem a Convenção Europeia dos Direitos Humanos (1950) nem a Carta Social Europeia (1961) reconhecem expressamente um direito à moradia, não obstante a referência, nos artigos 16 e 19 da Carta Social, à moradia no âmbito da proteção dos trabalhadores estrangeiros (imigrantes) e do direito da família à proteção social e legal. Também a Carta da Comunidade Europeia sobre Direitos Fundamentais Sociais (1989) refere apenas a necessidade de medidas positivas para a proteção e integração de pessoas portadoras de deficiência, incluindo a moradia.
Todavia, importa referir – em que pese a negativa, em princípio, de uma obrigação dos Estados de assegurarem uma moradia aos cidadãos – reconhecimento da função social da propriedade e até mesmo de certas dimensões (no caso, de caráter eminentemente defensivo) de um direito à moradia pela Comissão Europeia de Direitos Humanos e dos Tribunais Europeus (Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias e Tribunal Europeu de Direitos Humanos) em alguns de seus julgados envolvendo despejos e desapossamentos.
Por derradeiro, a nova Carta de Direitos Fundamentais da União Europeia, aprovada no Conselho Europeu de Nice, França, em 07 de dezembro de 2000, mas ainda destituída da força vinculativa dos demais tratados referidos, contém referência expressa à dimensão social dos direitos fundamentais, prevendo o direito de acesso às prestações de segurança social e assistência social, inclusive no que diz com um auxílio para a habitação, com o objetivo de assegurar uma existência condigna aos necessitados (art. 34), além da previsão de um direito à proteção da saúde (art. 35), apenas para citar os exemplos mais relevantes.
De modo geral, todavia, convém sinalar, há quem registre uma tendência à exclusão de um direito geral à moradia (não restrito a certas parcelas da sociedade ou grupos de pessoas, tais como deficientes, crianças, refugiados, etc) na esfera dos documentos regionais, como também dão conta os exemplos da Carta Africana dos Direitos do Homem e dos Povos e o Protocolo Adicional da Convenção Americana de Direitos Humanos (Protocolo de São Salvador).
Ainda no plano internacional, pela sua relevância especial para o reconhecimento e proteção do direito à moradia, inclusive pela sua influência no que diz com a fundamentação de uma inserção deste direito na nossa própria ordem jurídica, na condição de direito fundamental social, cumpre citar os documentos oriundos de duas grandes conferências promovidas pela ONU sobre a problemática dos assentamentos humanos, respectivamente em 1976 (Declaração de Vancouver sobre Assentamentos Humanos - Habitat I) e em 1996, em Istambul, Turquia, da qual resultou a assim designada Agenda Habitat II, tido como o mais completo documento na matéria, do qual também o Brasil é signatário.
Já por ocasião da Declaração de Vancouver (1976) restou assegurado que a moradia adequada constitui um direito básico da pessoa humana. Por ocasião da Agenda Habitat II (Declaração de Istambul, de 1996), além de reafirmado o reconhecimento do direito à moradia como direito fundamental de realização progressiva, com remissão expressa aos pactos internacionais anteriores (art. 13), houve minuciosa previsão quanto ao conteúdo e extensão do direito à moradia (art. 43) bem como das responsabilidades gerais e específicas dos Estados signatários para a sua realização, que voltarão a ser objeto de referência.
Traçado este breve panorama no que diz com o reconhecimento e proteção na esfera do direito internacional geral e convencional, e deixando de lado os relevantes aspectos ligados à sua força vinculante, eficácia e efetividade, voltamo-nos agora para o direito constitucional estrangeiro, limitando-nos, quanto a este ponto, a consignar a notícia de que atualmente bem mais de cinquenta Constituições reconhecem expressamente um direito fundamental à moradia, revelando aqui uma tendência aparentemente mais progressista e afinada com os paradigmas internacionais colocados pela ONU, do que a manifestada no plano dos documentos regionais, tal como já referido, muito embora também aqui (no que diz com o direito constitucional) possam ser apontados alguns retrocessos, especialmente quando se tomar como parâmetro não apenas a mera previsão formal no texto das Constituições, mas sim, o nível de efetividade do direito à moradia, assim como dos direitos sociais em geral, circunstância que dispensa, por ora, maiores comentários.
No direito constitucional pátrio, em que pese ter sido o direito à moradia incorporado ao texto da nossa Constituição vigente (art. 6º) – na condição de direito fundamental social expresso - apenas com a edição da Emenda Constitucional nº 26, de 2000, constata-se que, consoante já referido no voto da Deputada Federal Almerinda Carvalho, relatora do PEC nº 60/98, na Constituição de 1988 já havia menção expressa à moradia em outros dispositivos, seja quando dispôs sobre a competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios para "promover programas de construção de moradia e a melhoria da condições habitacionais e de saneamento básico" (art. 24, inc. IX), seja quando no artigo 7º, inciso IV, definiu o salário mínimo como aquele capaz de atender às necessidades vitais básicas do trabalhador e de sua família, dentre outros elementos, com moradia. Da mesma forma, a vinculação social da propriedade (art. 5º, XXIII, e artigos 170, inciso III e 182, parágrafo 2º), bem como a previsão constitucional do usucapião especial urbano (art. 183) e rural (art. 191), ambos condicionando, dentre outros requisitos, a declaração de domínio à utilização do móvel para moradia, apontam para a previsão ao menos implícita de um direito fundamental à moradia já antes da recente consagração via emenda constitucional.
Para além disso, sempre haveria como reconhecer um direito fundamental à moradia como decorrência do princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1º, inciso III, da Constituição Federal), já que este reclama, na sua dimensão positiva, a satisfação das necessidades existenciais básicas para uma vida com dignidade, podendo servir até mesmo como fundamento direto e autônomo para o reconhecimento de direitos fundamentais não expressamente positivados, mas inequivocamente destinados à proteção da dignidade. Neste contexto, vale lembrar exemplo garimpado do direito comparado, designadamente da jurisprudência francesa, de onde extraímos importante aresto do Conselho Constitucional (Decisão nº 94-359, de 19.01.95), reconhecendo que a possibilidade de toda pessoa dispor de um alojamento decente constitui um valor de matriz constitucional, diretamente fundado na dignidade da pessoa humana, isto mesmo sem que houvesse previsão expressa na ordem constitucional.
Por outro lado, por força do art. 5º, parágrafo 2º, da nossa Constituição, tendo em conta ser o Brasil signatário dos principais tratados internacionais em matéria de direitos humanos, notadamente (e isto por si só já bastaria) do Pacto Internacional dos Direitos Sociais, Econômicos e Culturais de 1966, já formalmente incorporado ao direito interno, e partindo-se da premissa largamente difundida pela melhor doutrina (embora ainda não incontroversa e, de resto, repudiada pelo nosso Supremo Tribunal Federal) da hierarquia constitucional destes tratados, poder-se-á sustentar que o direito à moradia já era até mesmo expressamente consagrado na nossa ordem interna, pelo menos na condição de materialmente fundamental.
De qualquer modo, com a recente inclusão no rol dos direitos fundamentais sociais, a possível controvérsia quanto ao reconhecimento inequívoco no plano constitucional de um direito à moradia resta superada. Se o direito à moradia, pelos motivos já apontados, não chega a ser propriamente um “novo direito” na nossa ordem jurídico-constitucional, por certo a sua expressa positivação lhe imprime uma especial significação, além de colocar novas dimensões e perspectivas no que diz com a sua eficácia e efetividade, pressupondo-se, à evidência, uma concepção de Constituição que, mesmo reconhecendo – com Luís Roberto Barroso – que o direito (e também o direito constitucional) não deve normatizar o inalcançável – nem por isso deixa de outorgar aos preceitos constitucionais, notadamente os definidores de direitos e garantias fundamentais, de acordo com suas peculiaridades, sua máxima força normativa
." (SARLET, Ingo Wolfgang. O
direito fundamental à
moradia
na Constituição: algumas anotações a respeito de seu contexto, conteúdo e possível eficácia.
Revista Brasileira de Direito Público, Belo Horizonte, Editora Fórum, 2003)
Há, portanto, um vasto conjunto de diretivas internacionais, veiculadas em tratados e em deliberações da ONU, versando sobre o direito fundamental à moradia. A Constituição brasileira igualmente positivou o mencionado direito à moradia digna (destaco – dado que não basta qualquer moradia), conforme art. 6º (com pontual alteração pela Emenda Constitucional n. 26, de 2.000):
Art. 6.
São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.
Poder-se-ia discutir o alcance do aludido direito fundamental. Afinal de contas, os
Constituintes não detalharam os meios para a concretização da mencionada prerrogativa individual
. Impuseram um fim (uma cláusula-meta) sem especificar
prima facie
os mecanismos a serem empregados pela Comunidade e pelo Estado para tanto.
Cumpre tão somente enfatizar que, no país, há normas que asseguram a todos os que aqui residem o direito à
moradia digna
. Isso surte exigibilidade jurídica de tutela tanto sob o viés defensivo (p.ex., cláusula do art. 5º, inc. XI, CF e também a Lei 8.009/90) quanto prestacional.
Atente-se para a lição de Robert Alexy a respeito:
“A polêmica sobre os
direitos a prestações
é marcada por uma profunda divergência de opiniões acerca da natureza e da função do Estado, do Direito e da Constituição – e também dos direitos fundamentais -, bem como acerca da percepção da atual situação da sociedade.
Visto que esta polêmica se relaciona, entre outros, a problemas distributivos, seu caráter politicamente explosivo é facilmente compreendido. Em quase nenhuma área a conexão entre o efeito jurídico e as valorações práticas gerais ou políticas é tão clara, em quase nenhum campo a polêmica é tão tenaz.
Diante disso, é natural que se fale, de direitos fundamentais e que se clame por uma desdemonização do conceito de direitos fundamentais sociais. A isso se soma uma segunda peculiaridade. Na polêmica acerca dos direitos a prestações, um acordo é dificultado não apenas em razão de concepções fundamentais diversas, mas também em virtude de obscuridades conceituais e dogmáticas fundamentais, caracterizadas – entre outras coisas – por um caos terminológico freqüentemente criticado
.” (ALEXY, Robert.
Teoria dos direitos fundamentais.
Tradução de Virgílio Afonso da Silva, SP: Malheiros Editores, 2008, p. 441)
Essas questões acabam redundando no problema central destes direitos prestacionais:
a baixa densidade normativa
(ou melhor, o reduzido detalhamento dos comportamentos impostos pela norma) e também na
diminuta efetividade
. Ao que interessa ao presente estudo, cumpre anotar que a Convenção Americana dos Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica) expressamente prevê a cláusula de vedação de retrocesso:
Artigo 26 –
Desenvolvimento progressivo
- Os Estados-partes comprometem-se a adotar as providências, tanto no âmbito interno, como mediante cooperação internacional, especialmente econômica e técnica, a fim de conseguir
progressivamente
a plena efetividade dos direitos que decorrem das normas econômicas, sociais e sobre educação, ciência e cultura, constantes da Carta da Organização dos Estados Americanos, reformada pelo Protocolo de Buenos Aires,
na medida dos recursos disponíveis
, por via legislativa ou por outros meios apropriados.
Convém ter em conta, porém, que o direito à moradia digna não se confunde necessariamente com o direito de propriedade. Há inúmeros mecanismos alternativos que viabilizam que as pessoas vulneráveis possam realmente se abrigar contra intempéries e ter um lar para cuidar da sua família.
Daí ser indispensável, em casos tais, que o Estado implemente políticas públicas efetivas - por exemplo uma cessão de uso com prazos elastecidos, política de renda mínima etc. -, a fim de que o grau de pobreza seja reduzido, crianças não tenham que crescer à beira de valetas fétidas e possam, enfim, contar com um mínimo de segurança jurídica
.
2.65. Concessão de uso especial para fins de moradia:
Deve-se atentar, em princípio, para o instituto da concessão de uso especial para fins de moradia, prevista no
art. 4º, V, da lei n. 10.257, de 10 de julho de 2001
(Estatuto da Cidade) e disciplinado pela
medida provisória 2.220, de 04 de setembro de 2001
, que dispõe sobre a concessão de uso especial de que trata o
art. 183, §1º, CF
. Também é importante ter em conta a
lei n. 13.465, de 11 de julho de 2017
, que versou sobre a regularização fundiária rural e urbana, até mesmo quanto à posse direta de bens da União Federal (REURB), e mecanismos de legitimação da posse (arts. 25 e ss., lei n. 13.465/2017).
O
art. 1º da referida MP 2.220/2001
, com a redação veiculada pela lei n. 13.465, dispôs que
"Aquele que, até 22 de dezembro de 2016, possuiu como seu, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, até duzentos e cinquenta metros quadrados de imóvel público situado em área com
características e finalidade urbanas
, e que o
utilize para sua moradia ou de sua família
, tem o direito à concessão de uso especial para fins de moradia em relação ao bem objeto da posse, desde que não seja proprietário ou concessionário, a qualquer título, de outro imóvel urbano ou rural."
Por conseguinte, vê-se que, conquanto os imóveis públicos sejam insuscetíveis de usucapião, podem ser submetidos a
um uso regular
e concedido pelo Poder Público, em prol da efetivação do mencionado direito fundamental à moradia, observados os requisitos pertinentes (art. 37,
caput,
Constituição/88).
2.66. Regularização fundiária urbana:
Como também é notório, o Estado brasileiro tem adotado medidas - ainda que a passos lentos - em prol da regularização fundiária urbana, como bem ilustra a publicação da lei n. 6.766/1979 (art. 40) e da lei n. 11.977/2009 (responsável pela instituição do programa minha casa minha vida).
Vale a pena atentar para o art. 46 da referida lei n. 11.977, na sua redação original:
"
A regularização fundiária consiste no conjunto de medidas jurídicas, urbanísticas, ambientais e sociais que visam à regularização de assentamentos irregulares e à titulação de seus ocupantes, de modo a garantir o direito social à moradia, o pleno desenvolvimento das funções sociais da propriedade urbana e o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado
."
O fato é que a regularização fundiária é um procedimento complexo, exigindo um conjunto de medidas jurídicas, urbanísticas, ambientais e sociais. Seu objetivo é
"a um só tempo, trazer à situação de legalidade tanto o imóvel e sua ocupação quanto seus ocupantes, sob os aspectos do direito de propriedade e do direito de posse.
A intervenção com regularização jurídica é de fundamental importância, porque a situação de legalidade faz desaparecer a insegurança quanto à moradia e o receio de perdê-la, além de alentar o benefício em participar da regularização física que for necessária; se já não fosse para melhora das condições de habitabilidade, ao menos pela maior valorização econômica do imóvel já juridicamente regularizado
. Comumente, o suposto direito de propriedade ou de posse se consubstancia num contrato particular precário, ou traduzido num recibo ou escrito qualquer à guisa de documento do imóvel. No entanto, não basta a titulação do imóvel assegurando a propriedade ou a posse: resta imprescindível promover a correção das distorções urbanísticas e ambientais, notadamente quanto à falta de infraestrutura."
(FUKASSAWA, Fernando.
Regularização fundiciária urbana:
lei n. 11.977/2009. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 69).
Daí que a medida se destinava, sobremodo, para melhoria dos
assentamentos irregulares
,
"aqueles identificados como os aglomerados subnormais conhecidos como favelas, invasões, baixadas, comunidades, vilas, palafitas etc., enfim, caracterizados pela precariedade sob todos os aspectos relativos ao bem-estar da população, sobretudo quanto à moradia e à ordem urbanística. Considerando que o assentamento, no sentido do texto e do contexto da norma, é o resultado de estabelecer moradia, em conceito amplo, devem ser entendidos todos aqueles lugares ocupados por uma coletividade de pessoas, caracterizados pora aquelas irregularidades, como são os loteamentos clandestinos e irregulares. Aliás, na definição do art. 47, VI, são assentamentos irregulares as ocupações inseridas em parcelamentos informais ou irregulares, localizadas em áreas urbanas públicas ou privadas, utilizadas predominantemente para fins de moradia."
(FUKASSAWA, Fernando.
Obra citada.
p. 69).
Note-se que, de certo modo, a regularização fundiária por parte da União Federal já estava prevista no
art. 50 da aludida lei n. 11.977/2009
:
Art. 50. A regularização fundiária poderá ser promovida pela União, pelos Estados, pelo Distrito Federal e pelos Municípios e também por:
I – seus beneficiários, individual ou coletivamente; e
II – cooperativas habitacionais, associações de moradores, fundações, organizações sociais, organizações da sociedade civil de interesse público ou outras associações civis que tenham por finalidade atividades nas áreas de desenvolvimento urbano ou regularização fundiária.
Parágrafo único. Os legitimados previstos no caput poderão promover todos os atos necessários à regularização fundiária, inclusive os atos de registro.
Art. 51. O projeto de regularização fundiária deverá definir, no mínimo, os seguintes elementos:
I – as áreas ou lotes a serem regularizados e, se houver necessidade, as edificações que serão relocadas;
II – as vias de circulação existentes ou projetadas e, se possível, as outras áreas destinadas a uso público;
III – as medidas necessárias para a promoção da sustentabilidade urbanística, social e ambiental da área ocupada, incluindo as compensações urbanísticas e ambientais previstas em lei;
IV – as condições para promover a segurança da população em situações de risco; e
IV - as condições para promover a segurança da população em situações de risco, considerado o disposto no parágrafo único do art. 3º da Lei nº 6.766, de 19 de dezembro de 1979; e
V – as medidas previstas para adequação da infraestrutura básica.
§ 1
o
O projeto de que trata o caput não será exigido para o registro da sentença de usucapião, da sentença declaratória ou da planta, elaborada para outorga administrativa, de concessão de uso especial para fins de moradia.
§ 2
o
O Município definirá os requisitos para elaboração do projeto de que trata ocaput, no que se refere aos desenhos, ao memorial descritivo e ao cronograma físico de obras e serviços a serem realizados.
§ 3
o
A regularização fundiária pode ser implementada por etapas.
Art. 52. Na regularização fundiária de assentamentos consolidados anteriormente à publicação desta Lei, o Município poderá autorizar a redução do percentual de áreas destinadas ao uso público e da área mínima dos lotes definidos na legislação de parcelamento do solo urbano.
Esses dispositivos foram revogados pela Medida Provisória
n. 759/2016
, convertida na
lei 13.465, de 11 de julho de 2017
, versando sobre a regularização fundiária rural e urbana.
Atente-se para o seguinte:
"
O acesso à moradia digna e regularizada é um direito humano reconhecido no plano internacional, podendo também ser considerado parte da cidadania. O cidadão é o indivíduo vinculado à ordem jurídica de um Estado e, assim, terá todos os direitos que a lei assegurar aos seus cidadãos.
1
Respeitar a cidadania é reconhecer que pessoas em situação de desigualdade econômica e social são igualmente sujeitos de direitos
.
No contexto internacional do fim da Segunda Guerra Mundial, foi aprovada, em 1948, a Declaração de Direitos do Homem, que reconheceu o ser humano como sujeito de direitos, enfatizando a dignidade da pessoa humana e reconhecendo também o direito à habitação. No Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais de 1966, foi reconhecido o direito de toda pessoa à moradia adequada, com obrigação dos Estados-Partes de tomar medidas para implementar políticas, programas e planos visando à realização progressiva desses direitos.
O direito à moradia foi, ainda, enfatizado na Declaração sobre Assentamentos Humanos de Vancouver, em 1976, chamada de Agenda Habitat I, observando-se os seguintes parâmetros: segurança legal da ocupação, disponibilidade de serviços, materiais, equipamentos e infraestrutura, acessibilidade, habitabilidade, localização e respeito pelo meio cultural. Na Conferência ECO 92 (Rio de Janeiro), também foi destacado o direito à habitação sadia e segura. E, finalmente, a Conferência de Istambul, em 1996, Agenda Habitat II, teve como foco o direito à moradia, com obrigação dos Estados-Partes de fomentar o acesso a esse direito, por meio de políticas públicas.
No plano interno, o direito à moradia é considerado um direito fundamental social, sendo parte integrante dos direitos humanos, previsto no art. 6º da Carta Magna. Divergem os autores se esse direito seria autoaplicável, de acordo com o § 1º do art. 5º do texto constitucional, ou de conteúdo programático, devido à falta de condições para sua aplicação imediata, necessitando de legislação infraconstitucional, além de políticas públicas voltadas para atingir tal objetivo.
Porém, é ponto pacífico que todo ser humano precisa de um espaço físico com adequações para assegurar a sua dignidade e o pleno exercício de seus direitos humanos, um local para a intimidade e para o restabelecimento das forças exauridas durante o dia. Assim, o direito humano à moradia é indivisível e intimamente ligado ao conjunto de outros direitos da personalidade, como direito à vida, à saúde, à intimidade, à propriedade, ao sossego e à liberdade, abarcando também o direito ao lazer e aos serviços públicos, como transporte e proteção contra ameaças externas.
Mas não basta apenas um local em que se possa viver em paz, é necessário que haja segurança legal da ocupação, para evitar que o indivíduo viva com medo de ser desapossado a qualquer momento. É necessário que a moradia seja regularizada, dotada de toda a segurança e aparato público capazes de trazer tranquilidade a seus proprietários.
No Brasil, verificou-se, nas últimas décadas, uma verdadeira escalada de propriedades irregulares, construídas e ocupadas em áreas ambientalmente sensíveis, em situação de risco ou destinadas para o uso comum do povo, que constituem atualmente um problema de dificílima solução.
Dessa forma, pode-se afirmar que “a regularização fundiária não é poder-dever, mas dever-poder do Estado uma vez que envolve a concretização de direito fundamental social que, portanto, se vincula a eminentemente interesses públicos e não se liga apenas a interesses privados já que envolve o bem-estar de parte da população que reside em locais caracterizados pela precariedade como favelas, comunidades, palafitas e afins
."
(MACEDO, Paola de Castro Ribeiro.
Regularização Fundiária Urbana
e seus Mecanismos de Titulação dos Ocupantes.
São Paulo: RT. 2020, capítulo IV).
Transcrevo, ademais, o que segue:
"Atualmente, a Regularização Fundiária Urbana está disciplinada, de forma geral, pela
Lei 13.465/2017 e pelo seu Decreto 9.310/2018
e, de forma especial, pela legislação de cada município, além das Normas de Serviço ou Código de Normas das Corregedorias-Gerais de Justiça dos Estados.
Com efeito, ainda que os municípios não tenham editado leis sobre a matéria, ou não haja Normas de Serviços das Corregedorias Estaduais, é possível promover regularização diretamente com base na lei federal e no seu decreto regulamentador, que são bastante completos em termos de procedimentos e instrumentos adequados (art. 28, parágrafo único, Lei 13.465/2017).
O termo regularização, como ensina Edésio Fernandes:
(...) tem sido usado com sentidos diferentes, referindo-se em muitos casos tão-somente aos programas de urbanização das áreas informais, principalmente através da implementação de infraestrutura urbana e prestação de serviço público. Em outros casos, o termo tem sido usado para se referir exclusivamente às políticas de legalização fundiária das áreas e dos lotes ocupados informalmente. As experiências mais compreensivas combinam essas duas dimensões: a jurídica e a urbanística.
A Lei 13.465/2017, que atualmente regula a matéria, dispõe que a Regularização Fundiária Urbana abrange “medidas jurídicas, urbanísticas, ambientais e sociais destinadas à incorporação dos núcleos urbanos informais ao ordenamento territorial urbano e à titulação de seus ocupantes
” (art. 9º).
Novamente, a lei recorreu à ideia de diversas “dimensões” da regularização, reconhecendo a importância de se tratar a questão da informalidade imobiliária de maneira plena, e não somente mediante o fornecimento de títulos de propriedade, como estratégia de combate à pobreza e intervenção no espaço urbano, sem ações de urbanização voltadas à melhoria das condições habitacionais da população.
Para que a regularização seja completa e bem-sucedida, faz-se necessário enfrentar as dimensões urbanística, ambiental, jurídica, social e registral. Pouco adianta trazer, para o sistema formal e regular, imóveis que não são dotados de infraestrutura básica, implantados em áreas de risco, sem equipamentos públicos e de difícil acesso.
Realizar uma regularização fundiária apenas no papel, com aprovações e expedição de autos, sem uma real preocupação com a melhoria do núcleo informal, é o mesmo que pintar uma casa que está prestes a desabar
.
Como bem ressaltou Marcelo Benacchio, a regularização fundiária deve ser integrada a outras medidas essenciais para alcançar a melhoria contínua das condições de vida do ser humano, além da proibição ao retrocesso social, sendo forma de alcançar um direito fundamental e humano à moradia adequada.
Ainda com relação à regularização plena, bem esclarece Arícia Fernandes Correia que serão necessárias providências anteriores ao processo de regularização, concomitantes e, inclusive, posteriores, para garantir a integração dessas moradias à cidade formal:
Com efeito, regularização plena é o processo através do qual, após a devida urbanização da área, mediante obras de infraestrutura urbana (saneamento, drenagem, arruamento), (i) se enquadra o imóvel em padrões urbanísticos que garantam a regularidade urbanística da área (planejamento urbano local, legislação própria de uso e ocupação do solo, nomeação de logradouros); (ii) se titula o proprietário da terra ou se garante a sua posse (pelos mais variados títulos); (iii) se articula a oferta de melhorias habitacionais e socioambientais (serviços públicos locais à população da comunidade, como saúde, educação, trabalho e renda) que garantam sua sustentabilidade; (iv) se promove o contínuo diálogo urbano (a efetiva participação cidadã), de forma a torná-la participativa, de modo que a própria comunidade beneficiária se aproprie de seu conteúdo, valorize a regularidade e passe ela mesma a cuidar do espaço público não mais como terra de ninguém, mas de todos, e, enfim, (v) se integra a moradia à cidade, de forma que se tenha por segura a posse ou titulado o domínio de moradia adequada e digna.
No entanto, a mesma professora entendeu que a nova legislação (Lei 13.465/2017) possibilitou a titulação, independentemente de urbanização, trazendo um conceito muito mais dominial do que pleno para a regularização fundiária.
Esse também foi um dos argumentos exarados nas ADIs 5.771, 5.787 e 5.883, em tramitação perante o Supremo Tribunal Federal, para pedir a declaração de inconstitucionalidade da Lei 13.465/2017.
Com o máximo respeito às opiniões diversas, a nova legislação parece ter sido fruto de uma política pública direcionada exatamente a coibir a regularização fundiária realizada apenas na dimensão jurídica, sem se preocupar com as reais condições de habitabilidade de determinado núcleo informal, criando-se o que se chama de “Cidade de Papel”.
Nesse sentido, a Lei nº 13.465/2017 é muito mais rígida em termos de conteúdos mínimos relacionados ao projeto de regularização (arts. 35 e 36) do que era a Lei nº 11.977/2009 (art. 51). A começar por exigir que o imóvel seja descrito em levantamento planialtimétrico, com georreferenciamento, demonstrando as unidades, as construções, o sistema viário, as áreas públicas, os acidentes geográficos e demais elementos do núcleo informal.
Ademais, o projeto de regularização deve ser embasado em um estudo preliminar das desconformidades e das situações jurídicas, urbanísticas e ambientais da área, além de proposta de soluções para tais questões, acompanhado de um cronograma de serviços e implantação de obras de infraestrutura essencial, compensações urbanísticas e ambientais, assim como termo de compromisso a ser assinado pelos respectivos responsáveis públicos ou privados a cumprirem os termos do cronograma (art. 35 da Lei 13.465/2017 e art. 30 do Decreto 9.310/2018).
Verifica-se que a orientação é realizar a regularização de forma cuidadosa e coordenada, analisando-se todos os aspectos que envolvem o núcleo informal. O objetivo explícito na lei é identificar os locais a serem regularizados, organizá-los, assegurar a prestação de serviços públicos a seus ocupantes de modo a melhorar as condições urbanísticas e ambientais em relação à situação de ocupação informal anterior (art. 2º, I, Lei 13.465/2017 e Decreto 9.310/2018).
Além disso, o art. 21, § 2º, do Decreto 9.310/2018 não deixa dúvidas de que a elaboração do projeto de regularização fundiária, com todos os requisitos do art. 35 da Lei 13.465/2017, é obrigatória para qualquer tipo de regularização fundiária, independentemente do instrumento que tenha sido utilizado para a titulação. As únicas exceções são: (i) glebas parceladas antes de 19.12.1979, desde que implementadas e integradas à cidade (glebas estabelecidas antes da Lei 6.766/1979); ou (ii) quando se tratar de núcleos já regularizados e registrados em que a titulação dos seus ocupantes se encontre pendente
.
A opção da Lei nº 13.465/2017 pela vertente da regularização conjunta e integrada é evidenciada por diversos aspectos, incluindo a exigência de estudos técnicos para verificação da adequação da mobilidade, acessibilidade, além de altos padrões de descrição dos imóveis (georreferenciamento) e regularização, inclusive, das edificações existentes (arts. 35 e 36).
Esse entendimento é compartilhado também por Luis Felipe Tegon Cerqueira Leite e Mariana Mencio: “verifica-se que a nova lei manteve o espírito da legislação anterior, compreendendo a regularização fundiária dita integral, isto é, aquela que busca dotar os assentamentos informais de todas as condições necessárias à sua integração ao espaço urbano informal.
Pode-se concluir que, pela Lei 13.465/2017, não é possível efetivar titulação de ocupantes, independentemente da urbanização do local. Ao contrário, a lei parece reconhecer que uma regularização fundiária não se faz apenas com a elaboração de uma planta, um memorial descritivo e um auto de aprovação. É preciso efetivamente planejar e executar políticas públicas inclusivas e direcionadas à melhora da condição de vida da população local.
Convém esclarecer que o procedimento de Reurb, agora a cargo do Município, produzirá a Certidão de Regularização Fundiária – CRF, que, acompanhada das plantas, dos memoriais, dos cronogramas de obras, do termo de responsabilidade e da listagem de ocupantes, será o título hábil a ingressar no Registro de Imóveis para tornar o núcleo urbano regular."
(MACEDO, Paola de Castro Ribeiro.
Obra citada.
capítulo VII).
Os princípios da regularização fundiária urbana, elencados no art. 9º, § 1º, da Lei 13.465/2017, consistem na sustentabilidade econômica, social e ambiental; ordenação territorial; e eficiência na ocupação do solo, combinando seu uso de forma funcional
.
A
Medida Provisória 759/2016
, que antecedeu à
lei 13.465/2017
, aludia, além dos itens já apontados, aos princípios da competitividade, eficiência energética e complexidade funcional, que restaram excluídos do texto em razão das críticas de urbanistas e membros da comunidade jurídica. As críticas foram especialmente direcionadas ao conteúdo mercantilista desses princípios, que destacavam aspectos muito mais econômicos da regularização fundiária do que urbanísticos, ambientais ou humanistas.
É de se notar que o
princípio da sustentabilidade
aparece no Estatuto da Cidade, como diretriz geral relacionada à função social da cidade e da propriedade (art. 2º, I).
Ao tratar do tema, Celso Antonio Pacheco Fiorillo exalta a garantia do
direito a cidades sustentáveis
, destinadas aos seus habitantes, como componente do Piso Vital Mínimo, estabelecido no art. 6º da Constituição Federal, tendo como decorrência os seguintes direitos: (i) direito à terra urbana; (ii) direito à moradia; (iii) direito ao saneamento básico, compreendido o direito ao uso das águas, a esgoto sanitário, ao ar atmosférico e ao descarte de resíduos; (iv) direito à infraestrutura urbana; (v) direito ao transporte; (vi) direito aos serviços públicos, especialmente educação e saúde; (vii) direito ao trabalho; (viii) direito ao lazer; e (ix) direito à segurança. (FIORILLO, Celso Antonio Pacheco.
Estatuto da Cidade Comentado.
São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012, p. 90-131).
A
lei 13.465/2017
detalha os tipos de imóveis suscetíveis de regularização urbana.
"Resolvendo uma questão antiga, a Lei 13.465/2017 admitiu expressamente a Regularização Fundiária Urbana em imóveis situados tanto em área urbana como em área qualificada ou inscrita como rural, desde que seus usos e características sejam urbanos.
O núcleo informal será considerado urbano se forem identificados usos urbanos tais como: habitacionais, comerciais, industriais ou de prestação de serviços, ainda que localizados fora do perímetro urbano. Nesse caso, a regularização se dará pelas mesmas regras de Reurb usadas para os imóveis localizados dentro da cidade (art. 11, I). Prestigiou-se, aqui, o critério da utilização ou destinação da terra e não o da localização, para definir o procedimento adequado para ser realizada a regularização fundiária.
As características urbanas nos núcleos, por sua vez, são demonstradas pela existência de arruamento, lotes, quadras, edificações destinadas às finalidades urbanas e, por vezes, alguns equipamentos públicos. Em síntese, a conformação e o contorno do núcleo devem ser urbanos.
A nova legislação não traz, neste aspecto, nenhum critério de densidade populacional em uma determinada área a ensejar a regularização, diferentemente da Lei 11.977/2009, que exigia uma densidade mínima de 50 habitantes por hectare (art. 47, II, Lei 11.977/2009). A Lei anterior previa também que a área urbana consolidada deveria ter malha viária implantada e, no mínimo, dois dos seguintes equipamentos públicos: drenagem de águas pluviais, esgotamento sanitário, água potável, energia elétrica e limpeza urbana.
Essa falta de critérios de densidade e integração da malha viária para classificação de uma área como apta a ser regularizada como urbana é motivo de grandes críticas, pois, potencialmente, o Município terá que levar serviços públicos para áreas remotas, sem grandes ocupações, o que pode não ser viável ou eficiente do ponto de vista da conveniência e oportunidade do interesse público.
(...) não se deve supor que os municípios devem regularizar todos os núcleos urbanos informais independentemente de uma avaliação de conveniência e oportunidade.
A decisão de regularizar ou não um assentamento deve ser fundamentada nos princípios e objetivos da Reurb, assim definidos pela Lei 13.465/2017. (...)
Para a regularização de assentamentos em zona rural o princípio da eficiência na ocupação do solo mostra-se particularmente relevante, pois o poder público deverá fornecer serviços públicos adequados aos moradores, o que exige uma avaliação de viabilidade financeira, com vistas a que seja assegurada sua sustentabilidade econômica.(sic)
Pela nova sistemática, depois do registro da regularização, a área passará automaticamente ao perímetro urbano, sem necessidade de prévia autorização do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária – INCRA, inclusive para fins de tributação do IPTU (art. 3º, §§ 13 e 14, Decreto 9.310/18).
O Oficial do Registro de Imóveis notificará o INCRA, o Ministério do Meio Ambiente e a Secretaria da Receita Federal para que esses órgãos cancelem os respectivos cadastros, como o Cadastro Ambiental Rural – CAR, o Certificado de Cadastro de Imóvel Rural – CCIR e o Cadastro Nacional de Imóveis Rurais – CNIR (art. 44, § 7º, Lei 13.465/2017).
Para ser considerado apto a ser regularizado como urbano, o imóvel localizado em área classificada como rural deverá, ainda, contar com unidades imobiliárias de área inferior à fração mínima de parcelamento do solo
7
(art. 11, I). O legislador entendeu que, se a unidade imobiliária resultante da Reurb tiver dimensão superior à fração mínima de parcelamento, bastará o interessado valer-se do desmembramento de área rural.
Essa alteração normativa trouxe solução para o problema de informalidade nos sítios de recreio, condomínio de chácaras, clubes de campo, clubes de pesca, localizados fora do perímetro urbano, ou de expansão urbana, onde foram comercializados lotes com terrenos muito inferiores à fração mínima de parcelamento, geralmente na forma de venda de frações ideais em condomínio civil irregular.
Importante destacar que a constitucionalidade desse dispositivo da Lei 13.465/2017 está sendo questionada nas Ações Diretas de Inconstitucionalidade, que tramitam no STF, ADIs 5.771, 5.787 e 5.883, sob o argumento de que este texto violaria a autonomia municipal e a autoridade do plano diretor como instrumento obrigatório de controle da expansão urbana.
Além disso, há respeitadas vozes no sentido de que a Reurb não poderia ser realizada em contrariedade às normas de zoneamento do plano diretor, sob pena de violar a função social da propriedade, como esclarece Victor Carvalho Pinto.
Constituindo modalidade de parcelamento do solo, a Reurb deve observar as normas de zoneamento constantes do plano diretor e do projeto de ampliação do perímetro urbano. Um assentamento urbano regularizado em zona rural, sem alteração do perímetro urbano, estaria automaticamente em desconformidade com o plano diretor e consequentemente em descumprimento da função social da propriedade
.
No entanto, a Lei 13.465/2017 é clara em admitir a Reurb tanto em áreas localizadas fora do perímetro urbano como em zona de expansão urbana, apesar dos entendimentos doutrinários em sentido contrário.
(MACEDO, Paola de Castro Ribeiro.
Obra citada.
capítulo XI).
2.67
. Direito de propriedade:
O
art. 5º,
caput
e XXII da Constituição Federal/88
, assegura a tutela à propriedade individual; já o art. 170, CF/1988, lista o respeito à propriedade como fundamento da Ordem Econômica.
Segundo Jorge Miranda,
"Consignando a propriedade privada, a Constituição garante o direito de apropriação, o direito de aquisição de bens ou, mais amplamente, direitos patrimoniais. Os particulares, sejam pessoas singulares ou colectivas, gozam do direito de ter bens em propriedade e, em geral, do direito de se tornar, por actos inter vivos ou mortis causa, titulares de quaisquer direitos de valor pecuniário - direitos reais, direitos de crédito, direitos de autor, direitos sociais ou outros.
Os direitos patrimoniais não ficam reservados ao Estado ou à Comunidade, podem ser também dos cidadãos. Não se trata (ou não se trata principalmente) da previsão de um regime ou de uma relação na base da atribuição de bens a uma pessoa com exclusão das demais ou da colectividade, e que tanto poderia respeitar aos particulares, como ao próprio Estado
(em contraposição ao domínio público). Trata-se, antes, do reconhecimento de que as pessoas, assim como têm direitos de liberdade, de associação ou de defesa, têm também o direito de ter coisas ou direitos de significado econômico."
(MIRANDA, Jorge.
Manual de direito constitucional.
Tomo IV: direitos fundamentais. 3. ed. Coimbra: Coimbra Editora, 2.000, p. 527)
Joaquim Canotilho e Vital Moreira afiançam o que segue:
"
Teoricamente, o âmbito do direito de propriedade abrange pelo menos quatro componentes
: (a) a liberdade de adquirir bens; (b) a liberdade de usar e fruir dos bens de que se é proprietário; (c) a liberdade e os transmitir; (d) o direito de não ser privado deles. Talvez se possa acrescentar uma quinta dimensão: o direito de reaver os bens sobre os quais se mantém direito de propriedade (p.ex., cláusula de resgate de propriedade na venda de bens móveis duradouros. Conf. diretiva 2000/35/CE). Aparentemente, só o segundo aspecto não está contemplado de forma explícita neste preceito constitucional.
Revestindo o direito de propriedade, em vários dos seus componentes, uma natureza negativa ou de defesa, ele possui natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias, compartilhando por isso do respectivo regime jurídico específico (conf. art. 17), nomeadamente para efeito do regime de restrições. A este propósito interessa ter em conta, não apenas os limites explícitos (sobretudo em matéria de propriedade dos meios de produção), mas também os limites não expressos, decorrentes de outras normas e princípios constitucionais, que vão desde os princípios gerais da constituição econômica e financeira (entre os quais as obrigações fiscais, conf. art. 103), até aos direitos sociais (defesa do ambiente, do patrimônio cultural, etc.)
.
A ausência de uma explícita reserva de lei restritiva, embora cause alguma perplexidade (pois, é corrente na história constitucional e no direito constitucional comparado), não impede porém que a Lei - seja por via de algumas específicas remissões constitucionais expressas (art. 82, 88 e 94), seja por efeito da concretização de limites não expressamente estabelecidos ou autorizados, sobretudos, por colisão com outros direitos fundamentais - possa determinar restrições mais ou menos profundas ao direito de propriedade. De uma forma geral, o próprio projeto econômico, social e político da Constituição implica um estreitamento do âmbito dos poderes tradicionalmente associados à propriedade privada e a admissão de restrições (quer a favor do Estado e da colectividade, quer a favor de terceiros) das liberdades de uso, fruição e disposição.
De qualquer modo, estas restrições estão sujeitas aos limites das leis restritivas de direitos, liberdades e garantias, dado o caráter análogo do direito de propriedade, podendo as restrições vir a revelar-se injustificadas por violação dos princípios da adequação, necessidade e proporcionalidade, incluindo a possibilidade de reserva de propriedade por motivos subjetivos (conf. AcsTC 76/58 e 187/01, referentes à reserva de propriedade das farmácias aos farmacêuticos." (CANOTILHO, J.J. Gomes; MOREIRA, Vital.
Constituição da República Portuguesa Anotada.
Volume 1: arts. 1º a 107. 1. ed. brasileira. 4ª edição portuguesa. ST: RT, Coimbra: Coimbra Editora, p. 802-803)
Ainda segundo Canotilho e Vital Moreira,
"
Um elemento essencial deste direito consiste no direito de não ser privado da propriedade (nem do seu uso). Ele não goza, porém, de proteção constitucional em termos absolutos, estando garantido antes como um direito de não ser arbitrariamente privado da propriedade e de ser indemnizado no caso de desapropriação
. Com efeito, a Constituição prevê várias figuras de desapropriação forçada por ato de autoridade pública, desde a expropriação por utilidade pública em geral (n. 2), passando pela expropriação de solos urbanos para efeitos urbanísticos (c. art. 65º, 4), até a nacionalização de empresas e meios de produção em geral (conf. art. 83)."
(CANOTILHO, J.J. Gomes; MOREIRA, Vital. Obra citada. p. 805)
O Código Civil Brasileiro/2002 trata do tema nos
arts. 1.228 e 1.231
, do que destaco:
Art. 1.228. O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha.
§ 1o
O direito de propriedade deve ser exercido em consonância com as suas finalidades econômicas e sociais e de modo que sejam preservados, de conformidade com o estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico, bem como evitada a poluição do ar e das águas
.
§ 2o São defesos os atos que não trazem ao proprietário qualquer comodidade, ou utilidade, e sejam animados pela intenção de prejudicar outrem.
§ 3o
O proprietário pode ser privado da coisa, nos casos de desapropriação, por necessidade ou utilidade pública ou interesse social, bem como no de requisição, em caso de perigo público iminente
.
§ 4o O proprietário também pode ser privado da coisa se o imóvel reivindicado consistir em extensa área, na posse ininterrupta e de boa-fé, por mais de cinco anos, de considerável número de pessoas, e estas nela houverem realizado, em conjunto ou separadamente, obras e serviços considerados pelo juiz de interesse social e econômico relevante.
§ 5o No caso do parágrafo antecedente, o juiz fixará a justa indenização devida ao proprietário; pago o preço, valerá a sentença como título para o registro do imóvel em nome dos possuidores.
Isso significa que, evidentemente, o direito de propriedade não é absoluto; todavia, a expropriação depende de motivos que tenham sido previstos, de modo válido, na legislação brasileira. É o que ocorre com a expropriação ditada pelo
art. 243,
caput,
Lei Maior
(expropriação de terras com culturas ilegais de plantas psicotrópicas ou com a exploração de trabalho escravo), com o art. 182, §3º, CF (desapropriação de imóveis urbanos) etc.
2.68. Teoria da Saisine:
No mais das vezes, o falecimento de alguém implica sucessão imediata dos seus herdeiros no patrimônio porventura por ele(a) deixado. Ou seja, a partilha promovida em sede de inventário se dá com
efeitos retroativos
à data do óbito do(a) instituidor(a), sem prejuízo de eventual renúncia à herança - arts. 1.804 e ss., Código Civil. A teoria da
Saisine,
esposada pelo art. 1.784, Código Civil/2002, preconiza que:
"
Aberta a sucessão, a herança transmite-se, desde logo, aos herdeiros legítimos e testamentários
."
Quanto há um processo em curso, a parte que faleceu deve ser substituída pelo espólio ou por seus sucessores. Note-se que, como regra, a lei exige que a habilitação se dê mediante comprovação do inventário/partilha (art. 687 e ss., CPC/15), por conta da regra do art. 1.991, Código Civil:
"
Desde a assinatura do compromisso até a homologação da partilha, a administração da herança será exercida pelo inventariante
."
A tanto converge, igualmente, o
art. 75, VII, CPC/15
. Cuida-se medida salutar, em muitos casos, eis que os herdeiros podem ser convocados a responder por eventuais dívidas do falecido, observados os limites da herança (art. 1.997 e art. 1792, Código Civil/2002). Atente-se, de toda sorte, para a lógica da
lei 6.858/1980
dispõe sobre o pagamento de valores devidos aos empregados, por parte dos seus empregadores.
Quanto não há processo em curso, a
Teoria da Saisine
é relevante para se avaliar o termo inicial em que o sucessor teria se tornado propritério para todos os efeitos legais pertinentes. E, claro, quando há renúncia à herança, aludido efeito deve ser desconsiderado, conforme conhecido art. 1.804, do Código Civil:
"Aceita a herança, torna-se definitiva a sua transmissão ao herdeiro, desde a abertura da sucessão. Parágrafo único.
A transmissão tem-se por não verificada quando o herdeiro renuncia à herança
."
Reporto-me ao seguinte:
"
O princípio da Saisine já era consagrado no art. 1.572CC16 e foi mantido no art. 1.784 do atual CC02, além de expressamente previsto em inúmeros outros códigos civis modernos. Como com felicidade apontou Hironaka, o princípio da saisine “traduz a própria essência ou fundamento do direito das sucessões
”.
A sucessão abre-se com a morte. Nesse exato instante, por força do princípio da saisine ou do direito de saisine (droit de saisine), são definidos os elementos integrantes do fenômeno sucessório: as regras sucessórias incidentes, legais ou testamentárias; a legitimação para suceder (sucessíveis); o patrimônio transmissível a partilhar – herança
.
A morte é o fator desencadeador da sucessão e seu pressuposto fático essencial, ou seja, a causa ensejadora da transmissão patrimonial e do processo de substituição de titularidade, do sucedido (de cujus) pelo sucessor (herdeiro), que são coincidentes com o instante da morte . Com precisão, porém, alerta Hironaka não se confundirem os momentos, embora sejam temporalmente coincidentes: “a morte é o antecedente lógico, é o pressuposto e a causa; a transmissão é a consequência, é o efeito da morte”. Ademais, é o marco temporal fundamental da definição da sucessão e seus elementos.
Tradicionalmente, o conteúdo do princípio da saisine identifica-se com a direta e imediata transmissão do patrimônio sucessível do de cujos a seus sucessores. Sem dúvida, é essa sua primeira feição, mas a ela não se limita. Com efeito, quando se transmite alguma coisa por sucessão, tem-se, necessariamente, que definir a quem se transfere. Desse modo, como consequência lógica da imediata transmissão patrimonial, há a concomitante identificação dos sucessores, destinatários do patrimônio transmitido, os quais são definidos no instante da abertura da sucessão." (JÚNIOR, Mairan.
Sucessão legítima:
as regras da sucessão legítima, as estruturas familiares contemporâneas e a vontade. São Paulo: RT. 2020. tópico 3).
Em sentido semelhante, destaco o texto que transcrevo:
"Mesmo antes do inventário e da partilha dos bens, os herdeiros se tornam proprietários dos bens que outrora estavam alojados no patrimônio do de cujus . Isso porque a herança transmite-se aos herdeiros legítimos desde a abertura da sucessão, ou seja, com a morte da pessoa, em consagração ao princípio da saisine . A investidura do herdeiro se dá de forma automática e imediata, independentemente de o herdeiro ter conhecimento de sua qualidade, ou do fato da morte do autor da herança.
Mesmo os direitos reais sobre coisas móveis transmitem-se pelo princípio da saisine ao novo proprietário, independentemente da tradição, não incidindo, nesse caso, o CC 1226 , que alude às transmissões por atos entre vivos.
Existe condomínio, ou copropriedade, entre pessoas que receberam por herança bens que não comportam divisão cômoda, ou que temporariamente ainda não foram divididos: não foram, ainda, objeto de partilha, mas serão, oportunamente, inventariados.
Não se deve confundir, entretanto, essa primeira hipótese com a segunda que, como se disse, se dá antes da partilha dos bens inventariados. Antes da partilha de bens, outrora de propriedade do autor da herança, há "estado transitório de comunhão geral de bens ou universalidade" entre herdeiros, ou universalidade jurídica decorrente da abertura de sucessão, como, aliás, já previa o CC/1916 57 ( CC 89 a 91), que continha afirmação técnica precisa que não necessitava vir escrita para ser concebida como verdadeira.
Assim, morto o autor da herança, todos os seus bens formam universalidade jurídica que incontinenti transmite-se para os herdeiros (a isto se denomina comunhão geral de bens entre herdeiros ); depois da partilha, caso haja bens que não possam ser partilhados, em decorrência de indivisibilidade real, ou de impossibilidade de divisão cômoda e, também, não couberem na parte do cônjuge ou companheiro supérstite ou no quinhão de um só herdeiro, pode-se criar condomínio entre os herdeiros a quem por partilha o bem foi atribuído, até que seja vendido judicialmente, ou adjudicado, partilhando-se o valor apurado, a não ser que haja acordo para que sejam adjudicados a todos
( CC 2019 e CPC 649)." (NERY, Rosa; JUNIOR, Nelson.
Instituições de direito civil:
direitos patrimoniais, reais e registrários. SP: RT. 2019. cap. XIII).
Acrescento o seguinte:
"
Por força do princípio da Saisine, a posse transmite-se aos herdeiros ou legatários do possuidor com os mesmos caracteres
. II- Comprovada a posse e o esbulho praticado pela parte ré, por meio de notificação de desocupação do imóvel, há que ser deferida a reintegração de posse pleiteada."
(TJ-MG - AC: 10000220627467001 MG, Relator: Fernando Caldeira Brant, Data de Julgamento: 20/07/2022, Câmaras Cíveis / 20ª CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 20/07/2022)
2.69. Considerações gerais sobre usucapião:
No dizer de Caldas de Araújo,
"
a usucapião encerra uma dualidade ínsita em sua essência, pois, na medida em que cria um direito, destrói outro, da mesma natureza
. Trata-se da aplicação do princípio durum in solidum dominium esse non posse. A perda da propriedade é consequência da prescrição aquisitiva, a qual opera seus efeitos ipso iure, motivo pelo qual a sentença judicial que reconhece direito d prescribente é de natureza preponderantemente declaratória (art. 1.241 do Código Civil brasileiro). Enfim, de acordo com o magistério de Baudry-Lacantinerie e Tissier: a prescrição aquisitiva é um modo de
aquisição de propriedade
resultante da posse lícita prolongada durante um determinado tempo."
(ARAÚJO, Fabio C. de.
Usucapião.
2. ed. SP: Malheiros. 2013, p. 111).
A Constituição Republicana preconiza, nos arts. 183 e 191:
Art. 183. Aquele que possuir como sua área urbana de até duzentos e cinqüenta metros quadrados, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio,
desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural
. § 1º O título de domínio e a concessão de uso serão conferidos ao homem ou à mulher, ou a ambos, independentemente do estado civil. § 2º Esse direito não será reconhecido ao mesmo possuidor mais de uma vez. § 3º Os imóveis públicos não serão adquiridos por usucapião. (...)
Art. 191.
Aquele que, não sendo proprietário de imóvel rural ou urbano, possua como seu, por cinco anos ininterruptos, sem oposição, área de terra, em zona rural, não superior a cinqüenta hectares, tornando-a produtiva por seu trabalho ou de sua família, tendo nela sua moradia, adquirir-lhe-á a propriedade
. Parágrafo único. Os imóveis públicos não serão adquiridos por usucapião
Semelhante é o conteúdo do
art. 1.240 do Código Civil
:
"Aquele que possuir, como sua, área urbana de até duzentos e cinqüenta metros quadrados, por cinco anos ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural. §1 O título de domínio e a concessão de uso serão conferidos ao homem ou à mulher, ou a ambos, independentemente do estado civil. §2 O direito previsto no parágrafo antecedente não será reconhecido ao mesmo possuidor mais de uma vez."
Transcrevo a análise de Marco Aurélio S. Viana a respeito do tema:
"
O possuidor deve sê-lo pelo prazo de cinco anos, sem interrupção ou oposição. Já estudamos os dois conceitos. Advertimos, agora, para um ponto: a utilização do imóvel como moradia deve se desenvolver pelos cinco anos. Não se admite a acessio possessionis, ou seja, que o possuidor acrescente à sua posse a dos seus antecessores. A esse entendimento se chega porque o dispositivo em exame é claro quando vincula a posse à moradia. A contagem do tempo anterior á incompatível com a ideia presente no comando legal. Além disso, o art. 183 da Constituição nada dispõe no sentido da soma das posse o que inibe a lei ordinária
.
O que se pretende com a norma em estudo é assegurar ao possuidor ou sua família o direito de haver uma moradia. O conceito de família está na lei maior, que assim considera aquela constituída pelo casamento, a entidade familiar, na qual se encontra a união estável, e a família monoparental (art. 226, §1º). Por isso, o prazo é contado em favor da família. O fato de um dos cônjuges falecer, ou um dos conviventes, ou o pai de forma com seus descendentes a família monoparental, isso não prejudica os demais membros da família, que completado o lapso de tempo, podem usucapir." (
VIANA, Marco Aurélio S.
Comentários ao novo Código Civil.
Dos direitos reais. Arts. 1.225 a 1.510. Volume XVI. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2013, p. 155.)
Reporto-me também ao art. 1.244 do Código Civil pátrio:
"
Estende-se ao possuidor o disposto quanto ao devedor acerca das causas que obstam, suspendem ou interrompem a prescrição, as quais também se aplicam à usucapião
."
Cuidando-se de área rural, em princípio será aplicável o prazo do
art. 1.238 do Código Civil
:
"Aquele que, por quinze anos, sem interrupção, nem oposição, possuir como seu um imóvel, adquire-lhe a propriedade, independentemente de título e boa-fé; podendo requerer ao juiz que assim o declare por sentença, a qual servirá de título para o registro no Cartório de Registro de Imóveis. Parágrafo único. O prazo estabelecido neste artigo reduzir-se-á a dez anos se o possuidor houver estabelecido no imóvel a sua moradia habitual, ou nele realizado obras ou serviços de caráter produtivo."
Enfatize-se que, por força do disposto no
art. 183, Constituição Federal/1988 e art. 102, Código Civil/2002
, os bens públicos não podem ser adquiridos mediante usucapião. Atente-se também para a lógica das súmulas 340, Supremo Tribunal Federal e 497, Superior Tribunal de Justiça:
Súmula 340 - STF.
Desde a vigência do Código Civil, os bens dominicais, como os demais bens públicos, não podem ser adquiridos por usucapião
.
Súmula 496 - STJ. Os registros de propriedade particular de imóveis situados em terrenos de marinha não são oponíveis à União.
A título de exemplo, anoto que os Tribunais têm reputado ser incabível a usucapião de imóvel situado na poligonal de uma área de
remanescentes de quilombos
:
"usucapião. cerceamento de defesa. inocorrência. bem situado em terra quilombola. inviabilidade. honorários advocatícios. manutenção. 1. Não há falar em cerceamento de defesa pela não oportunização da produção de prova testemunhal, que se revela absolutamente despicienda no caso em tela, em que o pleito recai sobre bem imprescritível. 2.
O regramento da matéria inviabiliza a aquisição por usucapião de bem situado em terra quilombola
. 3. No que diz respeito à verba honorária, não há falar quer em afastamento, quer em redução. Tendo o autor sucumbido, compete-lhe arcar com os honorários da parte adversa, os quais, no caso concreto, foram fixados nos termos da legislação processual (art. 85, §§ 2º e 6º, do CPC)."
(TRF-4 - AC: 50110120520144047204 SC 5011012-05.2014.4.04.7204, Relator: MARGA INGE BARTH TESSLER, 16/06/2020, TERCEIRA TURMA)
Também há casos de acessão na posse, conforme art. 1.243, Código Civil:
"O possuidor pode, para o fim de contar o tempo exigido pelos artigos antecedentes, acrescentar à sua posse a dos seus antecessores (art. 1.207), contanto que todas sejam contínuas, pacíficas e, nos casos do art. 1.242, com justo título e de boa-fé."
2.70.
Vedação da
usucapião
de bens públicos:
A Constituição Federal veda a aquisição de bens públicos por meio de usucapião (
art. 183, Lei Maior/88
). Conquanto as pretensões tributárias - também fundadas na indisponibilidade do interesse público primário - esteja submetidas a prazos prescricionais, o mesmo não se dá com as pretensões que a União porventura possua quanto aos imóveis do seu domínio.
Assim, em princípio, é incontornável a proibição do art. 183 da Lei Maior, o que atinge também os terrenos de marinha, por serem bens públicos, na forma detalhada no tópico anterior
.
Registro, de toda sorte, que a Suprema Corte já chegou a reconhecer o cabimento da
usucapião do "domínio útil" de imóvel da União
, submetido a regime de aforamento (enfiteuse administrativa), como ilustra o julgado abaixo transcrito:
AGRAVO REGIMENTAL. USUCAPIÃO DE DOMÍNIO ÚTIL DE BEM PÚBLICO (TERRENO DE MARINHA). VIOLAÇÃO AO ART. 183, § 3º, DA CONSTITUIÇÃO. INOCORRÊNCIA.
O ajuizamento de ação contra o foreiro, na qual se pretende usucapião do domínio útil do bem, não viola a regra de que os bens públicos não se adquirem por usucapião. Precedente: RE 82.106, RTJ 87/505. Agravo a que se nega provimento
. (RE 218.324-AgR, rel. min.Joaquim Barbosa, julgamento em 20-4-2010, Segunda Turma,DJEde 28-5-2010.)
Essa possibilidade só ocorre, porém, quando o bem estiver sob o regime da enfiteuse, ou seja, se o imóvel estiver aforado. Em casos tais, a União Federal transfere ao particular o domínio útil do imóvel mediante a obrigação do pagamento anual de uma quantia a título de foro. Atente-se para a
súmula 17
, do TRF5:
"
É possível a aquisição do domínio útil de bens públicos em regime de aforamento, via usucapião, desde que a ação seja movida contra particular, até então enfiteuta, contra quem operar-se-á a prescrição aquisitiva, sem atingir o domínio direto da União
."
Com efeito, quando se cuida de terreno de marinha submetido ao regime de enfiteuse, há transferência da posse direta sobre o bem a favor do particular, que passa a exercer um conjunto de direitos inerentes à posse direta, obrigando-se ao pagamento de laudêmio, na forma do art. 3º, §4º do Decreto-lei 2.398/1987, com a redação veiculada pela lei 9.636/1998.
Atente-se para os seguintes julgados:
CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. AÇÃO DE USUCAPIÃO. ART. 183 DA CF. TERRENOS DE MARINHA E ACRESCIDO DE MARINHA. AQUISIÇÃO DO DOMÍNIO ÚTIL. REGIME DE ENFITEUSE. -
A teor do entendimento jurisprudencial firmado no seio deste c. Tribunal, o qual originou a Súmula nº 17, É possível a aquisição do domínio útil de bens públicos em regime de aforamento, via usucapião, desde que a ação seja movida contra particular, até então enfiteuta, contra quem operar-se-á a prescrição aquisitiva, sem atingir o domínio direto da União. - Admite-se, portanto, a aquisição, através de usucapião, do domínio útil de bem público que esteja em regime de aforamento, mas não de ocupação, face à natureza precária deste instituto. - A jurisprudência deste e. Tribunal tem entendido que o aforamento deve ser comprovado, não podendo ser presumido simplesmente pelo fato de o bem encontrar-se inscrito no registro imobiliário, como de "propriedade" da ocupante
. (AC 362986-PE, Primeira Turma, Relator: Desembargador Federal Francisco Wildo, DJU de 13.09.2005). - Há prova de que apenas o domínio útil do lote 2 foi adquirido por GERMANO GOLÇALVES PEREIRA CÂMARA, em 1974, tendo a União permanecido como senhorio direto, o que induz à conclusão de que tal área, à época, foi cedida pela União em regime de aforamento. Em relação ao lote 3, não há qualquer menção, na certidão emitida pelo Cartório de Registro de Imóveis, ao regime de enfiteuse, pois tão-somente afirma que o terreno de marinha foi adquirido por ARGEMIRO RAMOS FALCÃO, em 1950. - O art. 183 da Constituição Federal exige, para a aquisição do domínio de área via usucapião, que a parte requerente prove a posse mansa e pacífica da área usucapienda por cinco anos ininterruptos, não ser essa área urbana superior a 250 m², e que seja utilizada como moradia do requerente ou de sua família, além de não ser ele proprietário de outro imóvel, seja urbano ou rural. - A autora não conseguiu se desincumbir do ônus de provar a posse sobre a área requerida durante os cinco anos exigidos, pois se limitou a afirmar tal fato sem apresentar provas documentais ou mesmo testemunhais capazes de confirmar tal informação. - A jurisprudência do e. STJ tem entendido que esse prazo de cinco anos já deve ter transcorrido quando do ajuizamento da ação, não podendo ser computado o período decorrido entre esse momento e a data da prolação da sentença. - O julgamento improcedente da presente demanda não importa em ordem de despejo dos autores. Apelação improvida. (TRF-5 - AC: 336303 PE 0006111-82.2004.4.05.0000, Relator: Desembargador Federal José Maria Lucena, Data de Julgamento: 27/03/2008, Primeira Turma, Data de Publicação: Fonte: Diário da Justiça - Data: 14/05/2008 - Página: 363 - Nº: 91 - Ano: 2008)
CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. AÇÃO DE USUCAPIÃO. AQUISIÇÃO DO DOMÍNIO ÚTIL. TERRENOS DE MARINHA. DECRETO-LEI 9.760/1946. SÚMULA 17 DO TRF 5ª REGIÃO. REGIME DE ENFITEUSE. NÃO COMPROVAÇÃO. APELAÇÃO IMPROVIDA. 1. Este Tribunal Regional pacificou sua jurisprudência admitindo a possibilidade de usucapião do domínio útil de bem imóvel da União, registrado como Terreno de Marinha, desde que a
ação seja movida contra o particular enfiteuta
, consoante se depreende do enunciado 17 de sua Súmula. 2.
Todavia, a aplicação da súmula pressupõe a existência de aforamento, reconhecido mediante comprovação idônea, não se admitindo como prova a simples inscrição do imóvel em registro imobiliário contando como proprietário o mero ocupante do terreno público, haja vista que o regime de aforamento está sujeito a rigorosa disciplina prevista no art. 90 e seguintes do Decreto-lei 9.760/1946. Precedentes
: TRF 5ª Região, AC336303/PE, Primeira Turma, Rel: Des. Federal José Maria Lucena, Julgado em 27/03/2008; AC 293005, Quarta Turma, Rel. Des. Federal Luiz Alberto Gurgel, Julgado em 08.04.03; AC 362986-PE, Primeira Turma, Relator: Desembargador Federal Francisco Wildo, DJU de 13.09.2005. 3. Neste caso, a Secretaria do Patrimônio Público da União, através do Ofício nº 642/SERAP/GRPU/PE, informa que o imóvel se encontra em regime de ocupação, não tendo a apelante comprovado a existência de aforamento sobre o imóvel usucapiendo, apenas trazendo aos autos o certificado de Registro de Imóveis do Primeiro Oficio de Recife/PE, onde consta como sendo de propriedade de uma pessoa jurídica. 4. A existência de mera ocupação sobre o Terreno de Marinha, dada a sua natureza precária, não importa no reconhecimento de regime de enfiteuse para fins de aquisição do domínio útil imobiliário por Usucapião. 5. Apelação improvida. (TRF-5 - AC: 435603 PE 2006.83.00.009386-7, Relator: Desembargador Federal Manoel Erhardt, Data de Julgamento: 26/08/2008, Segunda Turma, Data de Publicação: Fonte: Diário da Justiça - Data: 17/09/2008 - Página: 182 - Nº: 180 - Ano: 2008)
ADMINISTRATIVO. USUCAPIÃO DE DOMÍNIO ÚTIL. SENTENÇA EXTRA PETITA. MINUS. ENFITEUSE PRÉVIA. PEDIDO EXPLÍCITO NA INICIAL. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. SUCUMBÊNCIA CONFIGURADA. I.
A usucapião de domínio útil configura um minus em relação ao pedido de reconhecimento do domínio pleno, razão pela qual não sobressai qualquer vício na sentença
. II. Não se acolhe pedido de exclusão da condenação em honorários advocatícios, se evidenciado que, embora não tenha discutido estritamente sobre a possibilidade de usucapião do domínio útil, a União contestou a presente ação, repudiando qualquer modalidade de aquisição originária. (TRF-4 - AC: 50009025120174047103 RS 5000902-51.2017.4.04.7103, Relator: ROGERIO FAVRETO, Data de Julgamento: 20/07/2021, TERCEIRA TURMA)
Convém enfatizar, portanto, que a usucapião de domínio útil de terreno de marinha apenas é cogitável quando se cuide de imóvel sob
regime de aforamento
, como bem registrado pelo TRF4:
USUCAPIÃO. TERRENO DE MARINHA. INVIABILIDADE, INCLUSIVE QUANTO AO DOMÍNIO ÚTIL. 1. Nos termos do art. 2º do Decreto-Lei n. 9.760/46, são terrenos de marinha em uma profundidade de 33 (trinta e três) metros, medidos horizontalmente, para a parte da terra, da posição da linha do preamar-médio de 1831, os situados a) no continente, b) na costa marítima, e c) nas margens dos rios e lagoas, até onde se faça sentir a influência das marés. 2. A União possui o domínio dos terrenos de marinha por força de disposição constitucional, independentemente de registro. 3.
A usucapião do domínio útil se revela viável somente em situações de enfiteuse ou aforamento
. (TRF-4 - AC: 50071203820164047101 RS 5007120-38.2016.4.04.7101, Relator: MARGA INGE BARTH TESSLER, Data de Julgamento: 13/08/2019, TERCEIRA TURMA)
ADMINISTRATIVO. USUCAPIÃO DE BEM PÚBLICO QUE NÃO FOI DADO EM ENFITEUSE. IMPOSSIBILIDADE DE USUCAPIÃO DO DOMÍNIO ÚTIL. 1.
Não há que se falar em usucapião de imóvel público se o bem não foi objeto de enfiteuse
. 2. Reforma da sentença. (TRF4, APELAÇÃO/REEXAME NECESSÁRIO Nº 5024786-26.2014.404.7100, 4ª TURMA, Des. Federal LUÍS ALBERTO D AZEVEDO AURVALLE, POR UNANIMIDADE, JUNTADO AOS AUTOS EM 17/06/2015)
ADMINISTRATIVO. CIVIL E PROCESSO CIVIL. USUCAPIÃO. DOMÍNIO ÚTIL. ENFITEUSE. -
É possível declarar a usucapião do domínio útil de bem público sobre o qual tenha sido anteriormente instituída enfiteuse, ocorrendo apenas a substituição do enfiteuta pelo usucapiente, inexistindo prejuízo ao Estado
. (TRF4, APELAÇÃO/REEXAME NECESSÁRIO Nº 0004459-54.2005.404.7103, 4ª TURMA, Des. Federal JORGE ANTONIO MAURIQUE, POR UNANIMIDADE, D.E. 01/04/2011, PUBLICAÇÃO EM 04/04/2011)
PROCESSUAL CIVIL. INOVAÇÃO RECURSAL. NÃO CONHECIMENTO. ADMINISTRATIVO. BENS PÚBLICOS. USUCAPIÃO DO DOMÍNIO ÚTIL. AUSÊNCIA DE ENFITEUSE OU AFORAMENTO ANTERIOR. INVIABILIDADE. 1. A pretensão, tal como exposta no pedido de nova decisão, não merece ser conhecida, porquanto se trata de inovação recursal. 2.
Revela-se possível a usucapião do domínio útil em situações de enfiteuse ou aforamento, o que não se verifica no caso em análise
. (TRF-4 - AC: 50021641120194047121 RS 5002164-11.2019.4.04.7121, Relator: MARGA INGE BARTH TESSLER, Data de Julgamento: 13/04/2021, TERCEIRA TURMA)
Assim, quem ocupa terreno de marinha, sem que tenha sido constituído aforamento, não pode invocar a pretendida aquisição, até porque em tal caso não haveria efetivo "domínio útil", no sentido específico do termo, para os fins do
decreto-lei 9.760/1946
.
Repiso, pois, que - na forma do art. 102, Código Civil/2002 e art. 183, Constituição/88 -, os bens públicos não podem ser adquiridos mediante usucapião. Atente-se também para a lógica das súmulas abaixo transcritas: Súmula 340 - STF.
Desde a vigência do Código Civil, os bens dominicais, como os demais bens públicos, não podem ser adquiridos por usucapião
.
Súmula 496 - STJ
. Os registros de propriedade particular de imóveis situados em terrenos de marinha não são oponíveis à União.
TRIBUTÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. TAXA DE OCUPAÇÃO. TERRENO DE MARINHA. OPONIBILIDADE DE TÍTULO DE PROPRIEDADE À UNIÃO. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 496/STJ. 1. "
Os registros de propriedade particular de imóveis situados em terrenos de marinha não são oponíveis à União" (Súmula 496/STJ). 2. Agravo regimental a que se nega provimento
. (STJ - AgRg no REsp: 1080711 SC 2008/0176058-4, Relator: Ministro SÉRGIO KUKINA, Data de Julgamento: 18/03/2014, T1 - PRIMEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 25/03/2014)
Sobre esse tema, a Primeira Seção do STJ, ao julgar o REsp 1.183.546⁄ES (Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, DJe 29 ⁄09 ⁄2010), sob o rito do art. 543-C do CPC, sustentou que
"
o registro imobiliário não é oponível em face da União para afastar o regime dos terrenos de marinha, servindo de mera presunção relativa de propriedade particular - a atrair, p. ex., o dever de notificação pessoal daqueles que constam deste título como proprietário para participarem do procedimento de demarcação da linha preamar e fixação do domínio público
-, uma vez que a Constituição da Republica vigente (art. 20, inc. VII) atribui originariamente àquele ente federado a propriedade desses bens."
Assim, conforme antes consignado, "Os registros de propriedade particular de imóveis situados em terrenos de marinha não são oponíveis à União" (Súmula 496⁄STJ).
No mesmo sentido:
PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. TAXA DE OCUPAÇÃO. TERRENO DE MARINHA. VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC. DEFICIÊNCIA NA FUNDAMENTAÇÃO. SÚMULA 284⁄STF. REGISTRO DE PROPRIEDADE PARTICULAR. INOPONIBILIDADE À UNIÃO. SÚMULA N.º 496⁄STJ. PROCEDIMENTO DEMARCATÓRIO. INTERESSADOS COM DOMICÍLIO CERTO. INTIMAÇÃO POR EDITAL. IMPOSSIBILIDADE. PRESCRIÇÃO DA AÇÃO AFASTADA. PRINCÍPIO DA ACTIO NATA. 1. Não há como esta Corte analisar violação do art. 535 do CPC quando o recorrente não aponta com clareza e precisão as teses sobre as quais o Tribunal de origem teria sido omisso. Incidência da Súmula 284⁄STF. 2. A Primeira Seção desta Corte, no julgamento do REsp 1.183.546⁄ES, submetido à sistemática dos recursos repetitivos (art. 543-C do CPC), firmou o entendimento de que"os registros de propriedade particular de imóveis situados em terrenos de marinha não são oponíveis à União", a ensejar, inclusive, a edição da Súmula n.º 496⁄STJ. [...] 6. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa parte, provido. (REsp 1390492⁄SC, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 05 ⁄11 ⁄2013, DJe 06 ⁄12 ⁄2013)
2.71. Reintegração na posse:
Ademais, o Código Civil/2002 dispõe, no seu art. 1210, que "
O possuidor tem direito a ser mantido na posse em caso de turbação, restituído no de esbulho, e segurado de violência iminente, se tiver justo receio de ser molestado
."
Já o art. 1212/CC preconiza que "
O possuidor pode intentar a ação de esbulho, ou a de indenização, contra o terceiro, que recebeu a coisa esbulhada sabendo que o era."
Por seu turno, o art. 932 do Código de Processo Civil/1973 assegurava que "
O possuidor direto ou indireto, que tenha justo receio de ser molestado na posse, poderá impetrar ao juiz que o segure da turbação ou esbulho iminente, mediante mandado proibitório, em que se comine ao réu determinada pena pecuniária, caso transgrida o preceito
.'"
Dispositivo semelhante é veiculado nos arts. 567 e 568 do CPC/15. Ora, como explica Joel Dias Figueira Júnior, "
O interdito possessório tutela a posse, garantindo a permanência do possuidor e a abstenção, por parte de terceiros, da prática de turbação ou esbulho que ainda não se concretizaram, mas que ele tem justo receito de que sejam realizados futuramente."
(FIGUEIRA JR., Joel Dias.
Liminares nas ações possessórias.
2. ed. SP: RT, 1999, p. 74).
Ainda segundo o processualista, "
O justo receio de sofrer molestação importa em termo fundado, e não em mera possibilidade, especulação ou ilação do possuidor. Resultará de ameaça (verbal ou escrita) ou terá como causa o comportamento do sujeito que exprima a sua vontade inequívoca em traduzir os seus gestos em atos de moléstia (esbulho ou turbação)
. Em outras palavras, significa 'um receio fundado em fatos concretos e passíveis de demonstração, de que a posse seja turbada e de que ele seja privado da posse.' A verdade é que a expressão justo receio representa juridicamente um conceito vago, vinculado a interpretação do magistrado à análise das peculiaridades de cada caso concreto, porquanto somente elas demonstrarão a existência desse requisito para a concessão da tutela de conteúdo cominatório negativo (tutela inibitória)."
(FIGUEIRA JÚNIOR, Joel Dias.
Obra citada.
p. 75).
Vale a pena atentar, tanto por isso, para o precedente abaixo:
PROCESSO CIVIL. INTERDITO PROIBITÓRIO. POSSE DOS AUTORES POSTERIOR À IMISSÃO NA POSSE PELO INCRA. IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO, PORQUANTO AUSENTES OS REQUISITOS DO ARTIGO 932 DO CPC. 1.
Tem direito à expedição do mandado de interdito possessório o possuidor direto ou indireto que tenha justo receito de ser molestado na posse, nos termos do artigo 932 do CPC
. 2. Restando incontestável o fato de os autores terem entrado no imóvel mais de cinco anos após o início da posse pelo INCRA, vê-se a impossibilidade de manejarem a presente ação possessória. 3.
Alegações de que fariam jus a serem assentados na referida fazenda por serem credores dos desapropriados não devem ser objeto da presente lide. Se os apelantes pretendem discutir os critérios utilizados pelo INCRA para a escolha dos futuros assentados, devem propor ação própria para esse fim, já que a demanda possessória não comporta esse tipo de debate. 4. Apelação a que se nega provimento
. (AC 200783000019532, Desembargador Federal Leonardo Resende Martins, TRF5 - Terceira Turma, DJE - Data::14/07/2010 - Página::457.)
2.72. Discussão sobre o domínio em demandas possessórias:
A despeito da menção acima ao direito de propriedade e ao tema da usucapião - que podem ter relevo para o debate a respeito da caracterização de um imóvel como remanescente de quilombo -, convém ter em conta que, nos termos do art. 1.196 do Código Civil/2002, possuidor é todo aquele que exerça, ainda que não plenamente, algum dos poderes inerentes à propriedade
. A posse é definida obliquamente, por meio da caracterização do possuidor. A referência à possibilidade de exercício de um dos poderes da propriedade evidencia que o instituto depende da prática efetiva de algumas das característas do domínio. Sustenta-se, em regra, que a posse é um fato, conquanto isso apenas seja consistente com a posse direta. Quanto à posse indireta - a exemplo daquela mantida pelo locador em face do locatário, essa conceituação como "fato" se esmaece, dado que persiste aí a relação jurídica. Ela se dá por meio da manifestação de uma das faculdades previstas no
art. 1.228, Código Civil/02
- uso, gozo, disposição e direito de sequela.
Em princípio, a posse se manifesta através de atos de vontade, com exercício em nome próprio, o que a distingue da mera detenção, a exemplo da guarda de bens confiadas ao estagiário (fâmulo da posse, arts. 1.198 e 1.204, do CC/2002).
"
Há manifestação de vontade na posse. O possuidor exprime sua intenção de possuir o bem. Assim, salvo quando a posse resultar de sucessão, hipótese em que o herdeiro será possuidor mesmo que ignore o falecimento do de cujus, haverá elemento volitivo a caracterizar a relação possessória.A posse adquirida pela sucessãoé notável exceção ao disposto no art. 1.196 do CC/2002 . Em regra, o possuidor estará ciente da possibilidade de exercer poder sobre a coisa. É nisso que consiste o elemento volitivo necessário à caracterização da posse
."
(SICA, Heitor.
Comentários ao Código de Processo Civil: Artigos 674 ao 718
. São Paulo:RT. 2017. Capítulo III).
Há distintas discussões sobre a natureza da posse - consolidadas em objetiva, subjetiva -, relevando ao caso ter em conta que
"O esbulho gera imprevisibilidade e insegurança nas relações sociais e constitui grave violação da esfera jurídico-patrimonial do possuidor legítimo, quer ele seja, quer não seja simultaneamente proprietário. Para que a economia cresça e a pobreza diminua é necessária a realização de investimentos. Mas a premissa para a alocação de recursos é a previsibilidade, a confiança no retorno daquilo que foi investido, sendo digno de nota que o investidor aplica seu capital excedente.
Se é assim, soluções jurídicas que levem à instabilidade, à insegurança, não podem ser consideradas como remédios para a erradicação da pobreza e diminuição da quantidade de despossuídos. O contrário é verdadeiro: a erradicação da pobreza passa pela segurança e previsibilidade das relações sociais. É preciso conceder ao legítimo possuidor a segurança de possuir
."
(SICA, Heitor.
Obra citada.
capítulo III).
Assim,
"Na condição de arrendatário de uma gleba de terra,
preciso ter segurança de que minha posse será respeitada contra qualquer ato espoliativo do proprietário
. Na condição de possuidor proprietário, preciso ter a segurança de que minha posse não será esbulhada, o que permitirá a alocação de recursos para o desenvolvimento da pecuária, da agricultura ou de outro empreendimento. A posse permite que o bem seja economicamente fruído pelo legítimo possuidor. Essa é a função da posse, sendo de nenhuma relevância que ao substantivo se acrescente o adjetivo. A posse de boa-fé, que protege o colono, que protegia já em Roma o pequeno agricultor, que permite a aquisição da propriedade por meio da prescrição aquisitiva em suas diversas modalidades, é o mesmo instituto que ainda hoje se mostra essencial para o desenvolvimento da economia, sendo objeto de miríade de negócios jurídicos"
(SICA, Heitor.
Obra citada.
capítulo III).
Acrescente-se, ainda, que
"
Não se nega que o interesse do legítimo possuidor deve ser tutelado frente ao do proprietário, embora na maioria das vezes as figuras do possuidor e do proprietário coincidam. O que não se admite é a simplista solução de invocar a função social da posse a fim de permitir o esbulho do legítimo possuidor proprietário
. A argumentação sobre a função social da posse trilha esse caminho sinuoso e não raras vezes parece admitir como objetivo a superação da “propriedade burguesa”. Ocorre que a proteção da propriedade e da posse é elemento essencial para que a economia se desenvolva, com melhores resultados principalmente para a parcela mais desfavorecida da população, seja pela oferta de emprego, seja pelo acesso a bens de consumo mais baratos, seja ainda pela redistribuição de recursos mediante tributação do imóvel."
(SICA, Heitor.
Obra citada.
capítulo III).
Segundo Heitor Sica,
"Da autonomia da posse resulta, ainda, a impossibilidade de se verificar, para a finalidade de conceder proteção possessória, o cumprimento dos requisitos caracterizadores da função social da propriedade. Sendo a posse instituto autônomo, considerações sobre a função social da propriedade são completamente estranhas aos interditos possessórios.
Desse modo, requerida a tutela jurisdicional da posse, não cabe ao juiz subordinar o deferimento da proteção possessória ao cumprimento dos requisitos elencados no art. 2.º, § 1.º, alíneas a a d do Estatuto da Terra ou, o que seria ainda pior, a critérios pessoais de atendimento da função social
."
(SICA, Heitor.
Obra citada.
capítulo III).
Note-se que o Código Civil/2002 definiu como posse justa aquela que não for violenta, clandestina ou precária (
art. 1.200, CC
). A definição, como se vê, ocorre por exclusão. Para saber o que é posse justa é necessário definir posse violenta, clandestina e precária. Violenta é a posse adquirida com o uso de força. Clandestina é a posse cuja aquisição ocorre às ocultas, agindo ardilosamente aquele que procura conquistar a posse. Precária é a posse marcada pelo abuso de confiança, em que aquele que recebeu a coisa deixa de devolvê-la. Justa, portanto, será a posse que não estiver tisnada pelos vícios da violência, clandestinidade ou precariedade. (SICA, Heitor.
Obra citada.
capítulo III).
Quanto à posse de boa-fé, atente-se para o seguinte:
"De boa-fé, nos termos do caput do
art. 1.201 do CC/2002
, é a posse exercida por possuidor que desconhece vício ou obstáculo à aquisição da coisa. Caracteriza-se a posse de boa-fé quando houver plausibilidade na crença do possuidor sobre a legitimidade de sua condição, de modo que a consciência sobre o caráter ilegítimo da posse a caracteriza como de má-fé. O critério classificatório enfatizado pelo dispositivo é a convicção do possuidor sobre a idoneidade da posse, a demonstrar que a boa-fé é verificada na dimensão subjetiva, não na objetiva.
No parágrafo único do art. 1.201 é mencionado que o justo título do possuidor conduz à presunção de sua boa-fé.
Justo títuloé o fundamento de legitimidade da posse, compreendido como o ato jurídico que o possuidor reputa como capaz de lhe transmitir o bem. Desse conceito decorre a importante consequência de que o justo título deve cumprir os requisitos formais que do título são exigidos. Com efeito, tratando-se de ato jurídico capaz de instilar no possuidor a ideia de transmissão legítima e, consequentemente, de posse de boa-fé, não é aceitável que o justo título descumpra cabalmente os pressupostos de validade do título. Se isso ocorrer, justo título não há.
Suponha-se que o possuidor invoque como justo título de sua posse a transmissão verbal e gratuita do imóvel em que vive. Ainda que tenha havido a alegada “doação” e mesmo que o possuidor realmente creia na possibilidade de transmissão verbal da propriedade, fato é que inexiste justo título na hipótese, pois no art. 1.245 o Código Civil é inequívoco ao exigir o registro do título translativo no Registro de Imóveis para que se perfectibilize a transmissão da propriedade por ato intervivos
. A “doação verbal” do imóvel é ato em completo descompasso com os requisitos previstos em lei para a transmissão da propriedade por ato entre vivos. Isso significa que não poderia o possuidor crer na legitimidade de sua posse? A resposta é negativa. O possuidor poderia crer na legitimidade de sua posse, mas nesse caso não contaria com a presunção de boa-fé em seu favor, haja vista a inexistência de justo título. A consciência do possuidor quanto à legitimidade ou ilegitimidade de seu ato teria de ser investigada." (SICA, Heitor.
Obra citada.
capítulo III).
Nos termos do
art. 1.203 do CC/02
, presume-se que a posse mantenha o caráter com que fora adquirida. Cuida-se de uma presunção relativa -
iuris tantum,
cabendo ao interessado comprovar a alteração das características do exerecício da posse. Em regra, a mera vontade do possuidor é insuficiente para operar modificação na natureza da posse, demandando comprovação da alteração do título que justifica seu exercício. D'outro tanto, admite-se que duas ou mais pessoas possuírem coisa indivisa, sendo-lhes assegurado o exercício de posse sobre o bem desde que não ocorra exclusão de outro compossuidor. Cuida-se de situação de composse, a exemplo do que ocorre com o condomínio, ou com a posse de objetos indivisíveis, a exemplo de um veículo utilizado em regime de rodízio entre colegas de trabalho.
Anoto ainda que o art. 1.199 do CC/2002 autoriza, no regime de composse, cada um dos possuidores a exercer a posse sobre a totalidade da coisa comum, desde que não exclua idêntica prerrogativa de outro possuidor
.
Assim,
"Para analisar a defesa da posse pelo detentor, mediante interditos, impõe-se previamente indicar duas categorias de detenção. A primeira, denominada detenção dependente ou subordinada, é aquela praticada pelo fâmulo da posse ou por aquele que exerce ato tolerado ou permitido pelo possuidor. Está prevista nos arts. 1.198 e 1.208 do CC/2002 . A segunda modalidade de detenção é a independente, sendo exemplo aquela praticada com violência ou clandestinidade. Sua previsão está no período final do art. 1.208.
O detentor dependente não poderá ajuizar os interditos possessórios. Sua condição de servidor da posse não lhe outorga essa prerrogativa. Perceba-se, quanto ao detentor independente, que o vício de sua posse, eis que obtida mediante violência ou clandestinidade
, limita-se ao antigo possuidor. Em relação ao restante da sociedade sua posse será legítima. Disso decorre a possibilidade do detentor independente fazer uso dos interditos contra terceiros."
(SICA, Heitor.
Obra citada.
capítulo III).
Sublinha-se, por conta disso, que a
posse e o domínio não se confundem
. A propriedade é direito real. A posse tem sido considerada como um fato - conquanto melhor seria distinguir posse-fato e direito à posse.
O proprietário do imóvel poderá ser o possuidor, mas em situações corriqueiras o possuidor direto nem sempre se confunde com o proprietário
. Em muitas situações, o sistema legislativo assegura ao possuidor a tutela da posse até mesmo contra o proprietário, a exemplo do que se dá em casos de retomada irregular da posse de imóvel locado. O art. 1.204, CC, assinala que o direito ao exercício da posse é adquirido a partir do momento em que se torna possível exercer em nome próprio algum dos poderes inerentes ao domínio ou propriedade. O dispositivo é complementado pelo art. 1.196, Código Civil.
Ademais, o
art. 1.223 do CC/2002
preconizou que haverá perda da posse, mesmo contra a vontade do possuidor, quando cessar o exercício do poder sobre o bem, na forma do art. 1.196. Já o
art. 1.224
do mesmo código estipulou que a posse só se considera perdida, por quem não presenciou o esbulho, se ciente da agressão deixa de recuperar a coisa ou, tentando fazê-lo, é violentamente repelido. Ainda que a vontade do possuidor se manifeste no sentido de exercer a posse, terá ocorrido perda quando houver cessado definitivamente o poder fático exercido sobre a coisa.
(SICA, Heitor.
Obra citada.
capítulo III).
Daí o relevo do que segue:
"
As ações possessórias são materialmente sumárias, sendo nelas vedada a discussão sobre a propriedade, conforme assentam os arts. 557, par. ún. do CPC e 1.210, § 2.º do CC. A sumariedade material, a restringir o thema decidendum à posse, subsistirá mesmo quando as ações possessórias não seguirem o procedimento especial em razão do decurso do prazo de ano e dia.Essa posição contava com a adesão da doutrina sob o código revogado, devendo ser mantida sob o diploma vigente.
A natureza das ações possessórias é ponto controverso. Nega-se que sejam ações pessoais, pois inexiste obrigação entre o autor e o réu. Não seria concebível que o esbulhador, o turbador ou mesmo aquele que ameaça a posse fossem transformados em devedores do autor. Facilmente se vê que as ações possessórias, ecos na contemporaneidade dos célebres interditos romanos, não são ações pessoais. Concluir-se-ia, então, tratar-se de ações reais. Objeta-se, contra essa conclusão, que a posse é fato, cuja proteção só ocorre depois da agressão. Nessa perspectiva, não sendo a posse direito, não seria possível classificar as ações possessórias como ações reais.
Ocorre que se denominam como ações reais aquelas cujo bem da vida seja coisa corpórea, de modo que a concepção das ações possessórias como reais não pressupõe a caracterização da posse como direito real. As ações possessórias abrigam pretensões reais, ou seja, pretensões sobre a coisa, sendo então correto classificá-las como ações reais, embora a posse não seja um direito real."
(SICA, Heitor.
Obra citada.
capítulo III).
Atente-se para a conhecida
súmula 487 do STF
-
"
Será deferida a posse a quem, evidentemente, tiver o domínio, se com base neste for ela disputada
."
Segundo a Suprema Corte,
"O atual Código Civil e a redação atribuída ao art. 923 do Código de Processo Civil impedem a apreciação de questões envolvendo a jus petitorium em juízo possessório. No entanto, a doutrina de Pontes de Miranda esclarece ser possível a exceptio dominii nos casos em que duas pessoas disputam a posse a título de proprietários ou quando é duvidosa a posse de ambos os litigantes. Dessa forma, "a exceção do domínio somente é aplicável quando houver dúvida acerca da posse do autor e do réu ou quando ambas as partes arrimarem suas respectivas posses no domínio, caso em que a posse deverá ser deferida àquela que tiver o melhor título, ou seja, ao verdadeiro titular, sem, contudo, fazer coisa julgada no juízo petitório".10. Por fim, a questão debatida nos autos encontra respaldo na Súmula STF 487, in verbis: (...)
Silvio de Salvo Venosa adverte que "somente se traz à baila a súmula se ambos os contendores discutirem a posse com base no domínio, ou se a prova do fato da posse for de tal modo confusa que, levadas as partes a discutir o domínio, se decide a posse em favor de quem evidentemente tem o domínio. Todavia a ação não deixa de ser possessória, não ocorrendo coisa julgada acerca do domínio
" (
ACO 685, rel. min. Ellen Gracie, red. p/ o ac. min. Marco Aurélio, P, j. 11-12-2014, DJE 29 de 12-2-2015).
Por seu turno, o STF tem decidido como segue:
DIREITO CIVIL. INTERDITO PROIBITÓRIO. EXCEÇÃO DE DOMÍNIO. ART. 505, SEGUNDA PARTE, CC/1916. ENUNCIADO SUMULAR N. 487/STF. INCIDÊNCIA. PRECEDENTES DO STJ. RECURSO DESACOLHIDO. I -
A proteção possessória independe da alegação de domínio e pode ser exercitada até mesmo contra o proprietário que não tem posse efetiva, mas apenas civil, oriunda de título.
II -
Na linha da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça e do verbete sumular n. 487/STF, firmada na vigência do Código de 1916, cabe a exceção de domínio nas ações possessórias se com base nele a posse for disputada.
III - Sem ter o Tribunal de segundo grau abordado a ilegitimidade passiva e sem ter o recorrente apontado, quanto ao tema, violação de lei federal, incidem na espécie os enunciados n. 282 e 284 da súmula/STF. (STJ - REsp: 200353 CE 1999/0001779-0, Relator: Ministro SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA, Data de Julgamento: 20/02/2003, T4 - QUARTA TURMA, Data de Publicação: --> DJ 17/03/2003 p. 232 RJTAMG vol. 88 p. 557)
Como regra, porém, o debate a respeito do domínio do bem resta excluído do
thema decidendum -
ou seja, do alcance - das demandas possessórias, por conta dessa relativa independência entre a tutela da posse e a tutela do domínio. Atente-se para o
art. 557, CPC/15
:
"
Na pendência de ação possessória é vedado, tanto ao autor quanto ao réu, propor ação de reconhecimento do domínio, exceto se a pretensão for deduzida em face de terceira pessoa
."
Nesse sentido, leia-se:
"Apelação. Imóvel. Manutenção de posse. Cumprimento, pelo autor, dos requisitos previstos no art. 561, do CPC. Comprovação de turbação da posse. Ré que alega ser proprietária do imóvel e pretende a tutela possessória com fundamento nessa condição. Impossibilidade.
Distinção e autonomia entre os institutos posse e propriedade. Vedação, nas ações possessórias, da exceção do domínio (exceptio proprietatis ou exceptio domini). Inteligência do artigo 557 do CPC
. Sentença mantida. Majorada a verba honorária sucumbencial, nos termos do artigo 85, § 11 do CPC, observada, contudo, a gratuidade da justiça concedida a ré. Recurso a que se nega provimento." (TJ-SP - AC: 10011851920218260035 SP 1001185-19.2021.8.26.0035, Relator: Mauro Conti Machado, Data de Julgamento: 14/02/2023, 16ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 23/02/2023)
"POSSESSÓRIA Ação de reintegração de posse Sentença de improcedência Alegada posse decorrente de aquisição do imóvel
Inviabilidade de discussão de qualquer título e de domínio que é próprio de ação petitória Ausência de demonstração de posse anterior sobre a área objetada na ação
Prevalência dos limites entre as propriedades, outrora por cerca Requisito da posse, incomprovada Inteligência do art. 927, do CPC Esbulho possessório não caracterizado Sentença mantida Recurso desprovido, e majorados os honorários advocatícios ( CPC, art. 85, § 11)". (Apelação nº 1021985-91.2020.8.26.0071, Rel. Des. José Wagner de Oliveira Melatto Peixoto, 37a Câmara de Direito Privado, julgado em 11/05/2022).
AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO POSSESSÓRIA. INCABÍVEL A EXCEÇÃO DE DOMÍNIO. RECURSO DESPROVIDO. I.
Nas ações possessórias, mostra-se inócua a exceção de domínio, posto que se trata de instrumento processual destinado à proteção da posse e não da propriedade
. II. Agravo desprovido. (TJ-MA - AG: 277682008 MA, Relator: ANTONIO GUERREIRO JÚNIOR, Data de Julgamento: 31/03/2009, SAO LUIS)
DIREITO CIVIL. REINTEGRAÇÃO DE POSSE. EXCEÇÃO DE DOMÍNIO. PROVA DA POSSE E DO ESBULHO. PROCEDÊNCIA.
A proteção possessória independe da alegação de domínio, que só é cabível nas ações possessórias se com base nele a posse for disputada. Provada a posse do apelado, há que ser deferida a reintegração de posse. Apelação improvida
. (TRF-5 - AC: 331016 RN 0032110-71.2003.4.05.0000, Relator: Desembargador Federal Paulo Machado Cordeiro (Substituto), Data de Julgamento: 14/07/2005, Primeira Turma, Data de Publicação: Fonte: Diário da Justiça - Data: 10/08/2005 - Página: 1097 - Nº: 153 - Ano: 2005)
Segundo a fundamentação deste acórdão,
"
Ademais, deve-se ressaltar que seria inadmissível oposição fundada em domínio, como quer fazer a parte apelante, eis que não pode a oposição ter objeto mais amplo do que o da demanda principal, que só admite discussão sobre a posse, visto ser a lide de natureza possessória, onde não se discute o domínio, mas tão somente a posse, que é um estado de fato. As ações de cunho possessório não podem ser convertidas em ação petitórias, pois têm naturezas distintas e, conseqüentemente, requisitos distintos
. A exceção de domínio, exceção a esta regra, só pode ser aplicável em casos taxativos (quando duvidosa a posse de ambos os litigantes ou quando as partes disputam a posse a título de proprietárias)."
(TRF-5 - AC: 331016 RN 0032110-71.2003.4.05.0000, Relator: Desembargador Federal Paulo Machado Cordeiro (Substituto), Data de Julgamento: 14/07/2005).
Ainda nesse sentido,
DIREITO CIVIL – INTERDITO PROIBITÓRIO – EXCEÇÃO DE DOMÍNIO – ART. 505, SEGUNDA PARTE, CC/1916 – ENUNCIADO SUMULAR Nº 487/STF – INCIDÊNCIA – PRECEDENTES DO STJ – LIMINAR INAUDITA ALTERA PARTE – AGRAVO – SENTENÇA DEFINITIVA – PENDÊNCIA DE JULGAMENTO DA APELAÇÃO – RECURSO ESPECIAL DESACOLHIDO – I -
A proteção possessória independe da alegação de domínio e pode ser exercitada até mesmo contra o proprietário que não tem posse efetiva, mas apenas civil, oriunda de título. II - Na linha da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça e do verbete sumular nº 487/STF, firmada na vigência do Código de 1916, cabe a exceção de domínio nas ações possessórias se com base nele a posse for disputada
. (STJ – RESP 327214 – PR – 4ª T. – Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira – DJU 24.11.2003 – p. 00308)
DIREITO CIVIL. REINTEGRAÇÃO DE POSSE. EXCEÇÃO DE DOMÍNIO. PROVA DA POSSE E DO ESBULHO. PROCEDÊNCIA.
A proteção possessória independe da alegação de domínio, que só é cabível nas ações possessórias se com base nele a posse for disputada. Provada a posse do apelado, há que ser deferida a reintegração de posse. Apelação improvida
. (TRF-5 - AC: 331016 RN 2003.05.00.032110-5, Relator: Desembargador Federal Paulo Machado Cordeiro (Substituto), Data de Julgamento: 14/07/2005, Primeira Turma, Data de Publicação: Fonte: Diário da Justiça - Data: 10/08/2005 - Página: 1097 - Nº: 153 - Ano: 2005)
PROCESSO CIVIL. OPOSIÇÃO. AÇÃO POSSESSÓRIA. EXCEÇÃO DE DOMÍNIO. INCABÍVEL. ART. 923 DO CPC. DOUTRINA E JURISPRUDÊNCIA. I -
Ainda que presente precedente em sentido diverso ( REsp 780.401/DF), prevalece na doutrina, como também na jurisprudência do Excelso Pretório, do Superior Tribunal de Justiça e desta Corte Regional Federal, a compreensão de que é incabível a intervenção de terceiros na modalidade oposição (art. 56, CPC) fundada em domínio da propriedade em face de ação possessória. Com a atual redação do art. 923 do CPC, conferida pela Lei 6.820/1980, não há mais falar em exceção de domínio nas ações possessórias, notadamente porque as causas vislumbram objetivos diferentes, na medida em que a oposição pretende, em última análise, o reconhecimento da propriedade com base no domínio e a ação possessória almeja proteção com força no fato jurídico da posse, tratando-se, pois, de institutos distintos que requerem tratamento processual próprio
. Nesse sentido: STF: ACO 736, Relatora Min. ELLEN GRACIE, DJ 16/05/2005. STJ: AgRg no REsp 1294492/RO, Rel. Ministro OG FERNANDES, DJe 14/10/2015; AgRg no REsp 1389622/SE e REsp 1204820/MG, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, DJe 24/02/2014 e 07/12/2015; REsp 685.159/DF, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, DJe 19/10/2009. TRF 1: AC 1977-08.2005.4.01.4100/RO, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL SOUZA PRUDENTE, e-DJF1 de 08/05/2015; AC 166-87.2007.4.01.3309/BA, Rel. DESEMBARGADORA FEDERAL SELENE MARIA DE ALMEIDA, e-DJF1 de 14/10/2013; AC 2755-55.2003.4.01.4000/PI, Rel. JUIZ FEDERAL convocado MARCIO BARBOSA MAIA, e-DJF1 de 28/08/2013; AGA 25107-76.2003.4.01.0000/DF, Rel. JUIZ FEDERAL convocado MARCELO DOLZANY DA COSTA, e-DJF1 de 25/02/2013, entre outros. II - Assim colocados os fatos, não merece retoque a sentença que julgou improcedente a oposição fundada no reconhecimento do domínio em face da ação possessória que discute a reintegração de posse da Chácara 177 da Colônia Agrícola Vicente Pires - Região Administrativa de Taguatinga - DF. III - Apelação da União a que se nega provimento. (TRF-1 - AC: 00041665620044013400, Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL JIRAIR ARAM MEGUERIAN, Data de Julgamento: 15/02/2016, SEXTA TURMA, Data de Publicação: 29/02/2016)
Acrescento que, na forma do art. 557, Código de Processo Civil/15,
"Na pendência de ação possessória é
vedado, tanto ao autor quanto ao réu, propor ação de reconhecimento do domínio
, exceto se a pretensão for deduzida em face de terceira pessoa. Parágrafo único.
Não obsta à manutenção ou à reintegração de posse a alegação de propriedade ou de outro direito sobre a coisa
."
Há discussões sobre a validade deste enunciado, no que toca à proibição de deflagração de demanda de conteúdo petitório -
ou seja, com discussão sobre o domínio do bem
- na pendência de uma demanda possessória. Em princípio, referida vedação parece agressiva ao art. 5, XXXV, Constituição, que assegura a todos os brasileiros e aos estrangeiros presentes em solo nacional o direito à prestação jurisdicional efetiva, tanto na vertente repressiva, quanto inibitória.
Ademais, há uma diferença entre vedar o debate do domínio no âmago de uma demanda possessória, de um lado, e interditá-la de toda e quaquer forma, de outro, na pendência da possessória
. Até porque a demanda de domínio pode ter sido deflagrada antes, e então os problemas que justificariam o art. 557, CPC/15, persistiriam, salvo se for imposta uma suspensão obrigatória da demanda petitória, por conta de questão prejudicial possessória.
Tem prevalecido, de todo modo, o entendimento de que a aludida vedação do
art. 557, CPC/15
, estaria em conformidade com a Constituição. Segundo Luiz Guilherme Marinoni,
“Constitucionalidade da Proibição da Discussão do Domínio na Pendência da Ação Possessória. Não há dúvida que a restrição à discussão do domínio é constitucional.
Tal restrição não viola o direito de propriedade nem, muito menos, o direito de defesa ou o direito de ação. A restrição tem o objetivo de tornar possível a prestação de uma forma de tutela jurisdicional imprescindível à situação jurídica de possuidor. Não há posse ou situação jurídica de possuidor sem tutela jurisdicional possessória e não há efetiva e adequada tutela jurisdicional possessória sem restrição à discussão do domínio
. Não fosse assim, a posse e o possuidor estariam ao desamparo da tutela do Estado. A restrição, além de estar fundada na posse, está baseada no direito fundamental à tutela jurisdicional adequada e efetiva dos direitos (art. 5.º, XXXV, CF). A propriedade pode ser tutelada mediante o exercício do direito de ação depois de esgotado o juízo possessório”
(MARINONI, Luiz Guilherme e outros.
Novo Código de Processo Civil Comentado.
3. ed. São Paulo: RT. 2017).
Transcrevo os julgados abaixo:
RECURSO ESPECIAL. AÇÃO REIVINDICATÓRIA E AÇÃO POSSESSÓRIA EM ANDAMENTO. VERIFICAÇÃO DA IDENTIDADE DE PARTES. VEDAÇÃO DE AJUIZAMENTO DA AÇÃO PETITÓRIA. (...) 2.
É vedada a propositura de ação para o reconhecimento do domínio, enquanto pendente ação possessória, tendo em vista a distinção existente entre os juízos possessório e petitório: naquele, o exercício do poder de fato sobre a coisa será o objeto da ação; neste, a discussão será a respeito da titulação jurídica dos direitos sobre a coisa
. (...) 8. Recurso especial parcialmente provido.” (STJ - REsp 1204820/MG, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 15/10/2015, DJe 07/12/2015).
“AGRAVO REGIMENTAL – APELAÇÃO CÍVEL - SEGUIMENTO NEGADO – PROCESSO POSSESSÓRIO PENDENTE - DISCUSSÃO DE DOMÍNIO – IMPOSSIBILIDADE - DECISÃO DO
RELATOR
MANTIDA – RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.
Ainda que não seja pela ilegitimidade ativa dos apelantes, a ação deve ser extinta com base na impossibilidade de se discutir domínio quando pendente processo possessório. A despeito do resultado alcançado, prevalece a decisão do
relator
, a não ser que sobrevenha retratação, ou em Recurso de Agravo Regimental, dele divirja o colegiado
.” (TJMT - AgR 140451/2014, DESA. SERLY MARCONDES ALVES, QUARTA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO, Julgado em 29/10/2014, Publicado no DJE 04/11/2014).
Em princípio, o
domínio sobre o imóvel pode ser debatido em um processo subsequente, depois do trânsito em julgado da possessória
. Isso acaba protraindo a solução de tais causas, sabidamente demoradas. Sabe-se que a sentença prolada quanto à posse não suscita coisa julgada no que toca ao domínio, nem mesmo quando essa questão houver composto a fundamentação da sentença, diante do que preconiza o art. 504, I, CPC/15. Deve-se atentar, porém, para a suspensão do cômputo da prescrição para a deflagração da ação de domínio, dada a impossibilidade de agir no curso da possessória.
Nesses casos, a suspensão do cômputo do prazo prescricional se dá com força no art. 199, Código Civil/2002:
"
Não corre igualmente a prescrição: I - pendendo condição suspensiva
."
Essas são algumas considerações, com caráter precário, a respeito da tutela possessória no sistema jurídico pátrio.
2.73. Direito adquirido -
considerações
gerais:
Sabe-se também que o Estado deve assegurar expectativas validamente criadas na vida de relação. Ou seja, ele
deve tutelar vínculos passados
, mediante mecanismos de preclusão que tornem determinados temas insuscetíveis de modificações. É o que ocorre com os institutos da coisa julgada, do direito adquirido e do ato jurídico perfeito. Ou seja, em determinados âmbitos há uma interdição para que o Estado modifique relações jurídicas já consolidadas, conforme dispõe o art. 5º, XXXVI, CF.
Ao apreciar a
ADIn 493-0/DF
, a Suprema Corte enfatizou que, no Brasil, sequer normas de ordem pública podem ser aplicadas com caráter retroativo, ao contrário do que ocorre em outros ordenamentos. Assim, não se pode aplicar o Código de Defesa do Consumidor -
lei n. 8.078/1990
, por exemplo, a contratos celebrados antes da sua vigência. Vários outros casos foram julgados, vedando-se a aplicação retroativa de determinadas regras, mesmo quando impregnadas de relevo público.
Apenas os
contratos de direito administrativo
- suscetíveis de modificação unilateral (por conta das chamadas "cláusulas extravagantes"), desde que seja garantido o equilíbrio econômico-financeiro - admitiriam alterações por força de legislação subsequente. De outro tanto, ao que releva, a garantia do direito adquirido é, sem dúvida, fundamental para a democracia. Destina-se a viabilizar o planejamento da vida e a tomada de posição por parte dos sujeitos a respeito dos seus interesses.
Ora, como sabido, nem mesmo o Poder Constituinte derivado pode atingir direitos constituídos sob a égide dos preceitos anteriores da Lei Maior, conforme se infere do art. 6º da lei de introdução ao Código Civil: "
Consideram-se adquiridos assim os direitos que o seu titular, ou alguém por ele, possa exercer, como aqueles cujo começo do exercício tenha termo pré-fixo, ou condição pré-estabelecida inalterável, a arbítrio de outrem
."
A respeito, menciono os seguintes julgados do STF:
CONSTITUCIONAL. PREVIDENCIÁRIO. ART. 2º E EXPRESSÃO '8º' DO ART. 10, AMBOS DA EMENDA CONSTITUCIONAL N. 41/2003. APOSENTADORIA. TEMPUS REGIT ACTUM. REGIME JURÍDICO. DIREITO ADQUIRIDO: NÃO-OCORRÊNCIA. 1. A aposentadoria é direito constitucional que se adquire e se introduz no patrimônio jurídico do interessado no momento de sua formalização pela entidade competente. 2. Em questões previdenciárias, aplicam-se as normas vigentes ao tempo da reunião dos requisitos de passagem para a inatividade. 3.
Somente os servidores públicos que preenchiam os requisitos estabelecidos na Emenda Constitucional 20/1998, durante a vigência das normas por ela fixadas, poderiam reclamar a aplicação das normas nela contida, com fundamento no art. 3º da Emenda Constitucional 41/2003
. 4. Os servidores públicos, que não tinham completado os requisitos para a aposentadoria quando do advento das novas normas constitucionais, passaram a ser regidos pelo regime previdenciário estatuído na Emenda Constitucional n. 41/2003, posteriormente alterada pela Emenda Constitucional n. 47/2005. 5. Ação Direta de Inconstitucionalidade julgada improcedente. (ADI 3104, CÁRMEN LÚCIA, STF.)
RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. MINAS GERAIS. PENSÃO. VIÚVA DE DEPUTADO ESTADUAL. ART. 5º, XXXVI DA CONSTITUIÇÃO. DIREITO ADQUIRIDO. Viúva de deputado estadual que vinha percebendo pensão, com base na lei estadual 8.393/1983, correspondente a 2/3 do valor do subsídio pago a deputado estadual.
Não pode a lei posterior (lei estadual 9.886/1989) reduzir o quantum da pensão deferida sob a égide de legislação anterior, para o montante de 35% do atual subsídio pago a deputado estadual
. Ofensa ao direito adquirido configurada. Recurso extraordinário conhecido e provido. (RE 460737, CARLOS VELLOSO, STF.)
Destaco também o seguinte precedente da Suprema Corte, quando enfatiza que a preservação do direito adquirido demanda o respeito às condições impostas pela lei sob a qual foi gerado:
"A garantia de preservação do direito adquirido, prevista no art. 5º, XXXVI, da CF assegura ao seu titular também a faculdade de exercê-lo.
Mas de exercê-lo sob a configuração com que o direito foi formado e adquirido e no regime jurídico no âmbito do qual se desenvolveu a relação jurídica correspondente, com seus sujeitos ativo e passivo, com as mútuas obrigações e prestações devidas
.
As vantagens remuneratórias adquiridas no exercício de determinado cargo público não autorizam o seu titular, quando extinta a correspondente relação funcional, a transportá-las para o âmbito de outro cargo, pertencente a carreira e regime jurídico distintos, criando, assim, um direito
de tertium genus,
composto das vantagens de dois regimes diferentes
. Por outro lado, considerando a vedação constitucional de acumulação remunerada de cargos públicos, não será legítimo transferir, para um deles, vantagem somente devida pelo exercício do outro. A vedação de acumular certamente se estende tanto aos deveres do cargo (= de prestar seus serviços) como aos direitos (de obter as vantagens remuneratórias). Assim, não encontra amparo constitucional a pretensão de acumular, no cargo de magistrado ou em qualquer outro, a vantagem correspondente a 'quintos', a que o titular fazia jus quando no exercício de cargo diverso." (RE 587.371, rel. min. Teori Zavascki, julgamento em 14-11-2013, Plenário, DJE de 24-6-2014, com repercussão geral.)
2.74. Direito adquirido
e regime jurídico:
Acrescento que não há direito adquirido à preservação de um específico regime jurídico
. O fato de alguém ter sido aprovado em um concurso não lhe assegura a expectativa de que todas as normas que tratavam da realização da atividade sejam mantidas dali por diante. Tampouco há como reconhecer direito á preservação do regime jurídico de quem tenha ingressado nas fileiras das Forças Armadas etc.
A vingar lógica contrária, cada sujeito se converteria em uma espécie de 'ordenamento' jurídico ambulante, como se fosse titular de regras específicas, singulares, sem paralelo com outros sujeitos. Por ter passado no concurso, todas as alterações subsequentes lhe seriam inoponíveis
.
É manifesto que isso levaria à derrocada do próprio sistema jurídico. Daí que não se pode confundir direito adquirido (por exemplo, o direito adquirido à fruição de quintos/décimos etc.), com a pretensão de manter determinado regime jurídico (pretensão de continuar a adquirir novos quintos, novos décimos, mantendo-se as regras que vigoravam ao tempo do ingresso nos quadros do serviço público).
Repiso: não há direito adquirido a regime jurídico, como já ressalvou o Min. Moreira Alves ao julgar o
RE 226.855 - STF
:
"
O que o art. 6º da Lei de Introdução ao Código Civil faz, com relação ao direito adquirido, é conceituá-lo com base na doutrina relativa a esse conceito, ou seja, a de que o direito adquirido é o que se adquire em virtude da incidência da norma existente no tempo em que ocorreu o fato que, por esta, lhe dá nascimento em favor de alguém, conceito esse que, para o efeito do disposto no art. 5º, XXXVI, da Constituição, só tem relevo em se tratando de aplicá-lo na relação jurídica em que se discute questão de direito intertemporal, para se impedir, se for o caso, que a lei nova prejudique direito que se adquiriu com base na lei anterior
. O mesmo se dá com o direito adquirido sob condição ou o termo é inalterável ao arbítrio de outrem, requisito este indispensável para tê-lo como direito adquirido.
Por isso, mesmo em se tratando de direito público com referência a regime jurídico estatutário, não há direito adquirido a esse regime jurídico, como sempre sustentou esta Corte, e isso porque pode ele ser alterado ao arbítrio do legislador
. Não fora isso, e todos os que ingressarem no serviço público sob a égide de lei que estabeleça que, se vierem a completar trinta e cinco anos, terão direito à aposentadoria, esse direito para eles será um direito adquirido sob a condição de completarem esses 35 anos de serviço público, o que jamais alguém sustentou." (STF, RE 226.855, rel. Min. Moreira Alves, RTJ 174, p. 916 e ss.)
Menciono ainda o
RE 94.020
, também relatado por Moreira Alves:
"
Com efeito, em matéria de direito adquirido, vigora o princípio - que este Tribunal tem assentado inúmeras vezes - de que não há direito adquirido a regime jurídico de um instituto de direito
. Quer isso dizer que, se a lei nova modificar o regime jurídico de determinado instituto de direito (como o é a propriedade, seja ela de coisa móvel ou imóvel, ou de marca), essa modificação se aplica de imediato."
(STF, RE 94.020, rel. Min. Moreira Alves, DJU 04.11.1981)
Em sentido semelhante, atente-se para as ADIns 3.128 e 2.087:
'
No ordenamento jurídico vigente, não há norma, expressa nem sistemática, que atribua à condição jurídico-subjetiva da aposentadoria de servidor público o efeito de lhe gerar direito subjetivo como poder de subtrair ad aeternum a percepção dos respectivos proventos e pensões à incidência de lei tributária que, anterior ou ulterior, os submeta à incidência de contribuição previdencial. Noutras palavras, não há, em nosso ordenamento, nenhuma norma jurídica válida que, como efeito específico do fato jurídico da aposentadoria, lhe imunize os proventos e as pensões, de modo absoluto, à tributação de ordem constitucional, qualquer que seja a modalidade do tributo eleito, donde não haver, a respeito, direito adquirido com o aposentamento
. (...) Não é inconstitucional o art. 4º, caput, da EC 41, de 19-12-2003, que instituiu contribuição previdenciária sobre os proventos de aposentadoria e as pensões dos servidores públicos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, incluídas suas autarquias e fundações. (...) São inconstitucionais as expressões 'cinquenta por cento do' e 'sessenta por cento do', constantes do parágrafo único, incisos I e II, do art. 4º da EC 41, de 19-12-2003, e tal pronúncia restabelece o caráter geral da regra do art. 40, § 18, da CR, com a redação dada por essa mesma emenda.' (ADI 3.128 e ADI 3.105, Rel. p/ ac. Min. Cezar Peluso, julgamento em 18-8-2004, Plenário, DJ de 18-2-2005.)
I. Contribuição previdenciária: incidência sobre proventos da inatividade e pensões de servidores públicos (C. est. AM, arts. 142, IV, cf. EC est. 35/98): densa plausibilidade da argüição da sua inconstitucionalidade, sob a EC 20/98, já afirmada pelo Tribunal (ADnMC 1.010, 29.9.99). 1. O
direito adquirido, quando seja o caso, pode ser oposto com êxito à incidência e à aplicação da norma superveniente à situações subjetivas já constituídas, mas nunca à alteração em abstrato do próprio regime anterior
: por isso, sedimentada no STF a inadmissibilidade da ação direta para aferir da validade da lei posta em confronto com a garantia constitucional do direito adquirido, salvo quando a lei nova, ela mesma prescreva, sua aplicação a situações individuais anteriormente constituídas. 2. Reservado para outra oportunidade o exame mais detido de outros argumentos, é inequívoca, ao menos, a plausibilidade da argüição de inconstitucionalidade da norma local questionada, derivada da combinação, na redação da EC 20/98, do novo art. 40, § 12, com o art. 195, II, da Constituição Federal, e reforçada pela análise do processo legislativo da recente reforma previdenciária, no qual reiteradamente derrotada, na Câmara dos Deputados, a proposta de sujeição de aposentados e pensionistas do setor público à contribuição previdenciária. 3. O art. 195, § 4º, parece não legitimar a instituição de contribuições sociais sobre fontes que a Constituição mesma tornara imunes à incidência delas; de qualquer sorte, se o autorizasse, no mínimo, sua criação só se poderia fazer por lei complementar. 4. Aplica-se aos Estados e Municípios a afirmação da plausibilidade da argüição questionada: análise e evolução do problema. II. Tributos de efeito confiscatório: considerações não conclusivas acerca do alcance da vedação do art. 150, IV, da Constituição. III. Subsídios e vencimentos: teto nacional e subtetos. 1. Ainda que se parta, conforme o entendimento majoritário no STF, de que o novo art. 37, XI e seus corolários, conforme a EC 19/98, tem sua aplicabilidade condicionada à definição legal do subsídio dos seus Ministros, o certo é que, malgrado ainda ineficazes, vigem desde a data de sua promulgação e constituem, portanto, o paradigma de aferição da constitucionalidade de regras infraconstitucionais supervenientes. 2. Admissão, sem compromisso definitivo, da validade sob a EC 19/98 - qual afirmada no regime anterior (RE 228.080) -, da possibilidade da imposição por Estados e Municípios de subtetos à remuneração de seus servidores e agentes políticos: a questão parece não ser a de buscar autorização explícita para tanto na Constituição Federal, mas sim de verificar que nela não há princípio ou norma que restrinja, no ponto, a autonomia legislativa das diversas entidades integrantes da Federação. 3. A admissibilidade de subtetos, de qualquer sorte, sofrerá, contudo, as exceções ditadas pela própria Constituição Federal, nas hipóteses por ela subtraídas do campo normativo da regra geral do art. 37, XI, para submetê-las a mecanismo diverso de limitação mais estrita da autonomia das entidades da Federação: é o caso do escalonamento vertical de subsídios de magistrado, de âmbito nacional (CF, art. 93, V, cf. EC 19/98) e, em termos, o dos Deputados Estaduais. 4. A EC 19/98 deixou intocada na Constituição originária a reserva à iniciativa dos Tribunais dos projetos de lei de fixação da remuneração dos magistrados e servidores do Poder Judiciário (art. 96, II, b); e, no tocante às Assembléias Legislativas, apenas reduziu a antiga competência de fazê-lo por resolução ao poder de iniciativa dos respectivos projetos de lei (art. 27, § 2º): tais normas de reserva da iniciativa de leis sobre subsídios ou vencimentos, à primeira vista, são de aplicar-se à determinação de tetos ou subtetos. 5. Ao controle da validade da lei estadual questionada, no tocante à fixação do teto e do escalonamento dos subsídios da magistratura local, não importa que não discrepem substancialmente dos ditames do art. 93, V, CF: à inconstitucionalidade da lei por incompetência do ente estatal que a editou é indiferente a eventual identidade do seu conteúdo com o da norma emanada da pessoa política competente. 6. Validade, ao primeiro exame, do subteto previsto no âmbito do Poder Executivo estadual, dando-se, porém, interpretação conforme à disposição respectiva, de modo a afastar sua aplicabilidade enquanto não promulgada a lei de fixação do subsídio do Ministro do STF, prevista no art. 37, XI, CF, na redação da EC 19/98. (ADI-MC 2087, SEPÚLVEDA PERTENCE, STF.)
'Reajuste com base na sistemática do Decreto-Lei 2.308/1986. Sua revogação pelo Decreto-Lei 2.335/1987, que instituiu a Unidade de Referência de Preços (URP) para reajuste de preços e salários. Inexistência de direito adquirido. No caso, não há sequer que se falar em direito adquirido pela circunstância de que, antes do final do mês de junho de 1987, entrou em vigor o Decreto-Lei 2.335, que alterou o sistema de reajuste ao instituir a URP, e isso porque, antes do final de junho (ocasião em que, pelo sistema anterior, se apuraria a taxa da inflação), o
que havia era simplesmente uma expectativa de direito, uma vez que o gatilho do reajuste só se verificava, se fosse o caso, nessa ocasião, e não antes. Ademais, não há direito adquirido a vencimentos de funcionários públicos nem a regime jurídico instituído por lei
.' (RE 144.756, Rel. p/ o ac. Min. Moreira Alves, julgamento em 6-6-2012, Plenário, DJ de 18-3-1994.)
2.75. Livre iniciativa de controles estatais:
D'outro tanto, como sabido, a História tem conhecido distintas formas de produção. As comunidades políticas há conviveram com o vergonhoso modo escravista, com o regime de vassalagem, com propostas socialistas e também com o regime capitalista, com todas as suas variáveis.
Grosso modo, há
modelos que advogam uma economia planificada, em que um órgão central detém o controle absoluto do que é produzido e consumido, ditando a forma como devem ser distribuídos e redistribuídos
. De certo modo, essa foi a ambição do regime da extinta URSS. A crítica é que esse modelo, por aniquilar o estímulo individual pelo incremento da própria riqueza (egoísmo individual, teorizado por Adm Smith na obra 'riqueza das nações', e também por Bernard Mandeville, na sua 'fábula das abelas'), acaba por asfixiar o crescimento econômico.
Já a concepção contrária, de conteúdo liberal, atribui a cada sujeito a decisão a respeito do que fazer com os seus próprios talentos e também com o seu patrimônio. Ao invés de se advogar uma propriedade coletiva do excedente econômico, esse ideário funda-se nas ideias de propriedade e contrato. De certo modo, a República Federativa do Brasil adotou um liberalismo mitigado. Reconheceu o direito de propriedade, mas também impôs limites ao seu exercício, tornando-o funcional (
art. 5º, XXIII, Constituição Federal/88
).
A Lei Maior reconheceu que a República brasileira está assentada no reconhecimento do valor social do trabalho e da livre iniciativa (art. 1º, IV, e art. 170,
caput,
CF/88), mas também assegurou inúmeros mecanismos de intervenção estatal na economia, como cediço. Convém ter em conta a antiga lição de José Afonso da Silva, ainda bastante atual:
"Assim, a liberdade de iniciativa econômica privada, num contexto de uma Constituição preocupada com a realização da justiça social (o fim condiciona os meios), não pode significar mais do que 'liberdade de desenvolvimento da empresa no quadro estabelecido pelo poder público, e, portanto, possibilidade de gozar das facilidades e necessidades de submeter-se às limitações postas pelo mesmo.' É legítima, enquanto exercida no interesse da Justiça Social. Será ilegítima, quando exercida com o objeto de puro lucro e realização pessoal do empresário. Daí por que a iniciativa econômica pública, embora sujeita a outros tantos condicionamentos constitucionais, se torna legítima, por mais ampla que seja, quando destinada a assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social.
Cumpre, então, observar que a liberdade de iniciativa econômica não sofre compressão só do Poder Público. Este efetivamente o faz legitimamente nos termos da lei, quer regulando a liberdade de indústria e comércio, em alguns casos impondo a necessidade de autorização ou de permissão para determinado tipo de atividade econômica, quer regulando a liberdade de contratar, especialmente no que tange às relações de trabalho, mas também quanto à fixação de preços, além da intervenção direta na produção e comercialização de certos bens
.
Acontece que o desenvolvimento do poder econômico privado, fundado especialmente na concentração de empresas, é fator de limitação à própria iniciativa privada, na medida em que a concentração capitalista impede ou estorva a expansão de pequenas iniciativas econômicas." (SILVA, José Afonso da.
Curso de direito constitucional positivo.
13. ed. São Paulo: Malheiros, 1997, p. 726)
Daí o igual relevo do art. 1.228, §1º, do atual Código Civil/02:
"O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha. §1º
O direito de propriedade deve ser exercido em consonância com as suas finalidades econômicas e sociais e de modo que sejam preservados, de conformidade com o estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico, bem como evitada a poluição do ar e das águas
."
Reporto-me também aos seguintes julgados prolatados pelo STF:
"American Virginia Indústria e Comércio Importação Exportação Ltda. pretende obter efeito suspensivo para recurso extraordinário admitido na origem, no qual se opõe a interdição de estabelecimentos seus, decorrente do cancelamento do registro especial para industrialização de cigarros, por descumprimento de obrigações tributárias. (...) Cumpre sublinhar não apenas a legitimidade deste outro propósito normativo, como seu prestígio constitucional. A defesa da livre concorrência é imperativo de ordem constitucional (art. 170, IV) que deve harmonizar-se com o princípio da livre iniciativa (art. 170, caput). Lembro que 'livre iniciativa e livre concorrência, esta como base do chamado livre mercado, não coincidem necessariamente. Ou seja, livre concorrência nem sempre conduz à livre iniciativa e vice-versa (cf. Farina, Azevedo, Saes: Competitividade: Mercado, Estado e Organizações, São Paulo, 1997, cap. IV). Daí a necessária presença do Estado regulador e fiscalizador, capaz de disciplinar a competitividade enquanto fator relevante na formação de preços ...' Calixto Salomão Filho, referindo-se à doutrina do eminente Min. Eros Grau, adverte que
'livre iniciativa não é sinônimo de liberdade econômica absoluta
(...).
O que ocorre é que o princípio da livre iniciativa, inserido no caput do art. 170 da CF, nada mais é do que uma cláusula geral cujo conteúdo é preenchido pelos incisos do mesmo artigo
. Esses princípios claramente definem a liberdade de iniciativa não como uma liberdade anárquica, porém social, e que pode, consequentemente, ser limitada.' A incomum circunstância de entidade que congrega diversas empresas idôneas (ETCO) associar-se, na causa, à Fazenda Nacional, para defender interesses que reconhece comuns a ambas e à própria sociedade, não é coisa de desprezar. Não se trata aqui de reduzir a defesa da liberdade de concorrência à defesa do concorrente, retrocedendo aos tempos da 'concepção privatística de concorrência', da qual é exemplo a 'famosa discussão sobre liberdade de restabelecimento travada por Rui Barbosa e Carvalho de Mendonça no caso da Cia. de Juta (Revista do STF (III), 2/187, 1914)', mas apenas de reconhecer que o fundamento para a coibição de práticas anticoncorrenciais reside na proteção a 'ambos os objetos da tutela: a lealdade e a existência de concorrência (...). Em primeiro lugar, é preciso garantir que a concorrência se desenvolva de forma leal, isto é, que sejam respeitadas as regras mínimas de comportamento entre os agentes econômicos. Dois são os objetivos dessas regras mínimas. Primeiro, garantir que o sucesso relativo das empresas no mercado dependa exclusivamente de sua eficiência, e não de sua 'esperteza negocial' - isto é, de sua capacidade de desviar consumidores de seus concorrentes sem que isso decorra de comparações baseadas exclusivamente em dados do mercado.' Ademais, o caso é do que a doutrina chama de tributo extrafiscal proibitivo, ou simplesmente proibitivo, cujo alcance, a toda a evidência, não exclui objetivo simultâneo de inibir ou refrear a fabricação e o consumo de certo produto. A elevada alíquota do IPI caracteriza-o, no setor da indústria do tabaco, como tributo dessa categoria, com a nítida função de desestímulo por indução na economia. E isso não pode deixar de interferir na decisão estratégica de cada empresa de produzir ou não produzir cigarros. É que, determinada a produzi-lo, deve a indústria submeter-se, é óbvio, às exigências normativas oponíveis a todos os participantes do setor, entre as quais a regularidade fiscal constitui requisito necessário, menos à concessão do que à preservação do registro especial, sem o qual a produção de cigarros é vedada e ilícita." (AC 1.657-MC, voto do Rel. p/ o ac. Min. Cezar Peluso, julgamento em 27-6-2007, Plenário, DJ de 31-8-2007.)
"
É certo que a ordem econômica na Constituição de 1988 define opção por um sistema no qual joga um papel primordial a livre iniciativa. Essa circunstância não legitima, no entanto, a assertiva de que o Estado só intervirá na economia em situações excepcionais
. Mais do que simples instrumento de governo, a nossa Constituição enuncia diretrizes, programas e fins a serem realizados pelo Estado e pela sociedade.
Postula um plano de ação global normativo para o Estado e para a sociedade, informado pelos preceitos veiculados pelos seus arts. 1º, 3º e 170. A livre iniciativa é expressão de liberdade titulada não apenas pela empresa, mas também pelo trabalho
. Por isso a Constituição, ao contemplá-la, cogita também da 'iniciativa do Estado'; não a privilegia, portanto, como bem pertinente apenas à empresa. Se de um lado a Constituição assegura a livre iniciativa, de outro determina ao Estado a adoção de todas as providências tendentes a garantir o efetivo exercício do direito à educação, à cultura e ao desporto (arts. 23, V, 205, 208, 215 e 217, § 3º, da Constituição). Na composição entre esses princípios e regras há de ser preservado o interesse da coletividade, interesse público primário. O direito ao acesso à cultura, ao esporte e ao lazer são meios de complementar a formação dos estudantes." (ADI 1.950, Rel. Min. Eros Grau, julgamento em 3-11-2005, Plenário, DJ de 2-6-2006.)
"
A possibilidade de intervenção do Estado no domínio econômico não exonera o Poder Público do dever jurídico de respeitar os postulados que emergem do ordenamento constitucional brasileiro
. Razões de Estado - que muitas vezes configuram fundamentos políticos destinados a justificar, pragmaticamente,
ex parte principis,
a inaceitável adoção de medidas de caráter normativo - não podem ser invocadas para viabilizar o descumprimento da própria Constituição. As normas de ordem pública - que também se sujeitam à cláusula inscrita no art. 5º, XXXVI, da Carta Política (RTJ 143/724) - não podem frustrar a plena eficácia da ordem constitucional, comprometendo-a em sua integridade e desrespeitando-a em sua autoridade." (RE 205.193, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 25-2-1997, Primeira Turma, DJ de 6-6-1997.)
Percebe-se, tanto por isso, que - em que pese deva ser assegurada a
liberdade de empresa
-, cabe ao Estado fiscalizar o exercício de atividades de risco, sobremodo quando possam comprometer a saúde da população e os interesses de gerações presentes e futuras.
Sem dúvida que
"A empresa é a célula essencial da economia de mercado e cumpre relevante função social, na medida em que, ao explorar a atividade prevista em seu objeto e ao perseguir seu objetivo - o lucro -, promove interações econômicas (produção ou circulação de bens ou serviços) com outros agentes do mercado, consumindo, vendendo, gerando empregos, pagando tributos, movimentando a economia, desenvolvendo a comunidade em que está inserida, enfim, criando riqueza e ajudando no desenvolvimento do país, não porque esse seja seu objetivo final - de fato, não o é -, mas simplesmente em razão de um efeito colateral benéfico (que os economistas chamam de externalidade positiva) do exercício da sua atividade."
(SCALZILLI, João Pedro; SPINELLI, Luis Felipe; TELLECHEA, Rodrigo.
Recuperação de empresas e falência:
teoria e prática na lei n. 11.101/2005. Coimbra: Almedina. 2016. p. 73).
Todavia, convém também ter em conta
"Nem toda empresa merece ser preservada. Não existe, no direito brasileiro ou em qualquer outro dos que temos notícia, um princípio da preservação da empresa a todo custo. Na verdade, a LREF consagra, no sentido exatamente oposto, um princípio complementar ao da preservação da empresa que é o da retirada do mercado da empresa inviável. Ora, não é possível - nem razoável - exigir que se mantenha uma empresa a qualquer custo; quando os agetes econômicos que exploram a atividade não estão aptos a criar riqueza e podem prejudicar a oferta de crédito, a segurança e a confiabilidade do mercado, é sistematicamente lógico que eles sejam retirados do mercado, o mais rápido possível, para o bem da economia como um todo, sempre com a finalidade de se evitar a criação de maiores problemas."
((SCALZILLI.
Obra citada.
p. 77).
2.76. Eventual expropriação - considerações gerais:
Seabra Fagundes sustentou que
"A rigor, seria necessário desdobrar em três as causas justificativas do direito de expropriar.
O conceito de utilidade pública é, em si, tão amplo que a menção apenas dessa causa bastaria a autorizar a incorporação ao patrimônio estatal da propriedade privada tanto quanto fosse útil fazê-lo, como quando tal se afigurasse necessário ou de interesse social
. A utilidade não implica necessariamente necessidade ou interesse social (em sentido estrito); mas o procedimento que for de necessidade pública ou de interesse social será, forçosamente, de utilidade pública."
(FAGUNDES, Seabra citado por SALLES, José Carlos de Moraes.
A desapropriação:
à luz da doutrina e jurisprudência. 6. ed. rev. atual. ampl. São Paulo: RT. 2009. p. 79).
Ainda segundo Seabra Fagundes,
"
a necessidade pública aparece quando a Administração se encontra diante de um problema inadiável e premente, isto é, quando não pode ser removido nem procrastinado e para cuja solução é indispensável incorporar no domínio do Estado o bem particular
. A utilidade pública existe quando a utilização da propriedade privada é conveniente e vantajosa ao interesse coletivo, mas não constitui um imperativo irremovível. Haverá motivo de interesse social quando a expropriação se destine a solucionar os chamados problemas sociais, isto é, aqueles diretamente atinentes às classes pobres, aos trabalhadores e à massa do povo em geral pela melhoria das condições de vida, pela mais equitativa distribuição da riqueza, enfim, pela atenuação das desigualdades sociais. Com base nele terão lugar as expropriações que se façam para atender a plano de habitações populares ou de distribuição de terras, à monopolização de indústrias ou de nacionalização de empresas, quando relacionadas com a política econômico-trabalhista do governo etc."
(FAGUNDES, Seabra
apud
SALLES, José Carlos de Moraes.
Obra citada.
p. 79-80).
A legislação veicula uma distinção entre os casos de desapropriação por utilidade pública e os casos de desapropriação por interesse social. Como explicita José Carlos de Moraes Salles,
"
o legislador houve por bem tratar das duas espécies de expropriação em diplomas legais diversos, muito embora nada o impedisse de fazê-lo em um único. Motivos de ordem histórica levaram à duplicidade de diplomas. Com efeito, o Decreto-lei n. 3.365/1941, que disciplina a desapropriação por utilidade pública, foi editado sob a égide da Constituição de 1937, que não previa a expropriação por interesse social
. Essa só veio a ser mencionada na Constituição de 1946 (art. 141, §16), de que sorte que apenas em 1962 veio à luz o primeiro diploma legal sobre a expropriação por interesse social (lei n. 4.132, de 10.09.1962), seguido, mais tarde, pela lei n. 4.504, de 30.11.19654 (Estatuto da Terra), que estabeleceu outros casos de desapropriação dessa natureza (v. também a lei complementar 76, de 06.07.1993, que, no art. 25, revogou o decreto-lei n. 554, de 25.04.1969). Mencione-se ainda a lei n. 8629/1993, que dispõe sobre a regulamentação dos dispositivos constiotucionais relativos à reforma agrária."
(
SALLES, José Carlos de Moraes. Obra citada. p. 81-82).
O fato é que a enumeração legal dos casos de desapropriação é meramente ilustrativa, eis que a medida é mecanismo indispensável para a atuação do próprio Estado, encontrando fundamento na premissa de que a coletividade possui interesses próprios, limitando o exercício da propriedade individual, conforme se infere, por exemplo, do
art. 1.228, §1º, Código Civil
: "
O direito de propriedade deve ser exercido em consonância com as suas finalidades econômicas e sociais e de modo que sejam preservados, de conformidade com o estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico, bem como evitada a poluição do ar e das águas."
Logo, caso sobrevenha algum caso de necessidade ou de utilidade pública, ou de interesse social, ainda que não previsto expressamente na lei, a desapropriação será cabível, atentando-se para as balizas constitucionais, desde que se trate, de fato, de interesse público primário, atrelado aos fundamentos da República (a respeito, leia-se SALLES, José C.
Obra citada.
p. 85).
Note-se, ademais, ser exigida a declaração de utilidade pública, na forma do art. 2º do decreto-lei n. 3.365/1941: "
Mediante declaração de utilidade pública, todos os bens poderão ser desapropriados pela União, pelos Estados, Municípios, Distrito Federal e Territórios."
Ademais,
"
Os bens do domínio dos Estados, Municípios, Distrito Federal e Territórios poderão ser desapropriados pela União, e os dos Municípios pelos Estados, mas, em qualquer caso, ao ato deverá preceder autorização legislativa
."
(art. 2º, §2º).
Também é importante ter em conta que
"O dispositivo legal supratranscrito estabeleceu, portanto, a possibilidade de desapropriação de bens públicos, determinando, entretanto, que se observe a hierarquia existente entre as entidades políticas, de modo que só as maiores poderão expropriar bens pertencentes às menores. Destarte, não poderá o Estado-membro expropriar bens do patrimônio da União, nem o município desapropriar bem pertencente ao Estado-membro."
(
Obra citada.
p. 115).
Atente-se, outrossim, para a lógica dos seguintes julgados:
ADMINISTRATIVO. DESAPROPRIAÇÃO. DESCONSTITUIÇÃO DE TÍTULO DOMINIAL CONFERIDO PELO ESTADO DO PARANÁ. LEGITIMIDADE PASSIVA DO ESTADO DO PARANÁ. ÁREA DE FRONTEIRA. BEM PERTENCENTE À UNIÃO. RATIFICAÇÃO. REQUISITOS. INDENIZAÇÃO. DESCABIMENTO. COISA JULGADA. DECADÊNCIA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS.1. O Estado é parte legítima para figurar no polo passivo da ação em que se busca a declaração de nulidade dos títulos outorgados a non domino pelo ente estatal, restando configurado seu interesse direto na causa. 2.
A alienação pelo Estado de imóvel, situado na faixa de 66 km, a terceiro é nula, porque pertencente à União, não estando sujeita à convalidação, à prescrição ou decadência. 3. Reconhecida a nulidade de toda a cadeia dominial de imóvel pertencente à União, nenhuma indenização é devida ao suposto proprietário, pela "perda" da propriedade. A uma, porque bens públicos são insuscetíveis de sofrer aquisição via usucapião, consoante dispõe a Súmula 340 do Supremo Tribunal Federal
. A duas, porque o expropriado não demonstrou exercer posse sobre o imóvel e, por isso, não há como se presumir que tenha sido retitulado. (TRF4, AC 5005362-06.2011.404.7002, QUARTA TURMA, Relatora VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA, juntado aos autos em 02/06/2014)
TERRENO DE MARINHA. DESAPROPRIAÇÃO POR MUNICÍPIO. IMPOSSIBILIDADE. OPOSIÇÃO. 1.
É impossível a desapropriação de terreno de marinha por Município
. 2. Oposição acolhida, nos termos dos art.56 e seguintes do CPC.(REO 200071000205933, VÂNIA HACK DE ALMEIDA, TRF4 - TERCEIRA TURMA, DJ 26/07/2006 PÁGINA: 762.)
Desde que tenha sido publicado o decreto de utilidade pública, as autoridades estatais ficam autorizadas a penetrar nos prédios abrangidos pela declaração (art. 7º do decreto-lei 3.365), exigindo-se, porém, a pertinente moderação. A data da publicação do referido decreto é o termo inicial para o cômputo do prazo decadencial de 05 anos, previsto no art 10 do DL 3.365
.
Acrescente-se que a data da publicação do decreto de expropriação também surte efeitos sobre o alcance da indenização, eis que as benfeitorias úteis promovidas pelo possuidor, depois daquela data, apenas serão indenizadas quando autorizadas pelo poder expropriante (art. 26,§1º, DL 3365). Remanesce polêmica a respeito do momento em que se ultima a expropriação, havendo entendimento sustentando operar-se com o pagamento da indenização, enquanto que também há tese sustentando consumar-se com o registro imobiliário (art. 167, I, '34' e art. 176, §8º, da lei n. 6.015/1973 com lei n. 12.424/2011).
Também é importante ter em conta que a data da publicação do aludido decreto de utilidade pública surte o
efeito de fixar o estado físico do imóve
l, para fins de aferição do seu
quantum
econômico, para fins de indenização. Ora,
"Seabra Fagundes faz referência, ainda, ao chamado período suspeito, que se inicia com a declaração de utilidade pública e só se encerra com a transferência efetiva do bem ao expropriante. Nesse período, afirma ele, surge uma fase intermediária entre a livre propriedade anterior do indivíduo e a propriedade ulterior da Fazenda Pública, na qual o indivíduo ainda é dono, mas, não dispõe integralmente da coisa e o Patrimônio Público, sem ser ainda titular do direito de propriedade, está na certeza de incorporá-lo no seu ativo, dentro de certo lapso de tempo, e atendidas certas formalidades. Nem o dono detém o direito de propriedade em toda a sua plenitude (uso, gozo e disposição, segundo o art. 524 do CC/1916), nem a Administração pode utilizá-lo e dele dispor. O indivíduo sofre restrição na livre disposição do bem em virtude da declaração de utilidade e a Fazenda Pública não pode usá-lo na dependência da fixação e pagamento do preço."
(FAGUNDES, Seabra
apud
SALLES, José Carlos de Moraes.
Obra citada.
p. 92-93).
Aludida declaração de utilidade pública pode ser promovida pelo Poder Executivo - como costuma ocorrer - ou pelo Poder Legislativo, cuidando-se então do que alguns denominam de lei de efeitos concretos (art. 8º, DL 3.365). Registre-se também que o mero decreto de utilidade pública não implica, por si, perda de propriedade e de algumas das projeções do domínio (STF, RDA 70/223), sendo relevante atentar para a súmula 23 do Supremo Tribunal: "
Verificados os pressupostos legais para o licenciamento da obra, não o impede a declaração de utilidade pública para desapropriação do imóvel, mas o valor da obra não se incluirá na indenização, quando a desapropriação for efetivada
."
A publicação do aludido decreto não impede a eventual desistência, por parte do Poder Público, da desapropriação, contando que indenize os prejuízos porventura suportados pelo particular atingido pelo ato (RT 446/147). Anote-se, ademais, que referido decreto deve individualizar, tanto quanto possível, o bem atingido pela desapropriação, dado que as declarações genéricas,
"sem embargo da manifesta utilidade do fim a que se destina, causa sérios prejuízos aos proprietários dos imóveis que genericamente abrange, muitos dos quais ficarão com uma desapropriação pendendo, durante cinco anos, sobre suas cabeças, verdadeira espada de Dâmocles, com quase certeza, entretanto, de que não se concretizará."
(SALLES, José Carlos de Moraes.
Obra citada.
p. 101).
Convém atentar, ademais, para o conceito de desapropriação por zona, relevante quando se toma em conta a construção de estradas. Ao pressentir uma significativa valorização do entorno de uma obra pública, a Administração Pública pode declarar a utilidade pública de uma área maior do que aquela diretamente afetada ao empreendimento, com o fim de promover uma alienação subsequente
(art. 4º do decreto-lei 3.365).
Já o art. 5º do decreto-lei 3.365 discrimina os casos de declaração de utilidade pública, cuidando-se de uma lista
numeros apertus,
com caráter ilustrativo, como já mencionado. Na espécie, merece destaute o art. 5º, 'i', veiculado pela lei n. 9.785:
"Consideram-se casos de utilidade pública: (...) a abertura, conservação e melhoramento de vias ou logradouros públicos; a execução de planos de urbanização; o parcelamento do solo, com ou sem edificação, para sua melhor utilização econômica, higiênica ou estética; a construção ou ampliação de distritos industriais."
Salvo situações teratológicas, é vedado ao Judiciário decidir se estariam preenchidos os requisitos para a declaração da utilidade pública. Importa dizer: em regra, é vedado, ao Poder Judiciário, reformular o juízo de oportunidade e conveniência promovido pela Administração Pública, conforme estipula o art. 9º do decreto-lei 3.365/1941
. A imissão na posse é regulada pelo art. 15 do DL 3365, pelo Decreto-lei 1.075, de 22 de janeiro de 1970, pelo Decreto-lei 512, de 21 de março de 1969 e pela lei complementar 76, de 06 de julho de 1993 (art. 6º). No que toca ao âmbito de defesa do desapropriado, o art. 20 do Decreto-lei 3.365 dispõe que o requerido pode alegar a ocorrência de vícios no processo expropriatório ou equívoco quanto à precificação do bem. Eventuais outros temas devem ser debatidos em ação direta, cuidando-se de limitação horizontal às teses defensivas, semelhantes àquelas presentes no art. 5º da lei 5.741/1971 e art. 557, do CPC/2015, por exemplo.
2.77. Desapropriação indireta:
Também chamada de desapossamento administrativo, a desapropriação indireta se dá quado o Poder Público,
"inexistino acordo ou processo judicial adeqado, se apossa de bem do particular, sem o consentimento do seu proprietário. Transfere, pois, a esse último os ônus da desapropriação, obrigando-o a ir a juíz para reclamar a indenização a que faz jus. Invertem-se, portanto, as posições: o expropriante, que deveria ser autor da ação expropriatória, passa a ser réu da ação indenizatória; o expropriado, que deveria ser réu da expropriatória, passa a ser autor da indenizatória."
(SALLES, José Carlos de Moraes.
A desapropriação:
à luz da doutrina e da jurisprudência. 6. ed. São Paulo: RT. 2009. p. 728).
Segundo Miguel Reale,
"a expropriação indireta pressupõe o desapossamento de um bem particular, através de atos de ocupação que, por sua natureza e alcance, positivem a sua transferência definitiva para o patrimônio público, sem ter havido o devido processo expropriatório"
(REALE, Miguel
apud
SALLES, José Carlos de Moraes.
Obra citada.
p. 728).
Semelhante foi a avaliação da Suprema Cort, ao enfatizar que a
"
chamada ação de desapropriação indireta, criação pretoriana à base de reivindicação convertida em indenizatória de esbulho, funda-se, em última análise, na prática de ato ilícito dos prepostos da autoridade que deveria ter promovido desapropriação com imissão de posse e, entretanto, não o fez, ordenando a violência ou fraude contra o particular
."
(RT 465/238).
Convém não confundir, porém, desapropriação indireta com a imposição de limitações administrativas, como já deliberado pelo eg. TRF4:
PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. DESAPROPRIAÇÃO INDIRETA. MATA ATLÂNTICA. DECRETO LEI Nº 750/1993. APLICABILIDADE LIMITAÇÃO ADMINISTRATIVA. PRESCRIÇÃO. 1. Impróprio o pedido de indenização, uma vez que a limitação administrativa não retirou todo o conteúdo econômico da propriedade, tampouco impossibilitou o uso e gozo da totalidade do bem. 2.
O Decreto nº 750/93 permite a exploração seletiva de determinadas espécies nativas nas áreas cobertas, ainda que por vegetação primária ou nos estágios avançado e médio de regeneração da Mata, desde de que observados determinados requisitos
. 3. Dúvida não há quanto à ocorrência de prescrição qüinqüenal no caso em tela, isso em virtude da presente ação ter sido ajuizada em abril de 2009.
(AC 00004653120094047118, MARGA INGE BARTH TESSLER, TRF4 - QUARTA TURMA, D.E. 05/04/2010.)
ADMINISTRATIVO. DESAPROPRIAÇÃO INDIRETA. MATA ATLÂNTICA. LIMITAÇÃO ADMINISTRATIVA. INDENIZAÇÃO IMPRÓPRIA. POSSIBILIDADE DE EXPLORAÇÃO SELETIVA. I. Tratando-se de Mata Atlântica, mostra-se impróprio o pedido de indenização, uma vez que a limitação administrativa não retirou todo o conteúdo econômico da propriedade, nem impossibilitou o uso e gozo da totalidade do bem. II.
O Decreto nº 750/93 permite a exploração seletiva de determinadas espécies nativas nas áreas cobertas, ainda que por vegetação primária ou nos estágios avançado e médio de regeneração da Mata, desde de que observados certos requisitos
.
(AC 200504010510525, VALDEMAR CAPELETTI, TRF4 - QUARTA TURMA, DJ 20/09/2006 PÁGINA: 996.)
2.78.
Limitações administrativas:
José dos Santos Carvalho Filho explicita que as
"Limitações administrativas são determinações de caráter geral, através das quais o Poder Público impõe a proprietários determinadas obrigações positivas, negativas ou permissivas, para o fim de condicionar as propriedades ao atendimento da função social".
(CARVALHO FILHO, José dos Santos.
Manual de direito administrativo.
24. ed. Rio de Janeiro: Lúmen Juris, 2011, p. 730).
Ainda segundo José Carvalho Filho:
"
É exemplo de obrigação positiva aos proprietários a que impõe a limpeza de terrenos ou a que impõe o parcelamento ou a edificação compulsória. Podem ser impostas também obrigações negativas: é o caso da obrigação de construir além de determinado número de pavimentos, limitação conhecida como gabarito de prédios
. Limita-se ainda a propriedade por meio de obrigações permissivas, ou seja, aqueles em que o proprietário tem que tolerar a ação administrativa. Exemplos: permissão de vistoria em elevadores de edifícios e ingresso de agentes para fins de vigilância sanitária.
No caso de limitações administrativas, o Poder Público não pretende levar a cabo qualquer obra ou serviço público. Pretende, ao contrário, condicionar as propriedades à verdadeira função social que delas é exigida, ainda que em detrimento dos interesses individuais dos proprietários. Decorrem elas do
ius imperii
do Estado que, como bem observa Hely Lopes Meirelles, tem o domínio eminente e potencial sobre todos os bens de seu território, de forma que, mesmo sem extinguir o direito do particular, tem o poder de adequá-lo coercitivamente." (CARVALHO FILHO, José dos Santos.
Manual de direito administrativo.
24. ed. Rio de Janeiro: Lúmen Juris, 2011, p. 731)
Vê-se que essa categoria admite uma concepção ampla e também uma leitura restrita; quanto ao conceito amplo, qualquer restrição legislativa - por exemplo, a imposição de que o exercício do direito de propriedade cumpra sua função social (art. 1.228, CC/02) - poderia ser entendida como projeção do poder de polícia (i.e., como uma limitação imposta pela Administração Pública). Em sentido restrito, porém, as limitações administrativas possuem as seguintes características, segundo o juiz Luis Manuel Fonseca Pires:
"Enfim, segundo toda a doutrina que declinamos podemos indicar, em geral, as seguintes características das limitações administrativas à liberdade e propriedade: a) trata-se de uma manifestação da função administrativa; b) fundamenta-se na supremacia geral; c) absolutamente subordinada à ordem jurídica; d) caracteriza-se pela prática de atos de império, o que significa dizer que decorrem da manifestação de um poder de autoridade; e) tratam da conformação de direitos e da manutenção da ordem jurídica; f) podem fundar-se numa competência discricionária ou vinculada, mas em qualquer caso se trata de um dever da Administração, e não simples faculdade; g) pela ótica da finalidade última que se quer alcançar caracteriza-s, para parcela significativa da doutrina, por ser um não-fazer, pois se deseja que o administrado não se comporte de forma a prejudicara si ou a terceiros; h) em alguns casos há a autoexecutoriedade." (PIRES, Luis Manuel Fonseca.
Limitações administrativas à liberdade e propriedade.
São Paulo: Quartier Latin, 2006, p. 204-205)
No dizer de José dos Santos Carvalho Filho, por seu turno, as limitações administrativas
"serão sempre gerais, porque, contrariamente ao que ocorre com a formas interventivas anteriores, as limitações não se destinam a imóveis específicos, mas a um grupamento de propriedade em que é dispensável a identificação. Há, pois, indeterminabilidade acerca do universo de destinatários e de propriedades atingidas pelas limitações."
(CARVALHO FILHO, José dos Santos.
Manual de direito administrativo,
p. 732).
Há também quem dissocie limitação administrativa, de um lado, e restrição a direitos, de outro
. A limitação administrativa trataria de atribuir os próprios contornos, próprios ao exercício do direito (p.ex., a obrigação de que o proprietário do imóvel reserve espaço do imóvel para a calçada). A restrição ao direito envolver uma limitação ao exercício de um direito, cujos contornos já tenham sido previamente delimitados pelo ordenamento.
Dado o caráter geral, no mais das vezes, ditas limitações administrativas não ensejarão o dever de reparação de danos, cumprindo atentar, também aqui, para a lição de Carvalho Filho:
"
Sendo imposições de ordem geral, as limitações administrativas não rendem ensejo à indenização em favor dos proprietários. As normas genéricas, obviamente, não visam a uma determinada restrição nesta ou naquela propriedade, abrangem quantidade indeterminada de propriedades
. Desse modo, podem contrariar interesses dos proprietários, mas nunca direitos subjetivos. Por outro lado, não á prejuízos individualizados, mas sacrifícios gerais a que se devem obrigar os membros da coletividade.
É mister salientar, por fim, que inexiste causa jurídica para qualquer tipo de indenização a ser paga pelo Poder Público. Não incide, por conseguinte, a responsabilidade civil do Estado geradora do dever indenizatório, a não ser que, a pretexto de impor limitações gerais, o EStado cause prejuízo a determinados proprietários em virtude de conduta administrativa. Aí sim, haverá vício na conduta e ao Estado será imputada a devida responsabilidade, na forma do que dispõe o art. 37, §6º, Constituição."
(CARVALHO FILHO, José dos Santos.
Manual de direito administrativo.
24. ed. Rio de Janeiro: Lúmen Juris, 2011, p. 733).
Semelhante é a análise do juiz Fonseca Pires:
"Identificada a natureza jurídica das
restrições administrativas
- trata-se de espécie de sacrifício de direito - é preciso então traçar os limites dos danos indenizáveis. (...) Outra consequência lógica da natureza jurídica das restrições administrativas é que se o esvaziamento total ou parcial de um direito ocorre por uma autorização do ordenamento jurídico, como ocorre com as desapropriações, servidões e tombamentos, é preciso aplicar, por analogia, o mecanismo da expropriação de direitos, o que significa, em última análise, a exigência de prévia e justa indenização em dinheiro, nos termos do art. 5º, inc. XXIV, Constituição."
(PIRES, L. Manuel Fonseca.
Limitações administrativas à liberdade e propriedade.
São Paulo: Quartier Latin, 2006, p. 323).
Atente-se para os seguintes julgados, emanados do Supremo Tribunal Federal:
CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. CIVIL. LIMITAÇÃO ADMINISTRATIVA. INDENIZAÇÃO. I -
Se a restrição ao direito de construir advinda da limitação administrativa causa aniquilamento da propriedade privada, resulta, em favor do proprietário, o direito à indenização
. Todavia, o direito de edificar é relativo, dado que condicionado à função social da propriedade. Se as restrições decorrentes da limitação administrativa preexistiam à aquisição do terreno, assim já do conhecimento dos adquirentes, não podem estes, com base em tais restrições, pedir indenização ao poder público. II. - R.E. não conhecido. (RE 140436, CARLOS VELLOSO, STF.)
"
Reserva Florestal Serra do Mar: indenização. É da jurisprudência do Supremo Tribunal que é devida indenização pela desapropriação de área pertencente à Reserva Florestal Serra do Mar, independentemente das limitações administrativas impostas para proteção ambiental dessa propriedade
." (RE 471.110-AgR, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, julgamento em 14-11-2006, Primeira Turma, DJ de 7-12-2006)
O Superior Tribunal de Justiça tem enfatizado, em diapasão contrário, que limitações administrativas decorrentes de imposições gerais não seriam suscetíveis de indenização:
PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. DECRETO ESTADUAL 10.251/77. CRIAÇÃO DO PARQUE ESTADUAL DA SERRA DO MAR. ESVAZIAMENTO DO CONTEÚDO ECONÔMICO DA PROPRIEDADE. INDENIZAÇÃO INDEVIDA. LIMITAÇÕES ADMINISTRATIVAS DE CARÁTER GERAL. MATÉRIA PACIFICADA NO ÂMBITO DA PRIMEIRA SEÇÃO. DISSÍDIO NÃO CONFIGURADO. AUSÊNCIA DE INDICAÇÃO DE DISPOSITIVO DE LEI FEDERAL SOBRE O QUAL RECAI A DIVERGÊNCIA. 1.
O acórdão de origem seguiu a jurisprudência consolidada nesta corte no sentido de que, para que fique caracterizada a desapropriação indireta, exige-se que o estado assuma a posse efetiva de determinando bem, destinando-o à utilização pública, o que não ocorreu na hipótese dos autos, visto que a posse dos autores permaneceu íntegra, mesmo após a edição do decreto estadual 10.251/77, que criou o parque estadual da serra do mar
. 2. Não é possível conhecer do recurso especial no tocante à alegada divergência jurisprudencial. Isso porque mesmo nas hipóteses em que se alega divergência jurisprudencial no apelo excepcional, é necessária a indicação do dispositivo da legislação infraconstitucional federal sobre o qual recai a divergência, sob pena de atração da Súmula 284/STF: "É inadmissível o recurso extraordinário, quando a deficiência na sua fundamentação não permitir a exata compreensão da controvérsia". 3. Agravo regimental não provido. ..EMEN: (AGA 201001551917, MAURO CAMPBELL MARQUES, STJ - SEGUNDA TURMA, DJE DATA:09/03/2012 ..DTPB:.)
ADMINISTRATIVO. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. DECRETO ESTADUAL 9.914/77. CRIAÇÃO DO PARQUE ESTADUAL DE ILHABELA. ESVAZIAMENTO DO CONTEÚDO ECONÔMICO DA PROPRIEDADE. INDENIZAÇÃO INDEVIDA. LIMITAÇÕES ADMINISTRATIVAS DE CARÁTER GERAL. 1.
O ato administrativo que criou o Parque Estadual de Ilhabela não impôs aos proprietários outras restrições que não aquelas decorrentes da legislação constitucional e infraconstitucional, sendo certo que essas limitações administrativas, de caráter geral, não constituem direito que ampare qualquer indenização
. 2. Cumpre ressaltar, outrossim, que o recorrido, ao adquirir o imóvel em foco, o fez com pleno e prévio conhecimento das restrições já existentes sobre o mesmo, advindas da legislação federal, fato que não se coaduna com a afirmação de aniquilamento da propriedade em virtude de apossamento que não ocorreu. 3. Recurso especial provido. ..EMEN: (RESP 200601772531, MAURO CAMPBELL MARQUES, STJ - SEGUNDA TURMA, DJE DATA:05/11/2010 ..DTPB:.)
Aquela Corte Superior tem promovido, todavia, a seguinte diferenciação:
"(...) 3.
A limitação administrativa distingue-se da desapropriação; nesta há transferência da propriedade individual para o domínio do expropriante, com integral indenização; naquela há, apenas, restrição ao uso da propriedade imposta genericamente a todos os proprietários, sem qualquer indenização. Limitações administrativas são, p. ex., a proibição de desmatamento de parte da área florestada em cada propriedade rural. Mas, se o impedimento de desmatamento de área florestada atingir a maior parte da propriedade ou sua totalidade, deixará de ser limitação para ser interdição de uso da propriedade, e, neste caso, o Poder Público ficará obrigado a indenizar a restrição que aniquilou o direito dominial e suprimiu o valor econômico do bem
. (Hely Lopes Meirelles. Direito Administrativo Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2009. 35º ed., págs. 645/646). 4. Não há desapropriação indireta sem que haja o efetivo apossamento da propriedade pelo Poder Público. Desse modo,
as restrições ao direito de propriedade, impostas por normas ambientais, ainda que esvaziem o conteúdo econômico, não se constituem desapropriação indireta
. (...) (AGRESP 201100196250, HUMBERTO MARTINS, STJ - SEGUNDA TURMA, DJE DATA:13/04/2011 ..DTPB:, omiti parte da ementa)
"(...) 1. Esta Corte Superior entende que é indevida qualquer indenização em favor dos proprietários dos terrenos em área de preservação permanente,
salvo se comprovada limitação administrativa mais extensa que as já existentes
., 2. In casu, o Tribunal a quo fixou expressamente que foram os decretos municipais
os atos que realmente esvaziaram o conteúdo econômico da propriedade. Portanto, comprovada limitação administrativa mais extensa que as já existentes, cabe a indenização em favor dos proprietários dos terrenos em área de preservação permanente
. 3. A decisão monocrática ora agravada baseou-se em jurisprudência do STJ, razão pela qual não merece reforma. 4. Agravo regimental não provido. ..EMEN:" (AGA 200901145954, MAURO CAMPBELL MARQUES, STJ - SEGUNDA TURMA, DJE DATA:20/09/2010 ..DTPB:.)
PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. MATA ATLÂNTICA. DECRETO 750/1993. LIMITAÇÃO ADMINISTRATIVA. PRESCRIÇÃO QUINQUENAL. REVOGAÇÃO DO DECRETO. PERDA DO OBJETO. TAMANHO DO IMÓVEL. IRRELEVÂNCIA. SÚMULA 7/STJ. INAPLICABILIDADE. 1. Hipótese em que o aresto recorrido afastou a prescrição quinquenal e determinou a realização de perícia para aferir se as restrições ao aproveitamento da vegetação da Mata Atlântica trazidas pelo Decreto 750/1993 caracterizam desapropriação indireta ou mera limitação administrativa. 2. A matéria recursal restringe-se a interpretar os efeitos do Decreto 750/1993 e a consequente incidência da norma prescricional quinquenal, prevista no Decreto 20.910/1932, o que é cabível em Recurso Especial. Inaplicabilidade da Súmula 7/STJ. PERDA DO OBJETO 3. Após o julgamento da Apelação, o Decreto 750/1993 foi expressamente revogado pelo art. 51 do Decreto 6.660/2008, que regulamenta a Lei da Mata Atlântica (Lei 11.428/2006). 4. Com a revogação do ato especificamente apontado pelos recorridos como ensejador da desapropriação indireta, configura-se a perda do objeto da ação a ensejar sua extinção sem resolução de mérito.
DECRETO 750/93 - LIMITAÇÃO ADMINISTRATIVA 5. O STJ pacificou o entendimento de que o Decreto 750/1993 estabeleceu mera limitação administrativa, e não desapropriação indireta, pois não exclui o domínio particular sobre a terra, mas apenas condiciona o exercícios dos direitos inerentes à propriedade. PRECEDENTES DO STJ
6. Cito precedentes nesse sentido: EDcl nos EDcl no REsp 1099169/PR , Rel. Ministra Eliana Calmon, Segunda Turma, j. 11.6.2013; REsp 1.120.304/SC, Rel. Ministra Eliana Calmon, Segunda Turma, DJe 29.5.2013; REsp 752.232/PR, Rel. Ministro Castro Meira, Segunda Turma, DJe 19.6.2012; AgRg no Ag 1.337.762/SC, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, DJe 12.6.2012; AgRg nos EDcl no REsp 1.116.304/SC, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, DJe 13.12.2011; REsp 1.275.680/RS, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 1.12.2011; AgRg no REsp 1.204.607/SC, Rel. Ministro Cesar Asfor Rocha, Segunda Turma, DJe 17.5.2011; AgRg no REsp 404.791/SP, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe 26.4.2011; AgRg no REsp 934.932/SC, Rel. Ministro Teori Albino Zavascki, Primeira Turma, DJe 26.5.2011; AgRg nos EREsp 752.813/SC, Rel. Ministro Teori Albino Zavascki, Primeira Seção, DJe 9.5.2011; AgRg no Ag 1.221.113/SC, Rel. Ministro Arnaldo Esteves Lima, Primeira Turma, DJe 17.2.2011; REsp 1.126.157/SC, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 5.11.2010; REsp 1.180.239/SC, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 20.9.2010; REsp 1.172.862/SC, Rel. Ministra Eliana Calmon, Segunda Turma, DJe 26.3.2010; EREsp 922.786/SC, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Seção, DJe 15.9.2009; REsp 1.171.557/SC, Rel. Ministro Castro Meira, Segunda Turma, DJe 24.2.2010. 7. Na origem, o presente caso foi julgado conjuntamente com sete outros, sendo idêntico ao dos Recursos Especiais 1.098.162/SC (Rel. Min. Eliana Calmon), e 1.098.163/SC e 1.099.428/SC (Rel. Min. Humberto Martins), em que, mesmo em se tratando de minifúndios, reconheceu-se que o Decreto 750/93 fixou limitação administrativa e que se aplicou a prescrição quinquenal. AUSÊNCIA DE REDUÇÃO DA ÁREA CULTIVADA 8. Cabe observar que, no caso dos autos, o Decreto 750/1993 não diminuiu a área então cultivada pelos recorridos, até porque não há Mata Atlântica na lavoura. Apenas impediu nova supressão da cobertura florística, especificamente a vegetação primária ou nos estágios avançado e médio de regeneração. O efeito possível do Decreto é restringir a ampliação do aproveitamento econômico do imóvel, mas não reduzir a exploração já existente. MINIFÚNDIOS 9. Caso os minifúndios sejam excluídos da jurisprudência relativa à limitação administrativa, o STJ estará afastando a aplicação da lei em relação à maioria absoluta dos imóveis rurais na região Sul do Brasil. Registre-se que só em Santa Catarina, segundo dados oficiais, existem 167.335 pequenas propriedades rurais. O que seria exceção à jurisprudência deste Tribunal tornar-se-ia a regra para o local, contribuindo-se para a desproteção dos 5% de Mata Atlântica que restam no País. CONCLUSÃO 10. Agravo Regimental provido. ..EMEN: (AGRESP 200802230436, CASTRO MEIRA, STJ - SEGUNDA TURMA, DJE DATA:04/10/2013 RSTJ VOL.:00233 PG:00156 ..DTPB:.)
Junto ao eg. Tribunal Regional da 4ª Região, colho o que segue:
UNIÃO. IBAMA. DESAPROPRIAÇÃO INDIRETA. PRESCRIÇÃO. INDENIZAÇÃO. Jurisprudência vem se manifestando pela configuração de desapropriação indireta nas hipóteses de restrições ao uso da propriedade decorrentes da instituição de área de reserva ambiental, tendo em conta, principalmente, a limitação imposta na exploração do bem, vaziado em seu conteúdo econômico.
A questão da indenizabilidade ou não das limitações administrativas transfere-se para o âmbito da jurisprudência, ora deferindo-a, ora afastando-a. Isso se dá, principalmente, pelo fato de que o conceito doutrinário não pode ser adotado de forma imutável. Para tanto, o julgador deve levar em consideração a extensão da restrição imposta ao direito de propriedade e as condições pessoais do proprietário
. (AG 200704000025830, VÂNIA HACK DE ALMEIDA, TRF4 - TERCEIRA TURMA, D.E. 18/04/2007.)
DESAPROPRIAÇÃO INDIRETA. ÁREA DE PRESERVAÇÃO OU ÁREA DE LOTEAMENTO. AUSÊNCIA DE ELEMENTOS SUFICIENTES PARA DEFINIÇÃO DA ÁREA DE PRESERVAÇÃO E SOBRE A RESTRIÇÃO E DESAPOSSAMENTO. - Existente dúvida sobre as terras objeto da desapropriação, qual seja, se pertencem à área de preservação ou se serviram de loteamento implantado e aprovado por órgão público. - É necessário aferir se realmente a área é de preservação permanente. -
A determinação de que a área é de preservação permanente não retira a propriedade dos autores e o dever de indenizar pelo seu desapossamento. A indenização certamente será diferenciada em face da restrição ao direito de propriedade, mas não será excluída. - A circunstância de haver restrições ao uso não afasta o direito à indenização, sendo certo que limitações administrativas não podem chegar ao ponto de aniquilar o direito de propriedade
. - Resultou duvidoso, também, o fato do desapossamento. - Não há elementos suficientes neste autos a permitir um juízo definitivo sobre, em primeiro lugar, se a área realmente é de preservação e, segundo, se houve restrição ou desapossamento da área. - Em conseqüência, a sentença é de ser anulada para que a prova seja complementada e esclarecida. (AC 200404010159969, VÂNIA HACK DE ALMEIDA, TRF4 - TERCEIRA TURMA, DJ 08/06/2005 PÁGINA: 1404.)
No que toca à
área
non edificandi
,
os Tribunais já deliberaram como segue transcrito abaixo:
ADMINISTRATIVO. AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE EM FAVOR DO DNIT. EDIFICAÇÃO À MARGEM DA RODOVIA FEDERAL BR-101. ÁREA NON AEDIFICANDI. OCUPAÇÃO DE ÁREA PÚBLICA POR PARTICULAR. IRREGULARIDADE. CARACTERIZAÇÃO. DIREITO À INDENIZAÇÃO. INEXISTÊNCIA.PREVALÊNCIA DO INTERESSE PÚBLICO. FAIXA DE DOMÍNIO EXISTENTE. AUSÊNCIA DE DIREITO À INDENIZAÇÃO. JUSTIÇA GRATUITA. CONDENAÇÃO DE HONORÁRIOS. DESCABIMENTO. APELO PARCIALMENTE PROVIDO.
1. A pretensão do ora apelante é a de que seja condenado o DNIT ao pagamento de indenização de imóvel situado às margens da BR 101, no município de São Sebastião/AL, que teria sido ocupado em decorrência da duplicação da citada rodovia federal. Requer,ainda, o afastamento da condenação em honorários advocatícios.
2.
Além das faixas de domínio, que possuem natureza de bem público de uso comum do povo, há, no entorno das rodovias e ferrovias, uma faixa de 15 metros de largura, que, apesar de bem privado, é afetada por limitação administrativa, denominada como áreanão edificável, ou non edificandi, porquanto nela não se pode construir. Inteligência do art. 4º da Lei 6.766/79
.
3. Compulsando os autos, verifica-se que, de fato, as construções de alvenaria pertencentes ao ora apelante, localizadas no Município de São Sebastião/AL, encontram-se inseridas em faixa de domínio existente de rodovia federal (BR-101/NE), conforme seobserva dos documentos acostados às fls. 11/17. Tais construções não são passíveis de legalização posto que erguidas em área não edificável, às margens de rodovia federal, ensejando sua demolição.
4.
No que diz respeito ao direito de indenização, a jurisprudência tem se firmado no sentido de que a área non edificandi, pela sua natureza de limitação administrativa, não gera direito à indenização
, em razão de não retirar a propriedade do imóvel.Precedentes do STJ e desta Corte Regional: RESP 200801651870, MAURO CAMPBELL MARQUES, STJ - SEGUNDA TURMA, DJE DATA:04/10/2010; AC555529/RN, RELATOR DESEMBARGADOR FEDERAL GERALDO APOLIANO, Terceira Turma, DJE 11/03/2014 - Pág. 131; PJE:08001800920134058000, AC/AL, RELATOR: DESEMBARGADOR FEDERAL ROGÉRIO FIALHO MOREIRA, Quarta Turma, JULGAMENTO: 20/08/2013.
5. Outrossim, foi oportunizado ao ora apelante a sua inclusão no Programa de Realocação da População Afetada na Faixa de Domínio Atual da BR-101/NE, sendo-lhe oferecido o valor de R$ 47.359,62 (quarenta e sete mil, trezentos e cinquenta e nove reais esessenta e dois centavos), no entanto, ele não entregou a documentação indispensável à confecção do processo indenizatório.6. Apelação do particular parcialmente provida, apenas para afastar a condenação em verba honorária, por ser beneficiário da justiça gratuita. (AC 00051557820114058000, Desembargador Federal Manoel Erhardt, TRF5 - Primeira Turma, DJE - Data::02/05/2014 - Página::100.)"
Vê-se que, não raro, a questão gravita em torno do alcance da limitação administrativa; caso ela tenha esvaziado a destinação econômica de determinado bem, afetando uma atividade mercantil, p.ex., a reparação será devida. Isso deve ser demonstrado, todavia, no processo pelo interessados, observadas a formas e ritos adequados para tanto.
2.79. Distribuição do ônus da prova -
exame precário
:
No presente caso, há uma natural assimetria entre a parte autora e a os requeridos, dado o poderio burocrático dos demandados. Isso não implica, porém, por si, a inversão do ônus da prova, prevista no art. 373, §1º, CPC/15. Ao menos, não para fins de antecipação de tutela.
Conquanto a teoria da distribuição dinâmica da prova, acolhida pelo art. 373, CPC/15, tenha seu relevo, cumprindo papel importante no processo, deve ser empregada como circunspeção, como anota Araken de Assis:
"(....)
Essa teoria tem cunho autoritário, porque concentra poderes no órgão judiciário, e, desse modo, traz consigo alto risco de subjetivismo
. Duas objeções principais, relevando o risco de prevaricação e o dever de fidelidade do juiz ao direito, opõem-se à doutrina: (a)
o já mencionado risco de subjetividade e, ademais, de relatividade: o que é fácil para certo juiz pode não o ser para outro
; e (b) a violação positiva ao direito fundamental processual do contraditório. Contra o risco de subjetividade, inexiste remédio; para a violação do contraditório, a medida cabível é a exigência de que haja motivo concreto, prévio e delimitado para a distribuição ope judicis. A distribuição do ônus da prova na decisão de saneamento e de organização do processo (art. 357, III) contrabalança os riscos, norteando a atividade das partes na instrução das causas. Seja como for, as objeções evidenciam que, entre nós, inexiste ainda densidade do direito fundamental à prova. O contraditório argumentativo (dizer e contradizer) não mais satisfaz.
As repercussões positivas ou negativas da repartição casuística podem ser aquilatadas e medidas nas relações de consumo. Em tal matriz, considerando o disposto no art. 6.º, VIII, da Lei 8.078/1990, passa-se à análise do tema, sublinhando que não se limita a tais espécies de litígio, em tese, a distribuição dinâmica." (ASSIS, Araken.
Processo civil brasileiro.
Volume II - Tomo II: Institutos fundamentais. SP: RT. 2015. p. 203-209)
Reputo que incumbe à autora o ônus de comprovar a veracidade da narrativa dos fatos, veiculada na peça inicial, o que tomo em conta para fins de avaliação do pedido de antecipação de tutela. Caso a demandada venha a alegar a ocorrência de algum fato obstativo do acolhimento da pretensão da autora, lhe caberá então fazer prova disso (art. 373, II, CPC/15).
2.80. Elementos de convicção - exame precário:
Com a peça inicial, a União anexou ofício da SPU enfatizando que
"a) Se já foi tomada alguma providência em relação às ocupações referidas, administrativa ou encaminhamento para ajuizamento; A SPU ainda não tomou providências para a notificação dos ocupantes irregulares. 3. b) Se essa SPU tem ciência de demandas judiciais relacionadas à área, e quais os números dos processos; Não foram encontrados processos para o local, apenas na área da restinga em Pontal do Paraná, mas no balneário Guapê. 4. c) Se as ocupações estão em faixa de praia e /ou terrenos de marinha, encaminhando planta ou imagem demonstrando a LPM. As ocupações estão em área de uso comum do povo, e se sobrepõem aos terrenos de marinha e acrescidos, conforme imagem abaixo."
Foram relacioandos os alegados moradores da região.
Apresentou dados de georreferenciamento do imóvel e relação de alegados ocupantes. No evento 14, o IBAMA enfatizou o seguinte:
"Conforme entendimento de processos similares anteriores, é compreensão desta divisão técnica que o fato da área ser de propriedade da União não acarretaria em competência automática do IBAMA simplesmente por uma questão de dominialidade federal. É compreensão também desta divisão técnica ambiental, portanto, que por razões de competência e limitação de recursos o ingresso em lides como esta só deve ocorrer em ações decorrentes de processos administrativos iniciados pelo IBAMA ou atrelados à questões ambientais de grande relevância ambiental ou afetos à competência de licenciamento ou fiscalização deste órgão. Nesse exato sentido a divisão de competências do poder de polícia ambiental estabelecido pela Lei Complementar nº 140/2011 e as orientações de atuação do Ibama em auxílio à polícia federal, ministério público e poder judiciário contidas na Orientação Jurídica Normativa Nº 49/2013 /PFE/IBAMA (SEI 8834716). Estando o presente processo já sendo bem conduzido pela PFE e pela Secretaria de Patrimônio da União (SPU-PR), não se visualiza, neste caso, razão suficiente para o ingresso nesta lide. Sendo o que havia para manifestar, encaminha-se este parecer para aprovação e para posterior encaminhamento de ofício de resposta ao órgão demandante."
Foram anexados documentos no movimento 15.
No evento 16, o IAT disse ter interesse em atuar na demanda como
amicus curiæ.
No movimento 86, encontra-se o termo de audiência.
No evento 90, há um relatório sobre a situação da área
. Segundo aludido documento,
"A origem desse quadro de acordo com os relatos dos ocupantes pioneiros, iniciou-se a cerca de 1920, quando o município ainda pertencia a Paranaguá. Atualmente filhos e netos dos primeiros ocupantes ainda vivem no local, e são em sua maioria famílias de pescadores, conhecidos como Caiçaras e/ou Nativos. Abaixo, imagem georreferenciada da área."
Ademais,
"Das 112 (cento e doze) unidades habitacionais identificadas na área, 44 (quarenta e quatro), famílias se autodeclararam como sendo de pescadores, entre as quais estão: 1 (um) auxiliar de pesca e 8 (oito) marisqueiras. Os demais moradores atuam em atividades econômicas diversas, considerando que a maioria se encontra na informalidade, o que torna a vulnerabilidade socioeconômica ainda mais evidente. A imagem abaixo revela característica quanto ao padrão geral das edificações construídas em faixa da marinha pertencente aos bens da união (orla marítima)."
Aduziu ainda que
"A ocupação cresceu com pouca ou sem estrutura, onde a planta da proposta aprovada não corresponde mais as necessidades das famílias prioritárias. O poder público municipal, solicitou a ampliação da área demarcada conforme imagem abaixo em amarelo, também de propriedade da união pois tem aproximadamente o dobro da área proposta e aprovada em ações anteriores. A marcação em vermelho é onde eles estão, como pode ser observado ambas estão próximas uma da outra, e segue como a nova proposta de ação para reassentamento/ realocação próximo das famílias de pescadores."
Além disse,
"A problemática identificada envolve uma série de ações a serem implementadas. O município poderá disponibilizar equipes para avaliação, monitoramento dos serviços, no que tange o acompanhamento social, psicológico e outros das famílias, sobretudo das famílias em maior vulnerabilidade social, ou seja, as que mais precisam dos serviços a fim de garantir-lhes o efetivo acesso à moradia digna. O município intensificou as ações considerando os levantamentos de demanda realizados, como também, vem realizando ações cadastrando as famílias no Cadastro de Pretendentes à Habitação de Interesse Social, onde as famílias que ali vivem constam no Plano Local de Habitação de Interesse Social – PLHIS, como necessidade contabilizados como déficit habitacional municipal. Por isso, busca-se alternativas junto a Companhia de Habitação do Paraná – Cohapar, conforme demanda apresentada via SISPEHIS no diagnóstico 2023, com isso pleiteamos programas e projetos habitacionais pensando a realocação/reassentamento das famílias para outras áreas públicas passíveis de regularização."
Foram apresentadas outras fotos da área.
Com a contestação de movimento 99, foram jungidas fotos. Esses são os elementos de convicção, o que registro com cognição precária.
2.81. Situação da demanda:
Registro que o pedido de antecipação de tutela pode ser alvo de revisão, na forma do art. 296, CPC. Ele foi indeferido pela insigne Juíza Titular ao início da causa. No momento, com cognição precária, reputo não ser o caso de deferir a reintegração da União na posse do terreno,. considerando o volume significativo de moradores, ausência de informações a respeito de local para o qual possam ser realocados.
Tenho em conta a urgência na solução da questão, eis que - supondo cuidar-se efetivamente de área de ocupação indevida -, a demora na solução da questão pode ensejar usos consolidados, em prejuízo ao alegado domínio da União.
De todo modo, nesta etapa do processo, não há como deferir a antecipação de tutela, sem prejuízo de nova análise do tema adiante.
III - EM CONCLUSÃO
3.1. REITERO que a Justiça Federal é competente para o processo e julgamento desta demanda, conforme art. 109, I, Constituição e art. 10, da lei n. 5.010/66.
3.2. ANOTO que há conexão desta demanda com os processos relatados acima, nos termos do art. 55, §1, Código de Processo Civil e leitura
a contrario sensu
da súmula 235, STJ, em prol da solução conjunta.
3.3. ENFATIZO ainda que a presente demanda não viola a garantia do respeito à coisa julgada - art. 5, XXXVI, Constituição e art. 508, CPC - e tampouco incorre em litispendência, art. 337, §2, CPC. Nâo estão preenchidos os requisitos para a suspensão do processamento desta causa.
3.4. REGISTRO que as partes estão legitimadas para a demanda e que o requerente possui interesse processual - art. 17, CPC. Não é o caso de litisconsórcio necessário, para além da necessidade de convocação da causa dos moradores dos imóveis em questão.
3.5. ACRESCENTO que o valor atribuído à causa revela-se escorreito, na forma do art. 292, CPC, como registrei acima.
3.6. DEFIRO a gratuidade de Justiça a favor dos demandados. Anote-se no termo de autuação - formulado nos eventos 45 e 18 a 36. Anote-se.
3.7. DEFIRO o ingresso da Colônia de Pescadores Z-5 de Pontal do Paraná na demanda, na condição de assistente simples - art. 119, CPC.
3.8. DEFIRO a atuação da Defensoria Pública da União no presente feito, na condição de
custos vulnerabilis
, como requerido nos eventos 43 e 52.
3.9. EXPEÇA-SE edital para citação dos requeridos Alessandro da Veiga e Maria da Luz Hilgenderg potenciais interessados, pendentes de identificação, conforme art. 256, I, CPC/15. Prazo exposição de 30 dias úteis, conforme art 257. Ao final do prazo de exposição, terá início do prazo para resposta - art. 231, IV, CPC.
3.10. DESIGNE-SE advogado(a) dativo(a) para atuar como curador(a) dos requeridos citados por edital que porventura não venham a se manifestar na demanda, facultando-lhe apresentação de contestação no prazo de 30 dias úteis, conforme art. 186, CPC, podendo promover impugnação por negativa geral - art. 341, CPC/15. Anoto que a DPU sustentou não poder atuar em nome de tais requeridos no processo conexo.
3.11. REGISTRO que, em princípio, o(a) advogado(a) dativo(a) designado também haverá de ser designado para defesa dos interesses dos requeridos que, citados pessoalmente, não tenham contestado a pretensão da União, contanto que tenham formulado requerimento para tanto. Caso seja constatado eventual conflito entre os interesses dos demandados, tal fato deverá comunicado pelo(a) advogado(a) nomeado(a), a fim de que a Secretaria promova a nomeação de mais um defensor dativo.
3.12. DESTACO que a pretensão deduzida na peça inicial não foi atingida pela prescrição - art. 1 do decreto 20.910/32. O instituto da decadência não se aplica ao caso.
3.13. SUBLINHO que promovi o equacionamento de alguns vetores acima, com cognição precária, com o fim de viabilizar adequada apreciação, adiante, do pedido de antecipaçação de tutela.
3.14. CITEM-SE os ocupantes Anderson de Amorim Gomes, Catarina Francisca, Claudinei Ribeiro da Silva, Cristiano Celestino Teixeira, Dominique Arabel dos Santos, Duvita Ribeiro da Rosa, Hildo Trix da Paz, José Martins dos Santos, Joseslaine Gois dos Santos, Maria do Socorro Paz Macedo, Robert Aparecido de Oliveira, Rodrigo Reis dos Santos, Rosemaria do Rocio Pinheiro e Soeli Madruga Dutra, identificados na certidão de evento 17, para querendo apresentarem contestação, no prazo de 15 (quinze) dias úteis, contados na forma do art. 231, CPC.
3.15. INTIME-SE o(a) defensor(a) nomeado(a) para apresentar defesa, no prazo de 15 (quinze) dias úteis, contados da intimação.
3.16. DEIXO de declarar a revelia dos requeridos indicados no evento 66, conforme fundamentação.
3.17. INTIMEM-SE os demandados
DANIEL FAVORETO
,
SILVIO MARCELO BERTO
,
ITAINA DA SILVA
e
GERSON ULISSES DE OLIVEIRA
para que, no prazo de 15 (quinze) dias úteis, regularizem sua representação processual, visto que os intrumentos de procuração juntados aos eventos 19.1, 30.2, 31.1 e 36.1 não foram assinados.
3.18. INTIMEM-SE, ainda, os demandados
SAMUEL RIBEIRO DA ROSA
,
SILVIO MARCELO BERTO
,
NEUSELI DE ALMEIDA
,
ROSINA FERREIRA ADRIANO
e SEBASTIAN PEDRO ALVES SOARES, para que, também no prazo de 15 dias úteis, instruam os autos com documentos pessoais, visto que não instruíram as contestações de eventos 18.3, 30.3 e 32.3.
3.19. INTIMEM-SE a União e o Município de Pontal do Paraná para se manifestarem, no prazo de 30 (trinta) dias úteis, contados da intimação, sobre o estado das tratativas necessárias para tanto e condições em que seria feita essa realocação. Sendo o caso, promoverei audiência para nova tentativa de conciliação, possibilitando a participação de todos os envolvidos. Menciono para tanto o relato de evento 192.1 dos autos n. 50373601220224047000.
3.20. INTIMEM-SE as partes e os interessados a respeito desta deliberação, a fim de que a demanda possa avançar em prol da sua solução.
3.21. SUBLINHO que, oportunamente, superadas as questões processuais porventura ainda pendentes, as partes e demais interessados na causa haverão de ser intimados para que, querendo, especifiquem as diligências probatórias pertinentes e necessárias para a solução do processo. Caso requeiram a inquirição de testemunhas deverão apresentar desde logo o pertinente rol, com a qualificação devida, atentando para o limite do art. 537, §6, CPC/15. Prazo de 30 dias úteis - entidade submetidas ao regime de direito público (arts. 180, 183, 186, Código de Processo Civil) - e de 15 dias úteis os demais, contados da intimação.
3.22. ACRESCENTO que, então, oportunamente, no mesmo prazo fixado no item 3.23., caso venham a requerer dilação pericial, deverão apresentar desde logo os quesitos correlatos, sem prejuízo de oportuna intimação para indicação de assistentes periciais e demais medidas do art. 465, §1, CPC, caso a medida venha a ser deferida pelo Juízo. Ficam cientes de que o decurso
in albis
do aludido prazo implicará preclusão temporal. Prazo de 30 dias úteis - entidade submetidas ao regime de direito público (arts. 180, 183, 186, Código de Processo Civil) - e de 15 dias úteis os demais, contados da intimação.
3.23. DESTACO, pois, que, tudo cumprido, o processo há de ser submetido ao saneamento, na forma do art. 357, CPC.
Conteúdo completo bloqueado
Desbloquear